“BAD TRIPS” podem ser as Melhores Trips – Walter Clark

 

MundoCogumelo de volta ao ar, e para marcar nosso retorno, escolhemos um artigo de 1976 de Walter Houston Clark que ilustra uma questão que vem sendo pouco debatida com a profundidade necessária. A Bad Trip, e se ela deveria ser evitada, contornada ou apreciada com a atenção que doamos a todo professor que algo possa nos ensinar.

Tendo em vista algumas abordagens perigosas de reducionismo químico, em sites e páginas de ufanismo farmacológico, que contrariam a psicologia, a redução de danos e negam a própria experiência humana enquadrando como meros desequilíbrios químicos as profundas questões psicológicas que envolvem as experiencias mais difíceis, conhecidas popularmente como “bad trips”, este artigo nos leva a debater essas experiências como momentos-chave de uma reestruturação pessoal, psicológica e social das mais impactantes que podemos alcançar. Apesar de antigo, o texto não é obsoleto e remonta, com todas as ressalvas que o tempo trouxe de atualizações, uma questão profunda e muitas vezes negligenciada.


 

“BAD TRIPS” podem ser as Melhores Trips
Walter Houston Clark
Revista FATE, Abril de 1976

Uma mistura única de análise freudiana e xamanismo mexicano
pode representar um avanço para a psicoterapia.

 

Quase um século se passou desde que Sigmund Freud revolucionou nossa compreensão das doenças mentais e seu tratamento. Muitos pensadores importantes – como Carl Jung – foram consideravelmente além de Freud ao canalizar as profundezas da psique humana. Mas nenhuma das inúmeras técnicas psicoterapêuticas desenvolvidas durante essas décadas de pesquisa conseguiu cumprir completamente sua promessa teórica em termos de resultados práticos. A psicoterapia para a maioria das pessoas continua sendo um empreendimento duvidoso, arriscado e caro.

Um médico mexicano pouco conhecido desenvolveu uma técnica que chega tão perto de cumprir sua promessa quanto qualquer outra com a qual eu esteja familiarizado. Combina várias formas de psicoterapia ocidental com a sabedoria dos xamãs indígenas mexicanos. Essas abordagens foram combinadas com a genialidade do Dr. Salvador Roquet, um eminente médico mexicano de saúde pública cujas realizações incluem banir a febre amarela do México. As responsabilidades do Dr. Roquet o colocaram em contato com os índios mexicanos e, consequentemente, com suas abordagens incomuns em relação à saúde, incluindo o uso de plantas alucinógenas para pesquisar a alma, a fim de curar a mente.

Quando o Dr. Roquet soube do meu interesse no uso de drogas psicodélicas para a reabilitação de prisioneiros, ele me convidou para a Cidade do México para investigar sua técnica. No início de 1974, visitei o “Instituto de Psicosintesis Robert S. Hartman”, nome de sua clínica na Cidade do México. O Instituto é um dos três ramos da Associação Albert Schweitzer; os outros são uma missão médica para indígenas e uma escola baseada nos desdobramentos psicológicos descobertos pelo Dr. Roquet em seu trabalho psiquiátrico. O Dr. Roquet me convenceu de que a melhor maneira de observar sua técnica era participar pessoalmente das sessões. Dessa forma, acredito que a melhor introdução à sua psicoterapia altamente original é relacionar minhas próprias experiências com ela.

Me dirigi ao Instituto às 22h em uma noite de fevereiro, junto com vários outros pacientes. Recebemos um teste psicológico chamado “Questionário de Valores Hartman”. Depois disso, mais pacientes chegaram e nos reunimos em uma sala adjacente para nos familiarizarmos entre si. Como não sei falar espanhol, me senti um pouco isolado até que um dos participantes me pediu em inglês para dizer algo sobre mim. Enquanto ele traduzia minhas observações para os outros, senti-me mais à vontade e mais um membro do grupo. Eventualmente, havia cerca de 25 de nós.

Entre meia-noite e uma hora da manhã, fomos levados a uma sala com menos de 30 por 40 pés. Cerca de 1.000 pés quadrados foram reservados como área de tratamento para os pacientes. Durante as próximas 20 horas, nenhum paciente teve permissão para deixar a área de tratamento, exceto para ir ao banheiro adjacente. Um espaço de 10 por 30 pés alocado para o corpo médico e equipamentos eletrônicos foi dividido da área de tratamento por uma mesa na qual o Dr. Roquet, sua equipe e alguns observadores estavam sentados. Seus casacos brancos os distinguiam dos pacientes. As paredes estavam cobertas com quadros bizarros pintados por ex-pacientes e imagens de Freud, Gandhi e o ex-presidente chileno Salvador Allende, além de um crucifixo pendurado em uma parede.

Após um breve período de exercícios semelhantes à ioga, cada um de nós foi autorizado a selecionar uma esteira como uma espécie de base para o período do tratamento. Os pacientes se deitaram e uma música repousante foi ligada. Logo depois, as luzes foram apagadas e uma série de filmes sonoros foi exibida. Eram cenas de violência, morte e pornografia grosseira, aparentemente projetadas para chocar e perturbar a sensibilidade do paciente comum. Em contrapartida, na sequencia exibiram outras cenas que refletiam beleza natural, amor, ternura e afins, de modo que toda a paixão e experiência humanas fossem representadas. Em outras partes da sala, imagens paradas com temas semelhantes foram projetadas contra as paredes. Coforme esse show de variedades continuava, a música aumentou gradualmente em volume e cacofonia. Os pacientes podiam assistir as cenas ou não como quisessem, mas era difícil ignorar o ataque aos nossos ouvidos. No entanto, a equipe nos impediu de adormecer.

Durante esse período, um paciente após o outro foi chamado à mesa, pesado e examinado por um médico. O médico que me examinou observou que meu coração estava forte o suficiente para o tratamento, mas que eu não deveria abusar. A altitude da Cidade do México me trouxe de volta uma irregularidade cardíaca que estava sob controle antes de eu deixar os Estados Unidos. Esta notícia, acentuada por algumas das cenas do vídeo, ajudou a transformar meus pensamentos em morte e problemas associados. Os outros pacientes pareciam igualmente perturbados.

Por volta das quatro ou cinco horas, a equipe começou a administrar as substâncias psicodélicas, a droga e a dosagem foram personalizadas para cada paciente. (Meu relógio havia sido retirado de mim, para que meu senso de tempo fosse desorientado.) Minha própria vez chegou no que julguei que eram cerca de seis horas e recebi 250 microgramas de LSD-25. Logo após todas as dosagens terem sido administradas, a sobrecarga sensorial atingiu seu pico. A música cacofônica e uma alternância de luzes brilhantes e escuridão total pontuada por estranhos efeitos neon criaram uma atmosfera extremamente estranha.

A essa altura, a sala começou a se assemelhar a um poço de cobras do século XIX ou mesmo a uma confusão do século XVIII. Muitos de nós chorávamos, outros rolavam no chão e gritavam angustiados, outros vomitavam, alguns olhavam para o espaço e outros ainda faziam movimentos hostis em direção ao equipamento eletrônico. Às vezes, eu tinha medo de que alguns pacientes pudessem atacar o Dr. Roquet, sentado impassivelmente, dirigindo os efeitos da experimentação responsável por essa violência e perturbação.

Eu próprio fiquei possuído por uma noção confusa de que as pessoas de jaleco branco eram atormentadores deliberados nomeados pela Inquisição para me tirar da razão. Todos pareciam tão imperturbáveis com a confusão que estavam criando que eu andei até a mesa e os denunciei violentamente por sua presunção, um ato dificilmente característico no meu estado mental normal. Com minha rápida alternância entre preocupações com a aproximação da morte, a ansiedade que me assustava sobre a experimentação com psicodélicos e a angústia por muitas coisas que pretendia, mas deixei de fazer, toda a experiência pode ser descrita como uma descida ao inferno. Eu mal conseguia distinguir o que era externo do que era interno.

No final desta fase do tratamento, a música e outros estímulos sensoriais foram diminuídos ou desligados e as luzes acesas. Referindo-se a registros individuais quando necessário, o Dr. Roquet convocou vários pacientes à mesa em sucessão e os questionou sobre seus problemas e experiências enquanto o resto de nós ouvia. Os tradutores interpretaram as várias línguas para os outros pacientes. Alguns pacientes foram convidados a ler passagens curtas apropriadas para seus problemas, talvez algo pessoal ou talvez escolhido pelos médicos, geralmente com expressões de angústia pungente. Uma jovem leu uma passagem do romance de Flaubert, Madame Bovary, que lhe externou uma identificação dolorosa com a personalidade de Emma, descrita no romance.

Durante esta fase do tratamento, certos indivíduos receberam uma injeção de cloridrato de ketamina, uma nova e poderosa droga usada pelo Dr. Roquet. Seus efeitos variavam com pessoas diferentes, mas geralmente produzia uma ab-reação¹ violenta. Um jovem que recebeu a injeção estava dando seu relato quando, de repente, caiu no chão em uma demonstração violenta de angústia e terror, vomitando e se contorcendo em tormento.

¹ ab-reação

PSICOLOGIA

descarga emocional pela qual um indivíduo se liberta do afeto que acompanha a recordação de um acontecimento traumático [Pode ser provocada, por exemplo, por hipnose, ou ocorrer de forma espontânea no decorrer do processo psicoterápico.].

Nesse momento, dois funcionários com sacolas e toalhas vieram em seu auxílio, demonstrando infinita gentileza e compaixão. Essa cena me impressionou com tanta força quanto minha convicção anterior de que os funcionários eram perseguidores. Percebi que toda a provação havia sido fabricada para o benefício dos pacientes e que o que parecia um inferno tinha se convertido em um paraíso. Essa percepção chamou minha atenção para os aspectos positivos do tratamento e me ajudou a voltar à normalidade.

Depois de mais ou menos uma hora, esta fase do tratamento terminou, as luzes foram apagadas novamente, música suave voltou a ser tocada e fomos convidados a descansar por várias horas. No final deste período, as janelas foram abertas, deixando entrar a luz do sol. Não tínhamos permissão para sair da sala, mas fomos convidados a nos exercitar e nos expressar dançando, se quiséssemos. A essa altura, senti-me intensamente sensível aos meus colegas e grato aos funcionários. Como não conseguia me comunicar na língua deles, me vi expressando meus sentimentos na dança improvisada.

Após o período de descanso, os poucos pacientes não processados receberam atenção. A equipe distribuiu a cada paciente fotos significativas de seus próprios arquivos – geralmente fotografias de família, fotos do próprio paciente em várias idades ou fotos de amigos e amantes. Por vezes, isso desencadeou mais cenas emocionais. Mas no final da tarde, cerca de 20 horas depois de eu ter chegado ao Instituto, todos haviam retornado a um estado normal de consciência. A essa altura, os respectivos parentes começaram a chamar pelos pacientes e senti grande consolo ao ver minha esposa. Por volta das nove horas, tivemos a cerimônia final; uma rosa foi dada de presente a cada sujeito. Nas minhas três semanas de permanência na Cidade do México, todos os pacientes que encontrei como observador ou como participante haviam retornado à consciência normal ao final do tratamento.

Alguns dias depois, os membros do meu grupo se reuniram para sessões de terapia em grupo de cinco horas ou, para alguns indivíduos, sessões privadas de menor duração. Cada paciente compôs um relato escrito de sua sessão para sua ficha. Essas sessões de acompanhamento continuaram até que a equipe decidisse que o paciente se beneficiaria com outra sessão longa, às vezes um mês depois, embora o espaço de tempo fosse maior à medida que o paciente melhorava. A melhora foi medida pelo teste de Hartman e também pelas impressões clínicas dos psiquiatras.

Como eu não era propriamente um paciente e como minha estadia no México seria breve, não participei de todo esse acompanhamento, mas participei de uma segunda longa sessão, cerca de duas semanas após a minha primeira.

Eu esperava tomar cloridrato de ketamina durante a minha segunda sessão, mas a irregularidade do meu coração persistiu e os médicos julgaram isso desaconselhável. Esta decisão mais uma vez voltou a minha mente para o tema da morte. Na minha segunda sessão, havia apenas 10 pacientes, um número mais gerenciável e ainda suficiente para uma interação valiosa entre os pacientes. Em todo caso, o procedimento foi semelhante à primeira vez, exceto que agora eu havia ingerido cogumelos Psilocybe frescos enviados em meu benefício pela própria Maria Sabina, uma curandeira de Huautla.

Dessa vez, re-experimentei o fenômeno da morte, mas em vez de descer ao inferno, a experiência assumiu quase o caráter de um festival, embora num contexto de solenidade alimentada pelas tensões do Requiem de Brahms. Não apenas obtive insights deliciosos e comoventes sobre minha própria vida subjetiva, mas também pude ver aspectos engraçados associados à minha morte, o que trouxe risos refrescantes. Eu também percebi como a cacofonia e a sobrecarga sensorial que foram projetadas para “me assustar completamente” têm um paralelo na sociedade em que a ocorrência perfeitamente natural da morte é transformada em um evento assustador que provoca medo na mente das pessoas comuns.

No geral, essa segunda sessão foi a mais rica das minhas 10 a 15 experiências com materiais psicodélicos. Foi a primeira experiência desse tipo em que a culpa não teve papel consciente. Não credito o resultado feliz dessa “trip” aos cogumelos, mas o importante condicionamento da minha “descida ao inferno” (a bad trip) anterior.

