Psicodélicos e realização do potencial


Escrito por Roger Walsh, MD

De: Reflexões Psicodélicas,
Lester Grinspoon e James B. Bakalar, editores
©Imprensa de Ciências Humanas, 1983

Traduzido da Psychedelic Library

Em sua carta solicitando contribuições para este livro, os editores escreveram: “chegamos à conclusão de que as substâncias psicodélicas influenciaram tanto a vida dos usuários individuais quanto a sociedade em geral mais do que normalmente se reconhece – às vezes de forma sutil, às vezes de forma dramática”.  Eu estava entusiasmado de receber o convite, já que essas palavras expressavam quase exatamente minhas próprias conclusões após 8 anos de trabalho clínico e de pesquisa psiquiátrica. Durante 5 desses 8 anos trabalhei em áreas como a natureza do bem-estar psicológico, psicologias e religiões não ocidentais, consciência e os efeitos da meditação. Também empreendi um estudo pessoal de tradições meditativas e não-ocidentais e, portanto, tive a oportunidade de conhecer, entrevistar e estudar com uma ampla gama de pessoas nessas disciplinas relacionadas. Sempre que eu conhecia essas pessoas de perto, a mesma história surgia: embora raramente reconhecessem isso em público, os psicodélicos desempenharam um papel importante ao apresentá-los e facilitar sua passagem por essas disciplinas. Ocorreu-me que este poderia muito bem ser um caso daquilo a que os cientistas sociais chamam “ignorância da pluralidade”: uma situação em que cada indivíduo pensa que é o único a fazer alguma coisa, embora na realidade a prática seja generalizada. Neste caso, o que parecia não ser amplamente reconhecido era que um grande número de pessoas parece ter obtido, pelo menos do seu próprio ponto de vista, benefícios significativos dos psicodélicos, apesar dos relatos dos meios de comunicação populares sobre os seus perigos devastadores.

Esta suspeita foi aprofundada por um encontro com o editor de uma importante revista psicológica. Numa extensa revisão de várias psicologias ocidentais e não ocidentais, discuti os dados sobre substâncias psicodélicas e concluí que havia provas que sugeriam que, em alguns casos, as pessoas poderiam considerá-las benéficas. O editor da revista estava disposto a aceitar o artigo, desde que eu removesse qualquer referência aos efeitos positivos dos psicodélicos; ele achava que a revista não poderia se dar ao luxo de ser associada a tais declarações. Estou familiarizado com o trabalho deste editor em particular e sei que ele tem uma mente excepcionalmente aberta. Parece que temos na nossa cultura, mesmo na literatura científica e profissional, uma tendência para relatar apenas os efeitos negativos dos psicodélicos.

Como, então, podemos ter uma ideia dos efeitos dos psicodélicos quando eles são usados ​​para exploração pessoal e crescimento psicológico? Uma abordagem sugerida por Abraham Maslow, mas ainda aparentemente não experimentada na área dos psicodélicos, é perguntar a pessoas que são excepcionalmente saudáveis ​​e usá-las como bioensaios. A técnica de Maslow consistia em identificar os indivíduos que pareciam estar realizando mais plenamente seu potencial; ele os chamou de autorrealizadores. (1) Ele listou 13 características, como profundo envolvimento no trabalho, experiências de pico e bom senso de humor, que identificam indivíduos que alcançaram um bem-estar psicológico excepcional. Embora esta abordagem tenha muitas vantagens, ela tem suas desvantagens e limitações. O conceito e os critérios de autorrealização não são de forma alguma claros e carecem em grande parte de dados de investigação e de apoio; os indivíduos são escolhidos subjetivamente, com todos os preconceitos possíveis que isso acarreta. (2) Contudo, na ausência de bons testes empíricos de alto nível de bem-estar, ficamos por enquanto com julgamentos subjetivos.

A minha investigação deu-me a dádiva extraordinária de conhecer algumas pessoas notáveis: profissionais de saúde mental, meditadores avançados, professores, gurus, pessoas santas tanto do Oriente como do Ocidente que dedicaram grande parte das suas vidas ao treino mental e ao crescimento psicológico. Passei um tempo considerável com alguns deles, entrevistando e sendo entrevistado, recebendo instruções sobre diversas práticas meditativas, ouvindo suas palestras e socializando. Como era de se esperar, existe uma ampla gama de personalidades e maturidade psicológica. Consegui entrevistar em profundidade cinco dos ocidentais mais saudáveis ​​que se enquadram nos critérios de Maslow e que também são bem sucedidos e eminentes nas suas disciplinas.

A idade desses quatro homens e uma mulher varia entre trinta e poucos anos e quarenta anos. Todos possuem diplomas universitários; três são psicólogos e os outros dois são psicologicamente altamente sofisticados. Quatro são professores de psicologia ou de uma das disciplinas da consciência, como meditação ou budismo. Todos têm forte reputação nacional e a maioria tem reputação internacional; todos publicaram pelo menos um livro. Incluí o critério da eminência profissional para garantir que as pessoas fossem competentes e não fossem consideradas irresponsáveis ​​ou desistentes de qualquer espécie.

Experiência Pessoal

Cada uma dessas cinco pessoas teve múltiplas experiências psicodélicas. Para três deles a experiência psicodélica foi crucial para despertar o interesse pelas disciplinas da consciência e direcionar suas carreiras profissionais. Um quarto recebeu LSD pela primeira vez como parte de uma experiência de investigação legítima durante os anos sessenta, teve uma profunda experiência religiosa que afirmou e aprofundou interesses e valores anteriormente adormecidos, e posteriormente regressou à escola para prosseguir esses interesses. Todos os cinco relatam que os psicodélicos têm sido importantes no seu próprio crescimento e que continuam a considerá-los úteis no contexto da sua própria disciplina. Em média, continuam a utilizá-los duas a três vezes por ano, mas todos passaram longos períodos sem utilizá-los.

Princípios Gerais

Com base em suas próprias experiências pessoais e no que aprenderam ao trabalhar com muitas pessoas envolvidas em diversas disciplinas psicológicas e de consciência, eles sugeriram os seguintes princípios gerais, vantagens e desvantagens dos psicodélicos. Todos concordaram que são ferramentas muito poderosas e que os efeitos dependem muito da pessoa que as utiliza e da habilidade com que são utilizadas. Eles consideraram evidente que há muitas pessoas que não deveriam tomar psicodélicos, especialmente qualquer pessoa com distúrbios psicológicos significativos. Contudo, eles concordaram que, usados ​​habilmente por uma pessoa madura, poderiam realmente ser úteis. Isso significava um ambiente apropriado, pelo menos no início, de preferência sob a orientação de alguém que fosse psicologicamente maduro e com experiência psicodélica; um conjunto mental e expectativas adequadas, incluindo um período anterior de silêncio e/ou meditação; e o mais importante, o envolvimento em uma disciplina psicológica ou de consciência destinada ao treinamento mental profundo.

 

Possíveis benefícios

O primeiro benefício foi o simples reconhecimento de que existem domínios de experiência, modos de identidade e estados de consciência muito além do alcance da nossa experiência quotidiana ou dos nossos modelos culturais e psicológicos tradicionais. Costumava-se dizer que essas experiências produziam sistemas de crenças expandidos, tornando as pessoas menos dogmáticas e mais abertas do que eram quando ainda inexperientes ou inimagináveis dos reinos da consciência do ser. Um relato comum foi que cada experiência tendia a suscitar um domínio mais profundo e um sentido mais expandido de consciência e de eu, de modo que o sistema de crenças anteriormente expandido continuava a abrir-se e a alargar-se.

Para todos os cinco sujeitos mencionados aqui, e para muitos de seus alunos, a experiência psicodélica produziu um novo interesse pela psicologia profunda, religião, espiritualidade e consciência, bem como por disciplinas e práticas relacionadas, como a meditação. Todos os sujeitos acreditavam que as suas experiências psicodélicas tinham melhorado a sua capacidade de compreender estas disciplinas da consciência. Em particular, o núcleo esotérico das grandes tradições religiosas e espirituais poderia ser visto como roteiros para estados mais elevados de consciência, e alguns dos materiais mais profundos destas tradições tornaram-se especialmente claros e significativos durante as sessões psicodélicas. Vários dos sujeitos relataram que muitas vezes reservavam um tempo durante as sessões psicodélicas para ouvir fitas ou leituras dessas tradições; eles acharam essas experiências particularmente importantes. Isto é compatível com a afirmação oriental de que “a religião é uma aprendizagem em que um requisito básico é ‘Primeiro mude a sua consciência’”. (3)

A maioria dos sujeitos sentiu que a experiência psicodélica poderia, às vezes, fornecer uma visão orientadora que fornecesse direção e significado para a vida futura. Mencionaram emoções intensas como amor, compaixão ou empatia, e o reconhecimento de que a mente pode e deve ser altamente treinada. Três sujeitos mencionaram outro benefício residual. Alguém que teve um insight positivo profundo pode ser capaz de recordar esse insight posteriormente e usá-lo para se orientar através de uma situação em que ele fornece uma perspectiva útil adicional, mesmo que não esteja mais diretamente disponível.

Houve um acordo unânime de que, sob condições apropriadas, os psicodélicos poderiam acelerar e facilitar consideravelmente o processo de resolução dos bloqueios psicológicos. Em alguns casos, isto envolvia material que já estava sendo trabalhado num estado normal de consciência, ou poderia estar. Noutros casos, o material inacessível num estado normal poderia ser trazido à consciência, produzindo por vezes transformações dramáticas, incluindo experiências de morte/renascimento e alívio dos sintomas. Revisões dos efeitos terapêuticos dos psicodélicos não mostraram resultados claros, mas é claro que é muito difícil detectar efeitos experimentalmente significativos de uma única intervenção.

Para alguns dos sujeitos, o uso ocasional de substâncias psicodélicas proporcionou um marcador continuamente aprofundado do seu progresso. Não importa quanto treinamento mental e exploração psicológica eles tivessem feito, outros domínios de experiência poderiam ser revelados pelos psicodélicos. A cada grande avanço em seu treinamento mental, um novo reino se abriria para eles. Um acontecimento especialmente comum era experimentar algo numa sessão de drogas psicadélicas que se repetiria meses ou anos mais tarde no contexto de uma disciplina de treino mental e depois espontaneamente durante a vida quotidiana. Todos os cinco sujeitos acreditavam que tanto os psicodélicos como as suas disciplinas mentais sugeriam que a gama de experiências que ocorriam na vida diária representava apenas uma pequena fatia de um espectro vasto, talvez ilimitado.

 

Armadilhas e complicações

Embora eles próprios tenham tido poucos problemas sérios com os psicodélicos, todos os cinco participantes pensaram que havia uma série de armadilhas e complicações potenciais. Eles viam que a principal proteção contra tais dificuldades consistia no compromisso com uma disciplina de treinamento mental e na disponibilidade de um professor avançado para consulta tanto sobre as experiências psicodélicas quanto sobre a disciplina. Nenhum dos cinco sujeitos viu os psicodélicos como constituindo por si só um caminho que poderia levar a níveis profundos de crescimento psicológico-espiritual ou à verdadeira iluminação.

Curiosamente, os sujeitos não consideraram reações dolorosas agudas, como ataques de ansiedade ou medo de perder o controle, como necessariamente adversas. Em vez disso, sustentaram que, com expectativas adequadas, trabalho anterior e orientação, tais reações poderiam levar a insights profundos e valiosos. Isto é contrário à perspectiva tradicional da psiquiatria e dos serviços de urgência, que vê tais reações como puramente patológicas e que requerem medicação. O hedonismo foi mencionado como uma das armadilhas associadas aos psicodélicos. Usar esses produtos químicos para estimulação sensorial trivial não era visto como errado, mas como inábil e insatisfatório. Os sujeitos também notaram que era possível apegar-se às experiências mais agradáveis, prejudicando as sessões posteriores com expectativas inadequadas e tentativas calculadas de recriar essas experiências.

Como as experiências psicodélicas podem ser extraordinariamente intensas, existe o perigo de não reconhecer uma fantasia pelo que ela é. Como observou um sujeito, nem sempre é fácil discernir quais experiências são válidas, especialmente para pessoas que são intelectual e psicologicamente sofisticadas. Mais uma vez, o melhor remédio foi visto como um compromisso com a mente aberta, com o treinamento mental contínuo e com a instrução de um professor avançado. O mesmo remédio foi sugerido para a tendência de superestimar a profundidade e o impacto a longo prazo dos insights que podem ser confundidos com um despertar profundo. Essa tendência foi vista como decrescente com a experiência adicional com os psicodélicos ou com uma disciplina de treinamento mental. Sentiu-se que a exploração profunda de qualquer um deles produziria muitos insights, cada um acrescentando uma pequena peça ao gigantesco quebra-cabeça que é a mente.

Uma estrutura ou contexto cognitivo inadequado também foi mencionado como fator limitante. Às vezes, insights extremamente profundos ocorriam sob o efeito dos psicodélicos e, em pelo menos dois casos, pode ter havido uma experiência transitória de iluminação. Num dos sujeitos produziu um período prolongado de confusão e desorientação parcial que por sua vez levou ao treino de meditação. Este sujeito experimentou novamente um nível profundo de iluminação após vários anos de prática e desta vez achou a experiência compreensível e benéfica. Um sujeito pensou que a principal desvantagem dos psicodélicos é a tendência de subestimar o próprio papel na criação das experiências resultantes. As pessoas apreciam muito pouco o seu próprio poder e consideram-se vítimas passivas dos efeitos das drogas, em vez de criadores ativos de experiência.

Uma armadilha para pessoas com experiência limitada, disseram os participantes, é a incapacidade de apreciar a enorme variedade de experiências potenciais e a tendência de assumir que todas as sessões serão como a primeira. Muitas pessoas fizeram pronunciamentos sobre a natureza dos efeitos psicodélicos após exposição limitada e, portanto, não conseguiram avaliar a extensão das diferenças entre indivíduos ou entre uma sessão e outra no mesmo indivíduo. Segundo relatos desses sujeitos, assim como de Stanislav Grof (4,5) e outros, a exposição repetida produz uma sequência gradual de desdobramento e aprofundamento de experiências.

 

Resumo

Aqui estão os comentários sobre os prós e os contras dos psicodélicos feitos por cinco dos indivíduos mais saudáveis ​​que conheci no decorrer de minha pesquisa e investigações pessoais de várias disciplinas psicológicas e de consciência. Em cada um desses indivíduos, os psicodélicos desempenharam um papel importante, ainda que não divulgado, em suas orientações de vida e profissões. Tomados em conjunto com descobertas semelhantes que notaram nos seus alunos e colegas, estes relatórios deixam claro que os psicodélicos podem por vezes ter um impacto benéfico duradouro. Embora os cinco assuntos discutidos aqui não vejam os psicodélicos como constituindo um caminho em si, eles os vêem como potenciais facilitadores de desenvolvimento para algumas pessoas envolvidas em um programa de treinamento mental ou em uma disciplina psicológica ou de consciência. As experiências e armadilhas associadas às drogas psicodélicas não são vistas como únicas, mas sim como características de qualquer programa de treinamento mental, embora as drogas geralmente as produzam de forma mais rápida e intensa. Destaca-se que a capacidade de se beneficiar de uma experiência acelerada depende da maturidade e da competência do indivíduo; todos os cinco sujeitos consideraram evidente que os psicodélicos não deveriam ser usados ​​indiscriminadamente, mas deveriam ser respeitados como as ferramentas poderosas que são.

 

 

REFERÊNCIAS

1. Maslow, A. H. Os Alcances Adicionais da Natureza Humana. Nova York: Viking, 1971.

2. Heath, D. A pessoa em amadurecimento. Em R. Walsh e D. Shapiro eds. Além da saúde e da normalidade. Explorações do bem-estar psicológico extremo. Nova York: Van Nostrand Reinhold, 1981.

3. Rajneesh, B. Assim mesmo. Poona, Índia: Fundação Rajneesh, 1975.

4. Grof, S. Reinos do Inconsciente Humano. Observações da LSD Research. Nova York: Viking, 1975.

5. Grof, S. Reinos do inconsciente humano. Em R. Walsh e F. Vaughan (Eds.). Além do Ego: Dimensões Transpessoais em Psicologia. Los Angeles: J. Tarcher, 1980, pp.


Roger N. Walsh (nascido em 1946) é um professor australiano de Psiquiatria, Filosofia e Antropologia na Universidade da Califórnia, Irvine, no Departamento de Psiquiatria e Comportamento Humano, da Faculdade de Medicina da UCI. Walsh é respeitado por suas opiniões sobre drogas psicoativas e estados alterados de consciência em relação à experiência religiosa/espiritual, e foi consultado na mídia sobre psicologia, espiritualidade e os efeitos médicos de meditação.

Formado na Universidade de Queensland, Walsh está envolvido em seis áreas de pesquisa em andamento:

1. Comparação de diferentes escolas de psicologia e psicoterapia
2. Estudos de psicologias e filosofias asiáticas
3. Os efeitos da meditação
4. Psicologia transpessoal
5. A psicologia da religião
6. A psicologia da sobrevivência humana (explorando as causas e consequências psicológicas das atuais crises globais).

Thomas Kuhn e a Revolução Psicodélica

Por Peter Webster
Uma palestra apresentada à
Sociedade Italiana de Estudo dos Estados de Consciência
Perinaldo, Itália, agosto de 2006

Traduzido da Psychedelic Library

 

 

Introdução

A descoberta, ou melhor dizendo, a redescoberta de drogas psicodélicas no meio do século 20 foi essencialmente uma descoberta científica; no entanto, pouca atenção tem sido dada ao contexto dessa descoberta em relação à história e filosofia da própria ciência. Uma grande quantidade de atenção foi, ao contrário, concentrada nas conexões entre o conhecimento moderno sobre psicodélicos e as tradições xamânicas, a longa história do uso religioso de plantas e preparações psicoativas e as possíveis extensões modernas dessas antigas tradições psicodélicas para fins médicos. É claro, de se esperar que esse seja o caso – foi o curso natural que a pesquisa psicodélica seguiu.

Mas, para entender mais plenamente certas peculiaridades que se seguiram à redescoberta psicodélica, podemos nos beneficiar de uma verificação de como essa descoberta se encaixa na história da tradição científica em si. Acredito que é SOMENTE a partir de tal observação que podemos entender nossa situação atual, onde parece que apenas pequenos grupos de pessoas, muitas vezes profissionalmente isolados, levam a sério o legado e as implicações da redescoberta psicodélica, onde a esmagadora maioria dos cientistas atualmente ativos não tem qualquer conhecimento preciso sobre drogas psicodélicas e, de fato, se opõe e rejeita ativamente a ideia de que as drogas servem para algo.

Para muitos, aparentemente, essa rejeição e repressão é algo incomum na ciência, algo que os pioneiros psicodélicos não mereciam. Para muitos, aparentemente, parece que quando verdades são reveladas pela pesquisa – mesmo quando são revolucionárias e talvez chocantes para muitos – essas verdades devem, pela natureza da ciência, serem aceitas e desenvolvidas pelo mainstream.

No entanto, um exame da história do avanço científico revela algo bem o oposto, e um estudo de como a ciência realmente opera na prática pode nos dar um pouco mais de coragem para persistir no que tantos outros consideram uma mera tolice.

 

Thomas Kuhn e a Revolução Psicodélica

Thomas Kunh

Pelo que posso dizer, Thomas Kuhn não tinha nada a dizer sobre drogas psicodélicas ou os vários usos que podem ser dados a elas. O título da minha palestra de hoje pode, portanto, parecer um tanto inadequado, não fosse o fato de que Kuhn TEVE MUITO A DIZER sobre revoluções – revoluções científicas, ou seja, o tipo de agitação geral dos conceitos fundamentais que ocorre em várias disciplinas científicas de tempos em tempos. Thomas Kuhn, como você pode saber, construiu toda uma teoria das revoluções científicas: o que elas são, como e por que ocorrem, quem as provoca – e, ao fazê-lo, redefiniu o que é a ciência de muitas maneiras.

O que conecta Kuhn aos psicodélicos é que a redescoberta dos psicodélicos no meio do século 20 prometeu mudanças revolucionárias em vários campos de investigação científica e medicina e, como afirmarei mais adiante, uma revolução no conceito de estudo científico em si. Refiro-me à redescoberta dos psicodélicos, é claro, porque como todos sabemos, o uso dessas substâncias é muito antigo, global e provavelmente remonta ao início da existência humana. Os psicodélicos tiveram que ser REDESCOBERTOS porque a civilização industrial moderna vem sendo uma das muito poucas sociedades humanas quase que totalmente inconscientes das plantas psicodélicas e sem qualquer uso geral delas para cura¹, iniciação, práticas religiosas e heurísticas, e assim por diante. (Nota do tradutor ¹: da data do texto para cá, inúmeros estudos médicos vem sendo testados e aplicados por instituições como Berkeley, Johns Hopkins e MAPS)

As potenciais mudanças revolucionárias que essa redescoberta deveria ter trazido teriam sido bem descritas e sua gênese e crescimento bem previstos pela teoria de Kuhn se não fosse pelo fato de que praticamente todas essas promessas revolucionárias ainda permanecem não cumpridas, sufocadas por uma longa reação antipsicodélica. Essa reação foi provocada pela primeira vez no final da década de 1960 por forças sociais e governamentais nos EUA, perpetuando uma longa e sombria tendência puritana nos Estados Unidos que trouxe ao mundo a grande loucura das políticas proibitivas modernas. Mas logo depois, o próprio establishment científico pareceu ser infectado com essa situação semelhante a uma doença, de modo que hoje é raro o cientista que tem qualquer indício de que a redescoberta de drogas psicodélicas pode ser algo não apenas interessante, mas extremamente importante e potencialmente revolucionário. Apesar da verdade do assunto, tão óbvia para aqueles que sabem, dizer que a redescoberta psicodélica foi um dos desenvolvimentos sociais e científicos mais importantes do século XX seria algo ridicularizado pela grande maioria dos cientistas vivos hoje.

Essa resistência reacionária à revolução científica, embora seja uma grande decepção e, em geral, um descrédito aparente à legitimidade do chamado progresso científico, é, no entanto, o estado normal das coisas, como mostram as descobertas de Kuhn. Quando examinado de perto da perspectiva de Kuhn sobre a história da ciência, o empreendimento científico é visto como quase arrogantemente conservador — uma história repleta de repressão de ideias novas e revolucionárias. Todos nós estamos familiarizados com exemplos de repressão como a cruzada do Vaticano contra Galileu, mas Kuhn mostra como a própria comunidade científica tem sido frequentemente tão repressiva da inovação científica quanto qualquer grupo religioso ou social.

Não há melhor professor do que Thomas Kuhn, portanto, para nos instruir sobre como e por que a revolução psicodélica foi paralisada por tanto tempo, aparentemente um fracasso e sem influência significativa em mais de quatro décadas de avanço científico e intelectual. A teoria geral da revolução científica de Kuhn pode até nos ajudar a entender como finalmente trazer uma pesquisa psicodélica significativa para o mainstream científico, onde ela certamente merece estar. Refiro-me aqui à pesquisa científica “significativa” porque também é óbvio para aqueles que conhecem, que limitar a pesquisa ao uso de psicodélicos como medicamentos para o tratamento de condições de doença e anormalidade rejeita a maior parte de seu potencial. Claro, a entrada da pesquisa psicodélica no “mainstream científico” alteraria necessariamente a própria natureza da ciência, talvez levando a um abandono dos piores aspectos de seu reducionismo convencido por uma maneira mais pragmática de estudar e entender os fenômenos mais complexos do universo, entre os quais, o próprio cientista. E todos nós somos, até certo ponto, cientistas. Quem foi Thomas Kuhn, então? Ele foi professor emérito de filosofia e linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts até sua morte em 1996, e foi talvez o maior historiador da ciência dos últimos tempos. Sua obra seminal, The Structure of Scientific Revolutions, mesmo em virtude das longas e acaloradas críticas que recebeu desde sua primeira publicação em 1962, deve ser classificada como talvez o livro mais importante sobre o assunto já publicado.

“The Structure of Scientific Revolutions” é importante não apenas para historiadores ou filósofos, mas para todas as pessoas que se acreditam capazes de investigação científica ou pensamento analítico, mesmo em nível amador. Muito foi escrito e ensinado até mesmo em nossas escolas secundárias e universitárias sobre o método científico, sobre como os cientistas conduzem pesquisas e praticam seu ofício. Mas Thomas Kuhn, com um tratado magnífico, revolucionou o próprio conceito do que é uma ciência e como ela procede. Kuhn até questiona a noção amplamente difundida de que o conhecimento científico faz algum tipo de progresso cumulativo em direção à compreensão final.

