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Quando psiquiatras batalharam para manter o MDMA legal

Golias venceu, mas Davi está pronto para o segundo round

Era julho de 1984 e a agência antidrogas americana (DEA) não esperava qualquer resistência quando anunciou que pretendia tornar o MDMA uma substância controlada do tipo I – a categoria mais restrita de drogas ilícitas.

Mas enquanto a agência foi pega com a guarda baixa, seus oponentes não. Durante anos, uma comunidade de psiquiatras, terapeutas e ativistas haviam estado se preparando para a batalha silenciosamente, reunindo as evidências que precisariam para provar o caso de que a 3,4-metilenodioximetanfetamina é relativamente segura e contém potencial terapêutico significativo. Ninguém previu quão perto o pequeno grupo de defensores chegaria de superar o Golias contra quem lutavam.

Na primavera seguinte, um desfile de médicos e pesquisadores testemunhou diante de um juiz de direito administrativo, insistindo que aconselhasse a DEA a colocar o MDMA em uma classe de drogas menos restritiva, ou a evitar a restrição. “Centenas de psiquiatras e psicoterapeutas que usavam [o MDMA] informalmente, e eles o usavam para todos os tipos de coisas em ocasiões privadas”, conta Rick Doblin à Inverse. “Ele estava sendo usado para o TEPT [Transtorno de Estresse Pós-Traumático], estava sendo usado para terapia de casais, estava sendo usado para o crescimento pessoal, estava sendo usado para a espiritualidade”.

Rick Doblin faz uma selfie do lado de fora do escritório do DEA em Washington D.C. Para marcar a apresentação de um desafio legal contra a proibição do MDMA.

Doblin encabeçou a organização sem fins lucrativos que liderou a batalha contra a DEA, e fundou a Associação Multidisciplinar de Estudos Psicodélicos (MAPS), que continua a pressionar para o uso legal da MDMA e da maconha na medicina e em outros contextos. A MAPS mantém um acervo impressionante de documentos da prolongada luta legal contra a DEA.

Doblin previu que a repressão ao MDMA viria quando a droga começou a vazar das sessões terapêuticas para o público, onde foi vendido como a droga recreativa Ecstasy. Na época da audiência judicial em 1985, Doblin tinha reunido um grupo de profissionais para falar publicamente dos benefícios médicos da substância. George Greer, um psiquiatra do Novo México, disse ao juiz que ele havia orientado 79 pacientes através de sessões de terapia assistida por MDMA, e que todos eles relataram benefícios significativos sem reações adversas graves. Outro médico, Joseph Downing, relatou suas próprias experiências oferecendo terapia a pacientes sob a influência de MDMA, incluindo uma mulher que relatou que ela foi finalmente capaz de superar seu trauma de uma agressão sexual brutal somente após esse tratamento. O renomado psiquiatra de Harvard, Lester Grinspoon, instou o juiz a não proibir precipitadamente uma substância com potencial significativo para o tratamento das condições de saúde mental, o que efetivamente encerraria toda pesquisa médica, como acontecera anteriormente com o LSD.

DEA apresenta a corte evidencias de que o MDMA está sendo usado em festas. Para a agencia, uso recreacional e abusivo são a mesma coisa.

Foi uma exibição impressionante, mas os próprios defensores não tinham muita esperança em influenciar a opinião do juiz. “Nós não sabíamos que os juízes administrativos da DEA às vezes contradiziam o que a DEA queria – pensávamos que esta seria uma batalha que discutiríamos na mídia e atrasaríamos um pouco, mas no final nós perderíamos “, declarou Doblin.

O juiz Francis Young rejeitou os argumentos da DEA de que a MDMA era uma droga com alto potencial de abuso sem uso médico aceito e recomendou que fosse colocado no Anexo III dentro de um ano. Esse nível é reservado para substâncias com utilidade médica e um potencial de abuso baixo a moderado – drogas atuais nesse cronograma incluem quetamina, esteróides anabolizantes e Tylenol com codeína. “Quando o juiz disse que deveria ser o Anexo III, e que deveria permanecer disponível para os terapeutas, ficamos simplesmente chocados”, conta Doblin.

Difusor do LSD Timothy Leary celebra com Rick Doblin nos anos oitenta.