A eficácia da técnica do Dr. Roquet é evidente em meu estado de espírito desde que minhas experiências com ele ocorreram. Há quase dois anos, meu entusiasmo pela vida tem sido mais positivo do que nunca. Minha apreciação pela música cresceu quase a um vício e outros aspectos da minha vida foram igualmente enriquecidos. Naturalmente, isso me deu uma visão subjetiva do que o tratamento pode realizar para pessoas cuja saúde mental não está tão bem estabelecida quanto a minha.

Quais são as implicações da emocionante técnica do Dr. Roquet para o campo da saúde mental? Com base nas minhas três semanas de intenso envolvimento com seu programa, sinto que o que o psicanalista médio realiza em cinco ou seis anos,  Salvador  alcança com frequência em meses – e melhor, com custo de 10 a 20 vezes menor! O Dr. Roquet trouxe a psiquiatria para o século XX. Sem dúvida, um dia, seus métodos serão aprimorados, mas não duvido que sejam considerados um avanço crucial no progresso da psiquiatria.

Em minha pesquisa com drogas psicodélicas, muitas vezes descobri que as “bad trips” são as melhores trips, especialmente quando lidamos adequadamente com elas. O Dr. Roquet induz deliberadamente uma viagem ruim para trazer à tona os piores medos e problemas do paciente, embora isso possa significar, e geralmente significa, uma visita ao seu submundo particular, onde a ‘loucura’ se esconde. Por essa razão, o Dr. Roquet se refere à sua técnica como “psicodisléptica”, que significa “temporariamente perturbadora das funções da mente”. O objetivo específico dessa técnica é sobrecarregar as defesas cuidadosamente construídas que muitas vezes tornam a neurose ou psicose do paciente invulnerável ao médico. Muitos psiquiatras convencionais podem argumentar que esses métodos violentos podem prejudicar a psique. O resultado bem-sucedido de quase 3.000 pacientes tratados no Instituto obviamente responde melhor a essas objeções.

Qual a importância das substâncias no tratamento? Roquet diz que os medicamentos não representam mais de 10% do total do tratamento. Eu poderia concordar, mas também argumentaria que são 10% muito importantes. As substâncias psicodélicas parecem multiplicar a força da experiência e permitir que ela penetre nos níveis do inconsciente raramente visitados na psicoterapia comum.

Entre os outros fatores importantes na técnica estão os relacionamentos interpessoais. A naturalidade da equipe e a falta de alarme garantem ao paciente que o Dr. Roquet e seus colegas estão completamente no controle da situação. Mais importante, sua atitude ativamente compassiva durante as fases finais da terapia atua como uma influência vital de cura. Tão importante quanto é a interação entre os próprios pacientes – incluindo o toque de apoio e a consciência de que cada própria angústia é acompanhada pela de outra pessoa do outro lado da sala.

O Dr. Roquet desenvolveu uma teoria intuitiva e perspicaz subjacente à sua terapia, mas isso é muito complexo para ser apresentado aqui. Sem dúvida, ele eventualmente falará por si mesmo na tradução para o inglês.


Em 21 de novembro de 1974, o Dr. Salvador Roquet, seus assistentes e 25 pacientes foram presos durante uma sessão de terapia em grupo pela polícia mexicana, que invadiu o Instituto brandindo pistolas e metralhadoras. O ataque foi instigado por Guido Belasso, diretor ‘Centro Mexicano de Independência das Drogas’, de acordo com a revista mexicana “Tiempo”.

Os pacientes foram presos apenas brevemente, mas o Dr. Roquet e seu assistente, o Dr. Pierre Favreau, foram presos por vários anos devido à gravidade das acusações de crimes relativos à drogas. O Dr. Roquet operava sua clínica em total abertura por mais de seis anos tendo ganho a gratidão de oficiais do governo por sua ajuda na contenção de distúrbios na Universidade do México, tratando com sucesso um líder estudantil radical.

Uma organização dos ex-pacientes de Roquet, liderada por influentes mexicanos, veio em defesa do doutor e vários ilustres psiquiatras americanos testemunharam a validade e a eficácia de seus métodos. Por fim, os drs. Roquet e Favreau foram liberados das acusações e autorizados a reabrir o Instituto.

 

Traduzido diretamente de Psychedelic Libraby

A Matriz Transcendental do Universo

O mergulho intelectual de Aldous Huxley na galáxia mitológica das grandes religiões do mundo resultou no livro “A Filosofia Perene”, de 1964. Baseado nos “relatos em primeira mão” dos ditos “homens santos” ou “profetas”, a obra expõe a ideia de uma doutrina comum e estável como base de toda diversidade desses sistemas religiosos que emergiram em diferentes tempos e lugares ao longo da história humana – a essa doutrina universal Huxley chamou de “Filosofia Perene”.

Na visão de Huxley, a Filosofia Perene representa o conhecimento deixado por alguns sábios e profetas que conheceram diretamente a natureza da “Realidade substancial ao mundo multiforme”, o “Princípio Absoluto de toda existência”. A experiência direta desses reconhecidos expoentes com a natureza da realidade apontaria persistentemente para um consenso acerca de uma base eterna e transcendental do ser. A ideia central da Filosofia Perene é, portanto, um retrato da sua característica histórica – ou seja, o fator perene em toda mitologia religiosa é a referência a um fator perene como origem de toda manifestação temporal. Em outras palavras, a ideia persistente de toda religiosidade humana é sobre uma dimensão una e eterna no centro de toda existência multiforme e transitória, sendo o conhecimento direto desse fato – claramente expresso na fórmula sânscrita “tat tvam asi” (Tu és Aquilo) – a finalidade de todo ser humano, para assim “encontrar Aquilo que realmente é”.

No ocidente, costumamos nos referir a algo semelhante através da palavra “alma”. Originada no latim anima, é equivalente da palavra grega psyché, que significa “sopro”, e foi tomada por Platão como metáfora para um princípio universal de movimento da vida. Mas, à luz dessas observações, a visão comum de “alma” utilizada no ocidente começa a parecer distorcida, já que normalmente é entendida como indicativo de individualidades eternas, isoladas e independentes “habitando” os seres orgânicos. Esse caráter universal, não-local e multiforme da alma, enfatizado pelos xamãs, sábios e profetas do passado, é deixado de lado em nossa cultura obcecada com a preservação da individualidade.

Mas, dentro da visão original da Filosofia Perene, a Alma – ou a Base do SER – é a matriz transcendental de todo Universo; uma unidade transdimensional multifacetada de onde tudo vem, para onde tudo vai e onde tudo está – antes, após e além da existência transitória no mundo ordinário -, e que contém em si própria todas as possibilidades da existência universal. Cada uma das miríades de manifestações do nosso universo pode ser vista como a amplificação – ou a “canalização” – de um aspecto muito específico dessa Alma universal, se aproximando daquilo que o biólogo Rupert Sheldrake, na sua tentativa de compreender a origem das formas no mundo natural, chamou de “campos morfogenéticos”.

O legado dos sábios e profetas nos diz que é possível para a consciência conhecer diretamente a natureza transcendental da Alma, mas esse conhecimento superior apenas pode ser expresso em metáforas – que no terreno religioso se transformam em mitos. A noção de um substrato eterno que dá suporte a toda manifestação temporal está presente em todos os tempos e lugares, e já foi expressa de muitas formas diferentes, variando de acordo com a cultura em que é modulada. Joseph Campbell disse que a origem e a finalidade central de qualquer mitologia é a experiência de integração entre esses dois aspectos paradoxais da existência. Huxley parece seguir a mesma lógica, afirmando que os verdadeiros ensinamentos espirituais representam relatos daqueles que “conheceram diretamente a Deus”. A idéia de “contato com Deus” é, precisamente, uma referência metafórica sobre a experiência direta de integração entre o reino da eternidade e a dimensão do tempo/espaço, ou entre o mundo perene e o mundo perecível.

“Ver o Universo num grão de areia, e o Céu em uma flor silvestre, ter o infinito nas palmas das mãos e a Eternidade em uma hora.” – William Blake.

“Para medir a alma temos que medi-la com Deus, pois a Base de Deus e a Base da Alma são unas e idênticas” – Eckhart

Referências:

– A Filosofia Perene – Aldoux Huxley

– Joseph Campbell – O Poder do Mito

– Rupert Sheldrake e o os “campos morfogenéticos”

Arqueólogos da Mente – Conectando Passado e Futuro

Nos locais mais inóspitos da Terra, homens obstinados buscam pistas sobre as nossas misteriosas origens. Ruínas, fósseis, restos de objetos humanos e pinturas em cavernas que sobreviveram no ambiente por milênios são meticulosamente garimpados e escrutinados, buscando juntar os cacos que ajudem a reconstruir a história que a nossa memória coletiva parece ter perdido. O homem, acumulador de conhecimentos, construtor de megalópoles, inventor de naves espaciais e colisores de hádrons que buscam a centelha inicial do universo, paradoxalmente não sabe de onde veio. É um estranho para si próprio. Diante dessa amnésia crônica, os raros restos deixados no mundo físico pelos nossos antepassados parecem ser as únicas pegadas do caminho tempestuoso que a nossa espécie trilhou até aqui. E, embora tenham certo êxito em encontrar e datar as pegadas do homem pré-histórico, os sacerdotes da cultura moderna parecem ter muito pouco a dizer sobre o suas reais implicações e significados.

O dogma científico atual diz que os seres humanos anatomicamente modernos – fisicamente iguais a qualquer um de nós – já estavam plenamente formados cerca de 200 mil anos atrás. Apesar disso, os primeiros vestígios de todas as características que hoje nós consideramos como a assinatura diferenciada da nossa espécie – todas as atividades “culturais”, como religião, arte e comunicação avançada por símbolos –  surgiram “do nada” somente  cerca de 50 mil anos atrás. Muito pouco se sabe sobre as formações iniciais dessas atividades culturais, e praticamente nada sobre o grande hiato de cerca de 150 mil anos, quando foi preparado o terreno para nosso mergulho nos domínios da evolução epigenética. Considerado como “o maior enigma da nossa história”, esse é um dos grandes motores da arqueologia e paleontologia.

Do pouco que se sabe, uma coisa é certa: esses vestígios foram deixados pelos praticantes da primeira religião da humanidade, que muito recentemente ganhou o pomposo nome de “xamanismo”. Os artistas das cavernas eram, nas palavras de Joseph Campbell, “os primeiros contadores de histórias” entre os homens; os primeiros a expressar uma compreensão do mundo em linguagem inteligível para os demais; os primeiros criadores de mitos sobre o universo e o lugar da nossa espécie nele.  E a força-motora dessas novas formas de expressão foram – como continuam sendo nos locais onde ainda sobrevive a prática arcaica do xamanismo – os estados de transe nos quais os xamãs mergulham sistematicamente por meio de variadas técnicas.

A informação de que pelo menos uma grande parte dessas obras de arte primitivas representa visões e outras formas de percepção obtidas pelos xamãs durante os estados de transe é uma verdade que já passou pelo limiar de ser ridicularizada e violentamente combatida para ser finalmente reconhecida pela sua autoevidência*. Nossa dificuldade é avançar a partir daí, já que o reino das visões, seres teriantrópicos e forças mágicas que os xamãs afirmam ser a fonte primordial do seu conhecimento é um território não só desconhecido, mas completamente rejeitado pela única forma de conhecimento sancionada pela cultura ocidental moderna. Assim como 90% do DNA humano já foi declarado como “DNA lixo” porque os cientistas não conheciam suas funções (hoje se sabe que o “DNA lixo”, de lixo não tem nada), a dimensão visionária da qual os falam eloquentemente os xamãs de todas as épocas e lugares é considerada como um mero subproduto de uma anomalia mental, ou seja, sem qualquer significado ou utilidade real. Essa suposição tomada como fato ergueu uma muralha na trilha do nosso autoconhecimento histórico.

Tentar entender o que se passava milênios atrás, quando nossos ancestrais começaram a apresentar os primeiros traços dos comportamentos que agora consideramos com orgulho como aqueles que nos diferenciam dos outros animais, é uma viagem de volta no tempo em busca do que quer que seja a controversa “natureza humana” – nada mais do que o momento evolutivo em que estabelecemos as bases psicossociais para o tipo de organização que hoje chamamos de “civilização”.  Esse não pode ser um domínio restrito aos representantes oficiais das instituições culturalmente sancionadas – se fosse, já poderíamos ter declarado seu fracasso. Estamos tratando sobre os corações e mentes de seres humanos iguais a nós, quando começaram a adquirir consciência e dar significado ao mundo. Para isso, é preciso mergulhar de verdade na mente do homem pré-histórico, penetrando na natureza das experiências que catalisaram essa transformação – muito além do mero registro de dados frios.

Isso significa atravessar a trilha das cavernas físicas para as cavernas interiores, que continuam tão abandonadas quanto quando foram deixadas para trás pelos nossos ancestrais.  Significa dar voz aos arqueólogos da mente – aqueles que são capazes de atravessas as camadas de sedimentos psíquicos acumuladas por milênios e alcançar de volta a mente ancestral do homem. Pois, assim como pinturas rupestres e fósseis se ocultam nos sedimentos interiores de antigas rochas, a mente do homem pré-histórico ainda habita as camadas mais profundas da nossa psique.  Carl Jung e outros diriam que não apenas “habita”, mas exerce uma função estrutural muito maior do que gostaríamos de admitir, influenciando de forma determinante desde a formação da nossa personalidade pessoal até as mitologias de todas as épocas e lugares (Jung chamou de “arquétipos” as dinâmicas organizacionais autônomas – ou “moldes psíquicos” – que deram forma à nossa estrutura mental desde tempos imemoriais).