A Estrutura das Revoluções Científicas não é longa nem difícil por si só, mas contém ideias tão novas e radicalmente brilhantes que leva algum tempo e várias leituras para ser absorvida completamente. Muitos escritores, incluindo o próprio Kuhn, tentaram compor um resumo conciso da teoria que o livro apresenta, mas em vista do debate animado e às vezes acalorado a favor e contra suas ideias, deve ser óbvio que nenhum tratamento superficial pode fazer justiça a ele. Esta cautela deve incluir minha própria apresentação hoje, e os aspectos de sua teoria que discutirei não são de forma alguma tudo o que há na teoria de Kuhn. Eu apenas escolhi algumas características-chave da teoria com as quais podemos entender melhor o tópico em questão, a redescoberta científica de drogas psicodélicas.

Talvez o mais procurado ao tentar resumir Kuhn seja uma definição precisa daquela famosa palavra que ele introduziu na filosofia da ciência, aquela palavra que se tornou tão frequentemente ouvida em referência a conceitos ou ideias fundamentais, o paradigma. O próprio Kuhn define um paradigma como “uma ou mais conquistas científicas passadas que alguma comunidade científica particular reconhece por um tempo como fornecendo a base para sua prática futura”. Mas como uma aproximação próxima que podemos entender mais facilmente no contexto, podemos pensar em um paradigma como um conjunto inter-relacionado de conceitos, valores, crenças e técnicas fundamentais que definem uma maneira obrigatória de abordar problemas científicos em um determinado momento e em uma determinada disciplina. O paradigma é o palco no qual o jogo da investigação científica acontece – uma plataforma que define o cenário, o contexto, as limitações e os limites para a agenda de pesquisa. Embora o paradigma possa ser pensado como uma descrição precisa de um aspecto da realidade, na verdade o paradigma é mais como um mapa ou modelo, uma aproximação ou estrutura para organizar dados atualmente disponíveis e definir pesquisas permitidas.

Pode parecer estranho falar sobre “pesquisa permitida” na ciência, pois a imagem que podemos ter da ciência e dos cientistas é de liberdade de investigação — a ideia de que pelo menos alguns cientistas exploram a realidade sem barreiras, onde quer que sua busca pela verdade os leve. Mas Kuhn mostra que isso é um mito. Operando dentro da estrutura de um determinado paradigma científico, a situação real é bem diferente do mito. Kuhn escreve:

“Um paradigma suprime a inovação, pode até isolar a comunidade daqueles problemas socialmente importantes que não são redutíveis à forma de quebra-cabeça típica da ciência normal, porque não podem ser declarados em termos das ferramentas conceituais e instrumentais que o paradigma fornece.”

Nesta citação, Kuhn se refere à “ciência normal”, e agora devemos considerar este e outros dois conceitos-chave.

Ciência normal é o que praticamente todos os cientistas fazem o tempo todo quando nenhuma revolução científica é iminente, e na descrição pode soar um tanto banal para os não iniciados: consiste essencialmente em uma operação de “limpeza” onde os detalhes de um determinado paradigma e suas aplicações permitidas são elaborados com mais e mais. Parece, como diz Kuhn,

“… uma tentativa de forçar a natureza na caixa pré-formada e relativamente inflexível que o paradigma fornece. Nenhuma parte do objetivo da ciência normal é evocar novos tipos de fenômenos; na verdade, aqueles que não se encaixam na caixa geralmente não são vistos. Nem os cientistas normalmente visam inventar novas teorias, e eles geralmente são intolerantes com aquelas inventadas por outros. Em vez disso, a pesquisa científica normal é direcionada à articulação desses fenômenos e teorias que o paradigma já fornece.”

Pelo que acabamos de aprender sobre ciência e seus paradigmas, já podemos ver claramente a ameaça à ciência normal que a redescoberta de psicodélicos e estados alterados de consciência forneceu. Foi uma ameaça direta a várias disciplinas científicas e médicas, uma inovação destruidora de paradigmas que estava destinada a ser reprimida por um longo tempo.

Dois outros conceitos importantes da teoria de Kuhn são a mudança de paradigma e a revolução científica. Resumidamente, todos os paradigmas científicos eventualmente enfrentam problemas, quando descobertas experimentais anômalas se acumulam a ponto de esse paradigma começar a mostrar suas falhas. Se os problemas persistirem e não puderem ser resolvidos sob os ditames do paradigma existente, uma mudança de paradigma deve então eventualmente ocorrer, onde um novo paradigma, definindo de uma nova maneira os conceitos fundamentais e a agenda de pesquisa a serem seguidos, então substitui o antigo paradigma. Como esse processo tem precedência sobre a continuação da ciência normal, diz-se que uma revolução científica está ocorrendo.

Para entender na prática o que Kuhn quer dizer com paradigma e o que é uma mudança de paradigma, nos ajuda observar o que os termos significam em relação a uma revolução científica específica. O exemplo mais usado de uma revolução científica e sua mudança de paradigma associada foi a revolução copernicana na astronomia.

Nicolau Copérnico

Copérnico, como você certamente sabe, foi o primeiro a promover a ideia herética de que o Sol, e não a Terra, era o centro do nosso sistema planetário. A astronomia centrada na Terra de Ptolomeu, que existia desde a época de Cristo, funcionou admiravelmente bem por um longo tempo, sendo capaz de prever as posições de estrelas e planetas com uma precisão que foi suficiente até o século XVI. Mas com a invenção e o aprimoramento do telescópio e a melhoria das habilidades científicas dos astrônomos, anomalias experimentais começaram a aparecer, especialmente para entender e prever o movimento dos planetas.

Dois pontos importantes a serem observados neste exemplo são:

  1. Os conceitos de paradigma e mudança de paradigma são claramente ilustrados. A revolução copernicana teve como raiz a mudança de paradigma do conceito de um sistema planetário geocêntrico para um heliocêntrico. Mas, ao examinarmos mais exemplos de revoluções científicas, descobriremos que um paradigma científico pode ser um pouco mais complexo, envolvendo um grupo ou conjunto de conceitos fundamentais intimamente relacionados ou realizações científicas passadas.
  2. O segundo ponto-chave no exemplo copernicano é o surgimento de resultados experimentais cada vez mais importantes em conflito com a teoria e a expectativa aceitas – este é o sinal de uma crise iminente, mudança de paradigma e revolução científica.

Outra observação que podemos fazer com base neste exemplo é que, enquanto uma ciência parece estar funcionando, fazendo previsões satisfatoriamente precisas e fornecendo perguntas suficientes para os cientistas trabalharem durante um período de ciência normal, pouco importa se o paradigma pode ser baseado em uma ideia completamente falsa, derivada não da ciência, mas neste caso de ditames religiosos, a saber, que a Terra era o centro do universo. Podemos sentir que hoje a ciência é muito mais imune a esse erro, mas o exemplo da repressão científica dos resultados da pesquisa psicodélica argumenta o contrário.

Vou apenas mencionar brevemente mais alguns exemplos de revoluções científicas e suas mudanças de paradigma associadas para que você tenha uma ideia melhor do que está envolvido, e então continuaremos a considerar como a redescoberta dos psicodélicos deve se qualificar como o iniciador de várias revoluções científicas ainda a se concretizarem.

Na geologia, temos uma das revoluções científicas mais recentes a ter ocorrido. Este exemplo também envolve uma mudança de paradigma fácil de entender, consistindo na transformação de um único conceito. Antes de meados do século XX, os continentes da Terra eram considerados estacionários, em um sentido travados em suas posições para a crosta da Terra. Esta era a crença fundamental ou paradigmática ensinada a todos os estudantes de geologia. Na realidade, o conceito nem precisava ser ensinado, pois parecia ser completamente autoevidente. A acumulação de anomalias experimentais na evolução, geografia, paleoantropologia e outros campos, no entanto, rapidamente levou à teoria da tectônica de placas, na qual os continentes eram entendidos como flutuando em um interior global líquido e, portanto, livres para derivar, colidir uns com os outros e assim por diante. Este novo paradigma expandiu a agenda de pesquisa e, portanto, permitiu a explicação de muitos fenômenos geológicos, evolutivos e geográficos observados que permaneceram misteriosos e inexplicáveis, e em grande parte ignorados, durante o reinado do paradigma do continente estacionário.

Na física, é claro, temos uma das mais importantes revoluções científicas que já ocorreram, da física lógica de bola de bilhar de Newton à paradoxal, complicada de entender e quase impossível de visualizar a física relativística e quântica de Einstein, Heisenberg, Bohr e seus contemporâneos. Neste exemplo, é claro, a mudança de paradigma envolveu um conjunto complexo de princípios e conceitos fundamentais inter-relacionados, incluindo a natureza da luz e da radiação, do espaço-tempo, da própria matéria.

Na química, a teoria sobre o processo de combustão, a queima que os homens observavam tão de perto desde a domesticação do fogo em tempos pré-históricos, passou por uma mudança de paradigma com a descoberta do oxigênio por Lavoisier. Até então, e provavelmente devido à longa observação do que o fogo parecia ser, a queima era considerada um processo pelo qual algo era liberado do objeto em questão. Afinal, as chamas que emanavam de um objeto em chamas devem ter levado, desde tempos imemoriais, a uma ideia fixa de que algo estava saindo da substância. Até meados do século XVIII, uma teoria cada vez mais complexa da queima foi elaborada, uma teoria que postulava uma substância chamada flogisto como o transportador de calor e, portanto, a substância que era liberada de um objeto em chamas. À medida que os balanços químicos se tornavam mais precisos, no entanto, anomalias experimentais começaram a aumentar: descobriu-se que pelo menos algumas substâncias sob combustão pareciam ficar mais pesadas, em vez de mais leves, se o flogisto realmente emanasse delas. Em um último esforço para salvar a teoria do flogisto, alguns cientistas eminentes até propuseram que o flogisto deve ter massa negativa! Com a descoberta do oxigênio por Lavoisier, no entanto, a teoria da oxidação da combustão logo colocou o flogisto em seu túmulo, fosse de massa negativa ou não!

Acho que a partir desses poucos exemplos você pode agora entender a natureza básica de uma revolução científica e sua mudança de paradigma subjacente. Você também pode ter notado que em cada um desses casos a mudança de paradigma envolveu uma mudança de visão geral do que poderia ser pensado como uma ideia arcaica para uma esotérica, onde uma percepção geral e antiga baseada em observação simples teve que ser substituída por conceitos que simplesmente não eram óbvios para o homem primitivo nem para o observador ingênuo. A ideia de que a Terra era o centro do universo, que as massas de terra eram fixas no lugar no globo, que os objetos físicos eram duros e sólidos, que as chamas indicavam que algo estava emanando de um objeto em chamas — tudo isso poderia ser derivado do que podemos pensar como simples observação primitiva ou ingênua. Essas ideias, os paradigmas de seu tempo, tiveram que ser substituídos por ideias anti-intuitivas e aparentemente paradoxais, e vemos isso em abundância quando se trata da redescoberta psicodélica. Não menos importante entre as crenças ingênuas que a redescoberta psicodélica desacreditou está a ideia de que o homem cientista poderia sempre e confiavelmente ser um observador independente e objetivo dos fenômenos, e é um delicioso paradoxo que suas próprias investigações científicas supostamente objetivas com psicodélicos tenham exigido essa conclusão. Também é interessante que as ideias ingênuas que precisavam ser substituídas não eram antigas e primitivas como nos outros casos que acabei de mencionar, mas sim a base da era da investigação científica.

 

Agora, vejamos alguns exemplos específicos de como a redescoberta psicodélica pode ter revolucionado alguns campos da ciência e da medicina.

Para começar, é apropriado considerar o campo da psiquiatria e da psicoterapia, pois foi aqui que a pesquisa com psicodélicos começou, em Saskatchewan, Canadá, sob a direção de Humphrey Osmond, Abram Hoffer e seus associados, e quase simultaneamente com Stanislav Grof e seus associados na República Tcheca

Stan Grof relata em seu livro “Beyond the Brain” o quão difícil foi para ele aceitar os dados de pesquisa que estavam inundando o trabalho de seu grupo com LSD. Grof tinha sido um psicanalista freudiano bastante rigoroso, como se poderia esperar de alguém treinado em medicina e psiquiatria no início dos anos 1950 — talvez o auge do movimento psicanalítico. No entanto, Grof descobriu que, um por um, os principais princípios da visão freudiana — poderíamos chamá-lo de paradigma freudiano — tiveram que ser abandonados como resultado de sua pesquisa sobre LSD. Nesse longo e árduo processo, um novo paradigma para pesquisa e compreensão no campo da saúde e doença mental humana, e na própria consciência humana começou a tomar forma. Em seu livro “Beyond the Brain”, Grof apresenta uma estrutura para esse novo paradigma e até dedica um capítulo introdutório à consideração da teoria da revolução científica de Kuhn como uma forma de mostrar ao leitor a natureza do processo de mudança que estava começando. Hoffer e Osmond no Canadá estavam ao mesmo tempo chegando a uma visão radicalmente nova do que a psicoterapia poderia ser — não uma cura médica análoga ao tratamento de uma infecção com um antibiótico, mas algo mais parecido com uma viagem de autodescoberta pessoal onde o uso de drogas psicodélicas agia como um complemento ou catalisador para a produção de uma mudança radical e rápida de personalidade. A mudança de personalidade tinha sido em tempos antigos muito mais associada à experiência religiosa e conversão do que à ciência ou medicina. Tal ideia era, naturalmente, outro teste severo para a teoria psicanalítica freudiana e para o próprio conceito médico de tratamento medicamentoso.

Um importante princípio organizador na pesquisa psicoterapêutica de Hoffer e Osmond foi derivado de sua observação do uso de peiote pelos nativos americanos em suas observâncias religiosas e do fato observado de alcoolismo muito reduzido em membros da Igreja Nativa Americana. Eles observaram repetidamente a iniciação de novos membros que antes eram severamente alcoólatras e que posteriormente foram curados de seus problemas com bebida com uma confiabilidade que superava em muito qualquer tratamento de alcoolismo que a medicina ocidental pudesse oferecer. Assim nasceu um projeto ambicioso e bem-sucedido de usar tanto mescalina quanto LSD, não como uma clássica “cura medicamentosa” para o alcoolismo, mas como uma forma de catalisar a mudança de personalidade em seus pacientes ou clientes, o que levou essas pessoas a “se curarem”, por assim dizer — a aceitarem suas vidas de maneiras que não poderiam ter alcançado antes. Claro, os métodos desenvolvidos por Hoffer e Osmond foram, em alguns aspectos, um retrocesso ao paradigma xamânico de cura, onde o médico não é um cientista independente e objetivo usando medicamentos específicos para doenças que funcionam apenas com base em suas propriedades farmacêuticas. O xamã faz uma jornada de autodescoberta psicológica e espiritual junto com seu cliente para que ambos possam experimentar a fonte dos problemas e, assim, efetuar uma cura.

Foi observado, que na medicina ocidental é o paciente que toma os medicamentos, enquanto na tradição xamânica é o médico que toma a medicina. O trabalho de Hoffer e Osmond tratando alcoólatras dependia necessariamente de dar medicamentos psicodélicos aos próprios pacientes, mas é interessante notar que esses psiquiatras outrora tradicionais rapidamente chegaram à conclusão de que, para dar psicodélicos efetivamente aos pacientes, era indispensável que os médicos, e até mesmo os enfermeiros presentes, estivessem o mais familiarizados possível com os estados alterados de consciência produzidos pelos medicamentos. E havia apenas uma maneira eficaz de fazer isso: como na tradição xamânica, os médicos tomavam os medicamentos, muitas vezes.

Lenta, mas seguramente, um novo paradigma para a psiquiatria e a psicoterapia estava tomando forma, mas a resistência do establishment científico e médico era esperada, como Kuhn mostra ser o estado normal das coisas. Críticas à terapia com LSD — especialmente depois que o uso de psicodélicos por estudantes universitários se tornou um escândalo nos EUA (Tim Leary e Richard Alpert em Harvard)— se tornaram outro tipo de escândalo, um escândalo científico de grandes dimensões. Em uma análise particularmente convincente da situação em seu livro “The Hallucinogens”, Hoffer e Osmond demolem habilmente seus críticos no espaço de algumas páginas. No entanto, completamente de acordo com as previsões de Thomas Kuhn, aqueles que introduziriam um novo paradigma enfrentam não apenas uma batalha difícil, mas consequências muito mais sérias, não importa quão necessária a nova perspectiva possa ser baseada no fracasso revelado do antigo paradigma.

Hoffer e Osmond estavam cientes do trabalho de Thomas Kuhn e das previsões de grande hostilidade à sua pesquisa? Eles não deixam pista, mas citam o filósofo Michael Polanyi, que em seu artigo de 1956 na The Lancet, parece ter pressagiado alguns dos principais pontos de Thomas Kuhn. Polanyi escreve,

“Na medida em que a descoberta muda nossa estrutura interpretativa, é logicamente impossível chegar a ela pela aplicação contínua de nossa estrutura interpretativa anterior. Em outras palavras, a descoberta é criativa… no sentido de que não deve ser alcançada pela aplicação diligente de nenhum procedimento previamente conhecido e especificável…”

Vemos aqui que Polanyi está, em termos kuhnianos, falando sobre o tipo de descoberta que representa descobertas anômalas que levam o descobridor a propor um novo paradigma. Quando Polanyi diz que a descoberta revolucionária não pode ser alcançada por procedimentos previamente existentes, ele está dizendo a mesma coisa que Kuhn, que o processo da ciência normal não pode levar por si só à mudança de paradigma e à revolução científica. O próprio Kuhn afirmou com bastante firmeza que “Paradigmas não são corrigíveis pela ciência normal de forma alguma”.

Michael Polanyi continua,

“Agora podemos ver a grande dificuldade que pode surgir na tentativa de persuadir outros a aceitar uma nova ideia na ciência. Na medida em que representa uma nova maneira de raciocínio, não podemos convencer os outros por meio de argumentos formais, pois enquanto argumentarmos dentro de sua estrutura, nunca poderemos induzi-los a abandoná-la. A demonstração deve ser suplementada, portanto, por formas de persuasão que possam induzir uma conversão. A recusa em entrar na maneira de argumentar do oponente deve ser justificada fazendo-a parecer completamente irracional.

“Tal rejeição abrangente não pode deixar de desacreditar o oponente. Ele será feito parecer completamente iludido, o que no calor da batalha facilmente implicará que ele era um tolo, um excêntrico ou uma fraude… Em um choque de paixões intelectuais, cada lado deve inevitavelmente atacar a pessoa do oponente.”

E foi exatamente isso que aconteceu com muitos pesquisadores que trabalharam com drogas psicodélicas. Hoje, a comunidade científica convencional rotineiramente e ignorantemente classifica toda a fraternidade de pioneiros psicodélicos na mesma categoria de Tim Leary, ou pior.

Obviamente, nenhuma revolução científica ocorreu ainda na psiquiatria e psicoterapia tradicionais, mas os experimentos anômalos e os contornos de um novo paradigma permanecem na literatura científica e nas mentes de alguns cientistas e médicos.

Como teria sido uma revolução na psicoterapia? Isso é algo difícil de prever, como qualquer mudança revolucionária deve necessariamente ser. Mas certamente seria amplamente reconhecido agora que Hoffer e Osmond estavam certos em insistir que a experiência pessoal de estados de consciência alterados psicodélicos é indispensável e “absolutamente essencial” para a compreensão não apenas dos pacientes, mas para a compreensão da própria consciência. Treinado em estados alterados de consciência, um psiquiatra ou psicoterapeuta se torna um paralelo muito mais próximo dos curandeiros xamânicos do passado distante, algo desejável, pelo seguinte motivo: a ciência reducionista funciona bem com coisas inanimadas, plantas e até mesmo com animais primitivos, mas com humanos, que nunca podem ser considerados “apenas” como objetos, a ciência objetiva deve permanecer para sempre incompleta.

No campo da ciência da computação e tecnologia, uma revolução parece ter ocorrido, e a princípio podemos ser tentados a atribuir isso às alegações frequentemente ouvidas de que muitos dos inventores pioneiros do computador moderno não só estavam familiarizados com drogas psicodélicas, mas as usaram como um caminho para a criatividade que levou às suas invenções. Seja como for, teríamos que dizer com mais precisão que a revolução não estava, portanto, nos computadores em si, mas no uso de drogas psicodélicas como uma ferramenta psicológica, como uma forma de aumentar a criatividade. A chamada revolução dos computadores não se qualifica como uma revolução científica, primeiro porque estamos lidando mais com uma tecnologia do que com uma ciência, e segundo porque não passamos por uma mudança de paradigma. Os princípios fundamentais da computação digital permaneceram os mesmos por muito tempo.

No entanto, a ideia de que as drogas poderiam aumentar a criatividade era certamente revolucionária e ameaçadora de paradigma. É uma ideia que vai contra as convicções gerais, embora não científicas, de que as drogas são exclusivamente substâncias usadas na medicina para restaurar a normalidade; é uma ideia que desacredita a convicção de que a consciência normal é o summum bonum² (Nota do tradutor²: ‘sumo bem’ ou ‘bem maior, em latim) é uma expressão latina usada na filosofia — particularmente, em Aristóteles,[1] na filosofia medieval e na filosofia de Immanuel Kant — para descrever o bem maior que o ser humano deve buscar), o melhor, mais eficiente e desejável estado da consciência humana e que sua alteração não pode levar a nenhum bom fim; é uma ideia que mostra o absurdo da noção de que a consciência drogada DEVE ser um estado degradado e delirante, abaixo da dignidade de qualquer pessoa civilizada, que o uso aborígene de drogas para qualquer propósito meramente ilustra o atraso e a natureza primitiva de tais povos. Essas observações ingênuas, assim como as observações ingênuas do universo centrado na Terra, chegam até nós como “verdades” pouco questionadas de eras passadas. No caso das drogas, tais ideias representam um paradigma muito antigo da psicologia humana ocidental cuja origem remonta à Santa Inquisição, quando as potências europeias assumiram a responsabilidade de perseguir os habitantes das Américas, supostamente para salvar suas almas, mas, mais realisticamente, para confiscar todo o hemisfério. Os inquisidores tomaram o uso nativo de drogas que alteram a consciência como um sinal claro de que eles deveriam ser considerados subumanos e indignos da propriedade de suas terras. Esse legado chegou até nós pouco alterado, de modo que hoje parece uma opinião automática sobre os usuários de drogas que eles são de alguma forma degradados, não estão em seu perfeito juízo e precisam de correção e tratamento. Propor que as drogas podem ser capazes não apenas de alterar benignamente as capacidades humanas, mas de realmente melhorá-las é obviamente uma heresia, uma ameaça à atitude colonial e paternalista que tipifica a visão da ciência moderna sobre os povos antigos e seus costumes.

As sementes da revolução neste ramo da psicologia certamente já haviam sido plantadas em 1964, quando Frank Barron apresentou um artigo em um simpósio na Califórnia intitulado “O processo criativo e a experiência psicodélica“. A pesquisa de Willis Harman e James Fadiman logo começou a documentar as provas experimentais da conexão, e seu artigo “Agentes psicodélicos na resolução criativa de problemas: um estudo piloto” provavelmente teria sido um ponto de virada revolucionário no estudo psicológico da criatividade se sua pesquisa não tivesse sido interrompida no meio do caminho por decreto do governo. Se você simplesmente fizer uma pesquisa no Google por Harman e Fadiman, poderá encontrar facilmente seus artigos de pesquisa, que valem a pena ler. O título do artigo deles no livro de Aaronson e Osmond, Psychedelics, é ainda mais indicativo de uma mudança revolucionária de paradigma: “Aprimoramento seletivo de capacidades específicas por meio do treinamento psicodélico”. Desde o final da década de 1960, nenhuma pesquisa foi permitida nesse sentido, e mais uma potencial revolução científica foi suprimida.

 

Embora as mudanças notáveis ​​na tecnologia de computadores não se qualifiquem estritamente como uma revolução kuhniana, um resultado primário de avanços em computadores pode ainda ilustrar para nós outra potencial e genuína revolução científica que foi suprimida. Desde os primeiros experimentos neurológicos em que os nervos que levam aos músculos da perna de um sapo foram estimulados eletricamente, levando à contração muscular, o paradigma da computação digital no sistema nervoso se consolidou, lenta mas seguramente.