Tal qual a forma do nossos corpos, a estrutura das nossas mentes é uma herança do longo caminho evolutivo trilhado pelos homens primitivos durante os milhares de anos que antecederam a corrida louca da História humana. Uma complexa construção em camadas que, se explorada com seriedade, promete nos levar, passo-a-passo, de volta ao coração do macaco no momento em que ele começou a sonhar com o futuro.

Numa Era em que a civilização humana sofre com uma crise de consciência e falta de sentido sem precedentes que nos levaram à beira de uma catástrofe global, refazer essa conexão perdida com a nossa história psíquica coletiva se torna um imperativo para encontrarmos um novo lugar possível para o homem no mundo.

* “Toda verdade passa por três estágios: No primeiro, ela é ridicularizada; no segundo, é rejeitada com violência; no terceiro, é aceita como evidente por si própria.” (Schopenhauer)

Referências:

– HANCOCK, Graham.  Sobrenatural: Os Mistérios que cercam a origem da religião e da arte

– JUNG, C G. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo

– CAMPBELL, Joseph.  O Poder do Mito

– MCKENNA, Terence. O Alimento dos Deuses

Enfrentando a prisão após caçar cogumelos mágicos

Paul Lee Corbett, morador de Washington, EUA, é um caçador de cogumelos mágicos de 63 anos com grande amor pela natureza. Entre 1968 e 1976, ele viveu, estudou e viajou entre o Noroeste do Pacífico, nas Rocky Mountains, e regiões do Alasca. Ele passou grande parte de sua vida no Alasca, onde sustentou sua família utilizando o ambiente que os rodeava. Ele utilizava redes e linhas para pesca, caçava seu alimento e cultivava seus vegetais. Além disso, é um amante de longas mochiladas entre o Alasca e a Colúmbia Britânica. “Eu amo a natureza e a paz de estar nela”, ele diz.

Enquanto explorava essas terras, Corbett ao mesmo tempo criou uma forte relação com o uso da paisagem através das substâncias enteógenas, como a cannabis, LSD, e cogumelos mágicos. Corbett conhece bastante, de fato, sobre cogumelos mágicos – e não somente por comer eles. Ele é um forrageador experiente com vasto conhecimentos sobre as diferentes espécies de cogumelos psicodélicos, que possuem uma diversidade de aproximadamente centenas de espécies, pertencendo a algumas dezenas de gêneros.

Ele dá crédito ao LSD em particular por ter “mudado sua mente em todas as direções” e libertado ele de seu vício em heroína. Mas os efeitos permanentes foram muito mais profundos. “Eu não  me sentia mais confortável nessa sociedade, os Estados Unidos, ou até mesmo qualquer sociedade”, ele diz. Após suas experiências com drogas, ele deixou os EUA, viajando para o norte antes de chegar no Alaska, recomeçando sua vida em localidades remotas.

Atualmente, Corbett está enfrentando uma possível sentença de prisão de cinco anos por posse de cogumelos que contém psilocibina. Em novembro de 2016, ele foi preso por coletar cogumelos mágicos no Cape Disappointment Park no estado de Washington. Ele viu o que parecia ser uma nova espécie não identificada de cogumelo mágico, coletando o espécime para análise posterior. Corbett alega inocência, argumentando que ele não cometeu nenhum crime e não feriu ninguém. Ele estava apenas exercendo sua curiosidade natural, ele disse.

Ele coletou os primeiros cogumelos mágicos nos arredores de Seattle em 1972. “Aquilo abriu meus olhos para as informações recentes sobre estação e localização, então eu me tornei curioso sobre aquilo”, ele contou. “Eventualmente eu encontrei outras espécies de Psilocybe. Uma vez que você encontra o cogumelo, você aprende sobre os outros cogumelos que crescem com ele, quais são os tipos de árvore, qual tipo de substrato eles se desenvolvem, seja ele grama ou casca de árvore. Os cogumelos o educam sobre o resto da floresta e do ambiente também”.

Corbett estava fazendo uma trilha no Cape Disappointment Park quando ele notou grandes cogumelos avermelhados em uma pilha de lascas de madeira, que para seu conhecimento, não eram identificadas. Um sinal próximo dizia: “Proibido coletar cogumelos: violadores sujeitos a processo criminal”. Corbett ignorou o aviso, surpreendido por sua descoberta. “Todo mundo que vai para lá pens que esses cogumelos são Psilocybe azurescens, mas eles não são. Eles são mais potentes como os “liberty caps”  (Psilocybe semilanceata), e são muito, muito bonitos. Mais perto, na grama, ele encontrou azurescens verdadeiros. Mais espécimes do cogumelo misterioso haviam surgido perto do local onde Corbett tinha estacionado seu caminhão.

cogumelos magicos psilocybe semilanceata
Cogumelos mágicos Psilocybe semilanceata

Os cogumelos estranhos, Corbett acredita, são uma sub-espécie – senão uma espécie totalmente diferente – de azurescens. “Eu os coloco junto pois eles são claramente diferentes, sem nenhum engano. Eles não se parecem nenhum pouco”. Após armazenar a sacola em seu caminhão, Corbett coloca mais 10 cogumelos em seu bolso, quando um guarda sai dos arbustos com uma arma apontada para a cara de Corbett.

O guarda olhou nos bolsos de Corbett em procura dos cogumelos, e então o algemou. Outro guarda logo chegou também. Corbett revelou calmamente onde os outros cogumelos estavam armazenados, e os oficiais revistaram seu veículo. Ele foi preso e então levado para a prisão local. Depois que a polícia chamou um juiz, eles foram aconselhados a libertar Corbett. Ele voltou para a costa de Washington para sua esposa, Joyce, que ele nunca pode deixar sozinha por muito tempo pela sua debilidade física.

Joyce, companheira de Corbett

Corbett foi acusado de posse de uma substância controlada, punida em Washington com até 5 anos de prisão e fiança de 10.000 dólares. Foi oferecida a ele um acordo de um ano de condicional com 15 dias na prisão, mas ele imediatamente recusou. “Joyce utiliza a cannabis medicinal para reduzir um quarto de sua medicação para a dor”, ele explica, “mas na condicional ela não poderia nem estar no mesmo local que eu”.

“Além disso”, ele adiciona (com um tom de enfado), “eu não cometi um crime. Não existe nenhum lado prejudicado envolvido no que ocorreu, somente Joyce e eu. De fato, durante minhas coletas, eu provavelmente salvei centenas de pessoas que eram realmente estúpidas”. Nem todas as espécies de cogumelos são seguras para o consumo, ele afirma. Através do conhecimento que ele obteve e compartilhou em uma longa jornada de forrageio, ele preveniu iniciantes de sofrerem possíveis efeitos colaterais fatais.

Corbett esteve na corte diversas vezes desde o incidente, mas o caso ainda não foi resolvido. Vinte e quatro horas antes de um de seus compromissos na corte, foi ordenado que ele deixasse sua esposa no hospital sob risco de desrespeito ao tribunal – apesar dos pedidos do doutor para que fosse feito o contrário – e dirigisse por 6 horas de Fort Townshend, sua residência, para comparecer à audiência.

Corbett foi fustrado pelo que ele considerou conselho insuficiente ou até mesmo contraprodutivo de seus advogados, que sugeriram a ele se declarar culpado. Eles se recusaram a discutir qualquer coisa relacionada a cogumelos ou enteógenos, e esperam que Corbett aceite a acusação e cumpra a pena. Mas ele está determinado a desafiar a lei e provar sua inocência.

Desde então ele despediu seus advogados e espera contratar um que represente melhor ele e sua situação única. Ele abriu uma campanha de arrecadação para custear as despesas legais e as despesas médicas de sua parceira.

Desde a prisão, Corbett e Joyce tem viajado por Washington, devido à uma recente hospitalização e cirurgia que Joyce foi submetida. Ele afirma que a pior consequência provável de sua convicção será deixar para trás sua parceira. “Nós estamos vivendo em um acampamento agora – que é muito bom – mas ela não é capaz de viver sozinha”. Ambos dependem da renda por invalidez, e não possuem dinheiro para aluguéis.

Corbett dá um suspiro profundo quando expõe essa situação. “Isso deve acabar. As pessoas precisam se educar. Minha esperança é educar toda a corte. É um mistério para todos nós o motivo desses cogumelos serem ilegais. E é um mistério para mim por que a palavra ‘liberdade’ não se aplica à minha curiosidade e uso enteogênico”.

Ele está inseguro do seu próprio destino, mas ele não perdeu a fé nas gerações jovens. “Eu tenho a esperança que a educação sobre essas substâncias enteogênicas possam nos auxiliar a mudar o mundo, pois estou preocupado com ele. Eu espero que esse novo movimento possa mudar as coisas. Então nós olhamos para tudo – cada um e a Terra – de um modo que seja mais cuidadoso e mais para o lado do amor.

“Eu acho que as pessoas realmente não conhecem os cogumelos e onde eles habitam. Eles vivem em lindos lugares, lugares incríveis. E novamente eles também nos seguem seja por onde formos. Eles querem estar conosco, e nos ensinar”.

Corbett retornará ao julgamento em novembro de 2017, depois de mais duas audiências programadas no outono.

Fonte

 

Uma entrevista com Albert Hofmann

escrito por Michael Horowitz 1976
Originalmente publicado na High Times


Dr. Albert Hofmann:

 — A princípio, eu não estava de acordo com a ideia de publicar esta entrevista [na revista High Times]. Eu estava chocado e surpreso pela existência de tal revista, cujos textos e propagandas tendem a tratar o assunto das drogas ilegais com uma atitude casual e irresponsável. Também, a maneira com a qual a High Times trata sobre a política da maconha, cujo problema necessita urgentemente de uma solução, não corresponde à minha abordagem. Mesmo assim, eu cheguei a decisão de que minhas declarações, aparecendo numa revista direcionada a leitores que, atualmente, fazem uso de drogas ilegais, pode ser de especial valor e poderia ajudar a diminuir o abuso e uso indevido das drogas psicodélicas. Michael Horowitz convenceu-me de que uma descrição precisa da descoberta do LSD, das plantas mágicas mexicanas (sobre as quais tantas versões enganosas existem), e minha opinião dos vários aspectos do problema das drogas, dentre outros tópicos, seria útil para uma grande e interessada audiência de pessoas nos Estados Unidos. Esta entrevista tem como objetivos a promoção de informação sobre o que essa classe de drogas pode e não pode fazer, e quais são os seus potenciais perigos.


 

No alto da Segunda Guerra Mundial, quatro meses após a criação artificial da primeira reação nuclear ser liberada em uma pilha de minério de urânio em Chicago, um traço acidentalmente absorvido do produto de um semi natural fungo do centeio, silenciosamente explodiu no cérebro de um químico suíço de 37 anos, que trabalhava nos laboratórios de pesquisa da Sandoz em Basel. Ele relatou ao seu diretor:

“Fui forçado a interromper meu trabalho no laboratório no meio da tarde e ir para casa, enquanto eu era apreendido por uma peculiar inquietação associada a uma sensação moderada de tontura… uma espécie de embriaguez que não era desagradável, e que era caracterizada por uma atividade extrema da imaginação … surgiu sobre mim um fluxo ininterrupto de imagens fantásticas de plasticidade e vividez extraordinárias e acompanhadas por um intenso, caleidoscópio jogo de cores….”

Três dias depois, em 19 de abril de 1943, o Dr. Albert Hofmann ocupou-se de um auto experimento, que tanto confirmou os resultados de sua experiência psicoativa anterior, como revelou uma fascinante nova descoberta: aqui jazia a primeira substância conhecida a produzir efeitos psíquicos em dosagens muito pequenas, mensuráveis apenas em microgramas! O Dr. Hofmann havia descoberto o LSD-25.

A dietilamida do ácido lisérgico (LSD) foi entusiasticamente investigada pela profissão psiquiátrica europeia como uma possível chave para a natureza química da doença mental. Acreditava-se que seus efeitos mimetizavam o estado psicótico. Assim que o LSD foi introduzido na psiquiatria americana em 1950, rapidamente o interesse disseminou-se entre os militares dos Estados Unidos e aos interesses de segurança nacional. Em meados de 1950, o LSD estava sendo pesquisado como um intensificador da criatividade e estimulador da aprendizagem; rumores de suas qualidade extáticas, místicas e psíquicas começaram a vazar através dos escritos de Aldous Huxley, Robert Graves e outros luminares literários.

Um experimento de Harvard, não médico e em larga escala, envolvendo o LSD e outras drogas psicodélicas no início dos anos 60, precipitou uma feroz controvérsia sobre os limites da liberdade acadêmica, e focou a atenção nacional na droga hoje conhecida como “ácido”. A meio caminho da turbulenta década, um milhão de pessoas havia experimentado o LSD do mercado-negro, engendrando uma revolução neurológica cujo o resultado ainda não foi averiguado. Em 1966, o Congresso proibiu o LSD.

O Dr. Hofmann hoje vive numa aposentadoria confortável, em uma colina com vista para a fronteira Suíça-França. Ele concedeu a High Times esta exclusiva entrevista, para discutir não apenas as implicações de sua descoberta do LSD, mas também suas investigações químicas menos divulgadas, sobre os agentes ativos de várias plantas sagradas mexicanas.

Considerando o trabalho de sua vida, o Dr. Hofmann parece um provável candidato ao Prêmio Nobel em química. Suas descobertas não apenas ampliaram nosso conhecimento de químicos psicoativos e disparou a imaginação de milhares de cientistas, historiadores e outros pesquisadores; mas elas tiveram um direto e revolucionário impacto na habilidade da humanidade de entender e ajudar a si mesma.