Devido à grande demanda por computadores cada vez mais avançados para empreendimentos de alta tecnologia, como aeronáutica, exploração espacial, modelagem de sistemas complexos — sem mencionar aplicações militares e hardware — tem havido dinheiro de pesquisa praticamente ilimitado disponível para aqueles que estudam computação digital e para aqueles que se esforçam para descrever as propriedades e operações de vários sistemas físicos e biológicos em termos de computação digital. A neurociência e a ciência cognitiva têm sido grandes beneficiárias desse dinheiro de pesquisa, e a corrente principal dessas ciências aceita quase sem questionamentos ou análises profundas que os processos digitais são responsáveis ​​pelo que o cérebro faz. Afinal, as bolsas de pesquisa dependem da adoção desse paradigma.

A maneira mais fácil de ver o “paradigma digital” da operação cerebral é talvez por meio da consideração da visão da operação dos neurônios que temos e o que essas atividades dos neurônios significam. Embora as propriedades e ações dos receptores químicos de um neurônio e do espaço sináptico entre os neurônios tenham se mostrado incrivelmente complexas, quando tudo é dito e feito, o que acontece no neurônio é um simples pulso elétrico liga-desliga que transmite o chamado “sinal” pelo eixo do neurônio, ou axônio, em direção à próxima sinapse e neurônio na linha. Um simples pulso liga-desliga, tudo ou nada, só pode ser interpretado em termos digitais, não importa quantas camadas de complexidade alguém tente carregar em cima deste mais simples dos processos.

Enquanto isso, é bem conhecido por que o cérebro não pode ser um computador digital. Primeiro, ele não é rápido o suficiente. Nem complexo o suficiente, apesar da grande multidão de neurônios que contém. Uma tarefa como reconhecimento facial, que uma pessoa equipada com um cérebro pode fazer quase instantaneamente e sem qualquer sensação de ter concluído uma tarefa difícil, não pode ser alcançada de forma tão confiável com os computadores mais poderosos operando em velocidades de processador de vários Gigahertz e com velocidades de transferência de dados se aproximando da velocidade da luz. O cérebro opera a alguns hertz e com “taxas de transferência de dados” muito letárgicas. Outros exemplos semelhantes são fáceis de encontrar. Claramente, o paradigma de “transferência digital de bits de dados” da operação cerebral, como eu o chamo, com o potencial de ação do neurônio representando a unidade fundamental de “informação”, deve ser um paradigma aguardando um funeral bem merecido, se ao menos um novo paradigma pudesse ser criado primeiro para ampliar a agenda de pesquisa. Como Kuhn deixa claro em seu livro, não importa quais problemas um paradigma possa enfrentar, ele nunca é abandonado até que um novo paradigma esteja pronto para tomar seu lugar. Mesmo assim, muitos defensores do antigo paradigma continuam como os cientistas eminentes que atribuíram uma massa negativa ao flogisto, defendendo o que muitas vezes é o trabalho de suas vidas até o amargo fim — suas próprias mortes.

Um novo paradigma para a neurociência está de fato esperando nos bastidores há algum tempo. Algumas das ideias básicas do paradigma foram propostas pela primeira vez em parte por Karl Lashley já em 1942. Dando continuidade ao trabalho de Lashley após uma associação de uma década com ele, Karl Pribram publicou vários artigos sobre sua nova visão da operação cerebral e, finalmente, uma obra-prima de um livro sobre o assunto intitulado “Brain and Perception: Holonomy and Structure in Figural Processing”. As visões de Pribram, popularizadas em um livro de 1982 intitulado “The Holographic Paradigm and Other Paradoxes”, editado por Ken Wilber, realmente representam um paradigma inteiramente novo e revolucionário para a neurociência e a neurociência cognitiva. A agenda de pesquisa ampliada que o paradigma justificaria pode muito bem ser capaz de esclarecer muitos dos mistérios atuais da mente, como a forma como a recuperação instantânea da memória associativa pode funcionar, ou como todos os processos modulares do cérebro, como os múltiplos aspectos da visão, audição, olfato, todos parecem se combinar em uma experiência unitária, o chamado “problema de ligação” que os pesquisadores da consciência têm arrancado os cabelos tentando explicar.

Não tenho tempo hoje para contar os detalhes dessa nova abordagem ao cérebro e à consciência, mas, novamente, você deve conseguir encontrar artigos e livros interessantes na internet seguindo os links para “Karl Pribram”.

É interessante notar, e é isso que conecta essa mudança de paradigma particular aos psicodélicos, que Karl Pribram era muito próximo de outros cientistas e pesquisadores interessados ​​em psicodélicos e se inspirou em muitas dessas pessoas. O trabalho de Pribram tem todas as características de ter surgido por meio, pelo menos, da potencialização indireta da criatividade excepcional derivada do treinamento psicodélico, conforme o trabalho de Harman e Fadiman. Essa pode muito bem ser uma das principais razões pelas quais seu trabalho é amplamente ignorado pela corrente principal da neurociência e criticado ignorantemente até mesmo por grandes figuras científicas como Francis Crick.

 

Alguém poderia facilmente propor que a redescoberta psicodélica teria efeitos revolucionários ainda maiores em outras disciplinas científicas, como antropologia e paleoantropologia, como propus em minha palestra aqui há dois anos, ou mesmo economia, … poucas ciências permaneceriam intocadas se a resistência indesejada não tivesse suprimido a própria revolução psicodélica.

Os psicodélicos e suas descobertas associadas possivelmente exigem revoluções científicas não apenas em vários campos científicos, mas no próprio conceito de exploração e descoberta científica. É por essa razão talvez que essas revoluções tenham sido tão longa e tão efetivamente reprimidas. Ter uma revolução científica em um determinado período da história já é um empreendimento difícil e às vezes há muito reprimido. Mas ter múltiplas revoluções em campos científicos até mesmo díspares exigiria uma grande convulsão científica E social, especialmente dada a maneira como a ciência é financiada hoje por grandes organizações corporativas e governamentais. E a revolução não pararia por aí: uma reorganização tão imensa na ciência levaria inevitavelmente a uma revolução nos costumes sociais, atitudes e, finalmente, na própria civilização e na política pela qual ela é dirigida. Se uma revolução tão multifacetada pode ser realizada é talvez o maior teste da humanidade desde o que ocorreu há tanto tempo, quando ele teve que decidir o que fazer com aquela primeira experiência do fruto proibido psicodélico no Jardim do Éden.

Cogumelos tem resultados sem precedentes para o alívio do sofrimento relacionado com o câncer

O tratamento com psilocibina, o princípio ativo dos cogumelos alucinógenos, promove um alívio rápido e duradouro da ansiedade e da depressão entre a maioria dos pacientes com câncer, inclusive aqueles com doença avançada, de acordo com dois estudos com desenhos semelhantes publicados on-line em 1º de dezembro no periódico Journal of Psychopharmacology.

A eficácia descrita não tem precedentes na psiquiatria e na psico-oncologia, disse Roland Griffiths, neurocientista e pesquisador responsável de um estudo com 51 pacientes realizado na Johns Hopkins University, em Baltimore, Maryland.

Quando os pacientes do estudo receberam uma única dose alta de psilocibina sintética, o índice geral de resposta clínica aos seis meses para os desfechos primários de depressão e ansiedade foi de 78% e 83%, respectivamente, e o índice geral de remissão completa dos sintomas foi de 65% e 57%, respectivamente.

A psilocibina pode representar uma mudança de paradigma no tratamento dos pacientes com sofrimentos psicológicos relacionados ao câncer, acrescentou Griffiths em uma coletiva de imprensa.

CITACAO

“A psilocibina pode representar uma mudança de paradigma.”
Dr. Roland Griffiths

Os atuais tratamentos farmacológicos da ansiedade e da depressão relacionada com o câncer “tendem a não funcionar melhor do que o placebo” e demonstraram um índice de resposta de aproximadamente 40% em meta-análises, disse o Dr. Steven Ross, psiquiatra e pesquisador responsável do segundo estudo com 29 pacientes realizado na New York University (NYU), na cidade de Nova York.

O sofrimento psíquico relacionado com o câncer é especialmente difícil de tratar, sugeriu o pesquisador, observando que os medicamentos convencionais, como a fluoxetina (Prozac, Eli Lilly), têm mais eficácia no tratamento do sofrimento psíquico dos pacientes com outras doenças graves, como a aids e o acidente vascular encefálico.

No estudo da NYU, em 6,5 meses de acompanhamento, uma única dose moderada de psilocibina sintética foi associada a efeitos duradouros, visto que cerca de 60% a 80% (dependendo do instrumento de avaliação) dos participantes apresentaram redução clinicamente significativa da depressão ou da ansiedade, informaram o Dr. Ross e seus colaboradores.

Estes resultados podem ser um divisor de águas no campo da psiquiatria, já que recentemente a psilocibina também foi administrada com segurança em pacientes com depressão refratária ao tratamento e sofrimento psíquico associado a outras doenças com risco de vida, bem como à dependência de álcool ou tabaco e ao transtorno obsessivo-compulsivo, como já informou o Medscape.

Os pacientes que participaram nos dois novos estudos, que são até o momento os maiores estudos randomizados controlados com psilocibina para a depressão e a ansiedade em pacientes com câncer, também falaram na coletiva de imprensa.

Dinah Bazer, 69 anos, do Brooklyn, em Nova York, foi diagnosticada com câncer de ovário em 2010 e passou por uma cirurgia bem-sucedida e quimioterapia, mas apresenta sofrimento psíquico constante.

“Eu estava absoluta e inteiramente consumida pela ansiedade e pelo medo da recidiva, disse Dinah, que participou do estudo da NYU. “Durante a minha experiência com a psilocibina, visualizei meu medo como uma massa física no meu corpo. Fiquei louca de raiva e gritei para ele ‘some daqui!’, e ele se foi. Eu, então, entrei em um estado difícil de descrever como ateia… banhada no amor de Deus. Isso durou horas. Quando a experiência terminou, meu medo e minha ansiedade tinham desaparecido”, segundo ela.

“Esta droga salvou a minha vida, e mudou a minha vida”, disse Dinah.

A administração de “drogas psicodélicas” como a psilocibina foi estudada no passado nos Estados Unidos para uma série de doenças, observa o Dr. Craig Blinderman, no comentário que acompanha o artigo(http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675761). O Dr. Blinderman é especialista em cuidados paliativos no Columbia University Medical Center/New York-Presbyterian Hospital, em Nova York.

Essas pesquisas foram suspensas quando o presidente Richard Nixon assinou a Lei de Substâncias Controladas de 1970, colocando as drogas psicodélicos na Classe I, que corresponde às “drogas sem uso médico aceito na época e com grande potencial de abuso”.

O Dr. Blinderman afirma que os pacientes com câncer têm uma prevalência de ansiedade e depressão de 30% a 40%, que é muito mais elevada do que os 7% a 10% encontrados na população geral.

Muitas vezes, os pacientes oncológicos que sofrem de ansiedade ou depressão têm desfechos piores, até mesmo maior utilização dos serviços de saúde, mais dor, pior qualidade de vida e menor sobrevida, escreve o pesquisador, citando vários estudos.

Esses novos estudos são “inovadores” e apresentam resultados muito empolgantes, disse o Dr. Blinderman, que também participou da entrevista com os jornalistas.

Uma das batalhas travadas no atendimento de pacientes com câncer, especialmente aqueles com doença avançada, é idar com a “angústia existencial” que, de acordo com o Dr. Blinderman, é uma síndrome caracterizada por falta de esperança e desamparo diante da perda de propósito e significado na vida.

O desafio clínico de abordar e tratar essa angústia existencial é exacerbado pelos problemas correlatos, continuou o pesquisador. “As limitações na cobertura da saúde mental e a escassez de profissionais experientes em psico-oncologia disponíveis representa outro obstáculo para os pacientes com câncer… no sentido de colaborar para o bem-estar deles”, disse o médico.

O “mais interessante” para o Dr. Blinderman sobre os novos estudos, foi que os dois encontraram uma correlação entre os pacientes tendo alguma “experiência mística” e extensão da melhora da ansiedade e da depressão.

Por exemplo, no estudo da NYU, os autores informaram que a intensidade da experiência mística subjetiva, classificada de acordo com o Questionário de Experiência Mística (Mystical Experience Questionnaire – MEQ 30) e relatada pelo próprio participante, “mediou” significativamente a diminuição dos sintomas de ansiedade e depressão em médio prazo (por exemplo, seis semanas após a primeira dose).

CITACAO
“Trata-se de um resultado profundo”
Dr. Craig Blinderman

“Trata-se de um resultado profundo”, disse o Dr. Blinderman sobre a correlação entre a experiência mística relatada pelos participantes e os resultados positivos.

Essas observações também lançaram uma nova luz sobre “o aumento do interesse na morte com assistência médica” nos Estados Unidos, disse ele. A incapacidade terapêutica de aplacar o sofrimento existencial dos pacientes é o “principal motivo” que os leva a optar pela morte com assistência médica, disse o Dr. Blinderman.

“Não dispomos de nenhum bom tratamento para a angústia existencial”, observou. Antes de abraçar a opção de terminar a vida, comentou o pesquisador, parece apropriado tentar explorar métodos terapêuticos como a psilocibina, que poderiam aliviar o sofrimento que originou o desejo do suicídio assistido.

Detalhes do estudo

Na Johns Hopkins, todos os 51 participantes tiveram diagnóstico de câncer potencialmente fatal, em 65% dos casos sendo recidiva da doença ou metástase. Os tipos de câncer foram: mama (n = 13), cavidade oral, laringe, faringe e esôfago (n = 7), gastrointestinal (n = 4), geniturinário (n = 18), hematológico (n = 8) e outros (n = 1). Todos os pacientes haviam tido diagnóstico psiquiátrico formal, como transtorno da ansiedade ou transtorno depressivo.

Em termos de dados demográficos dos pacientes, a média da idade foi de 56 anos, metade dos pacientes eram do sexo feminino e a maioria (92%) era branca.

O estudo teve desenho duplo-cego, cruzado, com duas sessões (marcadas com cinco semanas de intervalo), comparando os efeitos de uma dose alta a uma dose baixa de psilocibina, administradas em cápsulas. A dose baixa serviu, na prática, como placebo, pois era baixa demais para produzir algum efeito.

Na segunda sessão, os participantes receberam uma cápsula com a dose alta.

Para minimizar os efeitos da “expectativa”, os participantes e os membros da equipe que supervisionaram as sessões foram informados que os participantes receberiam psilocibina nas duas sessões, mas as doses não foram informadas.

Durante cada sessão, dois monitores ajudaram os participantes, que foram incentivados a deitar, usar máscara nos olhos e ouvir música com fones de ouvido, em um ambiente “domiciliar”. Os monitores não davam orientações, davam apoio, disseram os autores, e estimulavam os participantes a confiar, deixar acontecer e se abrir à experiência.

Os pesquisadores avaliaram o humor de cada participante, a atitude em relação à vida, seus comportamentos e sua espiritualidade por meio de questionários e entrevistas estruturadas antes da primeira sessão, sete horas depois de tomar a psilocibina, cinco semanas após cada sessão e seis meses após a segunda sessão.

Os instrumentos de medida dos desfechos primários da depressão e da ansiedade foram a Hamilton Depression Rating Scale, a Hamilton Anxiety Rating Scale, o Beck Depression Inventory e o State-Trait Anxiety Inventory.

A psilocibina produziu efeitos importantes e duradouros nas duas medidas de desfecho primário, assim como na maioria das medidas secundárias avaliadas no início do estudo, cinco semanas após cada sessão e aos seis meses de acompanhamento.

Das 17 medidas avaliadas, 16 revelaram efeitos significativos (ou seja, diferença entre os grupos na avaliação após a primeira sessão e/ou diferença entre as avaliações depois da primeira e da segunda sessões para o grupo da dose baixa na primeira sessão).

Os autores resumiram os destaques assim: “A dose alta de psilocibina promoveu grande redução das medidas clínicas e da avaliação do próprio paciente do humor deprimido e da ansiedade, assim como melhora em termos de qualidade de vida, significado da vida e otimismo, e diminuiu a ansiedade em relação à morte.”

Os eventos adversos foram mínimos e nenhum foi grave. Cerca de 15% dos participantes referiram náuseas ou vomitaram, e 33% sentiram algum desconforto psicológico, como ansiedade ou paranoia, depois de tomar a dose mais alta. Um terço dos participantes apresentou aumento transitório da pressão arterial.

Na New York University, o desenho também foi duplo-cego, cruzado, controlado com placebo, mas em uma das sessões o placebo foi niacina. Os desfechos primários foram ansiedade e depressão avaliados entre os grupos antes do cruzamento na sétima semana.

Quase dois terços dos participantes (62%) tinham doença em estágio avançado (III ou IV). Os tipos de câncer foram: mama ou aparelho reprodutivo (59%), gastrointestinal (17%), hematológico (14%) e outros (10%).

A maioria dos participantes do estudo era branca (90%) e de mulheres (62%). A média de idade foi de 56,3 anos.

Todos os 29 participantes tinham diagnósticos relacionados com ansiedade. Quase dois terços (59%) já tinham sido tratados anteriormente com antidepressivos ou ansiolíticos.

As medidas clínicas dos desfechos (ansiedade e depressão) foram avaliadas pelos seguintes instrumentos de medição: a Hospital Anxiety and Depression Scale, o Beck Depression Inventory informado pelo próprio paciente e o Spielberger State-Trait Anxiety Inventory.

Como no estudo da Johns Hopkins, os desfechos secundários englobaram a angústia existencial relacionada com o câncer.

A equipe da NYU informou que o grupo da psilocibina (em comparação com o grupo de controle ativo) demonstrou “melhora clínica imediata, significativa e sustentada” (por até sete semanas após a dose) em termos de redução dos sintomas da ansiedade e da depressão.

Eles descreveram a magnitude das diferenças entre os grupos da psilocibina e de controle como “grande” entre as medidas de desfecho primário, avaliadas no primeiro dia/duas semanas/seis semanas, e sete semanas após a primeira dose.

Não houve eventos adversos graves. Os mais comuns foram aumentos da pressão arterial e da frequência cardíaca (76%), cefaleias/migrâneas (28%) e náuseas (14%), todos sem significado clínico. Os eventos adversos psiquiátricos mais comuns foram ansiedade transitória (17%) e sintomas do tipo psicótico transitórios (7%).

O estudo da Johns Hopkins recebeu apoio financeiro de: Heffter Research Institute, Riverstyx Foundation, William Linton, Betsy Gordon Foundation, McCormick Family, Fetzer Institute, George Goldsmith e Ekaterina Malievskaia. Griffiths declarou fazer parte do Conselho de Direção do Heffter Research Institute. O estudo da NYU recebeu financiamento de: Heffter Research Institute, RiverStyx Foundation, New York University-Health, Hospitals Corporation Clinical and Translational Science Institute, assim como subvenções de indivíduos, inclusive Carey e Claudia Turnbull, William Linton, Robert Barnhart, Arthur Altschul, Kelly Fitzsimmons, George Goldsmith e Ekaterina Malievskaia. Os autores do estudo e o Dr. Blinderman informaram não possuir conflitos de interesse relevantes ao tema.

J Psychopharmacol. Publicado on-line em 1º de dezembro de 2016. Ross et al, artigo; Griffiths et al, artigo; http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675513

fonte
http://portugues.medscape.com/verartigo/6500757

A psilocibina pode ser um divisor de águas na psiquiatria

Dois estudos randomizados controlados semelhantes, envolvendo pacientes com câncer em estágio terminal sugerem que uma única dose alta da droga psicodélica psilocibina tem efeitos rápidos, clinicamente significativos e duradouros no humor e na ansiedade. Estes resultados podem ser um divisor de águas do tratamento psiquiátrico.

Essas novas descobertas têm o potencial de transformar o atendimento dos pacientes com câncer e sofrimento psicológico e existencial, mas além disso, de oferecer um modelo inteiramente novo para a psiquiatria, o de um medicamento que age rapidamente tanto como antidepressivo quanto como ansiolítico, e cujos benefícios se mantêm durante meses, disse ao Medscape o Dr. Stephen Ross, médico, diretor do Serviço de Dependência Química do Departamento de Psiquiatria da New York University (NYU), Langone Medical Center.

“Isso pode fazer a terra tremer e trazer para a psiquiatria uma grande mudança de paradigma”, disse.

Os resultados foram publicados on-line em 1º de dezembro no periódico Journal of Psychopharmacology.

Entusiasmo dos especialistas

Os especialistas da área, incluindo os ex-presidentes da American Psychiatric Association (APA) e os chefes dos grandes serviços de psiquiatria universitários, descreveram os resultados como “notáveis”, “muito promissores”, e como sendo um “avanço crítico” que “podem inaugurar uma nova era” no tratamento da dependência química na psiquiatria.

De acordo com estes especialistas, cujos comentários foram publicados junto com os dois estudos em uma edição especial da revista, as novas descobertas justificam a realização de estudos mais abrangentes para replicar os resultados em várias populações. Alguns especialistas instam maior consideração das questões legais, éticas e regulatórias singulares ao uso clínico da psilocibina e drogas afins.

A psilocibina, princípio ativo dos cogumelos alucinógenos, é uma droga serotonérgica que atua como agonista do receptor 2A da 5-hidroxitriptamina (5-HT 2A).

Foi sintetizada pela primeira vez em 1958, tendo sido usada na pesquisa psiquiátrica até 1970, quando o uso generalizado como entorpecente recreativo e sua associação à agitação cultural e política da época resultaram em sua reclassificação nos Estados Unidos, junto com outras drogas psicodélicas, como droga da Classe I. No entanto, nas últimas décadas, tem havido um interesse renovado pela psilocibina.

De acordo com um comentário feito pelo Dr. Alasdair Breckenridge, do Departamento de Farmacologia e Terapêutica da University of Liverpool (Reino Unido), e pelo Dr. Diederick E. Grobbee, do Julius Center for Health Sciences and Primary Caredo University Medical Center, em Utrecht (Holanda), recentes trabalhos mostraram que esta droga pode ser administrada com segurança a pacientes com depressão refratária ao tratamento e sofrimento psicológico associado a doenças terminais, bem como às pessoas com dependência de álcool ou de tabaco e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).

A pesquisa também sugere que a substância não é viciante, não causa dependência e tem toxicidade extremamente baixa, observam os Drs. Breckenridge e Grobbee.

Esses resultados encorajadores abriram a porta para os ensaios clínicos que estão surgindo agora.

Os dois novos estudos utilizaram um desenho duplo-cego e cruzado, e foram realizados em um ambiente supervisionado. Cada um utilizou várias ferramentas psicológicas validadas para analisar uma série de efeitos e para avaliar a segurança.

Os desfechos primários dos dois estudos foram a depressão e a ansiedade – quadros clínicos altamente prevalentes entre os pacientes com câncer, cujas doenças costumam ser resistentes aos antidepressivos e ansiolíticos, ou à psicoterapia.

Os desfechos secundários foram a avaliação da espiritualidade, do sofrimento existencial, do medo da morte e das experiências místicas. Por exemplo, alguns pacientes descreveram sentir um intenso sentido de unidade, transcendência de tempo e espaço, ou humor profundamente positivo e melhora da qualidade de vida.

A principal diferença entre os dois estudos foi no que diz respeito aos medicamentos de controle utilizados. Um estudo usou a niacina, que mimetiza a psilocibina; o outro utilizou uma dose baixa da própria psilocibina.

Experiência terapêutica importante

O estudo realizado pelos pesquisadores da New York University recrutou 29 pessoas, das quais quase dois terços tinham câncer de estágio III ou IV. Todos os pacientes haviam sido diagnosticados com algum transtorno relacionado com a ansiedade. A maioria preencheu os critérios diagnósticos de transtorno da adaptação, e os demais preencheram os critérios de transtorno da ansiedade generalizada. Quase dois terços já tinham sido tratados com antidepressivos ou ansiolíticos, mas nenhum participante estava tomando medicamentos no momento do estudo.

A média de idade dos participantes foi de 56 anos. Cerca de 55% já tinham tomado alguma droga psicodélica pelo menos uma vez na vida, o que os pesquisadores consideraram não ser surpreendente.