Horowitz:
Que trabalho você fazia antes de descobrir o LSD?

Hoffman:
Nos primeiros anos de minha carreira, no laboratório de pesquisas farmacêuticas da Sandoz em Basel, eu estava ocupado principalmente com investigações sobre componentes cardíacos, glicosídeos da cila (ou “Scilla maritima”). Estas investigações resultaram na elucidação da constituição química do núcleo comum destes agentes, fornecendo medicamentos valiosos que são amiúde usados no tratamento de insuficiência cardíaca.

A partir de 1935, eu trabalhei nos alcalóides do ergot, resultando no desenvolvimento da ergonovina, a primeira preparação sintética de alcalóides naturais do ergot: Methergin, usado em obstetrícia para interromper hemorragias; e Hydergine, para queixas geriátricas.

Em 1943, os resultados deste primeiro período da minha pesquisa na área do ergot foram publicados num jornal científico, “Helvetica Chimica Acta”. Como resultado de meus primeiros oito anos da pesquisa com ergot, eu sintetizei um grande número de derivados do ergot: amidas do ácido lisérgico; o ácido lisérgico sendo o núcleo característico dos alcalóides naturais do ergot. Dentre essas amidas do ácido lisérgico, também estava a dietilamida do ácido lisérgico.

Horowitz:
Você tinha LSD em seu laboratório já em 1938?

Hofmann:
Sim. Na época, uma série de experimentos farmacológicos estavam sendo realizados no departamento de farmacologia da Sandoz. Excitação acentuada foi observada em alguns dos animais. Mas estes efeitos não pareceram interessantes o suficiente aos meus colegas de departamento. O trabalho com LSD foi suspenso por vários anos. Como eu tinha um sentimento estranho de que seria valioso executar estudos mais profundos neste composto, acabei preparando uma quantidade fresca de LSD na primavera de 1943. No decorrer deste trabalho, uma observação acidental levou-me a executar um planejado auto experimento com tal composto, que então resultou na descoberta dos extraordinários efeitos psíquicos do LSD.

Horowitz:
Que tipo de droga você estava tentando fazer quando sintetizou o LSD?

Hofmann:
Quando eu sintetizei a dietilamida do ácido lisérgico, código de laboratório LSD-25 (ou simplesmente LSD), eu havia planejado a preparação de um composto analéptico; um estimulante circulatório e respiratório. A dietilamida do ácido lisérgico está relacionado, em sua estrutura química, com a dietilamida do ácido nicotínico, conhecido por ser um analéptico eficaz.

Horowitz:
A descoberta do LSD foi um acidente?

Hofmann:
Eu diria que o LSD foi resultado de um complexo processo, que teve sua gênese em um conceito bem definido, seguido por uma síntese apropriada, isto é, a síntese da dietilamida do ácido lisérgio – durante o curso do qual uma observação fortuita serviu como gatilho para um auto experimento planejado, que então levou a descoberta dos efeitos psíquicos deste composto.

Howoritz:
“LSD-25” significa que a preparação do LSD, com os característicos efeitos psicoativos, foi a vigésima quinta que você fez?

Hofmann:
Não, o número 25 por trás do LSD significa que a dietilamida do ácido lisérgico foi o vigésimo quinto composto que eu havia preparado numa série de amidas do ácido lisérgico.

Horowitz:
No relato publicado de sua primeira experiência com o LSD, em 16 de abril de 1943, às 15h00 em Basel, você escreveu sobre uma “intoxicação de laboratório”. Você engoliu algo, respirou um vapor, ou algumas gotas de solução caíram sobre você?

Hofmann:
Não, eu não engoli nada, e eu estava acostumado a trabalhar sob várias condições de limpeza pois, em geral, essas substâncias são tóxicas. Você deve trabalhar muito, muito limpo. Provavelmente, um traço da solução de dietilamida do ácido lisérgico, que eu estava cristalizando do álcool metílico, foi absorvido através da pele dos meu dedos.

Horowitz:
Quão grande foi a dose que você tomou naquela primeira vez, e qual foi a natureza e intensidade daquela experiência?

Hofmann:
Eu não sei—um traço imensurável. A primeira experiência foi bem fraca, consistindo em pequenas mudanças. Tinha uma agradável qualidade de filme de conto de fadas. Três dias depois, em 19 de abril, 1943, eu fiz meu primeiro experimento planejado, com 0,25 miligramas (ou 250 microgramas).

Horowitz:
Você engoliu?

Hofmann:
Sim, eu preparei uma solução de 5 miligramas e tomei uma fração correspondente a 250 microgramas, ou 25 milionésimos de uma grama. Eu não esperava que esta dose funcionasse, e planejava tomar mais e mais, até obter os efeitos. Na época, não havia nenhuma outra substância conhecida que tivesse qualquer efeito numa dose tão pequena.

Horowitz:
Os seus colegas sabiam que você estava fazendo este experimento?

Hofmann:
Somente meu assistente.

“Das minhas experiências com LSD… eu recebi o conhecimento de não apenas uma, mas de um número infinito de realidades.”

Horowitz:
Você estava familiarizado com o trabalho sobre mescalina feito por Klüver, Beringer e Rouhier no final dos anos 1920, antes de você fazer, em você mesmo, experimentos com substâncias alteradoras da mente?

Hofmann:
Não – eu fiquei interessado no trabalho deles somente após a descoberta do LSD. Eles são pioneiros na área das plantas psicoativas.

A mescalina, estudada pela primeira vez por Lewin em 1888, foi o primeiro alucinógeno disponível como um composto quimicamente puro; LSD foi o segundo. As investigações de Karl Beringer foram publicadas na clássica monografia “Der Meskalinrausch” em 1928, mas nos anos seguintes, interesse na pesquisa de alucinógenos desapareceu gradualmente.

Não foi até minha descoberta do LSD, que é aproximadamente 5.000 a 10.000 vezes mais ativo que a mescalina, que esta linha de pesquisa recebeu novo ímpeto.

Horowitz:
Naquela tarde, por quanto tempo você conseguiu escrever notas de laboratório?

Hofmann:
Não muito. À medida que os efeitos se intensificavam, eu percebia não saber o que iria acontecer, se algum dia eu voltaria ao normal. Eu pensei que estava morrendo ou ficando louco. Eu pensei na minha esposa e duas crianças pequenas, que nunca saberiam, ou entenderiam, por que eu teria feito aquilo. Meu primeiro auto experimento planejado com o LSD foi uma “bad trip”, como dizem nos dias de hoje.

Horowitz:
Por que levou quatro anos, desde a sua descoberta dos efeitos psíquicos do LSD, até a publicação de seu relato? Sua informação foi abafada?

Hofmann:
Não havia abafamento sobre este conhecimento. Depois da confirmação, por parte dos meus voluntários da equipe da Sandoz, da ação deste extraordinário composto, o Professor Arthur Stoll, que na época era o diretor do departamento de farmacologia da Sandoz, perguntou-me se eu permitiria seu filho, Werner A. Stoll—que estava iniciando sua carreira no hospital psiquiátrico da Universidade de Zurique—enviar este novo agente para um estudo psiquiátrico fundamental em voluntários normais e em pacientes psiquiátricos. Esta investigação levou um longo tempo, pois, o Dr. Stoll, assim como eu e a maioria dos jovens suíços naquele período de guerra, frequentemente tínhamos que interromper nossos serviços e servir ao exército. Esse excelente e compreensivo estudo não foi publicado até 1947.

Horowitz:
Agentes governamentais, cientes do LSD, lhe abordaram durante a Segunda Guerra Mundial?

Hofmann:
Antes do relatório psiquiátrico de Werner Stoll em 1947, não havia nenhum conhecimento geral sobre o LSD. Em contrapartida, nos círculos militares dos anos 1950, havia discussão aberta sobre o LSD como uma “droga incapacitante”, e portanto “uma arma sem morte”. Na época, o Exército dos EUA enviou um representativo a Sandoz para falar comigo sobre o procedimento de produção de LSD em larga quantidade.

Claro, o plano de usá-lo como um “agente incapacitante” não foi viável, pois não havia maneira de distribuir uniformemente as doses—alguns tomariam um monte e outros não tomariam nada. Discussões sobre os usos militares do LSD não eram segredo naqueles tempos, apesar de alguns jornalistas falarem como se fosse.

Horowitz:
O nome de Arthur Stoll aparece junto ao seu no artigo de química onde a síntese do LSD é descrita pela primeira vez. Qual era a conexão dele com esta investigação?

Hofmann:
O nome de Stoll, como parte de sua função de diretor do departamento, aparece em todos os artigos vindos dos laboratórios de pesquisa da Sandoz; mas ele não teve conexão direta nenhuma com a descoberta do LSD. Ele foi um dos pioneiros na pesquisa com ergot, tendo isolado em 1918 o primeiro alcalóide quimicamente puro do ergot—a ergotamina—que mostrou ser um medicamento útil no tratamento de enxaqueca. Mas então a pesquisa com ergot foi interrompida na Sandoz, até que eu retomei-a novamente em 1935.

Horowitz:
Quem foi a segunda pessoa a tomar LSD?

Hofmann:
Professor Ernst Rothlin, o então diretor do departamento de farmacologia da Sandoz. Rothlin estava duvidoso quanto ao LSD; ele alegou ter uma volição forte, e que era capaz de suprimir os efeitos de drogas. Mas após ter tomado 60 microgramas—um quarto da dose que eu havia tomado—ele ficou convencido. Eu tive que rir enquanto ele descrevia suas fantásticas visões.

Horowitz:
Você tomou LSD fora do laboratório?

Hofmann:
Por volta de 1949 a 1951, eu arranjei algumas sessões domiciliares com LSD, na companhia amigável e privada de dois bons amigos: o farmacologista Heribert-Konzett, e o escritor Ernst Jüenger. Jüenger é o autor de, entre outras obras, “Abordando Revelações: Drogas e Narcóticos” [“Annaeherungen; Drogen und Rausch“. Stuttgart: Klett. 1970].

Eu fiz isso com o intuito de investigar a influência dos arredores, das condições exterior e interior na experiência do LSD. Esses experimentos mostraram-me o enorme impacto do—para usar termos modernos—set & setting sobre o conteúdo e caráter da experiência.

Também aprendi que o planejamento tem suas limitações. Apesar do bom humor no início de uma sessão—expectativas positivas, belos cenários e companhia simpática—certa vez eu caí numa terrível depressão. Esta imprevisibilidade dos efeitos é o maior perigo do LSD.

Horowitz:
Há quanto tempo e com que frequência você continua a tomar LSD?

Hofmann:
Os meus 10 a 15 experimentos com LSD foram distribuídos ao longo de 27 anos. O último foi em 1970. Desde então, eu não tomei mais LSD, pois acredito que, tudo o que uma experiência de LSD pode me dar, já foi-me dado. Talvez, mais tarde em minha vida, eu precise tomar uma ou várias vezes mais.

Horowitz:
Qual foi a sua maior dose única de LSD tomada?

Hofmann:
250 microgramas.

Horowitz:
Você recomendaria o uso de LSD?

Hofmann:
Eu suponho que sua pergunta refere-se ao uso não medicinal de LSD. Atualmente, se tal uso fosse legal (o que não é o caso), eu sugeriria as seguintes diretrizes: a experiência é melhor conduzida por uma pessoas madura, estável e com uma razão significativa para tomar o LSD.

No que diz respeito aos seus efeitos psíquicos e sua constituição química, o LSD pertence àquele grupo de drogas mexicanas, “peyotl”, “teononocotl” e “ololiuqui”, que tornaram-se drogas sagradas devido a sua misteriosa maneira de afetar o cerne da mente.

A veneração temerosa das religiões indígenas pela droga psicodélica, pode ser substituída, em nossa sociedade, por respeito e reverência, baseado em conhecimento científico estabelecido de seus efeitos psíquicos únicos.

Esta atitude respeitosa em relação ao LSD, deve ser complementada por condições externas apropriadas—pela escolha de um ambiente inspirador e uma companhia selecionada para a sessão; e havendo assistência médica disponível, no caso em que for preciso.

Horowitz:
Os efeitos do ergotismo são similares aos do LSD?

Hofmann:
Há duas formas de ergotismo: “ergotismus gangrenosus” e “ergotismus convulsivus”. A primeira é caracterizada por sintomas de gangrena, porém não acompanha efeitos psíquicos. Na última forma, contrações e convulsões dos músculos acarretam, frenquentemente, num estado comparável à epilepsia—uma condição às vezes acompanhada por alucinações, e assim relacionada aos efeitos do LSD. Isso pode ser explicado pelo fato de que os alcalóides do ergot têm o mesmo núcleo básico que o LSD; isto é, eles são derivados do ácido lisérgico.

 

“Eu fiquei sabendo… que os russos estudaram os usos do LSD em investigações militares e parapsicológicas; e que eles estavam à procura de um antídoto.”

 

Horowitz:
Você concorda com o termo “psicodélico”, cunhado pelo Dr. Humphry Osmond?

Hofmann:
Eu acho que é um bom termo. Corresponde melhor aos efeitos dessas drogas do que “alucinógenos” ou “psicotomiméticos”. Outra denominação adequada seria “phantastica”, cunhada por Loius Lewin nos anos 1920; mas não foi aceita em países anglo-saxônicos.

Horowitz:
Você descreveu as suas investigações sobre drogas psicoativas como um “círculo mágico”. O que você quer dizer?