Durante os anos 60 e 70, dezenas de milhões de pessoas usaram drogas psicodélicas. Era muito comum experimentar pelo menos uma vez o LSD (Lysergsäurediethylamid, ácido lisérgico em alemão) ou a maconha (Cannabis sativa), disse o Dr. Ross.

Os pacientes neste estudo tomaram psilocibina (0,3 mg/kg, ou aproximadamente 21 mg/70 kg) ou niacina (250 mg), ou vice-versa após sete semanas. Ambos grupos fizeram psicoterapia com elementos de apoio psicodinâmicos e existenciais. Os pacientes tomaram a droga em um ambiente recriando uma atmosfera familiar, disse o Dr. Ross. Os pacientes e os terapeutas deram as mãos formando um círculo, e os pacientes verbalizaram as suas intenções para a sessão. Depois de tomar o comprimido, cada paciente recebeu livros de arte, músicas pré-escolhidas e máscaras para os olhos e foi convidado a direcionar a sua atenção internamente. Os terapeutas, todos experientes, checaram regularmente os pacientes.

A escala de ansiedade Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS) e o registro Beck Depression Inventory (BDI) foram utilizados para capturar os relatos dos pacientes. O estudo mostrou que a psilocibina produziu uma resposta ansiolítica e antidepressiva imediata e mantida.

Com relação à pontuação no Beck Depression Inventory, no grupo que usou psilocibina na primeira sessão, cerca de 83% dos participantes preencheram os critérios de resposta antidepressiva sete semanas depois de receber a primeira dose. No grupo que usou niacina na primeira sessão, 14% preencheram os critérios de resposta antidepressiva. Com relação à pontuação na Hospital Anxiety and Depression Scale, no grupo que usou psilocibina na primeira sessão, 58% preencheram os critérios de resposta ansiolítica sete semanas depois de receber a primeira dose; no grupo que usou niacina na primeira sessão, 14% preencheram os critérios de resposta ansiolítica.

Em 6,5 meses de acompanhamento, os índices de resposta antidepressiva ou ansiolítica ficaram na faixa de 60% a 80%, dependendo do instrumento de medida utilizado.

O estudo do Dr. Ross também mostrou que a psilocibina foi associada à melhora da qualidade de vida e ao bem-estar espiritual, bem como a menor sofrimento existencial. As experiências místicas, medidas pelo Mystical Experiences Questionnaire, tiveram alta correlação com as respostas clínicas.

“Definitivamente, existe algo relacionado com a intensidade da experiência mística que é a maior causa de melhora dos pacientes”, disse o Dr. Ross.

Cerca de 70% dos pacientes classificaram a experiência com a psilocibina como “singular, ou entre as cinco melhores experiências de sua vida. Foram as mais instrutivas, memoráveis e importantes experiências terapêuticas das quais as pessoas se lembravam e sobre as quais nos falaram”, disse o pesquisador.

Não houve diferença de resposta entre os pacientes que tinham usado alucinógenos no passado e aqueles que não o tinham. Também não fez diferença se os pacientes tinham ou não alguma fé religiosa.

Resultados coerentes

O segundo estudo http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675513, realizado por pesquisadores da Johns Hopkins University, em Baltimore, Maryland, recrutou 51 pacientes com câncer. Destes, 65% tinham doença recidivante ou metastática. Todos os participantes corresponderam aos critérios diagnósticos de transtorno de adaptação crônico com ansiedade, transtorno de adaptação crônico com ansiedade e humor deprimido, transtorno distímico, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno depressivo maior ou diagnóstico duplo de transtorno de ansiedade generalizada e transtorno depressivo maior pelo DSM-IV (4ª Edição do Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais).

Os pacientes tomaram uma dose alta de psilocibina (22 mg/kg), seguida, cinco semanas mais tarde, por uma dose muito baixa (3 mg/70 kg, reduzida para 1 mg/70 kg durante o estudo, e que mimetizava o placebo), ou receberam uma dose baixa seguida pela dose alta cinco semanas mais tarde.

Como no estudo da New York University, os pacientes estavam em um ambiente controlado. Eles também foram estimulados a deitar em um sofá, usar uma máscara nos olhos para bloquear as distrações visuais externas, e ouvir música. Eles também foram incentivados a concentrar a atenção em suas experiências interiores durante toda a sessão.

Neste estudo, os pacientes receberam instruções que ajudaram a minimizar suas expectativas. Eles foram informados de que a psilocibina seria administrada nas duas sessões, que as doses da psilocibina poderiam variar de muito baixas para altas, e que as doses nas duas sessões poderiam ser ou não as mesmas.

“Maximizamos as expectativas tanto da parte dos voluntários como dos monitores”, disse o pesquisador responsável Dr. Roland R. Griffiths, médico e professor do Departamento de Psiquiatria e Neurociências da Johns Hopkins University, em Baltimore, Maryland, para o Medscape. “As instruções foram: ‘Nós não sabemos a dose, de modo que tentem obter o máximo que puderem desta experiência’.”

Embora este grupo não tenha feito psicoterapia formal como os pacientes no estudo da New York University, eles receberam um grande apoio da equipe do estudo.

Os resultados deste estudo “são perfeitamente coerentes” com os resultados do estudo da New York University, disse o Dr. Griffiths

A análise mostrou que a alta dose de psilocibina teve uma grande repercussão nas duas medidas dos desfechos primários avaliados pelo médico, que foram a depressão, avaliada usando a GRID-HAMD-17 (GRID-Hamilton Depression Rating Scale); e a ansiedade, avaliada usando a Hospital Anxiety and Depression Scale. Também foram observadas grandes repercussões na maioria dos desfechos secundários.

A resposta clinicamente significativa foi definida como redução de 50% ou mais em relação à pontuação inicial na GRID-HAMD-17. Ao fim de cinco semanas após a primeira sessão, 92% dos participantes que tomaram a dose elevada na primeira sessão exibiram resposta clinicamente significativa. No grupo que recebeu a dose baixa na primeira sessão, 32% exibiram resposta clinicamente significativa.

Aos seis meses, a média da resposta clínica foi de 78% para a depressão e 83% para a ansiedade. “Assim, cerca de 80% das pessoas apresentaram resposta clínica”, disse o Dr. Griffiths.

A taxa de remissão aos seis meses foi de 65% para a depressão e 57% para a ansiedade.

A ausência de psicoterapeutas treinados não interferiu nos resultados. Na verdade, o tamanho do efeito aos seis meses foi um pouco maior neste estudo, em comparação ao estudo da New York University.

“Pode ter havido outras diferenças entre os centros dos estudos, passíveis de promover a eficácia”, disse o Dr. Griffiths. “Acreditamos que ainda temos de trabalhar para obter a formação ideal, mas eu diria que tivemos excelentes clínicos.”

Experiências místicas

Os participantes que tomaram a dose alta referiram mudanças positivas em suas atitudes em relação à vida, a si mesmo, no humor, nos relacionamentos e na espiritualidade. Este estudo comportou avaliações de membros da comunidade, que também mostraram significativas mudanças positivas nas atitudes e nos comportamentos dos participantes.

Os relatórios dos avaliadores da comunidade são “os mais reveladores,” disse o Dr. Griffiths. “Se o seu cônjuge diz que você melhorou muito, isso é muito eloquente.”

Como o estudo da New York University, este estudo mostrou efeitos significativos das experiências do tipo místico em vários resultados, como significado espiritual, satisfação com a vida e significado existencial.

Foi difícil recrutar pacientes com câncer para este estudo porque muitos compreensivelmente têm medo de usar drogas psicodélicas, devido à reputação dessas substâncias e, possivelmente, por terem tido alguma experiência pessoal ruim com elas, observou o Dr. Griffiths.

O pesquisador disse que “não estava 100% confiante” de que a intervenção teria efeitos importantes, porque os pacientes eram “muito vulneráveis”. Todos estavam lidando com um quadro de câncer terminal, depressão ou ansiedade e, em alguns casos, as perspectivas dos pacientes eram “iminentemente sombrias”.

“Eu achava que havia uma possibilidade de eles saírem da experiência com mais medo ou mais prejudicados ou traumatizados”, disse o Dr. Griffiths. “Por isso, a coisa mais incrível para mim foi isso ter funcionado exatamente como para os voluntários saudáveis ​​que tinham participado de um estudo anterior.

O tipo de experiência mística que alguns pacientes experimentam com a psilocibina “permitiu a eles seguirem em frente, não se sentirem deprimidos, não se sentirem ansiosos, mas com otimismo, e eu diria até mesmo com alegria”, disse o Dr. Griffiths.

Muitos tiveram uma “compreensão maior de que a vida e a morte estão misturadas de algum modo profundo que fala com a própria natureza da consciência humana”, algo que é “intensamente terapêutico”.

A pesquisa não identificou novas questões de segurança. Em ambos estudos, houve poucos eventos adversos, como aumentos previstos da pressão arterial e do pulso, náuseas e vômitos, e ansiedade transitória ou ocasionais sintomas psicóticos. Estes últimos aparentemente tiveram remissão rápida.

Quem é quem na psiquiatria

No editorial acompanhando o estudo, o Dr. David Nutt, PhD, do Imperial College London, disse que os estudos são “divisores de água” e os “estudos controlados mais rigorosos até hoje” feitos com psilocibina. Quando solicitados a tecer comentários sobre esses estudos, os especialistas nas áreas da psiquiatria, desenhos de estudo e atendimento a pacientes terminais, todos, concordaram em fazê-lo apesar do curto prazo. Este, disse o Dr. Nutt, “é um testemunho do interesse que os dois trabalhos despertaram”.

A lista das pessoas que comentaram parece um “who’s who” da psiquiatria norte-americana e europeia, e “deve assegurar aos indecisos que esta utilização da psilocibina está em conformidade com o âmbito aceito pela psiquiatria moderna”, disse o Dr. Nutt.

Os comentaristas, de maneira geral, elogiaram os estudos, chamando-os de “bem elaborados” e “metodologicamente rigorosos”. Eles concordaram que esta é uma nova e emocionante era da psicofarmacologia psicodélica. Vários destacaram que a replicação sistemática dos principais resultados nos dois centros contribuiu para a confiança na solidez dos resultados.

No entanto, alguns analistas destacaram que, embora os estudos tenham tentado cegar os participantes e a equipe para a designação do braço de tratamento, não está claro o quão eficazes foram estes procedimentos.

“A resposta ao placebo e as expectativas são, naturalmente, questões complexas de isolar”, escreve em seu cometário o Dr. Paul Summergrad médico da Tufts University School of Medicine, em Boston, Massachusetts.

“Isto é especialmente verdade nos estudos que incluíram um percentual significativo de participantes que já tinham utilizado drogas psicodélicas e que estavam enfrentando problemas clínicos e existenciais graves. No entanto, a taxa e a velocidade de resposta a uma droga ativa, sua intensidade e duração são decididamente mais significativas do que as observadas nas respostas ao placebo entre os pacientes com depressão moderada, mesmo com grupos de pesquisa mais comprometidos e engajados”.

John D. McCorvy e colaboradores, da Divisão de Biologia Química e Química Medicinal, do Departamento de Farmacologia da University of North Carolina, em Chapel Hill, e do Psychoactive Drug Screening Program, National Institute of Mental Health, observaram que o efeito placebo é “um importante fator confusor no desenvolvimento dos novos antidepressivos, visto que o placebo pode produzir efeitos antidepressivos em 30% a 40% dos participantes”.

Em seu comentário, o Dr. Richard C. Shelton, do Departamento de Psiquiatria e Neurobiologia Comportamental, e Peter S. Hendricks, do Departamento de Saúde Comportamental da School of Public Health, ambos da University of Alabama, em Birmingham, assinalaram que os estudos não usaram uma avaliação direta da integridade dos procedimentos de cegamento.

“Nem pediram diretamente aos participantes para estimar os tratamentos aos quais foram submetidos. Seria prudente obter esta informação nos futuros estudos”.

No entanto, eles observaram que a “relevância” dos efeitos da psilocibina pode inviabilizar o cegamento completo, como costuma acontecer nos estudos com drogas psicoativas e intervenções comportamentais.

O Dr. David Spiegel, do Departamento de Psiquiatria e Ciências do Comportamento da Stanford University School of Medicine, na Califórnia, destacou que no estudo realizado por Dr. Griffiths e colaboradores, apenas 10% das pessoas inicialmente triadas ​​participaram do estudo, a maioria por não atender aos critérios de inclusão. “Então, desde o início essas pessoas estavam inclinadas a acreditar que uma droga psicodélica poderia ajudá-las neste momento da vida.”

Os especialistas que comentaram os estudos identificaram o desenho com cruzamento como uma limitação, na medida em que restringe a interpretação após o cruzamento; só os resultados antes do cruzamento podem ser considerados confiáveis como resultado do uso da droga.

No estudo do Dr. Griffiths e colaboradores, a dose baixa pode ter tido alguma atividade e, portanto, poderia ter influenciado a avaliação duplo-cego da eficácia da dose mais alta, de acordo com o Dr. Craig D. Blinderman, médico do Serviço de Cuidados Paliativos para Adultos do Departamento de Medicina do Columbia University Medical Center/New York Presbyterian Hospital, em Nova York. No estudo realizado pelo Dr. Ross e colaboradores, disse o Dr. Blinderman, o uso de um controle cego limitado pode ter contribuído para algum viés dos resultados.

Resultados generalizáveis?

De acordo com o Dr. Blinderman, os critérios de exclusão psiquiátricos limitaram os achados aos pacientes com transtorno de depressão e transtorno de ansiedade, mas não aqueles com história pessoal ou familiar de outros transtornos psiquiátricos, como esquizofrenia e transtorno bipolar.

Além disso, o tamanho relativamente pequeno da amostra, composta por uma população de maioria branca e escolarizada, impede a generalização.

Usar medidas subjetivas nos estudos é compreensível, mas “é uma fraqueza particular de qualquer estudo no qual o cegamento é inadequado”, observou o Dr. Guy M. Goodwin, do Departamento de Psiquiatria do University of Oxford Warneford Hospital, no Reino Unido.

“Qualquer sugestão que torne os participantes de um estudo experimental cientes do que o experimentador espera encontrar ou de como participantes devem se comportar é denominada de característica de demanda. Estes estudos têm características de demanda inquestionáveis”.

Avaliar o valor do tratamento com base apenas nos sintomas também é uma limitação, disse o Dr. Goodwin.

“Medidas mais objetivas de atividade, simplesmente motora ou econômica, os custos do seu tratamento do câncer, e assim por diante, também devem fazer parte do quadro das futuras pesquisas nesta área.”

O Dr. Goodwin também acredita que seria “útil” considerar os estudos com alucinógenos como estudos de tratamento psicológico, em vez de estudos farmacológicos.

“Caso os pacientes apresentem melhora duradoura decorrente da compreensão ou da reformulação da própria vida por causa da doença terminal, esta abordagem representa, na verdade, uma psicoterapia, embora conte com auxílio farmacológico.”

Quanto às experiências místicas que alguns pacientes descreveram, não está claro se estas são “a causa, a consequência ou o corolário do efeito ansiolítico ou da cognição irrestrita”, comentou o Dr. Benjamin Kelmendi, médico do Departamento de Neurociência Aplicada do National Center for PTSD, em West Haven, Connecticut e colaboradores.

“A relação entre uma experiência mística induzida por drogas psicodélicas e o desfecho terapêutico exige maior exploração, como sua indução em condições ideais e em um ambiente controlado, fornecendo assim uma intervenção terapêutica valiosa para transtornos que, de outro modo, são difíceis de tratar”, escrevem.

Mecanismo obscuro

A falta de conhecimento sobre o mecanismo pelo qual a psilocibina produz a alteração do estado de consciência com qualidades espirituais é uma questão maior, de acordo com o Dr. Jeffrey A. Lieberman, do Departamento de Psiquiatria da Columbia University, em New York e seu colega, o Dr. Daniel Shalev.

“Não podemos afirmar que os efeitos ansiolíticos e antidepressivos das drogas sejam resultados diretos de seus efeitos serotoninérgicos ou secundários ao estado alterado de consciência mística que produzem. Como outros agonistas serotoninérgicos (por exemplo, a lisurida) não produzem esta experiência psicodélica, foi sugerido que as drogas psicodélicas devem ligar-se aos receptores 5-HT2A de um modo especial, ou exibem seletividade funcional, ou de polarização do receptor”.

Alguns dos especialistas que comentaram os estudos questionaram se os benefícios observados seriam sustentados quando aplicados nas condições da “vida real”, fora das condições rigorosamente controladas destes dois estudos.

Apesar destas várias questões, os comentaristas concluíram em geral que os novos resultados justificam progredir para os ensaios clínicos de fase 3. Se confirmados em grandes estudos, com poder estatístico e população diversificada, a classificação atual da psilocibina como droga de Classe I “deve ser questionada”, escreve o Dr. Blinderman, “pois isso representaria uma modalidade de tratamento diferente de tudo que existe na psiquiatria”.

O Dr. Ross salientou que muitos dos profissionais que comentaram os estudos representam “a psiquiatria organizacional” – o mesmo tipo de liderança neste campo que ajudou a banir as drogas psicodélicas em 1970. “Então a psiquiatria organizacional voltou a aceitar isso.”

Ele advertiu que estes novos resultados não devem sugerir aos pacientes que o consumo de cogumelos alucinógenos ilícitos possa ajudá-los.

“A psilocibina deve ser restrita aos hospitais”, disse o Dr. Ross. “Isso não deve incentivar o uso recreativo; deve incentivar mais pesquisas em circunstâncias rigorosamente controladas.”

Tanto o estudo do Dr. Ross quanto o estudo do Dr. Griffiths foram financiados principalmente pelo Heffter Research Institute, organização sem fins lucrativos fundada por cientistas na década de 1990 para analisar e financiar pesquisas com a psilocibina e outras drogas psicodélicas.

Expectativas superadas

O Dr. George Greer, psiquiatra e diretor médico do Heffter Research Institute, disse ao Medscape estar “encantado” com os novos resultados, que são “melhores do que esperávamos”.

O Heffter Research Institute tem financiado estudos-piloto realizados com psilocibina, e estes novos ensaios clínicos são os maiores realizados até agora, disse ele.

“O importante é que trata-se de um novo modelo para o tratamento da ansiedade e da depressão, no qual o tratamento consiste numa única dose da droga e os benefícios são profundos e duram meses.”

“De modo que trata-se de um novo paradigma na psiquiatria. Não há nada parecido em toda a psiquiatria”.

O Heffter Research Institute está subsidiando a pesquisa do uso da psilocibina na dependência química. Existem dois grandes ensaios clínicos sobre tabagismo (na Johns Hopkins) e álcool (na New York University), e um estudo piloto na University of Alabama, em Birmingham, investigando o uso da psilocibina na dependência de cocaína, disse o Dr. Greer.

O instituto também está considerando propostas de uso da psilocibina no tratamento de depressão refratária, do transtorno obsessivo-compulsivo e possivelmente dos transtornos alimentares, disse ele.

“A psilocibina é tão singular, comparada a todos os medicamentos aprovados. É uma ferramenta com potencial de muitas coisas, e queremos explorar esses potenciais”.

O Heffter Research Institute também está apoiando a pesquisa animal sobre o impacto de uma droga semelhante à psilocibina na inflamação. Estudos em camundongos descobriram que pequenas doses da droga reduziram a inflamação e abriram as vias respiratórias. “Estamos muito animados com as possíveis implicações para a asma e a aterosclerose, mas ainda é muito cedo”, disse o Dr. Greer.

O Dr. Griffiths faz parte do conselho de administração do Heffter Research Institute. O Dr. Summergrad recebe honorários de CME Outfitters, Pharmasquire e de universidades e associações para fazer palestras não promocionais; royalties da Harvard University Press, Springer e American Psychiatric Press; e honorários de consultoria de Owl, Inc, e Quartet Health Inc, todos fora do escopo do trabalho apresentado. O Dr. Goodwin é pesquisador sênior do National Institute for Health Research (NIHR); as opiniões expressas são próprias e não necessariamente as do National Health Service, o NIHR, ou o Department of Health. Ele recebe uma bolsa do Wellcome Trust, têm ações de PIVital, e nos últimos três anos prestou consultoria, assessoria, ou foi palestrante para AstraZeneca, Merck, Cephalon/Teva, Eli Lilly, Lundbeck, Medscape, Otsuka, PIVital, Pfizer, Servier, Sunovion e Takeda. Os outros autores informaram não possuir conflitos de interesse relevantes ao tema.

J Psychopharmacol. Publicado on-line em 1º de dezembro de 2016. Ross et al, Artigo http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675512; Griffiths et al, Artigo http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675513

por Pauline Anderson
FONTE http://www.medscape.com/viewarticle/872504

Ex-fuzileiro naval tem sintomas dramaticamente reduzidos depois de terapia com droga de festas

Nigel McCourry não conseguia dormir, e quando dormia, era acordado pelos pesadelos do que havia feito no Iraque.

McCourry, que foi ao Iraque como um arvorado (cabo) em um pelotão de armas do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA (U.S. Marine Corps), ficava parado na janela de seu apartamento em Asheville, Carolina do Norte, até 4 ou 5 da manhã, convencido de que alguém estava vindo para pegá-lo.

Nigel McCourry toca guitarra em sua nova casa em Asheville, Carolina do Norte em uma Quinta-Feira, 21 de Maio de 2015. McCourry, um ex-fuzileiro naval, sofreu de problemas de sono e ansiedade aguda provocados pelo Transtorno do Estresse Pós-Traumático, mas participou de um estudo clínico na Carolina do Sul combinando terapia e a droga MDMA, e reduziu dramaticamente seus sintomas.

Multidões o aterrorizavam. Em outras ocasiões, ele tinha a estranha sensação de viver sua vida numa perspectiva de terceira pessoa, como se estivesse assistindo um filme sobre si mesmo. E poderia facilmente tornar-se num filme de terror, especialmente quando relembrava aquele momento de 2004, durante um tiroteio ao sul de Bagdá, em que ele e um artilheiro abriram fogo num caminhão que se recusava a parar enquanto aproximava-se de seu pelotão.

Nigel McCourry senta-se para um retrato em seu antigo apatamento enquanto se muda para Asheville, Carolina do Norte.

Duas pequenas meninas, não mais que 4 e 6 anos de idade, estavam no caminhão junto ao pai. Este sobreviveu, mas as filhas não, e McCourry não conseguiu tirar de sua mente as imagens encharcadas de sangue consequentes daquele dia.

Nigel McCourry limpa e arruma seu antigo apartamente em Asheville.

Diagnóstico de TEPT (Transtorno do Estresse Pós-Traumático)

Levou sete longos anos para receber um diagnóstico da Administração de Veteranos (Veteran Administration, VA) de que ele sofria de transtorno do estresse pós-traumático. Nessa altura, em 2011, ele estava afastado da maioria de sua família e amigos e havia se isolado cada vez mais. Ele estava bebendo muito, o que “amenizava” mas não abordava a culpa, raiva e medo subjacente que ele sentia.

A VA prescreveu terapia e uma série de medicamentos — antidepressivos, antipsicóticos e ansiolíticos — que pareciam causar mais problemas do que resolvê-los.

Então sua irmão ouviu falar sobre um estudo em que um par de psicólogos estavam dando terapia intensiva a veteranos em conjunção a uma droga chamada MDMA, também conhecida como ecstasy.

McCourry havia tomado metade de um ecstasy certa vez antes, durante seu último ano de escola em um clube de dança com amigos.

“Eu não posso dizer com certeza se era MDMA, mas não foi uma noite desagradável,” disse ele.

Nigel McCourry deixa sua nova casa em Asheville.

Acontece que o estudo estava sendo conduzido na Carolina do Sul, não distante da Universidade Furman (Furman University) em Greenville, onde McCourry estava estudando bioquímica. Ele se inscreveu, e em maio de 2012 teve sua primeira sessão, que envolveu engolir uma dose de MDMA e passar as próximas seis horas conversando com dois psicoterapeutas sobre suas experiências no Iraque.

“Foi extraordinário,” McCourry disse. “Meus problemas de sono melhoraram depois da primeira sessão. Três anos depois, eu ainda tenho a garrafa de Ambien de pílulas de dormir que a VA me deu. Eu não precisei usá-las.”

McCourry fez mais quatro das sessões de seis horas de psicoterapia assistida com MDMA nos cinco meses sequentes.

“As sessões eram muito cansativas e muito desafiadoras,” ele disse. “Eu confrontei alguns de meus maiores medos subjacentes e problemas psicológicos. Depois, eu me senti exausto.”

Olhando para trás, disse McCourry, “eu não me sinto curado do TEPT, mas agora eu consigo manejar meus sintomas de uma maneira muito melhor. Agora minhas ações não causam grandes interrupções no trabalho, na escola ou com família e amigos. … Agora, eu posso ter uma namorada. Antes, eu terminava depois de duas semanas.”

McCourry agora trabalha para uma pequena empresa farmacêutica em Asheville. Ele acredita que o MDMA lhe deu uma maior compreensão de seus problemas, mas também que a droga funciona por “balancear a química do cérebro”.

“[O MDMA] prepara o cérebro para ter uma experiência de cura,” ele disse. “Quando eu estava sob o efeito do MDMA, eu senti pela primeira vez que era capaz de ver claramente os componentes individuais que trabalhavam juntos para criar o TEPT. Antes, parecia apenas um amontoado bagunçado de lixo psicológico do qual eu não conseguia trabalhar. Foi como se o MDMA me deu uma vista aérea do terreno.”

Estudo mostra bons resultados

McCourry não estava sozinho. A pesquisa da Carolina do Sul, liderada pelo psiquiatra Michael Mithoefer, descobriu que 80% dos 20 pacientes do estudo não tinham sintomas de TEPT dois meses depois da conclusão do tratamento, comparado com 25% dos que tomaram uma pílula placebo.

Estudos complementares têm mostrado sucesso a longo prazo, então a Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies, MAPS), que financiou a pesquisa, planeja mais pesquisas extensivas que irão eventualmente enlistar centenas de pacientes em todo país.

O projeto está sendo observado de perto por oficiais federais, que lutam contra uma explosão de pacientes de TEPT. Em 2013, 535.000 veteranos, incluindo 141.000 das guerras do Iraque e Afeganistão, buscaram tratamento de TEPT da VA. Muitos deles não responderam bem às drogas e terapias convencionais.

“Esta não é uma área onde já temos ótimos tratamentos,” disse o Dr. Thomas Insel, diretor da Instituto Nacional de Saúde Mental (National Institute of Mental Health). “Nós precisamos de algo diferente. Precisamos de algo novo.”

A Dr. Paula Schnurr, diretora executiva do Centro Nacional para PTSD (National Center for PTSD), um braço do Departamento de Interesses dos Veteranos dos EUA (U.S. Department of Veterans Affairs), citou estudos mostrando que 60 a 80% dos pacientes “mostravam melhoras clínicas significativas” com tratamentos existentes. Mas ela diz que os estudos da MAPS com terapia abastecida com ecstasy têm produzido descobertas que sugerem “a importância de mais pesquisas.”

A ideia básica é que, no contexto da psicoterapia, a droga de alguma forma lhe ajuda a aprender coisas ou sentir coisas que de outra maneira você não conseguiria,” disse ela. “Então eu consigo ver como as pessoas sentiriam isto como uma experiência transformadora.”
Don Lattin é um escritor aposentado do San Francisco Chronicle e o autor de cinco livros, incluindo “The Harvard Psychedelic Club.” Para mais informação sobre seu trabalho, acesse www.donlattin.com.

Nigel McCourry deixa sua nova casa em Asheville.

texto por Don Lattin publicado originalmente em sfgate.

fotos por Mike Belleme

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Agradecemos imensamente a tradução feita pelos colaborador Helcio Júnior.
Seja você também um colaborador, entre em contato:

equipemundocogumelo@gmail.com

A curandeira mexicana que trouxe à tona os cogumelos mágicos para os EUA com a ajuda de um executivo de banco

Nas colinas de Oaxaca, Maria Sabina usava psicodélicos para curar

Maria Sabina tornou-se acidentalmente uma xamã nos anos 1960 e 70. (Print do Documentário deMaría Sabina. Mujer Espíritu, 1978)

“Eu percebi que os jovens de cabelos longos não precisavam de mim para comer os pequeninos. As crianças os comiam em qualquer lugar e a qualquer hora, e não respeitavam nossos costumes. ”
– Maria Sabina

Os seres humanos consomem a psilocibina, o composto psicodélico natural dos cogumelos mágicos, há mais de 10.000 anos. Até meados do século 20, o contexto era religioso. Isso mudou em 29 de junho de 1955, quando um vice-presidente do banco J. P. Morgan chamado R. Gordon Wasson viajou para o México com um fotógrafo para a casinha de barro da curandera mazateca Maria Sabina e tornaram-se, nas palavras de Wasson, os “primeiros homens brancos da história que se tem notícia a comer os cogumelos sagrados. ”

O artigo subseqüente na revista Life escrito por Wasson em 1957, “Seeking the Magic Mushroom” abriu uma caixa de Pandora que levaria, entre outras coisas, ao nascimento da contracultura psicodélica americana, a profanação do ritual com cogumelos, e, finalmente, a proibição da psilocibina em grande parte do mundo. O artigo também acabou por conduzir à ruína de Sabina uma vez que os ocidentais passaram a visitá-la aos montes.

As intenções de Wasson eram sinceras, talvez até ingênuas. Etnomicologista amador, passou os últimos trinta anos viajando com sua esposa Valentina, documentando diferentes perspectivas culturais em relação aos cogumelos selvagens.

“Nós não estávamos interessados no que as pessoas aprendiam sobre cogumelos pelos livros, mas pelo conhecimento transmitido entre as gerações”, afirmou Wasson.”Acabou que tínhamos nos deparado com uma nova área do conhecimento”

Exemplares dos cogumelos do tipo Psylocibe

Wasson descobriu que muitas culturas ao redor do mundo celebravam os cogumelos e dedicavam elaboradas cerimônias religiosas em torno de seu consumo. Ele buscou descobrir quais os tipos de cogumelos eram adorados e o por quê. Ele estava especialmente interessado nos astecas e nos primeiros relatos das expedições missionárias espanholas que descreviam a cerimônia asteca do uso do cogumelo teonanacatl, ou “carne de Deus.”

Wasson fez várias viagens para o México em busca daqueles que ainda realizavam o ritual do cogumelo, mas não foi até 1955, numa aldeia de Oaxaca conhecida por Huautla de Jiménez, que ele foi bem sucedido. Ele visitou a prefeitura e pediu a um funcionário se poderia ajudá-lo a aprender os segredos do cogumelo divino. “Nada poderia ser mais fácil”, respondeu o funcionário. O oficial levou Wasson a uma montanha onde os cogumelos cresciam em abundância, e depois para um terreno mais elevado, onde Maria Sabina vivia.

Maria Sabina era uma curandeira e xamã bastante respeitada na aldeia.Ela consumia cogumelos com psilocibina regularmente desde quando tinha sete anos de idade, e tinha realizado a cerimônia de cogumelo conhecida como “velada” por mais de 30 anos antes de Wasson chegar.

A intenção da velada, que durava toda a noite, era para a comunhão com Deus a fim de curar os doentes. Os espíritos, se efetivamente contactados, diziam a Sabina a natureza da doença e a forma como poderia ser curada. Vômitos pelos aflitos era considerada uma parte essencial da cerimônia. Cada participante do ritual ingeria cogumelos com Sabina (que normalmente ingeria o dobro) cantado invocações para chamar o divino.

Maria e seu filho Aurelio sob a influência de cogumelos. Huatla de Jimenez 1955 (LIFE)

“Eu não sou boa?” ela perguntava aos espíritos. “Eu sou uma mulher criadora, uma mulher estrela, uma mulher lua, uma mulher cruz, uma mulher do céu. Eu sou uma pessoa nuvem, uma pessoa de gota-de-orvalho-na-grama “.

Católica ao longo da vida, Sabina misturava elementos cristãos em rituais mazatecas ao guiar os participantes através de suas visões. Surpreendentemente, e em contraste com seus antecessores, o bispo local não considerou o ritual de Sabina herético. “A igreja não é contra esses ritos pagãos – se eles podem ser chamados assim,” disse o padre Antonio Reyes Hernandez.”Os sábios e curandeiros não competem com a nossa religião. Todos eles são muito religiosos e comparecem à nossa missa, até mesmo Maria Sabina”.

Sabina estava apreensiva com a chegada de Wasson, mas concordou em realizar o ritual após ser convencida pelo funcionário da aldeia, que era um amigo de confiança.Wasson e seu fotógrafo tiveram uma trip durante toda a noite com Sabina realizando a velada, enquanto tinham suas mentes expandidas. “Pela primeira vez a palavra êxtase assumiu um significado real”, Wasson escreveu mais tarde. “Pela primeira vez, essa expressão não quis dizer o estado de espírito de outra pessoa.”

A relutância de Sabina em apresentar a cerimônia a Wasson tinha menos a ver com o fato de ele ser estrangeiro e mais a ver com o fato de Wasson e seu colega não necessitarem de cura.

“É verdade que Wasson e seus amigos foram os primeiros estrangeiros que vieram para a nossa cidade em busca das santas crianças e que eles não as tomaram porque sofriam de qualquer doença”, ela lembrou .”A razão era que eles vieram para encontrar Deus”.

Wasson retornou aos Estados Unidos com uma baita de uma história. Ele despertou o interesse da revista Life, que financiou mais viagens até a aldeia para relatar e tirar fotografias do ritual mazateca. Acabou também por atrair a atenção da CIA, que estava no meio do seu programa secreto de controle de mentes utilizando drogas, o chamado Projeto MK ULTRA . Wasson involuntariamente se tornou um agente do programa após a CIA secretamente financiar suas viagens para o México ao longo de 1956 sob a proteção do Fundo Geschickter for Medical Research, uma organização de fachada.

 

 

 

Excertos do artígo de 1957 escrito por Wassson publicado na revista Life

Seeking the Magic Mushroom” se viralizou após a sua publicação em 1957. Documentos divergem quanto a fato de Sabina ter aprovado ou não o uso de suas fotografias no artigo de Wasson, que por sua vez mudou o nome de Sabina para Eva Mendez e não revelou seu nome e nem a localização da aldeia.
Wasson testemunhou nove cerimônias de cogumelos no total, todos conduzidos por Sabina. Em uma viagem, ele foi acompanhado pelo renomado micologista francês Roger Heim, que identificou as espécies de cogumelos mágicos e enviou amostras para Albert Hofmann, o químico suíço que há vinte anos havia sintetizado o LSD . Hofmann foi capaz de isolar a estrutura química da psilocibina e criar uma versão sintética. Sua empresa farmacêutica Sandoz começou a enviar doses a instituições de pesquisa e clínicas em todo o mundo.

Dr. Timothy Leary e seu cúmplice de Harvard, Dr. Richard Alpert (Dying to Know)

O psicólogo Dr. Timothy Leary, uma estrela acadêmica em ascensão em Harvard, viajou para Cuernavaca no México, em 1960, depois de ter lido o artigo. Apesar de seu sucesso profissional, ele se descreve durante este período como “um empregado institucional anônimo que dirigia para o trabalho todas as manhãs em uma longa fila de carros e voltava para casa todas as noites e bebia martinis… Como vários outros milhões da classe média, robôs, intelectuais liberais.” Ele comprou alguns cogumelos de uma curandeira local e, em vez de participar de um ritual de cogumelos, os ingeria à beira da piscina de sua casa de praia.

“Eu aprendi mais sobre meu cérebro e suas possibilidades e mais sobre psicologia nas cinco horas depois de tomar estes cogumelos do que nos últimos 15 anos estudando e fazendo pesquisas.” – Dr. Timothy Leary

Leary voltou à Harvard e, depois de garantir suas doses de psilocibina com Sandoz, iniciou o Projeto Psilocibina em Harvard com seu colega Dr. Richard Alpert. Aldous Huxley, com o seu costumeiro interesse em estados alterados de consciência, participou do trabalho.

Vitral da Marsh Chapel, na Universidade de Boston, onde Leary e Alpert administraram testes de psilocibina em alunos que se voluntariavam

Leary e Alpert desenvolveram conceitos pioneiros na terapia psicodélica, tais como o set e setting .Eles testaram se a ingestão de psilocibina poderia reduzir a reincidência em presidiários (no Experimento Concord Prison ) e catalisar experiências religiosas em estudantes de teologia (no Experimento Marsh Chapel Good Friday). Os resultados reforçaram o potencial místico e terapêutico da psilocibina, mas as experiências foram mais tarde desconsideradas devido a metodologia pouco sólida, assim como a omissão de detalhes relacionados com a ansiedade intensa experimentada por muitos dos participantes.
A tendenciosidade de Leary e seus colegas para enfatizar os aspectos positivos da experiência psicodélica, enquanto minimizavam os negativos traria consequências profundas, uma vez que os psicodélicos saíram dos laboratórios e chegaram às ruas de San Francisco, Palo Alto e Cambridge, Massachusetts no início de 1960.
“Alguns dos motivos que levaram ao fim das pesquisas com psicodélicos e os tiraram das mãos dos médicos e terapeutas”, escreveu o pesquisador de psicodélicos Rick Döblin, “pode ser atribuída em parte aos milhares de casos de pessoas que tomaram psicodélicos em condições adversas e não estavam preparados para os aspectos assustadores de suas experiências e acabaram em quartos de emergência nos hospitais”.

A festa chegou ao fim para Alpert e Leary em maio de 1963

Leary e Alpert estava fazendo mais do que simplesmente testando psicodélicos em ambientes experimentais controlados. Eles tomavam grandes dosagens todo fim de semana e recomendavam aos seus alunos a fazer o mesmo. Uma vez que a notícia chegou às autoridades, Leary e Alpert foram demitidos. Logo depois, Leary começou a sua campanha estimulando a juventude norte americana com “Tune in, Turn on, and Drop Out.” (expressão que em português seria algo do tipo “Sintonize, Se Ligue e Vai Fundo.”) Alpert viajou para a Índia e voltou barbudo, vestindo um dhoti, e chamando a si mesmo de Ram Dass. Em 1966, a psilocibina e o LSD se tornaram ilegais nos Estados Unidos.

 

Beatniks, hippies, celebridades como Bob Dylan e John Lennon, cientistas e pesquisadores de todas as frentes tumultuavam a aldeia de Huautla de Jiménez depois do artigo publicado na revista Life. Sabina recusou alguns, embora frequentemente expressasse suas dúvidas a cerca da iniciação de Wasson aos cogumelos, e sempre enfatizou sua visão sobre o verdadeiro propósito do cogumelo.
A publicidade foi desastrosa para a comunidade mazateca, que culpava Sabina por trazer desgraça para a aldeia e profanar o ritual da velada. A casa de Sabina foi incendiada, e federales frequentemente invadiam sua casa, acusando-a de vender drogas para estrangeiros. Hippies alugavam quartos em aldeias vizinhas. Turistas tinham bad trips e deliravam nus pela cidade.
Alguém pode se perguntar porque Sabina recusou tão poucos estrangeiros. Alguns relatos atribuem isso à sua bondade, outros a uma aceitação resignada de seu novo papel como embaixadora cultural do ritual de cogumelos mazateca. Ela também era conhecida por cobrar ocasionalmente os turistas por seus serviços.

O legado de Sabina trouxe turistas ao México por décadas

Na década de 1970, as autoridades mexicanas proibiram o uso de cogumelos com psilocibina. O fluxo de turistas diminuiu, mas aos olhos de Sabina, o estrago já estava feito.
“A partir do momento em que os estrangeiros chegavam para procurar Deus, as santas crianças perderam sua pureza”, disse ela.”Elas perderam a sua força; os estrangeiros as estragaram. A partir de agora elas não serão mais boas. Não há remédio para isso. ”
Wasson, por sua vez, concordou. Ele expressou remorso durante o resto de sua vida por seu papel na popularização do uso recreativo de cogumelos mágicos. “A prática levada em segredo durante três séculos ou mais foi agora arejada”, escreveu ele. “E aeração significa o fim.”
Sabina morreu sem dinheiro algum e com 91 anos em 1985. Em Oaxaca, hoje, pode-se encontrar a sua imagem sendo comercializada em camisetas, restaurantes e táxis.

 

Mais de quarenta anos depois da investigação sobre seus efeitos terapêuticos, os cogumelos mágicos continuaram banidos e estão agora a serem usados de uma maneira muito mais perto daquela que María Sabina considerava seu verdadeiro propósito: curar os doentes.

Em ensaios clínicos em todo o mundo, centenas de pacientes com câncer, viciados em drogas, e aqueles que sofrem de ansiedade e depressão estão relatando profunda mudança de vida e experiências místicas.Para muitos participantes, os benefícios de uma dose de cogumelos são de longa duração. Num estudo de 2006 buscando o potencial da psilocibina para catalisar experiências religiosas liderada pelo Dr. Roland R. Griffiths, mais de 70% dos participantes auto-avaliaram a experiência como uma das cinco mais importantes em suas vidas. Quase um terço a classificaram como a mais importante.
Em estudos conduzidos pela NYU e Johns Hopkins, cujos resultados foram publicados simultaneamente em novembro de 2016, cerca de 80% dos pacientes com câncer mostraram reduções clinicamente significativas na ansiedade e depressão que chegavam a durar cerca de oito meses após a dose inicial.

Uma sessão de estudos com psilocibina em John Hopkins

Aos participantes dos estudos foi administrada psilocibina em um cálice e eram guiados através da experiência com os olhos vendados e ouvindo uma música calma. Eles eram recomendados a “confiar, deixar ir e estar aberto.”
Os pesquisadores alertaram que os resultados positivos não devem ser tomados como um endosso do uso recreativo de cogumelos mágicos:

Os resultados positivos do estudo levam a preocupação de alguns, pelo fato de que irão levar ao aumento do uso experimental dessa substância pelos jovens de uma forma incontrolada e não monitorada, a mesma que levou a casualidades nas três últimas décadas.

No entanto, os pesquisadores concluem que “descobrir como esses estados alterados de consciência mística surgem no cérebro poderiam ter grandes possibilidades terapêuticas … Seria cientificamente míope não estudá-los mais a fundo.”
FONTE AHMED KABIL


Agradecemos imensamente a tradução feita pela colaborador Pedro Reis.
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A Psiquiatria está pronta para o paradigma da cura psicodélica?

Como o uso de plantas de poder e psicodélicos podem ajudar a aliviar o sofrimento humano? Quais são as barreiras para as chamadas medicinas da floresta, como a Ayahuasca, se tornarem parte da Psiquiatria convencional? Como se projeta e conduz pesquisas sobre o uso terapêutico de tais plantas de uma maneira ética e significativa? Como irá aparentar o tratamento de transtornos mentais com estas plantas? Estas são algumas das perguntas básicas as quais eu vim lidando no decorrer dos últimos três anos, enquanto completava residência em Psiquiatria e tentava iniciar uma carreira na ciência psicodélica e sua forma de cura.

Neste breve texto, tentarei esboçar algumas respostas introdutórias para as perguntas acima, bem como discutir os desafios em integrar diferentes áreas do conhecimento com o modelo biológico atual da Psiquiatria. Eu acredito que a adoção de uma perspectiva multidimensional complexa do sofrimento humano e o aproveitamento delicado de maneiras diferentes de entender plantas psicodélicas são fatores-chave para o paradigma emergente de cura psicodélica.

 

 

Diferentes perspectivas sobre as Plantas Psicodélicas


Plantas psicoativas e fungos tem se relacionado com humanos por milhares de anos, tendo diferentes e vários papéis na sociedade, na cultura, religião e na medicina. Como resultado dessa complexa e histórica relação, existem inúmeras formas pelas quais podemos entender e falar sobre estas plantas.

A Ayahuasca como um exemplo, uma perspectiva indígena ou antropológica pode ver a bebida como não apenas sagrada, mas como uma “planta de espírito” ou “professora”, com a qual uma pessoa ou um xamã interage para produzir o efeito desejado. Essa compreensão contrasta totalmente com uma visão biomédica da Ayahuasca como uma coleção de alcaloides e outros compostos químicos, principalmente um agonista (quando uma substância química se liga em um receptor e o ativa) do receptor da serotonina 2A e um inibidor da MAO (monoamina oxidase), que alteram a conectividade da rede cerebral e a neuroplasticidade. Talvez entre essas visões existam as perspectivas psicológicas do chá como um “psicodélico”, capaz de provocar estados não-ordinários de consciência que podem trazer o insight psicológico e a mudança.

À medida em que o uso da Ayahuasca se torna mais difundido, existem várias outras maneiras de conceituá-la ou explicá-la. Perspectivas espirituais ou religiosas podem classificar o chá como “enteógeno” ou “sacramento”, capaz de catalisar profundas experiências espirituais ou místicas. Discursos mais recentes consideram a Ayahuasca como uma “ferramenta cognitiva”, ou “ferramenta evolutiva” que pode intensificar a criatividade e ajudar nossa espécie a evoluir ou viver mais harmoniosamente. Finalmente, a Ayahuasca e outras plantas psicodélicas são, muitas vezes, chamadas carinhosamente de medicinas da floresta por usuários da contemporaneidade que desejam destacar seus efeitos de cura profunda.

 

A Planta Medicinal na Era da Psiquiatria Biológica

Enquanto meu treinamento na psiquiatria enfatizou uma abordagem “biopsicossocial” para diagnóstico e tratamento, parece claro que o campo da psiquiatria como um todo tem, nas últimas décadas, priorizado a compreensão biológica do sofrimento mental. De acordo com este paradigma, doenças mentais como depressão e esquizofrenia, bem como dependências, são consideradas doenças cerebrais resultantes de circuitos neurais aberrantes e desequilíbrios químicos. Essa perspectiva visava servir a múltiplos propósitos: 1) ajudar a psiquiatria a tomar o seu lugar no meio de outras especialidades da medicina fundamentadas nas ciências biológicas; 2) desestigmatizar a doença mental e as dependências, retratando-os como doenças crônicas tratáveis, como diabetes ou algum tipo de doença cardíaca, e não como falhas morais ou resultantes de um caráter fraco; e 3) como o público crítico argumentaria, para ajudar a promover os produtos farmacêuticos como o principal meio de abordar a doença mental e aliviar o sofrimento cotidiano.

Embora não negue que este paradigma levou a avanços no nosso entendimento sobre certas doenças mentais e que pode ser utilizado como uma lente explicativa poderosa para certos pacientes, gostaria de salientar que uma compreensão estritamente biológica da doença mental é inconsistente com a minha compreensão sobre como plantas psicodélicas funcionam para trazer cura.
O paradigma biológico coloca a pessoa em situação de sofrimento como uma vítima relativamente impotente de um cérebro doente, obscurecendo as causas sociais, psicológicas e espirituais mais profundas do sofrimento e prescreve a adesão passiva à medicação como o modo primário de cura.

Em contraste, acredito que a experiência com plantas psicodélicas nos confronta poderosamente com a realidade que existimos como seres multidimensionais complexos, com mentes cerebrais, corpos, corações e espíritos, todos conectados uns aos outros e com nossos seres naturais e sociais. A partir dessa perspectiva, a fonte do sofrimento não é apenas do cérebro; o sofrimento pode surgir da doença em qualquer uma dessas camadas de existência e ser propagado através delas de formas complexas. Isso explicaria, por exemplo, como o stress social é internalizado como sintoma psicológico ou físicos.

O Desafio de Integrar o Conhecimento


A principal implicação de cunho terapêutico em ver o sofrimento mental nesta maneira multidimensional é que os tratamentos adequados devem agora ser capazes de intervir nas múltiplas camadas da existência. O principal argumento que eu gostaria de enfatizar é que esse tipo de cura multidimensional a) requer um engajamento ativo da pessoa em situação de sofrimento (bem como em psicoterapia), e b) pode ser alcançado através do uso de plantas psicodélicas medicinais utilizando as diferentes visões conceituais descritas acima. Assim, como pesquisador clínico e acadêmico, vejo o principal desafio do campo emergente da ciência psicodélica como sendo a integração de modos de conhecimento e abordagens para a cura que, anteriormente, se encontravam desconectados e conflitantes.