Hofmann:
Minhas investigações com as amidas do ácido lisérgico me levaram ao LSD. O LSD trouxe os cogumelos sagrados mexicanos à minha atenção, que levou à síntese de psilocibina, que por sua vez trouxe a visita de Gordon Wasson e as subsequentes investigações com o “ololiuqui”. Lá, de novo eu me encontrei com as amidas do ácido lisérgico, encerrando o círculo mágico 17 anos depois.

Horowitz:
Você pode descrever os eventos que levaram a isso?

Dr. Hofmann segurando o fungo Ergot no centeio, março 1976.

Hofmann:
Após ter estudado a cerimônia do cogumelo no México, durante 1954 e 1955, Gordon Wasson e sua esposa convidaram o micologista Roger Heim a acompanhá-los numa nova expedição em 1956, a fim de identificar o cogumelo sagrado.

Ele descobriu que, a maioria dos cogumelos, eram de uma nova espécie pertencente ao gênero “Psilocybe mexicana”, da família “Strophariaceae”. Em seu laboratório em Paris, ele foi capaz de artificialmente cultivar alguns deles, mas, após tentativas mal sucedidas em isolar o princípio ativo, ele enviou os cogumelos sagrados aos laboratórios Sandoz, na esperança de que nossa experiência com LSD nos permitiria resolver o problema. Num certo sentido, o LSD trouxe os cogumelos sagrados ao meu laboratório. Primeiramente, testamos o extrato de cogumelo em animais, mas os resultados foram negativos. Era incerto se os cogumelos cultivados e secados em Paris continuavam ativos; então, a fim de resolver este ponto fundamental, decidi testá-los em mim mesmo. Eu comi 32 espécimes secos de “Psilocybe mexicana”.

Horowitz:
Não é uma dose grande?

Hofmann:
Não. Os cogumelos eram muito pequenos, pesando apenas 2,4 gramas—uma dose média, segundo os padrões indígenas.

Horowitz:
Como foi?

Hofmann:
Tudo assumiu um caráter mexicano, fosse com meus olhos fechados ou abertos. Eu via apenas temas e cores mexicanas. Quando o doutor, supervisionando o experimento, curvou-se para verificar minha pressão sanguínea, ele foi transformado em um sacerdote asteca, e eu não ficaria surpreso se ele houvesse sacado uma faca de obsidiana.

Foi uma experiência forte e durou cerca de seis horas. Os cogumelos estavam ativos; os teste em animais deram resultados negativos devido à comparável baixa sensibilidade dos animais para substâncias com efeitos psíquicos.

Horowitz:
Você então procedeu com a síntese?

Hofmann:
Depois deste confiável teste em seres humanos (o que significa que eu e meus colegas de trabalho ingeriram as frações a serem testadas), eu extraí os princípios ativos dos cogumelos, purifiquei-os e finalmente os cristalizei.

Eu nomeei “psilocibina” o principal princípio ativo do “Psilocybe mexicana”; e psilocina para o seu alcalóide acompanhante, geralmente presente apenas em quantidades pequenas. Então, eu e meus colegas estávamos capazes de elucidar a estrutura química da psilocibina e psilocina, e após isso, nós conseguimos sintetizar tais compostos.

Hoje, a produção sintética de psilocibina é muito mais econômica do que obter do próprio cogumelo. Assim, o “teonanacatl” fora desmistificado—as duas substâncias, cujo efeitos mágicos fizeram os indígenas mexicanos acreditarem por milhares de anos que um deus residia no cogumelo, poderiam agora ser preparadas em uma retorta.

Horowitz:
Em uma de suas palestras gravadas, Aldous Huxley descreveu o encanto da famosa “curandera” de Wasson, Maria Sabina de Huautla, sobre a ingestão da psilocibina. Ela percebeu que poderia fazer magia durante todo o ano, e não apenas na sessão do cogumelo após as chuvas.

Hofmann:
Aquela era a minha psilocibina. Quando eu e Wasson visitamos Maria Sabina, não haviam cogumelos sagrados pois, era muito tarde na estação do ano; então fornecemos a ela pílulas contento psilocibina sintética.

Após ter tomado uma dose um tanto forte, no decorrer da sessão noturna, ela disse não haver diferenças entre as pílulas e os cogumelos. “O espírito do cogumelo está na pílula”, disse ela—prova final de que nossa preparação sintética era idêntica, em todos os aspectos, ao produto natural.

Horowitz:
O que incitou sua investigação de outra das plantas sagradas mexicanas, o “ololiuqui”?

Hofmann:
Quando Wasson veio a Sandoz, em meu laboratório, para ver os cristais de psilocibina sintética, ele estava encantado com os resultados de nossa investigação química, que haviam confirmado seus estudos etnomicológicos sobre os cogumelos sagrados. Nos tornamos amigos e fizemos planos futuros para investigar as plantas sagradas mexicanas.

O próximo problema que decidimos atacar, foi o enigma do “ololiuqui”, que é o nome asteca para as sementes de certas glórias-da-manhã. Com a ajuda de Wasson, eu pude obter sementes de “ololiuqui” coletadas por indígenas zapotecas. A análise química (das sementes de “ololiuqui”) forneceu um resultado bastante surpreendente. O princípio ativo que isolamos mostrou-se ser a amida do ácido lisérgico, e outros alcalóides do ergot.

Horowitz:
Então o “ololiuqui” é quimicamente relacionado ao LSD?

Hofmann:
Sim. O principal alcalóide do “ololiuqui” é a amida do ácido lisérgico, que difere do LSD—da dietilamida do ácido lisérgico—por apenas dois radicais etil. Eu não esperava encontrar derivados do ácido lisérgico—que na época eram conhecidos apenas como produtos de fungos inferiores do tipo ergot—também em plantas superiores, em espécies da glória-da-manhã da fanerogâmica família dos “Convolvulaceae”. Meus resultados foram tão surpreendentes, que o primeiro artigo enviado sobre o assunto, em Melbourne em 1960, havia sido recebido com ceticismo pelos meus colegas. Eles não acreditavam em mim. “Oh, você tem tantos compostos de ácido lisérgico em seu laboratório, talvez tenha contaminado seu “ololiuqui” com extratos deles”, diziam eles.

Horowitz:
Qual era o propósito de sua jornada ao México?

Hofmann:
Era uma expedição que Wasson organizou no outuno de 1962, em busca por outra não identificada e mágica planta mexicana, a saber, a chamada “hojas de la Pastora”. Nós viajamos a cavalo em trilhas indígenas pela Sierra Mazateca, chegando finalmente em tempo para estar presente numa cerimônia noturna, na cabana de uma curandera que utilizava o suco de folhas da “hojas de la Pastora”. Mais tarde, conseguimos obter algumas amostras da planta. Era uma nova espécie da família da hortelã, que foi, posteriormente, identificada botanicamente na Universidade de Harvard e nomeada “Salvia divinorum”. De volta ao meu laboratório na Sandoz, eu não tive sucesso em extrair o princípio ativo, que na “Salvia divinorum” é muito instável.

Horowitz:
Os efeitos psicoativos da “Salvia divinorum” são similares àqueles do LSD e “Psilocybe mexicana”?

Hofmann:
Sim, porém menos pronunciados.

 

Horowitz:
Quais escritores você acha que têm mais sucesso em transmitir a experiência psicodélica na literatura?

Hofmann:
Eu acho que as melhores descrições estão nos livros de Aldous Huxley. Em seguida, eu diria Timothy Leary e Alan Watts; na França, Henri Michaux.

Na literatura alemã, Rudolf Gelpke merece ser mencionado a este respeito, mas eu creio que seu trabalho não esteja disponível em inglês. “Von Fahrten in den Weltraum der Seele” [“Viajem no Cosmos da Alma”], publicado no jornal “Antaios” em 1962, é especialmente bom. Eu devo também mencionar a nova monografia do Dr. Stan Grof, “Realms of the Human Unconscious” [New York: Viking, 1975], contendo descrições excelentes de sessões com LSD na perspectiva de estudos psiquiátricos.

Horowitz:
Herman Hesse ou Carl Jung alguma vez mostraram interesse em sua descoberta?

Hofmann:
Eu nunca conheci Hesse, mas seus livros—especialmente “O Jogo das Contas de Vidro” e “O Lobo da Estepe”—me interessaram profundamente em relação à pesquisa com LSD. É possível que Hesse experimentou com mescalina nos anos 1920, como alguns supõe—eu não tenho forma alguma de saber. Exceto um breve encontro com Jung, em um congresso internacional de psiquiatras, eu não tive contato com ele.

Horowitz:
Alguma vez você se encontrou com Aldous Huxley?

Hofmann:
Duas vezes. Em 1961, eu me encontrei com ele para almoço em Zurique; e novamente em 1963, quando ambos estávamos atendendo a Conferência WAAS [World Academy of Art and Science], onde tópicos gerais sobre superpopulação, esgotamento dos recursos naturais e ecologia foram discutidos. Eu fiquei profundamente impressionado com Huxley: ele irradiava vida, inteligência, bondade e franqueza—e claro, era extremamente articulado.

Horowitz:
O que você acha do “Livro Tibetado dos Mortos”, como um guia para a experiência psicodélica, conforme sugerido por Huxley e os pesquisadores de Harvard, dentre outros?

Hofmann:
As ideias e instruções gerais dadas, sobre como preparar e conduzir a sessão psicodélica, são o resultado de longas experiências nesta área, e parecem muito valiosas. O que me perturba é o uso estrangeiro do simbolismo tibetano. Eu prefiro que permaneçamos dentro do nosso próprio quadro cultural—que usemos símbolos encontrados nos escritos de místicos ocidentais, tais como Silesius, Eckhart, Boehme e Swedenborg.

Horowitz:
Qual foi sua impressão sobre o trabalho do Dr. Timothy Leary com psicodélicos?

Hofmann:
Eu formei minha primeira impressão do Dr. Leary em 1963. Naquela época, ele estava envolvido, juntamente com seu colega, o Dr. Richard Alpert, em um projeto na Universidade de Harvard investigando o uso de LSD e psilocibina na reabilitação de presidiários. O Dr. Leary me enviou um pedido de 100 gramas de LSD, e 25 quilos de psilocibina. Antes que o departamento de vendas da Sandoz pudesse executar a demanda de extraordinária quantidade de compostos psicodélicos, solicitamos ao Dr. Leary o fornecimento da licença de importação necessária das autoridades de saúde dos EUA. Ele falhou em fornecê-la. A maneira irrealista na qual ele lidou com esta transação, deixou a impressão de um pessoa indiferente aos regulamentos da sociedade.

Eu tive um vislumbre de outra faceta de seu caráter quando, mais tarde naquele mesmo ano, ele me convidou a participar de um encontro em Zihuatanejo (México) sobre pesquisa de drogas. Ele emfatizou que rádio, televisão e jornalistas das mais importantes mídias de massa estariam presentes, o que revelou uma personalidade muito pública em sua consciência.

Horowitz:
Você se encontrou com Leary mais tarde, não?

Hofmann:
Uma década depois que o Dr. Leary escapou da prisão e estava vivendo em exílio na Suíça. Eu estava ansioso para conhecê-lo pessoalmente, tendo lido tanto sobre ele na mídia durante o período de intervenção. No dia 3 de setembro de 1971, se encontraram em Lausanne o pai e o profeta do LSD.

Eu fiquei surpresso em encontrar, não um cientista do tipo professoral, nem um fanático; mas um delgado, sorridente e juvenil homem, representando mais um campeão de tênis do que um professor de Harvard.

No decorrer de nossa conversa, o Dr. Leary deu-me a impressão de uma pessoa idealística, que acredita na influência transformadora das drogas psicodélicas sobre a humanidade; que é consciente do complexo problema de drogas e, ainda assim, era desleixado quanto a todas as dificuldades envolvidas na promoção de suas ideias.

Horowitz:
Além do seu estilo pessoal, o que você achava das ideias do Dr. Leary na época de seu encontro na Suíça?

Hofmann:
Nós estávamos de acordo no que concerne a enorme importância de fazer uma distinção fundamental entre as drogas. Concordamos que o uso de drogas produtoras de dependência, especialmente a heroína (com seus desastrosos efeitos somáticos e psíquicos), deveriam ser evitadas por qualquer meio possível. Concordamos também, na avaliação dos potenciais efeitos benéficos das drogas psicodélicas. Nós discordamos quanto à extensão e por quem os psicodélicos devem ser usados.

Ao passo que o Dr. Leary advoga o uso de LSD, sob condições apropriadas, por pessoas muito jovens, por adolescentes, eu insisti que uma personalidade madura e estável fosse uma condição prévia. Madura pois, a droga pode liberar apenas o que já está na mente. Não traz nada novo—é como uma chave que pode abrir uma porta para o nosso subconsciente. Estável pois, é necessário força espiritual para manusear e integrar uma esmagadora experiência psicodélica em sua “Weltbild” (N.T.: visão de mundo).

Horowitz:
O LSD possui qualidades afrodisíacas?

Hofmann:
Apenas no sentido em que o LSD adiciona novas dimensões para todas experiências; incluindo, é claro, a sexual.

Horowitz:
Você se beneficiou financeiramente de sua descoberta do LSD?

Hofmann:
Não.

Horowitz:
A Sandoz é uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo. Como que lidou com a produção e distribuição de uma substância tão controversa quanto o LSD?

Hofmann:
Desde o início, era claro que o LSD (apesar de suas extraordinárias qualidades) não tornaria-se uma preparação farmacêutica de valor comercial. Não obstante, a Sandoz colocou um enorme esforço em investigações científicas da substância, mostrando o papel eminente que o LSD poderia ter como uma excelente ferramenta na pesquisa do cérebro e na psiquiatria.

Portanto, a Sandoz tornou o LSD disponível no mundo todo, para investigadores clínicos e experimentais qualificados, a fim de promover tais pesquisas com ajuda técnica e, em muitas casos, auxílio financeiro. A Sandoz teve um papel nobre no desenvolvimento científico do LSD.

Horowitz:
A Sandoz interrompeu a produção de LSD porque ele estava entrando no mercado negro?

Hofmann:
Em 1965, no começo da histeria do LSD, a Sandoz interrompeu completamente a distribuição de LSD para propósitos de pesquisa, no intuito de evitar toda possibilidade (e para contrariar falsos rumores) de que o seu LSD estaria entrando no mercado negro. Outra razão, era forçar autoridades de saúde de diferentes países, a fornecer regras e regulações adequadas sobre a distribuição de LSD. Depois que isso foi realizado, novamente eles forneceram LSD para distribuição na América pela FDA [Food and Drug Administration], porém apenas aos investigadores licenciados.

 

“Aos 19 anos, eu tomei a decisão de tornar-me químico, por razões ambas místicas-filosóficas e curiosidade.”

 

Horowitz:
Nos Estados Unidos, tem havido uma recente grande investigação sobre experimentos indequados com LSD, conduzidos pela CIA, Exército, Marinha e outras agências governamentais. Eles obtiveram LSD da Sandoz, assim como Timothy Leary obteve o dele em seu projeto psicodélico de Harvard?

Hofmann:
A Sandoz fornecia a Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (a FDA), que então distribuía na América. Provavelmente, foi assim que a CIA e outros obtiveram.

Horowitz:
Você alguma vez foi abordado por agentes soviéticos, à procura de LSD da Sandoz ou de suas especialidades?

Hofmann:
Isso não aconteceu. Eu fiquei sabendo, de cientistas suecos em Estocolmo, que os russos estudaram os usos do LSD em investigações militares e parapsicológicas; e que eles estavam à procura de um antídoto. Mas a empresa farmacêutica de Spofa, em Praga, é que provavelmente forneceu o LSD.

Horowitz:
Você está familiarizado com o químico underground, Stanley Owsley, que nos anos 60 produziu a mais ampla distribuição de LSD clandestino?

Hofmann:
Eu escutei o seu nome mencionado nesse contexto, porém, não sei mais nada sobre ele.

Horowitz:
Quanto tem sido a pureza do LSD clandestino que você testou?

Hofmann:
Alguns continham a quantidade “rotulada”, alguns menos. É difícil de fazer uma preparação estável em condições laboratoriais menos que perfeitas. Você deve eliminar todo traço de oxigênio. Oxidação destrói o LSD, assim como a luz.

Horowitz:
Vocês está familiarizado com a substância parecida com o LSD, chamada ALD-52, que teve destaque num julgamento sobre ácido há dois anos?

Hofmann:
Sim. ALD-52 é acetil-LSD, uma modificação do LSD que se mostrou ser tão ativa quanto o original, pois, o acetil é removido dentro do corpo e então você tem os efeitos do LSD. Tem sido utilizado apenas experimentalmente. Alguns anos atrás, nós o enviamos ao Centro de Reabilitação de Drogas em Lexington (Kentucky) para testagem.

Horowitz:
O que você sabe sobre ketamina?

Hofmann:
Ketamina é um psicodélico totalmente sintético, diferentemente do LSD, que é um produto semissintético.

Horowitz:
Para muitas pessoas, o LSD proporciona algo que elas chamam de experiências religiosas. Quais são seus sentimentos sobre isso?

Hofmann:
Pessoas a quem o LSD proporciona experiências religiosas, esperam ter tais experiências quando elas tomam LSD. Expectativa—que é idêntica à auto sugestão—determina, num alto grau, o que irá acontecer na sessão, pois, sua extrema sugestibilidade é uma das características mais importantes do estado mental do LSD.

Outra razão para a incidência de experiências religiosas, é o fato de que o próprio núcleo da mente humana é conectado a Deus. Esta mais profunda raiz de nossa consciência, que no estado normal é encoberta por superficiais atividades racionais da mente, pode revelar-se através da ação de uma droga psicodélica.

Horowitz:
O LSD é um agente evolutivo?

Hofmann:
Possivelmente. No estado mental do LSD, podemos nos tornar conscientes, nas palavras de Teilhard de Chardin, do “todo complexo das relações inter humanas e intercósmicas com um imediatismo, uma intimidade e um realismo” que, de outra forma, aconteceria apenas em estados extáticos espontâneos, e para poucos abençoados.

Entre líderes espirituais, existe consenso de que, a continuação do presente desenvolvimento, caracterizado pelo crescimento da industrialização e superpopulação, irá resultar na exaustão dos recursos naturais e destruir as bases ecológicas da existência humana neste planeta. Esta tendência de auto aniquilação, é re forçada por políticas internacionais baseadas em “viagens de poder” e na preparação de armas de potencialmente apocalípticas.

Esse desenvolvimento pode ser impedido apenas através de uma mudança na atitude materialista que causou o próprio desenvolvimento. Esta mudança pode resultar apenas da percepção das raízes espirituais mais profundas da vida e da existência; do uso compreensivo de todas as forças de nossa inteligência e de todos os recursos de nosso conhecimento.

Esta abordagem intelectual, complementada pela experiência visionária, poderia produzir uma alteração de consciência sobre a verdade e realidade, que então poderia ter uma significância evolutiva. O LSD, seletiva e sabiamente usado, poderia ser o meio de alguém complementar a percepção intelectual e visionária, e ajudar a mente preparada a tornar-se consciente de uma realidade mais profunda.

Horowitz:
Suas experiências com LSD mudaram sua vida pessoal e gostos?

Hofmann:
Aumentou minha sensividade para música clássica—especialmente Mozart. Meus hábitos de vida não mudaram.

Horowitz:
Sua mulher também experimentou com psicodélicos?

Hofmann:
Sim. Uma vez no México, na sessão com “Salvia Divinorum”, quando eu tive um problema gástrico e não poderia ingerir o suco, ela tomou meu lugar. Ela também ingeriu algumas das pílulas de psilocibina durante a sessão histórica em que Maria Sabina confirmou sua potência.

Horowitz:
Para quais usos médicos gerais o LSD poderia ser comercializado no futuro?

Hofmann:
Doses muito pequenas, talvez 25 microgramas, poderiam ser úteis como um euforizante ou antidepressivo.

Horowitz:
Quais de seus trabalhos estão disponíveis em inglês?

Hofmann:
Há vários anos atrás, eu e o Dr. Richard Evans Schultes de Harvard, fomos coautores de um livro chamado “The Botany and Chemistry of Hallucinogens“. Destina-se, primariamente, em fornecer conhecimento básico de botânica e química das plantas alucinógenas a estudantes especializados. Atualmente, estou escrevendo minhas memórias; mas estas serão publicadas primeiro em alemão.

Horowitz:
O que você tem feito desde sua aposentadoria da Sandoz?

Hofmann:
Eu me aposentei em 1971, após 42 anos com a Sandoz. Desde então, eu tenho escrito e dado aulas sobre drogas psicoativas. Aqui em casa, eu trabalho no pomar e corro nas florestas para me exercitar. É maravilhoso poder passar um monte de tempo na natureza intocada, após décadas de trabalho em laboratórios.

Horowitz:
Em seu livro “Gravity’s Rainbow”, o autor americano Thomas Pynchon descreveu um vitral em seu escritório, nos enfadonhos laboratórios da Sandoz. Isso é verdade?

Hofmann:
Isso é verdade. Agora está aqui em minha casa. Na realidade, é um moderno vidro em estilo antigo, retratando Esculápio e seu mentor, o centauro Quíron.

Horowitz:
Os suíços estão orgulhosos de sua descoberta do LSD e das sínteses da psilocibina e “ololiuqui”, ou a controvérsia em torno destas drogas dissiparam isso?

Hofmann:
Minhas descobertas se mostraram bastante controversas. Alguns consideram estas drogas como sendo “diabolique”, e uns clérigos pediram-me para confessar minha culpa em público; mas em círculos profissionais, meu trabalho tem sido apreciado. Eu fui honrado pelo Instituo Nacional Politécnico aqui na Suíça; por graus honorários em ciência natural e em farmacologia no Swedish Royal Pharmaceutical Institute; e nos Estados Unidos, por uma adesão honorária na Sociedade Americana de Farmacognosia.

Horowitz:
O que o fez decidir tornar-se um químico?

Hofmann:
Eu estava interessado em saber do que nosso mundo era feito. A química é a ciência dos constituintes do mundo, então aos 19 anos, eu tomei a decisão de tornar-me químico, ambos por razões ambas místicas-filosóficas e curiosidade.

Horowitz:
O LSD afetou sua perspectiva filosófica?

Hofmann:
Das minhas experiências com LSD, incluindo a terrível primeira vez, eu recebi o conhecimento de não apenas uma, mas de um número infinito de realidades. Experienciamos uma realidade diferente, dependendo da condição de nossos sentidos e receptores psíquicos. Eu percebi que a profundeza e riqueza dos universos interior e exterior são imensuráveis e inesgotáveis; mas que devemos retornar destes mundos estranhos para nossas casas e viver aqui, na realidade que é fornecida pelos nossos sentidos normais e saudáveis. É como astronautas retornando de voos espaciais: eles devem reajustar-se a este planeta.

Em algumas de minhas experiências psicodélicas, eu tive um sentimento de amor extático e unidade com todas as criaturas do universo. Ter tido tal experiência de absoluta beatitude significa um enriquecimento de nossa vida.

Horowitz:
Como você gostaria que gerações futuras lembrassem de você e sua descoberta?

Hofmann:
Talvez a imagem de um químico andando de bicicleta, em sua primeiríssima viagem de LSD, irá mudar para o Velho da Montanha.

FONTE


Agradecemos imensamente a tradução feita pela colaborador Canonical Commutation.
Seja você também um colaborador, entre em contato:

equipemundocogumelo@gmail.com

Navegando nos Estados de Consciência

Texto de Ralph Metzner

Texto colhido do site Reality Sandwich, em que Ralph Metzner, uma das figuras mais importantes e ainda vivas da cultura psicodélica moderna em seu primórdio, parceiro de Timothy Leary e Richard Alpert, disserta sobre os estados de consciência durante o estado psicodélico. O texto tinha o intuito de convidar os psiconautas para um curso que ele estaria ministrando neste mês de fevereiro, de 2017, via internet. Boa leitura!


 

Android Jones — DREAMCATCHER

O conceito de  estados alterados de consciência (ASCs) entrou em destaque na psicologia ocidental nos anos 1950 e 1960, principalmente devido a três avanços paradigmáticos. Um deles foi a descoberta de movimentos oculares rápidos (REM) durante o sonho,  foi a primeira vez que as variações fisiológicas registráveis poderiam ser correlacionadas de forma confiável com um estado subjetivo específico de consciência. A segunda descoberta foi de que as gravações de atividade elétrica no cérebro (EEG), na faixa de frequência de 8 a 12 ciclos por segundo (chamadas ondas alfa) foram correlacionadas de forma confiável com estados calmos e introspectivos de relaxamento e meditação. A terceira descoberta foi a descoberta do LSD e de outras substâncias psicodélicas de “expansão da consciência”, o que significava que estados de consciência profundamente transformados e transformadores, até agora acessíveis apenas a alguns indivíduos envolvidos em práticas meditativas ou iogues, poderiam ser induzidos com confiabilidade em pessoas comuns, dada a preparação certa, salvaguardas e ‘set / setting’.

Essas descobertas de correlações entre variações nas funções neurais e variações na consciência subjetiva estimularam um enorme aumento da pesquisa, que continua até hoje, usando tecnologias como EEG, MRI, PET e outros. Essa abordagem – o estudo das associações entre medidas da atividade cerebral e estados mentais – tornou-se o paradigma dominante no estudo científico da consciência. Baseia-se na suposição filosófica subjacente da cosmovisão ocidental e materialista de que a consciência deve, de alguma forma, estar localizada no cérebro. Esta é uma visão que remonta ao trabalho do matemático francês do século XVIII, René Descartes, que especulou que a alma poderia ser encontrada na glândula pineal. As filosofias orientais do Yoga e do Budismo vêm de uma abordagem completamente diferente, baseando suas concepções da mente em observações sistemáticas de estados internos durante a meditação.

O insight chave que saiu dos estudos de Harvard com moléculas psicodélicas nos anos 60, era o significado do ajuste (intenção) e do ajuste (contexto) na compreensão de estados psicodélicos da consciência. Ao contrário das drogas que afetam o funcionamento de um ou outro órgão corporal, como o coração ou os rins, os psicodélicos expandem o alcance, o foco e a clareza da própria percepção – a maneira como vemos a realidade e a nós mesmos. Seu efeito vai muito além mesmo do humor-elevação, ou ansiedade-calmante, efeitos de drogas estimulantes ou sedativas.
Timothy Leary costumava dizer que as drogas psicodélicas eram potencialmente para a psicologia o que o microscópio era para a biologia – proporcionando a percepção consciente de faixas e níveis de realidade que anteriormente eram inacessíveis. Mas assim como o que percebemos através de um microscópio é uma função do que colocamos no slide (como a folha de uma planta, ou uma gota de sangue), então o conteúdo de uma experiência psicodélica (os pensamentos, imagens, sentimentos, sensações) é uma função do conjunto pré-existente ou intenção, do contexto escolhido ou configuração. A droga funciona meramente como uma espécie de catalisador ou gatilho que desloca o funcionamento mental para um modo novo até então.