Dada a predominância dos quadros biológicos dentro da Psiquiatria acadêmica, desafios significativos relacionados a essa integração manifestam-se tanto ao transmitir tais ideias a colegas e agências financiadoras, quanto ao tentar traduzir essas ideias em ensaios clínicos e protocolos de tratamento. Como estudamos e utilizamos um medicamento com múltiplos ingredientes ativos que funciona de modo complexo, multidimensional e idiossincrática quando a ciência moderna é inerentemente reducionista, ao procurar moléculas únicas que têm mecanismos biológicos de ação específicos para explicar seus efeitos terapêuticos sobre os processos patológicos que podem ser vistos, reconhecidos e medidos? Como a ciência pode explicar a interação entre as propriedades físicas de uma medicina como a Ayahuasca e seus componentes metafísicos de cura que são complementares ao seu uso, como música, dieta, oração e outros aspectos do Xamanismo? Acredito que superar esses desafios de integração representa uma grande oportunidade para o campo da ciência psicodélica e, caso bem-sucedida, pode revolucionar a maneira como pensamos e tratamos a doença mental.

 

 

Integração de conhecimento: passado e presente


Felizmente, o processo de integrar diferentes tipos de conhecimento sobre as plantas psicodélicas já foi iniciado. Populações indígenas ao redor do mundo possuem séculos de conhecimento relacionados ao uso de plantas psicoativas para fins espirituais, religiosos e de cura. Relatos antropológicos e interdisciplinares e o engajamento direto entre cientistas, usuários ou praticantes dos rituais e povos indígenas (por exemplo, a Conferência Mundial de Ayahuasca) trazem as partes interessadas com diferentes perspectivas e tipos de conhecimento ao diálogo uns com os outros. No Ocidente, existem modelos “psicodélicos” e “psicolíticos” de uso de substâncias psicodélicas ao lado da psicoterapia para tratar transtornos de humor e dependência de substâncias que remontam aos anos 1950. Esses modelos serviram de base para ensaios clínicos recentes e podem ser modificados e atualizados à medida que se ganha mais conhecimento e que este vá sendo integrado.

A onda atual de pesquisa psicodélica tem sido caracterizada por trazer avançadas ferramentas científicas e métodos para suportar o estudo de substâncias psicodélicas, incluindo a neuroimagem e farmacologia molecular, bem como uma metodologia robusta de ensaio clínico utilizando o controle do placebo duplo-cego. Ao crédito destes investigadores, essa pesquisa não só trouxe novos entendimentos sobre como os psicodélicos afetam o cérebro, mas também começaram a elucidar como tais mudanças biológicas podem ser correlacionadas com a experiência psicológica e espiritual. Por exemplo, Robin Carhart-Harris demonstrou como as mudanças psicodélicas induzidas na conectividade cerebral se correlacionam com experiências específicas de tipo místico e subjetivo. Submetendo-se a tais experiências do tipo místico, tem se mostrado correlacionado com o benefício terapêutico em estudos recentes com psilocibina, o ingrediente ativo dos “cogumelos mágicos”.
O estudo de medicamentos complementares e alternativos seguiu uma trajetória similar. Nos últimos anos, estudos cada vez mais sofisticados começaram a esclarecer como práticas e modalidades que costumavam ser entendidas como espirituais ou energéticas, como meditação e acupuntura, têm efeitos biológicos e psicológicos que contribuem para seu potencial terapêutico.

Rumo à “Integração de Paradigmas Críticos”

Embora esses desenvolvimentos recentes sejam um bom sinal para o futuro da pesquisa e do tratamento com psicodélicos, eu gostaria de concluir argumentando para defender o foco sustentado entre pesquisadores e profissionais neste campo sobre integração do conhecimento, colaboração multidisciplinar e abordagens de tratamento multimodal – o que eu chamo de “integração de paradigmas críticos”.

Os atuais determinantes políticos, econômicos e filosóficos continuarão a puxar a pesquisa e o tratamento com psicodélicos em uma direção biológica. Portanto, é crítico neste tempo ressurgente para a ciência psicodélica que os pesquisadores visam integrar diferentes tipos de conhecimento e planejem protocolos de tratamento que refletem entendimentos multidimensionais complexos de como as plantas psicoativas produzem cura. Este último é crucial pois as diretrizes de tratamento são geralmente baseadas em evidências produzidas por ensaios clínicos. Assim, os modelos que nós construímos e estudamos agora estão aperfeiçoando como as plantas medicinais serão usadas na Medicina nas próximas décadas.

Vamos tratar plantas psicodélicas medicinais como qualquer outra classe de psicofármacos, tomados de modo passivo por pacientes enquanto o medicamento re-conecta com seus cérebros? Procuraremos criar formulações que minimizem seus “efeitos colaterais” psicoativos e somáticos ou purgativos, bem como foi feito com o uso psiquiátrico da ketamina? Ou esses tratamentos, de uma natureza radicalmente diferente, interagindo com nossos corpos-mente-cérebro-espírito de uma forma complexa que requer um engajamento ativo, não só durante o tempo de administração da droga, mas o antes e depois? Acredito que o entusiasmo popular por trás da cura psicodélica e os benefícios terapêuticos profundos e duradouros relatados até agora em ensaios clínicos argumentam para este último. Se a psiquiatria tradicional e as instituições sociais relacionadas irão abraçar este novo paradigma, isto ainda está para ser descoberto.

 

O autor gostaria de reconhecer as contribuições intelectuais de Jeffrey Guss M.D., Ryan Wallace M.D., e Alexander Belser M.Phil., No desenvolvimento das idéias apresentadas aqui.

FONTE


Agradecemos imensamente a tradução feita pela colaboradora Mirella Mochiutti.
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Intervenção abrangente em crises nas emergências psicodélicas

Autor: Stanislav Grof

No livro: GROF, S. LSD psychotherapy. California: Hunter House, 1980.

Tradução: Fernando Beserra

 

Tendo discutido os fatores que contribuem para o desenvolvimento de emergências em sessões não supervisionadas de LSD e descrito as práticas danosas que caracterizam muitas intervenções legais e profissionais, eu gostaria de delinear o que considero a abordagem ideal a crises psicodélicas, baseado no entendimento de suas dinâmicas. O que constitui uma emergência em uma sessão de LSD é altamente relativo e depende de uma variedade de fatores. Isso reflete em uma interação entre os próprios sentimentos do sujeito sobre a experiência, as opiniões e tolerância das pessoas presentes e o julgamento dos profissionais chamados para oferecer ajuda. Este último fator é de importância decisiva; ele depende do grau de entendimento do terapeuta quanto ao processo envolvido, sua experiência clínica com estados incomuns de consciência e sua liberdade de ansiedade. Na intervenção em uma crise psicodélica, como na prática psiquiátrica em geral, medidas drásticas frequentemente refletem o sentimento de medo e insegurança do cuidador, mas também a relação com o seu próprio inconsciente. A experiência da terapia com LSD e as novas psicoterapias experienciais claramente indicam que a exposição aos materiais emocionais profundos de outra pessoa tendem a quebrar as defesas psicológicas e ativar as áreas correspondentes no inconsciente da pessoa que cuida e testemunha o processo, ao menos que eles tenham se confrontado e trabalhado através destes níveis neles mesmos. Desde que as psicoterapias tradicionais são limitadas ao trabalho em material biográfico, mesmo um profissional com treinamento completo em análise é inadequadamente preparado para lidar com as experiências poderosas de natureza perinatal e transpessoal. A tendência prevalente a colocar todas estas experiências na categoria de esquizofrenia e suprimi-las a todo custo reflete não apenas a falta de entendimento, mas também uma autodefesa conveniente contra o material do seu próprio inconsciente.

Na medida em que aumentou a sofisticação e experiência clínica de terapeutas que trabalham com LSD, se tornou mais evidente que episódios negativos nas sessões psicodélicas não deveriam ser vistos como acidentes imprevisíveis, mas aspectos intrínsecos e legítimos do trabalho terapêutico com o material traumático inconsciente. Deste ponto de vista o termo coloquial “bummer” ou “bad trip” (viagem ruim) não faz sentido. Para um terapeuta que trabalha com LSD uma sessão psicodélica mal sucedida não é uma na qual o sujeito experimenta a ansiedade do pânico, tendências autodestrutivas, culpa abismal, perda de controle ou sensações de dificuldade física. Se propriamente manejadas, uma sessão dolorosa ou difícil com LSD pode trazer uma importante revelação terapêutica. Ela pode facilitar a resolução de problemas que atormentaram o sujeito de formas sutis por muitos anos e contaminaram sua vida cotidiana. Uma sessão mal sucedida, entretanto, é uma na qual, quando os sentimentos de dificuldade começam a emergir, o sujeito não se rende completamente ao processo e a Gestalt permanece não solucionada. Deste ponto de vista, todas as experiências psicodélicas nas quais o processo é frustrado pela administração de tranquilizantes e distrações externas como a transferência para um hospital psiquiátrico não são falhas por consequência da natureza do processo psicológico envolvido, mas porque o manejo da crise interferiu com uma resolução positiva.

Embora o LSD possa induzir experiências psicodélicas difíceis mesmo sob as melhores circunstâncias, seria um erro atribuir todas as “bad trips” a própria substância. O estado psicodélico é determinado por uma variedade de fatores não relacionados a substância; a incidência de sérias complicações depende criticamente da personalidade do sujeito e de elementos do set e do setting. Isso pode ser ilustrado comparando a incidência de complicações durante as experimentações iniciais supervisionadas com LSD e a cena psicodélica dos anos 60. Em 1960, Sidney Cohen publicou um artigo intitulado: LSD: efeitos colaterais e complicações. J. Nerv. Ment. Dis. 130::30, 1960. Ele estava baseado nos relatos de 44 profissionais que tinham administrado LSD e mescalina a aproximadamente 5 mil pessoas cerca de 25 mil vezes; o número de sessões por pessoa alternava entre uma e oitenta. No grupo de voluntários normais, a incidência de tentativas de suicídio após a sessão foi menor que um a cada mil casos e reações prolongadas durante mais que 48 horas foi de 0,8 por milhar. Este número foi um pouco mais alto quando pacientes psiquiátricos foram utilizados como sujeitos; em cada mil pacientes havia 1,2 tentativas de suicídio, 0,4 suicídios completos e 1,8 reações prolongadas durante mais que 48 horas. Em comparação com outros métodos de terapia psiquiátrica, portanto, o LSD apareceu como invulgarmente seguro, particularmente quando contrastado com outros procedimentos utilizados rotineiramente no tratamento psiquiátrico neste momento, como eletrochoques, comas insulínicos e psicocirurgia. Estas estatísticas contrastam bruscamente com a incidência de reações adversas e complicações associadas com experimentação não supervisionada. Durante a minha visita a clinica de Haight-Ashbury em São Francisco no final dos anos 60, eu fui informado pelo seu diretor David Smith que eles estavam tratando uma média de quinze bad trips por dia. Embora isso não necessariamente signifique que todos os clientes tiveram um efeito adverso duradouro de suas experiências psicodélicas, isso ilustra o tema em questão.

A experiência e sofisticação de psiquiatras e psicólogos em relação aos psicodélicos certamente não foi grande durante os anos iniciais e os settings estavam longe do ideal. Entretanto, as sessões reportadas no artigo do Dr. Cohen eram conduzidas em ambientes protegidos, em razoável supervisão e por indivíduos responsáveis. Em adição, estes que tinham experiências difíceis estavam em um lugar que era equipado para prover ajuda em caso de necessidade e eles não tinham que ser submetidos a ordem absurda de transferência a uma instalação psiquiátrica.

A crise psicodélica é causada por uma complicada interação de fatores internos e externos. O terapeuta tem que distinguir qual dos dois sets de influência é mais importante e proceder de acordo. O primeiro e mais importante passo no tratamento de uma crise psicodélica é criar um ambiente simples, seguro e de suporte físico e interpessoal para o sujeito. Em caso nos quais os fatores externos parecem produzir o papel principal, é importante remover o individuo de situações traumáticas ou mudar isso por uma intervenção ativa. Se a crise ocorrer em um local público, ele ou ela deve ser levado a um lugar quieto e isolado. Se o incidente ocorrer durante uma festa em uma residência privada, é importante simplificar a situação movendo o usuário a uma sala separada ou pedir aos convidados para ir embora. Poucos amigos próximos que parecerem sensíveis e maduros podem ser convidados a dar assistência no processo. Eles podem providenciar um suporte de grupo ou ajudar o sujeito a ativamente trabalhar através de problemas subjacentes durante o período de finalização da sessão. As técnicas de grupo envolvidas em sessões psicodélicas foram discutidas mais cedo neste livro.

Depois de criar um espaço seguro o próxima tarefa importante é estabelecer um bom contato com o sujeito. O relacionamento de confiança é provavelmente o pré-requisito mais significativo para o resultado positivo de uma sessão psicodélica em geral e para um manejo bem sucedido da crise em particular. Uma pessoa solicitada a intervir em uma crise desencadeada por LSD está em grande desvantagem se comparada a um terapeuta que trabalha com LSD, lidando com uma situação similar, no curso de um tratamento psicodélico, porque a sessão terapêutica é precedida de períodos de preparação sem o uso de substâncias no qual há tempo suficiente para estabelecer um bom contato e um relacionamento de confiança. Se uma situação difícil surge no curso de uma série com LSD, o cliente pode desenhar em sua memória de sessões prévias onde as experiências dolorosas foram trabalhadas com sucesso e integradas com a ajuda do terapeuta.

Em contraste, o profissional lidando com a crise fora do contexto terapêutico, caminha para dentro da situação de emergência como um estranho, usualmente sem nenhum contato prévio com o sujeito e outras pessoas envolvidas. Confiança e cooperação tem que ser estabelecidas em um tempo muito curto e muitas vezes em circunstâncias dramáticas. Estar livre de ansiedade, uma habilidade de permanecer centrado, empatia profunda e intimo conhecimento das dinâmicas dos estados psicodélicos são as únicas formas de gerar a confiança no âmbito destas circunstâncias.

É essencial transmitir um senso de proteção e segurança, enfatizando a natureza autolimitada da experiência com LSD. Não importa quão critica as condições pareçam ser, em muitos casos ela será resolvida espontaneamente de cinco a oito horas depois da ingestão da substância. Este limite de tempo deve ser claramente comunicado ao sujeito e outras pessoas presentes; até este tempo não há absolutamente razão para pânico ou preocupação, entretanto, manifestações emocionais e psicossomáticas podem ocorrer. Também é uma grande vantagem manter o sujeito em uma posição reclinada, mas isso deve ser atingido sem utilizar nenhuma força física e restrição aberta. Com pouca experiência, alguém pode desenvolver uma técnica na qual é possível efetivamente restringir o indivíduo usando um contexto de suporte e cooperação, mais do que de conflito.

Quando o contato adequado foi estabelecido, uma estrutura positiva deve ser oferecida para a experiência psicodélica difícil. É essencial apresentar ela como uma oportunidade de encarar e trabalhar através de certos aspectos traumáticos de inconsciente, mais do que um acidente trágico e infortunado. Uma pessoa dando assistência uma crise psicodélica deve fazer tentativas consistentes de internalizar a experiência do sujeito que usou LSD e encorajar ele ou ela a olhar os temas críticos envolvidos. O usuário de LSD deve ser encorajado a manter os seus olhos fechados e confrontar a experiência, independente qual ela seja. O terapeuta deve repetidamente comunicar ao sujeito que a forma mais rápida de sair do estado difícil é se rendendo a dor física e emocional, experiência ela completamente e procurando canais apropriados para expressá-la. O processo de se render pode ser facilitado grandemente pela música. Se um aparelho de som de boa qualidade estiver avaliável, e o sujeito aberto a isso, música deve ser introduzida na situação tão logo seja possível.

Quando um bom rapport for estabelecido, é possível oferecer assistência ativa usando contato físico reconfortante, elementos de grande esforço lúdico (playful struggle) e pressão ou massagem nas partes do corpo onde a energia parece estar bloqueada. Isso não deve ser feito se o laço de confiança é precário ou ausente; isso é absolutamente contraindicado se o sujeito estiver paranoico e inclui as pessoas presentes entre o seu ou a sua perseguidor(a). Em alguns casos simplesmente estar com o cliente e jogar com o tempo pode ser a única solução. Em tais circunstâncias, é essencial usar qualquer meio possível e recursos existentes para impedir que a pessoa que usou LSD machuque a si mesma ou a outros e cause sérios danos materiais. Enquanto seguir a regra básica, tentativas ocasionais devem ser feitas para estabelecer o rapport e ganhar a cooperação do individuo.

Se a Gestalt da experiência permanecer não concluída quando o efeito da droga está terminando, atividade psicológica ou física deve ser utilizada para facilitar a integração. Idealmente, o sujeito deve completar a sessão se sentindo confortável e relaxado, sem nenhum sintoma residual emocional ou psicossomático. As duas técnicas que se provaram uteis neste contexto – a abordagem abreativa e a hiperventilação de limpeza – foram discutidas mais cedo neste livro (p. 156-7, 159-60). Depois que o sujeito encontrar um estado psicológico e físico confortável, é importante criar uma atmosfera segura e nutridora pelo resto do dia e noite. Idealmente, uma pessoa que passou por uma crise psicodélica não deve ser deixada sozinha, por ao menos 24 horas depois da ingestão da droga. Depois deste tempo, o terapeuta deve ver o cliente novamente, reavaliar a situação e, dependendo da condição da pessoa, escolher uma estratégia futura. Em muitos casos nenhuma disposição adicional é necessária, se a crise foi tratada adequadamente. É útil discutir a experiência com LSD em detalhe e facilitar a sua integração na vida cotidiana do paciente. Se reclamações emocionais ou psicossomáticas significativas apareceram como resultado da experiência com LSD, devem ser tomadas providências para uma terapia de descoberta e trabalho corporal. Uma seleção individualizada de técnicas de meditação, práticas de Gestalt, abordagem neo-reichiana, imaginação guiada com música, respiração controlada, massagem de polaridade ou rolfing devem ser oferecidas ao cliente.

Onde a condição clínica permanecer precária apesar de todo o trabalho de desvelamento, este tratamento deve ser continuado em uma internação. Se todas as abordagens acima se provarem inefetivas, a integração pode ser facilitada por meios químicos. Idealmente, uma sessão de psicodélica supervisionada deve ser agendada depois da preparação adequada. Esta abordagem pode parecer paradoxal ao profissional de saúde mental médio, desde que ela envolve a administração da mesma droga ou categoria de drogas que aparentemente trouxe ao cliente o problema em primeiro lugar. No entanto, o uso judicioso de psicodélicos nestas circunstâncias é o tratamento preferencial. A experiência clínica mostrou que é extremamente difícil restaurar as defesas pelo uso de técnicas de cobertura como os tranquilizantes, uma vez que o inconsciente foi aberto por uma poderosa substância psicodélica. É muito mais fácil continuar a estratégia de desvelamento e facilitar a completar a Gestalt não finalizada.

Psilocibina, metilenodioxianfetamina (MDA), tetrahidrocanabinol (THC), e dipropiltriptamina (DPT) são alternativas viáveis ao LSD. Eles têm os mesmos efeitos gerais e são menos contaminados por má publicidade. MDA e o THC parecem ser particularmente úteis neste contexto, por causa de seus efeitos suaves e afinidade seletiva a sistemas positivamente governados no inconsciente. Trabalho psicológico efetivo com estas substâncias envolve menos dor emocional e psicossomática do que quando o LSD é utilizado.

Como os psicodélicos acima não estão prontamente avaliáveis, e obter permissão para usá-los envolve procedimentos administrativos tediosos, uma sessão com Ritalina (100-200mg) ou Ketalar (100-150mg) pode ser uma abordagem factível. Tranquilizantes não devem ser usados em nenhuma condição relacionada ao uso de psicodélicos até que todas as abordagens de desvelamento acima tenham sido tentadas e falharam.

Abordagens poderosas sem drogas também pode ser usadas no lugar de tranquilizantes em todos os casos nos quais a experiência com LSD pobremente resolvida resultou em condições psicóticas de longo prazo e hospitalizações psiquiátricas durando meses ou anos. Se estes não produzem melhora clínica suficiente, terapia psicodélica, usando as substâncias mencionadas acima, é a próxima escolha lógica. Ketalar, uma droga que é legalmente avaliável e foi usada no contexto médico para anestesia geral pode se provar promissora nestes casos desesperados.

Eu gostaria de concluir esta discussão da intervenção em crise psicodélica com a descrição da situação mais dramática deste tipo que eu encontrei na minha carreira profissional.

No meu terceiro ano em Big Sur, Califórnia, eu fui acordado às 4:30 em uma manhã por uma ligação telefônica. Era o guarda noturno do próximo Instituto Esalen pedindo ajuda. Um casal de jovens chamado Peter e Laura, que estavam viajando pela costa, estacionaram o seu trailer VW na rota costeira 1 nas proximidades do Instituto Esalen e decidiram tomar LSD juntos. Eles saíram da cama no trailer e, pouco depois da meia noite, ingeriram a droga. A experiência de Laura foi relativamente suave, mas Peter progressivamente desenvolveu um agudo estado psicótico. Ele se tornou paranoico e violento e depois de um período de agressão verbal ele começou a jogar coisas em volta e demolir o carro. Neste ponto, Laura entrou em pânico, trancou ele no trailer e buscou ajuda em Esalen. Ele apareceu na guarita completamente nua, segurando as chaves do carro em suas mãos. O guarda noturno conhecia sobre meu trabalho prévio com psicodélicos e decidiu me ligar; ele também acordou o Rick Tarnas, um psicólogo residente que fez a sua dissertação sobre drogas psicodélicas.

Enquanto o guarda estava cuidando da Laura, que se acalmou e teve uma experiência prazerosa e não complicada com LSD, Rick e eu andamos para o trailer. Na medida em que nos aproximamos do carro nós ouvimos os altos barulhos e gritos; quando chegamos mais perto, percebemos que várias das janelas estavam quebradas. Nós destrancamos o carro, abrimos a porta e começamos a conversar com Peter. Apresentamo-nos e falamos para ele que tínhamos considerável experiência com estados psicodélicos e viemos para ajuda-lo. Eu timidamente enfiei a minha cabeça dentro da porta e olhei para o campista; uma garrafa de meio litro não acertou a minha cabeça por 10 centímetros e caiu no painel. Eu repeti isso varias vezes e mais dois objetos vieram voando em minha direção. Quando sentimos que Peter não tinha mais nada para jogar, nos rapidamente nos movemos na direção do campista e deitamos na cama dobrável, em cada lado dele.

Nós continuamos a conversar com o Peter, assegurando a ele que tudo estaria bem em uma hora ou duas; sabendo que ele e sua namorada tinham tomado LSD depois da meia noite, nós podemos dar ele um prazo de tempo definido. Tornou-se óbvio que ele estava em um estado paranoico e nos viu como agentes hostis do FBI que vieram para busca-lo. Nós seguramos os seus braços de uma forma confortável e tranquilizadora, mudando isso em um aperto firme quando ele buscava escapar, mas evitando um real antagonismo físico e luta. O tempo todo, nos mantemos conversando sobre como nós tivemos experiências difíceis e como elas foram, retrospectivamente, úteis. Esta condição oscilou por cerca de uma hora entre desconfiança com impulsos agressivos carregados de ansiedade e episódios de alívio quando era possível se conectar com ele.

Na medida em que o tempo passava e o efeito do LSD se tornava menos intenso, Peter vagarosamente começou a desenvolver confiança. Ele estava cada vez mais disposto a manter seus olhos fechados e encarar a experiência e nos estávamos mesmo aptos a começar a trabalhar, cuidadosamente, nas partes bloqueadas do seu corpo, encorajando a plena expressão emocional. Às sete horas todos os elementos negativos tinham desaparecido por completo da experiência com LSD do Peter. Ele se sentia purificado e renascido e estava verdadeiramente aproveitando o novo dia. Sua hostilidade prévia se tornou em uma gratidão profunda e ele se manteve repetindo o quando ele apreciou a intervenção.

Aproximadamente às sete e meia Laura apareceu no trailer e se juntou a nos; ela estava em uma ótima condição, mas estava naturalmente preocupada sobre Peter. Rick e eu ajudamos a dissipar as consequências negativas dos eventos dramáticos da noite e facilitamos a reunião deles. Nós os aconselhamos fortemente contra dirigir naquele dia. Eles gastaram o dia de lazer no oceano Pacífico e no próximo dia continuaram a sua jornada ao sul. Eles estavam em um bom animo, embora estivessem um pouco preocupados sobre a conta de reparo de seu trailer danificado.