Nos cursos de pós-graduação sobre estados alterados de consciência que eu ensinei por muitos anos, achei útil expandir esse paradigma básico de conjunto, configuração e catalisador para qualquer e todos os estados de consciência, do mais comum ao mais exótico. Os catalisadores ou desencadeadores bem conhecidos dos estados alterados de consciência (além de moléculas psicoativas) são induções hipnóticas, práticas meditativas, ritmos xamânicos, música, natureza, sexo e outros, bem como as variações cíclicas normais da química do cérebro que nos catalisam nos estados de sono ou vigília. Também é útil aplicar o paradigma ASC para entender estados psicopatológicos que são contrativos, fixos ou dissociativos e têm consequências negativas e tóxicas para os indivíduos, as famílias e as comunidades – incluindo vícios em drogas ou comportamentais, medo (ataques de pânico), raiva (ataques de temperamento), crises psicóticas ou episódios de depressão, mania e outros. Discutiremos tais estados em um capítulo posterior.

Uma questão que causa inquietação na maioria das pessoas ao considerar ou discutir o conceito de “estado alterado”, é a aparente implicação de que “alterado” é em si anormal. Como então poderíamos falar sobre ASCs sendo terapêutico, criativo, ou com desenvolvimento espiritual aumentado? Em meus cursos, eu tentei superar esse preconceito cognitivo, apontando para o fato de que todos os seres humanos estão muito familiarizados com as variações normais, profundamente alteradas no estado que chamamos de dormir, acordar e sonhar. Sigmund Freud disse que os sonhos são o “caminho real para o inconsciente”, o que significa que eles fornecem o acesso mais amplo. Mas pode-se dizer igualmente que os sonhos são o caminho dos plebeus, pois todos podem e viajam naquela passagem noturna para os reinos além. Na Índia, o “caminho real da yoga” (raja yoga) se referia ao uso intencional de práticas psicológicas para liberar a consciência de seu condicionamento comum – e esse caminho requer um certo estudo disciplinado e aplicação.

Alguns autores tentaram superar as pressuposições negativas associadas ao conceito de “estados alterados”, propondo termos como “estado alternativo” ou “estado não-ordinário”, ou (como em um manual da Associação Psicológica Americana) “Experiências anômalas”. Mas esta estratégia linguística disfarça o ponto em que algumas alterações de estado são extremamente comuns, usuais e familiares. O “sonhar” deveria ser considerado um “estado não-ordinário”? Que tal estar “bêbado” ou “deprimido” – não são aqueles estados bastante comuns, todos muito familiares? Além disso, alguns povos indígenas e praticantes xamânicos objetam que o que os ocidentais chamam de estados “não-ordinários”, lhes são muito familiares e comuns. Existe todo um espectro de estados de consciência, do familiar e comum ao anômalo e exótico extremo. Se o estado é normal ou anormal é, de qualquer modo, um juízo cultural e historicamente relativo imposto à experiência e, portanto, uma questão acadêmica de nenhum significado particular.

Cheguei finalmente a compreender meu próprio desconforto persistente com o conceito de “estado alterado”, além de confundir a distinção entre estados ordinários e não ordinários: tem haver com a construção passiva “alterada”, o que sugere que algo foi feito a você por uma agência externa. Um estado induzido por drogas parece apoiar essa visão. Mas temos que lembrar que normalmente o indivíduo escolhe ingerir a droga, seja álcool,  LSD, ou maconha, com um determinado propósito e com a intenção de alterar sua própria consciência. Da mesma forma, uma pessoa pode optar por submeter-se a um procedimento de indução hipnótica para entrar em um estado de transe no contexto da psicoterapia. Alterar deliberadamente a consciência de outra pessoa sem seu conhecimento ou consentimento, por exemplo, por uso sub-reptício de uma droga ou álcool, é universalmente considerado moralmente repreensível e ilegal.

As transições de estado da vida cotidiana também podem ser concebidas e experimentadas, em termos ativos ou passivos. Podemos “ir dormir” com a intenção consciente para o repouso e restauração das energias; podemos “adormecer” involuntariamente devido à fadiga; ou podemos ser “adormecidos”, metaforicamente e literalmente, por um falante chato em uma sala de aula. Da mesma forma para a transição oposta: podemos ser “despertados” pelo despertador; apenas “acordar” espontaneamente; ou lutar, literal e metaforicamente, contra a atração descendente da sonolência, para se tornar mais plenamente consciente e alerta.

No budismo e outros ensinamentos espirituais, como os de G. I. Gurdjieff, o que consideramos nosso estado de vigília normal é visto como uma espécie de estado de sono, no qual estamos inconscientes de nossa natureza essencial. De acordo com esses ensinamentos, o propósito das práticas yogue e meditativas é nos ajudar a despertar das condições sombrias e sonhadoras da existência ordinária e não-consciente – e despertar para os nossos mais elevados potenciais espirituais e criativos.

A fim de usar expansiva e positiva os estados de consciência de forma construtiva para aumentar a saúde, criatividade e crescimento, precisamos ser capazes de reconhecer o estado que estamos em qualquer momento, e como navegar através dele. Nas práticas de adivinhação xamânica e alquímica, métodos de “condução sonora”, tais como bater ou chocalhar, são usados para facilitar o acesso ao conhecimento para a cura, resolução de problemas e orientação. Yogis e meditadores praticam atenção plena e métodos de concentração, a fim de experimentar as dimensões mais sutis da consciência.

Com estados contracionais e insalubres, como medo e raiva, precisamos identificar o estado em que estamos e reconhecer como isso está nos afetando (nosso pensamento, nossa percepção, nosso comportamento), bem como outros com quem podemos estar relacionados. Precisamos aprender como navegar nosso caminho através dos estados negativos para estados mais saudáveis, que afirmam a vida. Ao tornarmo-nos mais conscientes do estado em que nos encontramos num determinado momento, podemos mobilizar a atenção de diferentes maneiras, aumentar a gama de escolhas que podemos fazer e assumir mais plenamente a responsabilidade pelo impacto dessas escolhas nos outros e no nosso mundo.

O MODELO DE ‘SET e SETTING’

Um estado de consciência pode ser definido como o espaço ou campo subjetivo no qual os diferentes conteúdos da consciência, tais como pensamentos, sentimentos, imagens, percepções, sensações, intuições, memórias e assim por diante, funcionam em inter-relações padronizadas. Além disso, um estado de consciência sempre implica uma divisão definida do fluxo de tempo, entre dois pontos de transição. Por exemplo, estamos no estado de sono entre o momento de adormecer e o momento de acordar. Estamos no estado de vigília funcional, também chamado de “estado ordinário”, entre os momentos de acordar e de adormecer. Os estados de intoxicação por drogas ou álcool se estendem desde o momento da ingestão até o momento de “baixar”. Um estado meditativo ou um estado de transe hipnótico começa e termina com transições que nos referimos como “entrar” ou “voltar”, como se cruzássemos algum tipo de limite.

Embora possamos (às vezes) ancorar as transições de estados subjetivos para o tempo objetivo externo (relógio), é importante reconhecer que cada estado tem sua própria linha de tempo subjetiva ou fluxo de tempo. Por exemplo, nos sonhos o tempo e o espaço são bem diferentes do que no estado de vigília. Em um sonho podemos nos encontrar com uma pessoa amada que vive a milhares de quilômetros de distância – e não leva “tempo real” para viajar para esta reunião. Distância no estado de sonho não é geográfica, mas emocional, uma função de afinidade e interesse. De fato, nos sonhos e outros estados profundos, podemos nos encontrar conversando com alguém que está morto – tendo transcendido completamente os limites espaço-temporais da realidade comum. Nas transições entre estados, há uma descontinuidade e mudamos para um fluxo de tempo diferente e um espaço da mente diferente.

A noção de estado alterado adquiriu uma certa conotação de anormalidade, talvez devido à sua associação com o uso de drogas, embora todos estejamos familiarizados com os estados profundamente diferentes de sonhar e dormir. Por esta razão, cheguei a pensar que é importante para nós aprendermos a reconhecer e identificar os tempos e situações em que estamos funcionando de forma marcadamente diferente da usual, isto é, em um estado diferente.

Se pudermos identificar os pontos de transição ou gatilho quando o modo de consciência mudar, podemos aprender a utilizar os estados positivos de acordo com nossa intenção consciente. Por exemplo, um músico ou outro artista pode achar que um período de meditação facilita o acesso ao estado de fluxo que aumenta a expressão criativa. Talvez ainda mais importante para o nosso bem-estar, temos de aprender a navegar fora dos estados negativos, destrutivos. Por exemplo, aprender a reconhecer os gatilhos verbais para um estado alterado de raiva é um aspecto importante da gestão da raiva nas relações interpessoais. As transições entre diferentes estados são pontos de interseção de diferentes linhas de tempo, onde podemos conscientemente optar por mover-nos ao longo de outra linha do tempo para um espaço mais expansivo, cheio de novas possibilidades. Se não escolhermos conscientemente, então seremos desviados para outro estado de acordo com os ventos predominantes do karma, ou reações habituais.

Alguns estados alterados são geralmente considerados positivos, saudáveis e expansivos, associados a uma compreensão mais profunda de valor espiritual: podemos pensar em unicidade mística, êxtase, transcendência, visão, transe hipnoterapêutico, inspiração criativa, união erótica, viagem xamânica, consciência cósmica, Nirvana, Satori. Outros estados alterados são considerados negativos, insalubres, contrários, associados à ilusão, psicopatologia, destruição e conflito: podemos reconhecer os estados alterados de depressão, ansiedade, trauma, psicose, loucura, histeria, raiva, mania, estimulantes e compulsões comportamentais/obsessões associadas à sexualidade, violência, jogo e gasto de dinheiro.

Em medicina de emergência, as perguntas sobre a nossa orientação no tempo e lugar (que dia é hoje? que lugar é este?) São usados para diagnosticar o estado de consciência de alguém, possivelmente em choque ou trauma. Os estados mais profundamente alterados são aqueles em que o sentido de identidade ou auto-imagem é abolido ou transcendido: estes incluem os estados de ego-morte ou despersonalização que podem ocorrer na psicose, bem como estados de nirvana ou unicidade que podem ocorrer no misticismo.

A chave para a compreensão do conteúdo de uma experiência psicodélica, tal como formulada por Timothy Leary, Frank Barron e colegas (incluindo eu) nos primeiros dias da ‘Harvard Psilocybin Research Project‘, foi a hipótese de “set and setting”. Esta hipótese, que tem sido amplamente aceita dentro do campo, afirma que o conteúdo de uma experiência psicodélica não é tanto uma função da farmacologia, isto é, um “efeito das drogas”, mas sim uma função do conjunto, que é todos os fatores internos de expectativa, intenção, humor, temperamento, atitude; e ambiente, que é o ambiente externo, tanto físico e social, e incluindo as atitudes e intenções de quem fornece, inicia ou acompanha a experiência. A droga é considerada como um gatilho, ou catalisador, impulsionando o indivíduo em um estado diferente de consciência ou espaço da mente, em que a vivacidade e as qualidades contextuais das percepções dos sentidos são muito ampliadas.

Esta hipótese ajudou os pesquisadores de Harvard a entenderem como os mesmos medicamentos podiam ser vistos e usados como indutores de uma psicose modelo (psicotomimética), como um complemento à psicanálise (psicolítica), um tratamento para a dependência ou estímulo à criatividade (psicodélico), um facilitador de viagens de cura xamânica (enteogênica); ou mesmo, como usado pelo Exército dos EUA e CIA, como um tipo de soro da verdade e ferramenta para a obtenção de segredos de espiões inimigos. Dos dois fatores de conjunto e configuração, conjunto ou intenção são claramente primários, uma vez que o conjunto normalmente determina que tipo de configuração se vai escolher para a experiência.

De acordo com o modelo heurístico que proponho, podemos estender a hipótese do conjunto e da configuração a todas as alterações da consciência, independentemente do gatilho que elas sejam induzidas e mesmo dos estados que se repetem cíclica e regularmente, como dormir e acordar. Nessas alterações cíclicas da consciência, reconhecemos que eventos bioquímicos internos normalmente desencadeiam a transição para a consciência de dormir ou acordar, mas fatores externos também podem fornecer um catalisador. Por exemplo, deitado na cama, na escuridão, desencadeia alterações nos níveis de melatonina na glândula pineal, que por sua vez promover a transição para o sono. Outras alterações bioquímicas no cérebro, luz mais brilhante e os sons de um alarme, pode ser o gatilho para o despertar, novamente observado por mudanças bioquímicas cíclicas. Além disso, fatores externos, como drogas sedativas ou estimulantes, ruídos altos ou estresse, também podem desencadear essas variações no ciclo sono-vigília.

Claramente, o conteúdo dos nossos sonhos pode ser analisado como uma função do conjunto, as nossas preocupações internas durante o dia, bem como o ambiente em que nos encontramos. Os praticantes da “incubação dos sonhos” fazem uso deliberado desse princípio, formulando conscientemente certas questões relacionadas ao seu processo ou problemas internos, à medida que entram no mundo do sonho noturno. Nos templos de Asclépio na Grécia antiga, aqueles que sofreram doenças físicas ou psíquicas foram guiados para incubar sonhos de diagnóstico e cura.

No quadro deste modelo de ajuste e configuração, depois que nosso modo de funcionamento consciente regressa ao estado de linha de base (o que alguns também chamam de estado de realidade consensual), vem o momento da avaliação e interpretação. Tendo em mente os dois pontos de transição, dentro e fora do estado alterado, torna mais fácil separar a própria experiência de nossos pensamentos e julgamentos sobre ele. É o núcleo da prática de meditação de atenção plena (vipassana), onde você apenas observa seus pensamentos, sentimentos e sensações, mas não analisa, acompanha ou avalia.