Uma entrevista com Albert Hofmann

escrito por Michael Horowitz 1976
Originalmente publicado na High Times


Dr. Albert Hofmann:

 — A princípio, eu não estava de acordo com a ideia de publicar esta entrevista [na revista High Times]. Eu estava chocado e surpreso pela existência de tal revista, cujos textos e propagandas tendem a tratar o assunto das drogas ilegais com uma atitude casual e irresponsável. Também, a maneira com a qual a High Times trata sobre a política da maconha, cujo problema necessita urgentemente de uma solução, não corresponde à minha abordagem. Mesmo assim, eu cheguei a decisão de que minhas declarações, aparecendo numa revista direcionada a leitores que, atualmente, fazem uso de drogas ilegais, pode ser de especial valor e poderia ajudar a diminuir o abuso e uso indevido das drogas psicodélicas. Michael Horowitz convenceu-me de que uma descrição precisa da descoberta do LSD, das plantas mágicas mexicanas (sobre as quais tantas versões enganosas existem), e minha opinião dos vários aspectos do problema das drogas, dentre outros tópicos, seria útil para uma grande e interessada audiência de pessoas nos Estados Unidos. Esta entrevista tem como objetivos a promoção de informação sobre o que essa classe de drogas pode e não pode fazer, e quais são os seus potenciais perigos.


 

No alto da Segunda Guerra Mundial, quatro meses após a criação artificial da primeira reação nuclear ser liberada em uma pilha de minério de urânio em Chicago, um traço acidentalmente absorvido do produto de um semi natural fungo do centeio, silenciosamente explodiu no cérebro de um químico suíço de 37 anos, que trabalhava nos laboratórios de pesquisa da Sandoz em Basel. Ele relatou ao seu diretor:

“Fui forçado a interromper meu trabalho no laboratório no meio da tarde e ir para casa, enquanto eu era apreendido por uma peculiar inquietação associada a uma sensação moderada de tontura… uma espécie de embriaguez que não era desagradável, e que era caracterizada por uma atividade extrema da imaginação … surgiu sobre mim um fluxo ininterrupto de imagens fantásticas de plasticidade e vividez extraordinárias e acompanhadas por um intenso, caleidoscópio jogo de cores….”

Três dias depois, em 19 de abril de 1943, o Dr. Albert Hofmann ocupou-se de um auto experimento, que tanto confirmou os resultados de sua experiência psicoativa anterior, como revelou uma fascinante nova descoberta: aqui jazia a primeira substância conhecida a produzir efeitos psíquicos em dosagens muito pequenas, mensuráveis apenas em microgramas! O Dr. Hofmann havia descoberto o LSD-25.

A dietilamida do ácido lisérgico (LSD) foi entusiasticamente investigada pela profissão psiquiátrica europeia como uma possível chave para a natureza química da doença mental. Acreditava-se que seus efeitos mimetizavam o estado psicótico. Assim que o LSD foi introduzido na psiquiatria americana em 1950, rapidamente o interesse disseminou-se entre os militares dos Estados Unidos e aos interesses de segurança nacional. Em meados de 1950, o LSD estava sendo pesquisado como um intensificador da criatividade e estimulador da aprendizagem; rumores de suas qualidade extáticas, místicas e psíquicas começaram a vazar através dos escritos de Aldous Huxley, Robert Graves e outros luminares literários.

Um experimento de Harvard, não médico e em larga escala, envolvendo o LSD e outras drogas psicodélicas no início dos anos 60, precipitou uma feroz controvérsia sobre os limites da liberdade acadêmica, e focou a atenção nacional na droga hoje conhecida como “ácido”. A meio caminho da turbulenta década, um milhão de pessoas havia experimentado o LSD do mercado-negro, engendrando uma revolução neurológica cujo o resultado ainda não foi averiguado. Em 1966, o Congresso proibiu o LSD.

O Dr. Hofmann hoje vive numa aposentadoria confortável, em uma colina com vista para a fronteira Suíça-França. Ele concedeu a High Times esta exclusiva entrevista, para discutir não apenas as implicações de sua descoberta do LSD, mas também suas investigações químicas menos divulgadas, sobre os agentes ativos de várias plantas sagradas mexicanas.

Considerando o trabalho de sua vida, o Dr. Hofmann parece um provável candidato ao Prêmio Nobel em química. Suas descobertas não apenas ampliaram nosso conhecimento de químicos psicoativos e disparou a imaginação de milhares de cientistas, historiadores e outros pesquisadores; mas elas tiveram um direto e revolucionário impacto na habilidade da humanidade de entender e ajudar a si mesma.


Horowitz:
Que trabalho você fazia antes de descobrir o LSD?

Hoffman:
Nos primeiros anos de minha carreira, no laboratório de pesquisas farmacêuticas da Sandoz em Basel, eu estava ocupado principalmente com investigações sobre componentes cardíacos, glicosídeos da cila (ou “Scilla maritima”). Estas investigações resultaram na elucidação da constituição química do núcleo comum destes agentes, fornecendo medicamentos valiosos que são amiúde usados no tratamento de insuficiência cardíaca.

A partir de 1935, eu trabalhei nos alcalóides do ergot, resultando no desenvolvimento da ergonovina, a primeira preparação sintética de alcalóides naturais do ergot: Methergin, usado em obstetrícia para interromper hemorragias; e Hydergine, para queixas geriátricas.

Em 1943, os resultados deste primeiro período da minha pesquisa na área do ergot foram publicados num jornal científico, “Helvetica Chimica Acta”. Como resultado de meus primeiros oito anos da pesquisa com ergot, eu sintetizei um grande número de derivados do ergot: amidas do ácido lisérgico; o ácido lisérgico sendo o núcleo característico dos alcalóides naturais do ergot. Dentre essas amidas do ácido lisérgico, também estava a dietilamida do ácido lisérgico.

Horowitz:
Você tinha LSD em seu laboratório já em 1938?

Hofmann:
Sim. Na época, uma série de experimentos farmacológicos estavam sendo realizados no departamento de farmacologia da Sandoz. Excitação acentuada foi observada em alguns dos animais. Mas estes efeitos não pareceram interessantes o suficiente aos meus colegas de departamento. O trabalho com LSD foi suspenso por vários anos. Como eu tinha um sentimento estranho de que seria valioso executar estudos mais profundos neste composto, acabei preparando uma quantidade fresca de LSD na primavera de 1943. No decorrer deste trabalho, uma observação acidental levou-me a executar um planejado auto experimento com tal composto, que então resultou na descoberta dos extraordinários efeitos psíquicos do LSD.

Horowitz:
Que tipo de droga você estava tentando fazer quando sintetizou o LSD?

Hofmann:
Quando eu sintetizei a dietilamida do ácido lisérgico, código de laboratório LSD-25 (ou simplesmente LSD), eu havia planejado a preparação de um composto analéptico; um estimulante circulatório e respiratório. A dietilamida do ácido lisérgico está relacionado, em sua estrutura química, com a dietilamida do ácido nicotínico, conhecido por ser um analéptico eficaz.

Horowitz:
A descoberta do LSD foi um acidente?

Hofmann:
Eu diria que o LSD foi resultado de um complexo processo, que teve sua gênese em um conceito bem definido, seguido por uma síntese apropriada, isto é, a síntese da dietilamida do ácido lisérgio – durante o curso do qual uma observação fortuita serviu como gatilho para um auto experimento planejado, que então levou a descoberta dos efeitos psíquicos deste composto.

Howoritz:
“LSD-25” significa que a preparação do LSD, com os característicos efeitos psicoativos, foi a vigésima quinta que você fez?

Hofmann:
Não, o número 25 por trás do LSD significa que a dietilamida do ácido lisérgico foi o vigésimo quinto composto que eu havia preparado numa série de amidas do ácido lisérgico.

Horowitz:
No relato publicado de sua primeira experiência com o LSD, em 16 de abril de 1943, às 15h00 em Basel, você escreveu sobre uma “intoxicação de laboratório”. Você engoliu algo, respirou um vapor, ou algumas gotas de solução caíram sobre você?

Hofmann:
Não, eu não engoli nada, e eu estava acostumado a trabalhar sob várias condições de limpeza pois, em geral, essas substâncias são tóxicas. Você deve trabalhar muito, muito limpo. Provavelmente, um traço da solução de dietilamida do ácido lisérgico, que eu estava cristalizando do álcool metílico, foi absorvido através da pele dos meu dedos.

Horowitz:
Quão grande foi a dose que você tomou naquela primeira vez, e qual foi a natureza e intensidade daquela experiência?

Hofmann:
Eu não sei—um traço imensurável. A primeira experiência foi bem fraca, consistindo em pequenas mudanças. Tinha uma agradável qualidade de filme de conto de fadas. Três dias depois, em 19 de abril, 1943, eu fiz meu primeiro experimento planejado, com 0,25 miligramas (ou 250 microgramas).

Horowitz:
Você engoliu?

Hofmann:
Sim, eu preparei uma solução de 5 miligramas e tomei uma fração correspondente a 250 microgramas, ou 25 milionésimos de uma grama. Eu não esperava que esta dose funcionasse, e planejava tomar mais e mais, até obter os efeitos. Na época, não havia nenhuma outra substância conhecida que tivesse qualquer efeito numa dose tão pequena.

Horowitz:
Os seus colegas sabiam que você estava fazendo este experimento?

Hofmann:
Somente meu assistente.

“Das minhas experiências com LSD… eu recebi o conhecimento de não apenas uma, mas de um número infinito de realidades.”

Horowitz:
Você estava familiarizado com o trabalho sobre mescalina feito por Klüver, Beringer e Rouhier no final dos anos 1920, antes de você fazer, em você mesmo, experimentos com substâncias alteradoras da mente?

Hofmann:
Não – eu fiquei interessado no trabalho deles somente após a descoberta do LSD. Eles são pioneiros na área das plantas psicoativas.

A mescalina, estudada pela primeira vez por Lewin em 1888, foi o primeiro alucinógeno disponível como um composto quimicamente puro; LSD foi o segundo. As investigações de Karl Beringer foram publicadas na clássica monografia “Der Meskalinrausch” em 1928, mas nos anos seguintes, interesse na pesquisa de alucinógenos desapareceu gradualmente.

Não foi até minha descoberta do LSD, que é aproximadamente 5.000 a 10.000 vezes mais ativo que a mescalina, que esta linha de pesquisa recebeu novo ímpeto.

Horowitz:
Naquela tarde, por quanto tempo você conseguiu escrever notas de laboratório?

Hofmann:
Não muito. À medida que os efeitos se intensificavam, eu percebia não saber o que iria acontecer, se algum dia eu voltaria ao normal. Eu pensei que estava morrendo ou ficando louco. Eu pensei na minha esposa e duas crianças pequenas, que nunca saberiam, ou entenderiam, por que eu teria feito aquilo. Meu primeiro auto experimento planejado com o LSD foi uma “bad trip”, como dizem nos dias de hoje.

Horowitz:
Por que levou quatro anos, desde a sua descoberta dos efeitos psíquicos do LSD, até a publicação de seu relato? Sua informação foi abafada?

Hofmann:
Não havia abafamento sobre este conhecimento. Depois da confirmação, por parte dos meus voluntários da equipe da Sandoz, da ação deste extraordinário composto, o Professor Arthur Stoll, que na época era o diretor do departamento de farmacologia da Sandoz, perguntou-me se eu permitiria seu filho, Werner A. Stoll—que estava iniciando sua carreira no hospital psiquiátrico da Universidade de Zurique—enviar este novo agente para um estudo psiquiátrico fundamental em voluntários normais e em pacientes psiquiátricos. Esta investigação levou um longo tempo, pois, o Dr. Stoll, assim como eu e a maioria dos jovens suíços naquele período de guerra, frequentemente tínhamos que interromper nossos serviços e servir ao exército. Esse excelente e compreensivo estudo não foi publicado até 1947.

Horowitz:
Agentes governamentais, cientes do LSD, lhe abordaram durante a Segunda Guerra Mundial?

Hofmann:
Antes do relatório psiquiátrico de Werner Stoll em 1947, não havia nenhum conhecimento geral sobre o LSD. Em contrapartida, nos círculos militares dos anos 1950, havia discussão aberta sobre o LSD como uma “droga incapacitante”, e portanto “uma arma sem morte”. Na época, o Exército dos EUA enviou um representativo a Sandoz para falar comigo sobre o procedimento de produção de LSD em larga quantidade.

Claro, o plano de usá-lo como um “agente incapacitante” não foi viável, pois não havia maneira de distribuir uniformemente as doses—alguns tomariam um monte e outros não tomariam nada. Discussões sobre os usos militares do LSD não eram segredo naqueles tempos, apesar de alguns jornalistas falarem como se fosse.

Horowitz:
O nome de Arthur Stoll aparece junto ao seu no artigo de química onde a síntese do LSD é descrita pela primeira vez. Qual era a conexão dele com esta investigação?

Hofmann:
O nome de Stoll, como parte de sua função de diretor do departamento, aparece em todos os artigos vindos dos laboratórios de pesquisa da Sandoz; mas ele não teve conexão direta nenhuma com a descoberta do LSD. Ele foi um dos pioneiros na pesquisa com ergot, tendo isolado em 1918 o primeiro alcalóide quimicamente puro do ergot—a ergotamina—que mostrou ser um medicamento útil no tratamento de enxaqueca. Mas então a pesquisa com ergot foi interrompida na Sandoz, até que eu retomei-a novamente em 1935.

Horowitz:
Quem foi a segunda pessoa a tomar LSD?

Hofmann:
Professor Ernst Rothlin, o então diretor do departamento de farmacologia da Sandoz. Rothlin estava duvidoso quanto ao LSD; ele alegou ter uma volição forte, e que era capaz de suprimir os efeitos de drogas. Mas após ter tomado 60 microgramas—um quarto da dose que eu havia tomado—ele ficou convencido. Eu tive que rir enquanto ele descrevia suas fantásticas visões.

Horowitz:
Você tomou LSD fora do laboratório?

Hofmann:
Por volta de 1949 a 1951, eu arranjei algumas sessões domiciliares com LSD, na companhia amigável e privada de dois bons amigos: o farmacologista Heribert-Konzett, e o escritor Ernst Jüenger. Jüenger é o autor de, entre outras obras, “Abordando Revelações: Drogas e Narcóticos” [“Annaeherungen; Drogen und Rausch“. Stuttgart: Klett. 1970].

Eu fiz isso com o intuito de investigar a influência dos arredores, das condições exterior e interior na experiência do LSD. Esses experimentos mostraram-me o enorme impacto do—para usar termos modernos—set & setting sobre o conteúdo e caráter da experiência.

Também aprendi que o planejamento tem suas limitações. Apesar do bom humor no início de uma sessão—expectativas positivas, belos cenários e companhia simpática—certa vez eu caí numa terrível depressão. Esta imprevisibilidade dos efeitos é o maior perigo do LSD.

Horowitz:
Há quanto tempo e com que frequência você continua a tomar LSD?

Hofmann:
Os meus 10 a 15 experimentos com LSD foram distribuídos ao longo de 27 anos. O último foi em 1970. Desde então, eu não tomei mais LSD, pois acredito que, tudo o que uma experiência de LSD pode me dar, já foi-me dado. Talvez, mais tarde em minha vida, eu precise tomar uma ou várias vezes mais.

Horowitz:
Qual foi a sua maior dose única de LSD tomada?

Hofmann:
250 microgramas.

Horowitz:
Você recomendaria o uso de LSD?

Hofmann:
Eu suponho que sua pergunta refere-se ao uso não medicinal de LSD. Atualmente, se tal uso fosse legal (o que não é o caso), eu sugeriria as seguintes diretrizes: a experiência é melhor conduzida por uma pessoas madura, estável e com uma razão significativa para tomar o LSD.

No que diz respeito aos seus efeitos psíquicos e sua constituição química, o LSD pertence àquele grupo de drogas mexicanas, “peyotl”, “teononocotl” e “ololiuqui”, que tornaram-se drogas sagradas devido a sua misteriosa maneira de afetar o cerne da mente.

A veneração temerosa das religiões indígenas pela droga psicodélica, pode ser substituída, em nossa sociedade, por respeito e reverência, baseado em conhecimento científico estabelecido de seus efeitos psíquicos únicos.

Esta atitude respeitosa em relação ao LSD, deve ser complementada por condições externas apropriadas—pela escolha de um ambiente inspirador e uma companhia selecionada para a sessão; e havendo assistência médica disponível, no caso em que for preciso.

Horowitz:
Os efeitos do ergotismo são similares aos do LSD?

Hofmann:
Há duas formas de ergotismo: “ergotismus gangrenosus” e “ergotismus convulsivus”. A primeira é caracterizada por sintomas de gangrena, porém não acompanha efeitos psíquicos. Na última forma, contrações e convulsões dos músculos acarretam, frenquentemente, num estado comparável à epilepsia—uma condição às vezes acompanhada por alucinações, e assim relacionada aos efeitos do LSD. Isso pode ser explicado pelo fato de que os alcalóides do ergot têm o mesmo núcleo básico que o LSD; isto é, eles são derivados do ácido lisérgico.

 

“Eu fiquei sabendo… que os russos estudaram os usos do LSD em investigações militares e parapsicológicas; e que eles estavam à procura de um antídoto.”

 

Horowitz:
Você concorda com o termo “psicodélico”, cunhado pelo Dr. Humphry Osmond?

Hofmann:
Eu acho que é um bom termo. Corresponde melhor aos efeitos dessas drogas do que “alucinógenos” ou “psicotomiméticos”. Outra denominação adequada seria “phantastica”, cunhada por Loius Lewin nos anos 1920; mas não foi aceita em países anglo-saxônicos.

Horowitz:
Você descreveu as suas investigações sobre drogas psicoativas como um “círculo mágico”. O que você quer dizer?

Hofmann:
Minhas investigações com as amidas do ácido lisérgico me levaram ao LSD. O LSD trouxe os cogumelos sagrados mexicanos à minha atenção, que levou à síntese de psilocibina, que por sua vez trouxe a visita de Gordon Wasson e as subsequentes investigações com o “ololiuqui”. Lá, de novo eu me encontrei com as amidas do ácido lisérgico, encerrando o círculo mágico 17 anos depois.

Horowitz:
Você pode descrever os eventos que levaram a isso?

Dr. Hofmann segurando o fungo Ergot no centeio, março 1976.

Hofmann:
Após ter estudado a cerimônia do cogumelo no México, durante 1954 e 1955, Gordon Wasson e sua esposa convidaram o micologista Roger Heim a acompanhá-los numa nova expedição em 1956, a fim de identificar o cogumelo sagrado.

Ele descobriu que, a maioria dos cogumelos, eram de uma nova espécie pertencente ao gênero “Psilocybe mexicana”, da família “Strophariaceae”. Em seu laboratório em Paris, ele foi capaz de artificialmente cultivar alguns deles, mas, após tentativas mal sucedidas em isolar o princípio ativo, ele enviou os cogumelos sagrados aos laboratórios Sandoz, na esperança de que nossa experiência com LSD nos permitiria resolver o problema. Num certo sentido, o LSD trouxe os cogumelos sagrados ao meu laboratório. Primeiramente, testamos o extrato de cogumelo em animais, mas os resultados foram negativos. Era incerto se os cogumelos cultivados e secados em Paris continuavam ativos; então, a fim de resolver este ponto fundamental, decidi testá-los em mim mesmo. Eu comi 32 espécimes secos de “Psilocybe mexicana”.

Horowitz:
Não é uma dose grande?

Hofmann:
Não. Os cogumelos eram muito pequenos, pesando apenas 2,4 gramas—uma dose média, segundo os padrões indígenas.

Horowitz:
Como foi?

Hofmann:
Tudo assumiu um caráter mexicano, fosse com meus olhos fechados ou abertos. Eu via apenas temas e cores mexicanas. Quando o doutor, supervisionando o experimento, curvou-se para verificar minha pressão sanguínea, ele foi transformado em um sacerdote asteca, e eu não ficaria surpreso se ele houvesse sacado uma faca de obsidiana.

Foi uma experiência forte e durou cerca de seis horas. Os cogumelos estavam ativos; os teste em animais deram resultados negativos devido à comparável baixa sensibilidade dos animais para substâncias com efeitos psíquicos.

Horowitz:
Você então procedeu com a síntese?

Hofmann:
Depois deste confiável teste em seres humanos (o que significa que eu e meus colegas de trabalho ingeriram as frações a serem testadas), eu extraí os princípios ativos dos cogumelos, purifiquei-os e finalmente os cristalizei.

Eu nomeei “psilocibina” o principal princípio ativo do “Psilocybe mexicana”; e psilocina para o seu alcalóide acompanhante, geralmente presente apenas em quantidades pequenas. Então, eu e meus colegas estávamos capazes de elucidar a estrutura química da psilocibina e psilocina, e após isso, nós conseguimos sintetizar tais compostos.

Hoje, a produção sintética de psilocibina é muito mais econômica do que obter do próprio cogumelo. Assim, o “teonanacatl” fora desmistificado—as duas substâncias, cujo efeitos mágicos fizeram os indígenas mexicanos acreditarem por milhares de anos que um deus residia no cogumelo, poderiam agora ser preparadas em uma retorta.

Horowitz:
Em uma de suas palestras gravadas, Aldous Huxley descreveu o encanto da famosa “curandera” de Wasson, Maria Sabina de Huautla, sobre a ingestão da psilocibina. Ela percebeu que poderia fazer magia durante todo o ano, e não apenas na sessão do cogumelo após as chuvas.

Hofmann:
Aquela era a minha psilocibina. Quando eu e Wasson visitamos Maria Sabina, não haviam cogumelos sagrados pois, era muito tarde na estação do ano; então fornecemos a ela pílulas contento psilocibina sintética.

Após ter tomado uma dose um tanto forte, no decorrer da sessão noturna, ela disse não haver diferenças entre as pílulas e os cogumelos. “O espírito do cogumelo está na pílula”, disse ela—prova final de que nossa preparação sintética era idêntica, em todos os aspectos, ao produto natural.

Horowitz:
O que incitou sua investigação de outra das plantas sagradas mexicanas, o “ololiuqui”?

Hofmann:
Quando Wasson veio a Sandoz, em meu laboratório, para ver os cristais de psilocibina sintética, ele estava encantado com os resultados de nossa investigação química, que haviam confirmado seus estudos etnomicológicos sobre os cogumelos sagrados. Nos tornamos amigos e fizemos planos futuros para investigar as plantas sagradas mexicanas.

O próximo problema que decidimos atacar, foi o enigma do “ololiuqui”, que é o nome asteca para as sementes de certas glórias-da-manhã. Com a ajuda de Wasson, eu pude obter sementes de “ololiuqui” coletadas por indígenas zapotecas. A análise química (das sementes de “ololiuqui”) forneceu um resultado bastante surpreendente. O princípio ativo que isolamos mostrou-se ser a amida do ácido lisérgico, e outros alcalóides do ergot.

Horowitz:
Então o “ololiuqui” é quimicamente relacionado ao LSD?

Hofmann:
Sim. O principal alcalóide do “ololiuqui” é a amida do ácido lisérgico, que difere do LSD—da dietilamida do ácido lisérgico—por apenas dois radicais etil. Eu não esperava encontrar derivados do ácido lisérgico—que na época eram conhecidos apenas como produtos de fungos inferiores do tipo ergot—também em plantas superiores, em espécies da glória-da-manhã da fanerogâmica família dos “Convolvulaceae”. Meus resultados foram tão surpreendentes, que o primeiro artigo enviado sobre o assunto, em Melbourne em 1960, havia sido recebido com ceticismo pelos meus colegas. Eles não acreditavam em mim. “Oh, você tem tantos compostos de ácido lisérgico em seu laboratório, talvez tenha contaminado seu “ololiuqui” com extratos deles”, diziam eles.

Horowitz:
Qual era o propósito de sua jornada ao México?

Hofmann:
Era uma expedição que Wasson organizou no outuno de 1962, em busca por outra não identificada e mágica planta mexicana, a saber, a chamada “hojas de la Pastora”. Nós viajamos a cavalo em trilhas indígenas pela Sierra Mazateca, chegando finalmente em tempo para estar presente numa cerimônia noturna, na cabana de uma curandera que utilizava o suco de folhas da “hojas de la Pastora”. Mais tarde, conseguimos obter algumas amostras da planta. Era uma nova espécie da família da hortelã, que foi, posteriormente, identificada botanicamente na Universidade de Harvard e nomeada “Salvia divinorum”. De volta ao meu laboratório na Sandoz, eu não tive sucesso em extrair o princípio ativo, que na “Salvia divinorum” é muito instável.

Horowitz:
Os efeitos psicoativos da “Salvia divinorum” são similares àqueles do LSD e “Psilocybe mexicana”?

Hofmann:
Sim, porém menos pronunciados.

 

Horowitz:
Quais escritores você acha que têm mais sucesso em transmitir a experiência psicodélica na literatura?

Hofmann:
Eu acho que as melhores descrições estão nos livros de Aldous Huxley. Em seguida, eu diria Timothy Leary e Alan Watts; na França, Henri Michaux.

Na literatura alemã, Rudolf Gelpke merece ser mencionado a este respeito, mas eu creio que seu trabalho não esteja disponível em inglês. “Von Fahrten in den Weltraum der Seele” [“Viajem no Cosmos da Alma”], publicado no jornal “Antaios” em 1962, é especialmente bom. Eu devo também mencionar a nova monografia do Dr. Stan Grof, “Realms of the Human Unconscious” [New York: Viking, 1975], contendo descrições excelentes de sessões com LSD na perspectiva de estudos psiquiátricos.

Horowitz:
Herman Hesse ou Carl Jung alguma vez mostraram interesse em sua descoberta?

Hofmann:
Eu nunca conheci Hesse, mas seus livros—especialmente “O Jogo das Contas de Vidro” e “O Lobo da Estepe”—me interessaram profundamente em relação à pesquisa com LSD. É possível que Hesse experimentou com mescalina nos anos 1920, como alguns supõe—eu não tenho forma alguma de saber. Exceto um breve encontro com Jung, em um congresso internacional de psiquiatras, eu não tive contato com ele.

Horowitz:
Alguma vez você se encontrou com Aldous Huxley?

Hofmann:
Duas vezes. Em 1961, eu me encontrei com ele para almoço em Zurique; e novamente em 1963, quando ambos estávamos atendendo a Conferência WAAS [World Academy of Art and Science], onde tópicos gerais sobre superpopulação, esgotamento dos recursos naturais e ecologia foram discutidos. Eu fiquei profundamente impressionado com Huxley: ele irradiava vida, inteligência, bondade e franqueza—e claro, era extremamente articulado.

Horowitz:
O que você acha do “Livro Tibetado dos Mortos”, como um guia para a experiência psicodélica, conforme sugerido por Huxley e os pesquisadores de Harvard, dentre outros?

Hofmann:
As ideias e instruções gerais dadas, sobre como preparar e conduzir a sessão psicodélica, são o resultado de longas experiências nesta área, e parecem muito valiosas. O que me perturba é o uso estrangeiro do simbolismo tibetano. Eu prefiro que permaneçamos dentro do nosso próprio quadro cultural—que usemos símbolos encontrados nos escritos de místicos ocidentais, tais como Silesius, Eckhart, Boehme e Swedenborg.

Horowitz:
Qual foi sua impressão sobre o trabalho do Dr. Timothy Leary com psicodélicos?

Hofmann:
Eu formei minha primeira impressão do Dr. Leary em 1963. Naquela época, ele estava envolvido, juntamente com seu colega, o Dr. Richard Alpert, em um projeto na Universidade de Harvard investigando o uso de LSD e psilocibina na reabilitação de presidiários. O Dr. Leary me enviou um pedido de 100 gramas de LSD, e 25 quilos de psilocibina. Antes que o departamento de vendas da Sandoz pudesse executar a demanda de extraordinária quantidade de compostos psicodélicos, solicitamos ao Dr. Leary o fornecimento da licença de importação necessária das autoridades de saúde dos EUA. Ele falhou em fornecê-la. A maneira irrealista na qual ele lidou com esta transação, deixou a impressão de um pessoa indiferente aos regulamentos da sociedade.

Eu tive um vislumbre de outra faceta de seu caráter quando, mais tarde naquele mesmo ano, ele me convidou a participar de um encontro em Zihuatanejo (México) sobre pesquisa de drogas. Ele emfatizou que rádio, televisão e jornalistas das mais importantes mídias de massa estariam presentes, o que revelou uma personalidade muito pública em sua consciência.

Horowitz:
Você se encontrou com Leary mais tarde, não?

Hofmann:
Uma década depois que o Dr. Leary escapou da prisão e estava vivendo em exílio na Suíça. Eu estava ansioso para conhecê-lo pessoalmente, tendo lido tanto sobre ele na mídia durante o período de intervenção. No dia 3 de setembro de 1971, se encontraram em Lausanne o pai e o profeta do LSD.

Eu fiquei surpresso em encontrar, não um cientista do tipo professoral, nem um fanático; mas um delgado, sorridente e juvenil homem, representando mais um campeão de tênis do que um professor de Harvard.

No decorrer de nossa conversa, o Dr. Leary deu-me a impressão de uma pessoa idealística, que acredita na influência transformadora das drogas psicodélicas sobre a humanidade; que é consciente do complexo problema de drogas e, ainda assim, era desleixado quanto a todas as dificuldades envolvidas na promoção de suas ideias.

Horowitz:
Além do seu estilo pessoal, o que você achava das ideias do Dr. Leary na época de seu encontro na Suíça?

Hofmann:
Nós estávamos de acordo no que concerne a enorme importância de fazer uma distinção fundamental entre as drogas. Concordamos que o uso de drogas produtoras de dependência, especialmente a heroína (com seus desastrosos efeitos somáticos e psíquicos), deveriam ser evitadas por qualquer meio possível. Concordamos também, na avaliação dos potenciais efeitos benéficos das drogas psicodélicas. Nós discordamos quanto à extensão e por quem os psicodélicos devem ser usados.

Ao passo que o Dr. Leary advoga o uso de LSD, sob condições apropriadas, por pessoas muito jovens, por adolescentes, eu insisti que uma personalidade madura e estável fosse uma condição prévia. Madura pois, a droga pode liberar apenas o que já está na mente. Não traz nada novo—é como uma chave que pode abrir uma porta para o nosso subconsciente. Estável pois, é necessário força espiritual para manusear e integrar uma esmagadora experiência psicodélica em sua “Weltbild” (N.T.: visão de mundo).

Horowitz:
O LSD possui qualidades afrodisíacas?

Hofmann:
Apenas no sentido em que o LSD adiciona novas dimensões para todas experiências; incluindo, é claro, a sexual.

Horowitz:
Você se beneficiou financeiramente de sua descoberta do LSD?

Hofmann:
Não.

Horowitz:
A Sandoz é uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo. Como que lidou com a produção e distribuição de uma substância tão controversa quanto o LSD?

Hofmann:
Desde o início, era claro que o LSD (apesar de suas extraordinárias qualidades) não tornaria-se uma preparação farmacêutica de valor comercial. Não obstante, a Sandoz colocou um enorme esforço em investigações científicas da substância, mostrando o papel eminente que o LSD poderia ter como uma excelente ferramenta na pesquisa do cérebro e na psiquiatria.

Portanto, a Sandoz tornou o LSD disponível no mundo todo, para investigadores clínicos e experimentais qualificados, a fim de promover tais pesquisas com ajuda técnica e, em muitas casos, auxílio financeiro. A Sandoz teve um papel nobre no desenvolvimento científico do LSD.

Horowitz:
A Sandoz interrompeu a produção de LSD porque ele estava entrando no mercado negro?

Hofmann:
Em 1965, no começo da histeria do LSD, a Sandoz interrompeu completamente a distribuição de LSD para propósitos de pesquisa, no intuito de evitar toda possibilidade (e para contrariar falsos rumores) de que o seu LSD estaria entrando no mercado negro. Outra razão, era forçar autoridades de saúde de diferentes países, a fornecer regras e regulações adequadas sobre a distribuição de LSD. Depois que isso foi realizado, novamente eles forneceram LSD para distribuição na América pela FDA [Food and Drug Administration], porém apenas aos investigadores licenciados.

 

“Aos 19 anos, eu tomei a decisão de tornar-me químico, por razões ambas místicas-filosóficas e curiosidade.”

 

Horowitz:
Nos Estados Unidos, tem havido uma recente grande investigação sobre experimentos indequados com LSD, conduzidos pela CIA, Exército, Marinha e outras agências governamentais. Eles obtiveram LSD da Sandoz, assim como Timothy Leary obteve o dele em seu projeto psicodélico de Harvard?

Hofmann:
A Sandoz fornecia a Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (a FDA), que então distribuía na América. Provavelmente, foi assim que a CIA e outros obtiveram.

Horowitz:
Você alguma vez foi abordado por agentes soviéticos, à procura de LSD da Sandoz ou de suas especialidades?

Hofmann:
Isso não aconteceu. Eu fiquei sabendo, de cientistas suecos em Estocolmo, que os russos estudaram os usos do LSD em investigações militares e parapsicológicas; e que eles estavam à procura de um antídoto. Mas a empresa farmacêutica de Spofa, em Praga, é que provavelmente forneceu o LSD.

Horowitz:
Você está familiarizado com o químico underground, Stanley Owsley, que nos anos 60 produziu a mais ampla distribuição de LSD clandestino?

Hofmann:
Eu escutei o seu nome mencionado nesse contexto, porém, não sei mais nada sobre ele.

Horowitz:
Quanto tem sido a pureza do LSD clandestino que você testou?

Hofmann:
Alguns continham a quantidade “rotulada”, alguns menos. É difícil de fazer uma preparação estável em condições laboratoriais menos que perfeitas. Você deve eliminar todo traço de oxigênio. Oxidação destrói o LSD, assim como a luz.

Horowitz:
Vocês está familiarizado com a substância parecida com o LSD, chamada ALD-52, que teve destaque num julgamento sobre ácido há dois anos?

Hofmann:
Sim. ALD-52 é acetil-LSD, uma modificação do LSD que se mostrou ser tão ativa quanto o original, pois, o acetil é removido dentro do corpo e então você tem os efeitos do LSD. Tem sido utilizado apenas experimentalmente. Alguns anos atrás, nós o enviamos ao Centro de Reabilitação de Drogas em Lexington (Kentucky) para testagem.

Horowitz:
O que você sabe sobre ketamina?

Hofmann:
Ketamina é um psicodélico totalmente sintético, diferentemente do LSD, que é um produto semissintético.

Horowitz:
Para muitas pessoas, o LSD proporciona algo que elas chamam de experiências religiosas. Quais são seus sentimentos sobre isso?

Hofmann:
Pessoas a quem o LSD proporciona experiências religiosas, esperam ter tais experiências quando elas tomam LSD. Expectativa—que é idêntica à auto sugestão—determina, num alto grau, o que irá acontecer na sessão, pois, sua extrema sugestibilidade é uma das características mais importantes do estado mental do LSD.

Outra razão para a incidência de experiências religiosas, é o fato de que o próprio núcleo da mente humana é conectado a Deus. Esta mais profunda raiz de nossa consciência, que no estado normal é encoberta por superficiais atividades racionais da mente, pode revelar-se através da ação de uma droga psicodélica.

Horowitz:
O LSD é um agente evolutivo?

Hofmann:
Possivelmente. No estado mental do LSD, podemos nos tornar conscientes, nas palavras de Teilhard de Chardin, do “todo complexo das relações inter humanas e intercósmicas com um imediatismo, uma intimidade e um realismo” que, de outra forma, aconteceria apenas em estados extáticos espontâneos, e para poucos abençoados.

Entre líderes espirituais, existe consenso de que, a continuação do presente desenvolvimento, caracterizado pelo crescimento da industrialização e superpopulação, irá resultar na exaustão dos recursos naturais e destruir as bases ecológicas da existência humana neste planeta. Esta tendência de auto aniquilação, é re forçada por políticas internacionais baseadas em “viagens de poder” e na preparação de armas de potencialmente apocalípticas.

Esse desenvolvimento pode ser impedido apenas através de uma mudança na atitude materialista que causou o próprio desenvolvimento. Esta mudança pode resultar apenas da percepção das raízes espirituais mais profundas da vida e da existência; do uso compreensivo de todas as forças de nossa inteligência e de todos os recursos de nosso conhecimento.

Esta abordagem intelectual, complementada pela experiência visionária, poderia produzir uma alteração de consciência sobre a verdade e realidade, que então poderia ter uma significância evolutiva. O LSD, seletiva e sabiamente usado, poderia ser o meio de alguém complementar a percepção intelectual e visionária, e ajudar a mente preparada a tornar-se consciente de uma realidade mais profunda.

Horowitz:
Suas experiências com LSD mudaram sua vida pessoal e gostos?

Hofmann:
Aumentou minha sensividade para música clássica—especialmente Mozart. Meus hábitos de vida não mudaram.

Horowitz:
Sua mulher também experimentou com psicodélicos?

Hofmann:
Sim. Uma vez no México, na sessão com “Salvia Divinorum”, quando eu tive um problema gástrico e não poderia ingerir o suco, ela tomou meu lugar. Ela também ingeriu algumas das pílulas de psilocibina durante a sessão histórica em que Maria Sabina confirmou sua potência.

Horowitz:
Para quais usos médicos gerais o LSD poderia ser comercializado no futuro?

Hofmann:
Doses muito pequenas, talvez 25 microgramas, poderiam ser úteis como um euforizante ou antidepressivo.

Horowitz:
Quais de seus trabalhos estão disponíveis em inglês?

Hofmann:
Há vários anos atrás, eu e o Dr. Richard Evans Schultes de Harvard, fomos coautores de um livro chamado “The Botany and Chemistry of Hallucinogens“. Destina-se, primariamente, em fornecer conhecimento básico de botânica e química das plantas alucinógenas a estudantes especializados. Atualmente, estou escrevendo minhas memórias; mas estas serão publicadas primeiro em alemão.

Horowitz:
O que você tem feito desde sua aposentadoria da Sandoz?

Hofmann:
Eu me aposentei em 1971, após 42 anos com a Sandoz. Desde então, eu tenho escrito e dado aulas sobre drogas psicoativas. Aqui em casa, eu trabalho no pomar e corro nas florestas para me exercitar. É maravilhoso poder passar um monte de tempo na natureza intocada, após décadas de trabalho em laboratórios.

Horowitz:
Em seu livro “Gravity’s Rainbow”, o autor americano Thomas Pynchon descreveu um vitral em seu escritório, nos enfadonhos laboratórios da Sandoz. Isso é verdade?

Hofmann:
Isso é verdade. Agora está aqui em minha casa. Na realidade, é um moderno vidro em estilo antigo, retratando Esculápio e seu mentor, o centauro Quíron.

Horowitz:
Os suíços estão orgulhosos de sua descoberta do LSD e das sínteses da psilocibina e “ololiuqui”, ou a controvérsia em torno destas drogas dissiparam isso?

Hofmann:
Minhas descobertas se mostraram bastante controversas. Alguns consideram estas drogas como sendo “diabolique”, e uns clérigos pediram-me para confessar minha culpa em público; mas em círculos profissionais, meu trabalho tem sido apreciado. Eu fui honrado pelo Instituo Nacional Politécnico aqui na Suíça; por graus honorários em ciência natural e em farmacologia no Swedish Royal Pharmaceutical Institute; e nos Estados Unidos, por uma adesão honorária na Sociedade Americana de Farmacognosia.

Horowitz:
O que o fez decidir tornar-se um químico?

Hofmann:
Eu estava interessado em saber do que nosso mundo era feito. A química é a ciência dos constituintes do mundo, então aos 19 anos, eu tomei a decisão de tornar-me químico, ambos por razões ambas místicas-filosóficas e curiosidade.

Horowitz:
O LSD afetou sua perspectiva filosófica?

Hofmann:
Das minhas experiências com LSD, incluindo a terrível primeira vez, eu recebi o conhecimento de não apenas uma, mas de um número infinito de realidades. Experienciamos uma realidade diferente, dependendo da condição de nossos sentidos e receptores psíquicos. Eu percebi que a profundeza e riqueza dos universos interior e exterior são imensuráveis e inesgotáveis; mas que devemos retornar destes mundos estranhos para nossas casas e viver aqui, na realidade que é fornecida pelos nossos sentidos normais e saudáveis. É como astronautas retornando de voos espaciais: eles devem reajustar-se a este planeta.

Em algumas de minhas experiências psicodélicas, eu tive um sentimento de amor extático e unidade com todas as criaturas do universo. Ter tido tal experiência de absoluta beatitude significa um enriquecimento de nossa vida.

Horowitz:
Como você gostaria que gerações futuras lembrassem de você e sua descoberta?

Hofmann:
Talvez a imagem de um químico andando de bicicleta, em sua primeiríssima viagem de LSD, irá mudar para o Velho da Montanha.

FONTE


Agradecemos imensamente a tradução feita pela colaborador Canonical Commutation.
Seja você também um colaborador, entre em contato:

equipemundocogumelo@gmail.com

Seria o Brasil o novo epicentro da Ciência Psicodélica no mundo?

por Bia Labate

Eu sou parte do comitê científico da Segunda Conferência Mundial sobre Ayahuasca, a qual acontecerá em Rio Branco, na Amazônia Brasileira, em Outubro de 2016. Eu gostaria de compartilhar algumas incríveis informações científicas envolvendo a ayahuasca.

A conferência combina um palco principal, e um palco paralelo composto por pesquisadores que responderam ao “chamado para artigos”, um festival de cinema e uma série de eventos culturais. O palco principal terá representantes das religiões brasileiras que consagram ayahuasca, cerca de 100 indígenas e 11 mesas redondas. Estes incluem: xamanismo amazônico, cultura e patrimônio cultural, pesquisa científica, usos contemporâneos, intervenções clínicas, desafios da globalização, política e leis, meio ambiente e sustentabilidade, plantas da Amazônia, questões de gênero e riscos.

Na primeira edição da conferência em Ibiza, em 2014, foram enviadas cem propostas de apresentação. Agora, dois anos depois, esse número dobrou. A ciência da Ayahuasca parece espalhar-se pelo mundo vigorosa e dinamicamente assim como a própria ayahuasca. O  número de profissionais está crescendo, estão cada vez mais inspirados para estudar esta substância intrigante através das lentes de diferentes disciplinas.

Das 200 apresentações recebidas, 120 foram para a área acadêmica, e 80 para o palco comunitário, que consiste de praticantes com conhecimento empírico. Os artigos vêm de um total incrível de 28 países! Metade das propostas são da área de ciências sociais, e a outra metade dos campos de biomedicina, psicologia e saúde pública combinados. Embora ainda haja uma predominância de pesquisadores e profissionais do sexo masculino, um número crescente de mulheres estão participando sobre estas questões.

Os tópicos são variados como: ayahuasca para moradores de rua, tratamento para usuários problemáticos de drogas ou álcool, uso por veteranos de guerra e prisioneiros, terapias para lidar com a morte e no parto, e o papel da ayahuasca nos distúrbios de saúde mental e no bem-estar psicológico . Eles também abordam a prática ritual, o conhecimento xamânico, as relações inter-étnicas, o hibridismo cultural, a transnacionalização religiosa, a política de cura e a mercantilização. Além disso, a relação com terapias alternativas e espiritualidade da Nova Era será contemplada. Algumas apresentações também se concentram nos tópicos de legalidade, riscos à saúde e abuso sexual. Finalmente, artes e música, ao lado de ecologia e conservação, estão no menu da conferência.

Quase metade das propostas enviadas vieram do Brasil. Embora isso seja compreensível, a conferência revelou, para nossa surpresa, a notável emergência de novos grupos de pesquisa em todo o país. Esses incluem:

Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes(PROAD)

São Paulo

Dr. Dartiu Xavier da Silveira

Um grupo de 21 anos de pesquisa sobre ayahuasca que se materializou fora da organização PROAD, que vem conduzindo pesquisas com drogas desde 1991. Atualmente, cerca de 20 professores, pós-doutores e estudantes de graduação e pós-graduação pesquisam os potenciais terapêuticos e Uso ritualístico da ayahuasca, incluindo estudos epidemiológicos, ensaios clínicos, estudos de comorbidade, neurociências e redução de danos.

 

Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP)

São Paulo e outras cidades
Dra. Bia Labate

Uma rede de ciências sociais de 15 anos com 70 professores e pesquisadores de nível pós-graduado. Os membros do grupo organizaram várias conferências, publicaram dois livros e um grande número de dissertações de mestrado e doutorado, predominantemente em antropologia, sobre as religiões ayahuasca brasileiras (Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal), novos usos urbanos de ayahuasca e indígenas.

 

Universidade de São Paulo (USP)

Ribeirão Preto

Dr. Jaime Hallak, Dr. José Alexandre Crippa, Dra. Flávia Osório e Dr. Antônio Zuardi
Um grupo de pesquisa com mais de 20 professores, pós-doutores e estudantes de pós-graduação, envolvido há mais de uma década na investigação de novos medicamentos para o tratamento de transtornos neuropsiquiátricos como depressão, ansiedade, esquizofrenia e doença de Parkinson. O grupo é uma das equipes científicas brasileiras mais produtivas no campo biomédico. Eles realizam ensaios clínicos com voluntários saudáveis ​​e pacientes, investigando o potencial do uso terapêutico de vários fármacos, incluindo ayahuasca, canabidiol, nitroprussiato de sódio e ocitocina, entre outros.

 

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Natal
Dr. Draulio de Araujo
Este é um grupo interdisciplinar de sete anos de idade de 30 pesquisadores, incluindo professores, pós-doutores e estudantes de graduação. Seus interesses de pesquisa incluem os efeitos antidepressivos agudos e duradouros da ayahuasca. Diferentes marcadores biológicos e comportamentais são investigados nos campos da bioquímica, neuropsicologia e neuropsiquiatria, usando métodos como MRIs e EEGs.

 

Universidade de Brasília (UNB)

Brasília
Dra. Regina Célia de Oliveira

Este trabalho é de um grupo de dois anos de idade, composto por seis pesquisadores botânicos e um toxicologista, incluindo professores e estudantes de graduação. O foco da pesquisa é descobrir quais espécies do cipó Banisteriopsis spp são usadas pelas religiões brasileiras da ayahuasca e entender seu conhecimento etnobotânico dessas espécies. O foco inclui morfologia externa, análise citogenética, seqüenciamento de DNA, caracterização química, fitoquímica, anatomia, diversidade genética, conservação, análise filogenética, composição química e componentes bioativos da ayahuasca.

 

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Campinas

Dr. Luis Fernando Tófoli

Trata-se de um grupo interdisciplinar de um ano de idade, composto por 20 professores, pesquisadores e alunos. Seus interesses de pesquisa incluem o manejo agrícola de Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis, análises químicas das próprias espécies de ayahuasca, fisiologia da ayahuasca, estabilidade de amostras de ayahuasca, liofilização, metabolômica, potenciais terapêuticos e estudos neurocientíficos.

Segundo os pesquisadores, os principais desafios são:

– encontrar financiamento;

– obter acesso ao DMT;

– a ortodoxia de alguns grupos de ayahuasca e o acesso a eles;

– encontrar voluntários para as experiências (devido a critérios de recrutamento);

– prejuízo dos profissionais de saúde;

– acesso à videira e à folha, ambos crescendo na natureza e cultivados;

– os desafios analíticos da caracterização da química das plantas coletadas.

 

Por outro lado, como potenciais benefícios, essas pesquisas podem:

– reconhecer e registrar uma grande variedade de práticas culturais ricas;

– ampliar a compreensão dos diversos contextos de uso e seus significados;

– dissipar o estigma e a criminalização;

– dar mais legitimidade aos grupos da ayahuasca;

– propor alternativas aos desafios da expansão;

– informar sobre os riscos e benefícios;

– aprender sobre os processos de saúde mental em indivíduos saudáveis;

– encontrar tratamento alternativo para doenças mentais ou perturbações, incluindo novas formas de tratamento para depressão e ansiedade;

– desenvolver terapias psicodélicas;

– compreender a origem e a idade das espécies;

– compreender a diversidade cultural e genética das plantas.

Apesar dos enormes desafios no atual cenário político e científico brasileiro, a ciência psicodélica parece estar crescendo naturalmente. Se você está interessado nesses tópicos, esta conferência é “como mel para abelhas”, como dizemos no Brasil. Venha participar neste diálogo único entre o conhecimento tradicional e a ciência!

Bia Labate é uma antropóloga brasileira que vive no México. Pesquisa substâncias psicoativas, politica de drogas, xamanismo, rituais e religião. Tem 17 livros publicados.

Para mais informações
www.twitter.com/LabateBia
www.bialabate.net

FONTE huffingtonpost.com