Os julgamentos avaliativos são geralmente a primeira reação imediata após qualquer estado alterado. Podemos dizer, por exemplo, que foi uma ‘bad trip’ ou pesadelo, ou que esta foi uma experiência maravilhosa ou inspiradora. Os pesquisadores em neurociência descobriram que os juízos avaliativos de sentimento sobre nossa experiência se originam no sistema límbico dos mamíferos (especialmente a amígdala) e podem ser um resíduo evolutivo de uma reação de sobrevivência instintiva à ameaça percebida. Julgamentos avaliativos não transmitem muita informação sobre uma experiência no entanto. Quanto você realmente aprende sobre um filme, por exemplo, quando seu amigo simplesmente lhe diz que ele gostou ou que foi terrível?

Para trabalhar com sonhos ou outras experiências internas em psicoterapia ou crescimento pessoal, precisamos ir além dos primeiros julgamentos e interpretações associativas e perguntar-nos o que significa essa experiência para mim ou o que eu aprendi com ela? Um aspecto crucial do que se segue a uma experiência de estado alterada é a aplicação e integração, ou falta dela, na vida em curso. Será que uma visão mística da unicidade com o divino leva a um estilo de vida moralmente melhor, mais feliz e mais santo? Os insights de uma visão ou sonho de cura levam a uma resolução de problemas? O estado depressivo que estou experimentando significa que eu tenho um traço de personalidade depressiva, ou é uma reação temporária a uma situação estressante? Este é o tipo de exame reflexivo de nossas experiências pode, então, tornar-se uma prática psicoespiritual contínua.

FONTE Reality Sandwich

 


Agradecemos imensamente a tradução feita pela colaborador Sezaru Buraga.
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DERRETA EM TECHNICOLOR

A magia do mundo macro de fluidos coloridos é mostrada em seu maravilhoso e psicodélico último vídeo do designer e cineasta russo Ruslan Khasanov.

Para La La La, Khasanov combinou dois de seus trabalhos anteriores — trechos em vídeo de Odyssey e fotografias de seu projeto Lucidity — em um glorioso experimento de movimentos tecnicolor .

Líquidos e óleos se atraem e repelem, girando e brilhando, explodindo e dividindo, dançando em um mar cromático que poderia ser, bem, o que você quiser que seja. Às vezes parece CGI, outras vezes, parece uma estranha paisagem Yellow Submarine girando. Khasanov filmou em 4K com uma Sony a7R II usando as lentes Sony FE 90mm f / 2.8 Macro GSonnar T * 55mm f / 1.8 ZA , em seguida, um polimento final no Photoshop e After Effects. Veja os resultados hipnóticos abaixo.

 


La La La de Ruslan Khasanov no Vimeo.

Conheça mais do trabalho de Ruslan Khasanov em seu site aqui ou em seu portfólio aqui.

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Macro Footage of Liquid Morphs in Susi Sie’s New Music Video

Patterns of Life Emerge in Petri Dish Macro Videography

Psychedelic Neon Fluids Float in a Stunning 4K Video

Artista TAS cria as imagens e cenas psicodélicas mais admiraveis e autenticas

The Adventurous Spark, ou mais conhecido simplesmente como TAS, é um designer gráfico, artista visual e VJ de Graz na Áustria. Ele canaliza seu talento para desenvolver visualizações que retratam reinos imaginativos de movimentos psicodélicos fluidos. TAS tornou-se mais reconhecido por seus clipes visuais de dobrar o cérebro, no qual já criou dúzias, e também seu trabalho funciona como um “agente portal”, ele desenvolve performances visuais decorativas para apresentações ao vivo em festivais de música eletrônica.

As apresentações de TAS já foram exibidas em diversos festivais e aprestações pela Europa: Modem Festival, Croatia; Summer Never Ends, Switzerland; Mystica, Switzerland; Psy-Fi Festival, Netherlands e outros. Ele tornou-se bem reconhecido na cena psicodélica da Europa como o sujeito para quem se procurar, o que é evidente, já que sua agenda está totalmente reservada para o ano de 2017.

Cada uma das criações visuais da TAS tem sua própria história para contar. A natureza imprevisível e indescritível de cada odisseia metamórfica demonstra a diligência contemplativa com a qual foi criada. As tonalidades hipnóticas, a fluidez sedosa e o envolvimento cativante desses reinos exploratórios farão você observar uma criação após a outra, desejando mais, conforme cada uma se conclui.

Role para baixo para ver algumas das criações visuais deslumbrante de TAS.
Para mais informações ou para ver mais de suas obras sobrenaturais, confira:

ttaass.com | youtube | facebook | instagram

VISUAIS IMERSIVOS

MERGULHO PROFUNDO

SAPO

MOVIMENTO MISTICO

SERPENTES DA AYAHUASCA

MTV

FLUTUANDO

FLOR DA VIDA

FONTE TIMEWHELL

maconha sono sonhos

A maconha, o sono e os sonhos

O estudo científico da maconha vem contribuindo decisivamente para a compreensão da interação do nosso organismo com o ambiente.

 Texto por Renato Malcher e Sidarta Ribeiro


O sono do ser humano compreende quatro fases distintas, caracterizadas por diferentes padrões de atividade cerebral medidos por eletroencefalografia (EEG). As primeiras três fases formam um contínuo e se caracterizam pela reduzida atividade neuronal no córtex, que produz ondas neurais grandes e lentas. Durante essas fases de sono, coletivamente chamadas de sono de ondas lentas (SOL), quase nunca ocorrem sonhos. A última fase, ao contrário, apresenta alta atividade cortical, ondas neurais rápidas e pequenas, e muito freqüentemente a presença de sonhos. Durante essa fase observam-se movimentos oculares rápidos, dando origem em inglês ao nome rapid-eye-movement sleep, abreviado para sono REM por seus descobridores. O sono REM, quando estabilizado, sempre termina num despertar, mesmo que por minúsculos intervalos de tempo. Durante a noite, ciclamos cerca de quatro vezes por meio do sono de ondas lentas, do sono REM e da vigília.

A anandamida, o primeiro endocanabinóide a ser descoberto, é um poderoso indutor de sono de ondas lentas e de sono REM, causando redução do tempo de vigília.Entretanto, alguns estudos com altas dosagens de THC(mais que 70 mg/dia) verificaram uma diminuição significativa de sono REM. Aumento do estado de vigília e redução do sono REM também foi observado com CBD. Outros estudos reportam que doses mais baixas de THC causam aumento do sono de ondas lentas. O aumento da vigília causado por altas doses de THC contrasta com a aparência de sonolência decorrente da ingestão de maconha. Essa aparência deriva em parte das propriedades relaxantes e vasodilatadoras dos canabinóides, que causam queda das pálpebras e vermelhidão dos olhos. Quanto à sensação subjetiva de sonolência, parece depender crucialmente das dosagens dos diferentes componentes da maconha, da experiência pregressa do usuário, e da hora do dia em que a ingestão ocorre. Alguns usuários crônicos de maconha relatam que a ingestão pela manhã tende a provocar sonolência, enquanto a ingestão no turna provoca aumento da vigília. Em roedores, há evidências de que os níveis de endocanabinóides e de receptores CB1 variam de forma circadiana, se acumulando durante a vigília e decaindo durante o sono.

Os resultados sugerem que a ingestão de maconha durante o dia satura o sistema endocanabinóide de forma a produzir sonolência, mas tem o efeito inverso quando ingerida à noite, quando as doses somadas de endocanabinóides e exocanabinóides seriam menores. É importante ressaltar que entre os diversos canabinóides da maconha existem tanto agonistas do receptor CB1 (THC, por exemplo) quanto antagonistas (CBD,por exemplo). Isso faz da maconha um coquetel farmacológico extremamente complexo no que diz respeito aos efeitos sobre o sono. De modo geral, usuários crônicos de maconha relatam dificuldade de se lembrarem de seus sonhos. Esse efeito parece ser uma combinação da redução de sono REM com um possível aumento do esquecimento matinal, a seu turno ocasionado por efeitos residuais dos canabinóides ingeridos antes de dormir.
Ilustra cannábica O sono e sonho 2
Se por um lado a maconha diminui a ocorrência de sono REM e por extensão diminui efetivamente a oportunidade de sonhar, seus efeitos sobre a vigília são de certa forma oníricos, promovendo um afrouxamento perceptual e lógico que é descrito por muitos usuários como similar ao sonho. Vista por esse lado, a ação da maconha seria a redução do sonho no turno (night-dream) e o aumento da divagação da vigília (day-dream). Tendo em vista que os canabinóides promovem uma desorganização do processamento neuronal e conseqüente facilitação da restruturação dos traços de memória, é fácil compreender que seu uso facilita o processo criativo e a geração de insights. Além de ser um poderoso estimulador do apetite, a maconha é também utilizada como relaxante e mesmo como afrodisíaco. O aprofundamento geral da experiência sensorial enriquece a apreciação e produção das artes, fazendo da maconha uma droga especialmente utilizada pelos que vivem da sensibilidade artística. Não é por acaso que o cantor e compositor de reggae Peter Tosh, líder (assim como Bob Marley) do movimento Rastafari globalizado nos anos 1970, afirma em seu hino pela legalização da maconha (Legalize It) que a maconha é usada por muitos na sociedade, como juízes e médicos, mas começa sua lista pelos cantores e instrumentistas.

Além de favorecer a veiculação de emoções através das artes e estimular a comunicação verbal, a maconha também favorece estados de baixa ansiedade, como a contemplação lúdica, a introspecção, a empatia e o transe místico. Por esses motivos, a maconha é freqüentemente utilizada para reduzir tensões sociais nos mais variados contextos, das prisões às festas dançantes. O conjunto das manifestações comportamentais e sociais associadas ao uso da maconha reflete a ação anti-estressante atribuída ao sistema endocanabinóide por vários cientistas, entre eles o italiano Vincenzo Di Marzo, um dos líderes mundiais nesta área de pesquisa. A relevância das interações sociais para a evolução é irrefutável, adquirindo contornos únicos na espécie humana. A coesão do grupo em animais sociais é fundamental para aumentar as chances de integridade física de cada indivíduo diante da ameaça de um predador, por exemplo. Da mesma forma, em situações de escassez de alimentos, a cooperação aumenta muito as chances de sobrevivência dos indivíduos. Uma das principais funções do sistema endocanabinóide é a de reger o reequilíbrio mental e físiológico do organismo após eventos estressantes. Em animais sociais, podemos incluir também o reequilíbrio social. Os hormônios glicocorticóides iniciam e coordenam os diversos estágios da resposta de adaptação do organismo ao estresse: geram primeiro ajustes de curto e longo prazo nos diversos sistemas do organismo e, à medida que seus níveis vão se elevando também no cérebro, estimulam ali a síntese de endocanabinóides. Estes por sua vez assumem o papel de orquestrar a transição de volta à normalidade fisiológica e comportamental. Para tanto, os receptores CB1 são ativados em diversos circuitos, promovendo o alívio da dor, a dissipação da tensão psicológica e o relaxamento da musculatura. O apetite aumenta para a recuperação da energia gasta e para a estocagem preventiva de energia metabólica extra. As emoções que favorecem os laços afetivos e a interação interpessoal são intensificadas, estimulando o reagrupamento da comunidade. A ação reestruturadora das memórias possibilita o aprendizado de novas estratégias comportamentais para evitar as causas do estresse. No hipotálamo, os endocanabinóides promovem a supressão do eixo neuroendocrinológico que controla os hormônios glicocorticóides, dando um fim à resposta ao estresse.
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O sistema endocanabinóide funciona, portanto, como um agente tonificante para as funções fisiológicas e mentais, incentivando o reaprendizado e facilitando o reagrupamento social. Há mais de dois mil anos, completamente alheios a estes conceitos, os Citas do norte do Mar Negro exploravam a possibilidade de ativar esse sistema com o uso da maconha, encontrando nos seus vapores um meio para sublimar a dor causada pela morte de um membro de sua comunidade. Mais ao sul, os mesmos vapores que faziam os Citas uivarem como lobos durante o luto motivavam nos aldeões que viviam às margens do Rio Aras a celebração lúdica da vida, por meio do canto e da dança. No planalto tibetano e na Índia, a mesma planta que promovia a consagração dos prazeres sensoriais e afetivos através das relações sexuais, andava de mãos dadas com o poder agregador e contemplativo da fé religiosa. Certamente, não há outra planta medicinal ou droga recreativa que se compare à maconha, tanto em termos de seu alcance étnico-cultural quanto em termos da abrangência de sua ação biológica. O que chama especial atenção nos desdobramentos antropológicos do uso da maconha é exatamente o paralelo com as funções fisiológicas e ecológicas exerci das pelo sistema endocanabinóide nos animais. O estudo científico da maconha vem contribuindo decisivamente para a compreensão da interação do nosso organismo com o ambiente. Ao mesmo tempo, aumenta as esperanças de desvendar o processo evolutivo responsável pelo surgimento dessa planta que parece saber tanto sobre a complexidade humana.

Sidarta Ribeiro é professor titular do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Renato Malcher-Lopes é professor adjunto do Departamento de Ciências Fisiológicas da Universidade de Brasília (UnB).

* Artigo adaptado do livro Maconha, Cérebro e Saúde. Rio de Janeiro: Editora Vieira & Lent Casa Editorial, 2007.

Arte: J.R. Bazilista

Reproduzido de Cannabica