O juiz foi inequívoco ao concluir que a MDMA deveria ainda ser permitida como um dispositivo terapêutico. Ele discordou com a DEA de que uma substância deve ter aprovação da FDA para satisfazer os critérios de “uso médico aceito”. “A FDA regula o comércio de drogas, não a forma como os médicos fazem seus trabalhos”, escreveu Young. “Só se pode concluir que, no contexto da batalha sobre a maconha, a FDA perdeu temporariamente de vista a sua reconhecida falta de autoridade estatutária para regular a prática da medicina”. O juiz alertou sobre os perigos de combinar a aprovação da FDA com uso médico. Para fazer isso iria equiparar valor comercial com valor terapêutico, ignorando que alguns medicamentos úteis são por vezes não patenteáveis e não rentáveis.

O fato de uma “minoria respeitável” de médicos realmente usar MDMA em sua prática é suficiente para apoiar o “uso médico aceito”, escreveu Young. “Nenhuma evidência foi produzida de quaisquer casos onde MDMA foi usado em terapia com menos segurança do que a totalmente aceitável.”

A opinião do juiz era condenatória, mas não era o fim da história. Um juiz administrativo só tem o poder de recomendar um curso de ação – a última palavra cabe ao administrador. E o administrador da DEA, John Lawn, simplesmente incluiu o MDMA no Anexo I de qualquer maneira.

Isso levou a uma série de apelações dos advogados, e enquanto o tribunal de recurso tem o poder de obrigar a DEA, eles normalmente vão ordenar a administração de volta para a prancheta, em vez simplesmente falar o curso de ação a tomar. Assim, se o tribunal de apelações decidir que as razões da DEA para colocar MDMA no Anexo I são inválidas, a DEA pode simplesmente chegar a um novo conjunto de razões para chegar à mesma conclusão.

“As agências administrativas têm grandes oportunidades para atrasar e atrasar e atrasar, ao chegar com todos os tipos de coisas falsas, porque leva muito tempo para discuti-las nos tribunais”, diz Doblin. Se o atraso foi a estratégia, então funcionou. Embora o processo de apelações tenha resultado em que a MDMA fosse brevemente retirada do cronograma das substâncias controladas, a DEA a colocou de volta em menos de um mês depois, em fevereiro de 1988, decisão que se mantém até hoje.

Nesse ponto, os advogados voltaram sua energia para casos judiciais semelhantes envolvendo maconha, diz Doblin, em vez de apresentar um pedido de apelação. Ele já havia se separado do grupo devido a diferenças políticas – enquanto Doblin defendia publicamente a legalização completa da MDMA, muitos dos profissionais médicos do grupo preferiam a tática menos radical de pedir à DEA para manter o uso recreativo ilegal sem colocar restrições indevidas sobre o uso terapêutico e a pesquisa.

Nancy Reagan implora para a America “apenas dizer não” as drogas em 1987.

Trinta anos depois, o debate sobre os usos terapêuticos do MDMA, da maconha e de outras drogas proibidas foi revigorado graças a resultados promissores de pesquisa, uma perspectiva cultural em processo de mudança e ao trabalho árduo de defensores contra a fracassada Guerra Contra as Drogas. A organização de Doblin, MAPS, funciona como uma empresa farmacêutica sem fins lucrativos, financiando os longos e dispendiosos ensaios clínicos necessários para obter MDMA e maconha aprovados como medicamentos pela FDA.

A organização espera a aprovação para iniciar os ensaios de Fase III, a etapa final e mais árdua, até o final deste ano. Ensaios anteriores, que testaram a terapia assistida com MDMA para ansiedade e depressão em pacientes com câncer terminal e TEPT, mostraram resultados notavelmente positivos, com benefícios positivos duradouros após apenas uma ou duas sessões com o medicamento. Se os testes da Fase III forem tão bem, o uso de MDMA na psicoterapia poderia ser aprovado pela FDA até 2021, de acordo com a MAPS. Isso forçaria a mão da DEA, fazendo agência finalmente remover permanentemente a MDMA do restritivo Anexo I e reconhecendo seu uso médico aceito.

Para Doblin, já faz muito tempo, mas ele é sempre otimista. “Parece bom! Parece promissor! Está bem ao virar da esquina! “A verdadeira vergonha, diz ele, é que estamos 30 anos atrás de onde estaríamos se a DEA não tivesse imposto sua agenda proibicionista.

Doblin não acredita que a DEA tenha o interesse público e a segurança pública como motivações primárias para a proibição do MDMA. “Eu não acho que eles estavam realmente pensando que esta é uma droga terrivelmente perigosa. Acho que eles estavam pensando: esta é uma droga que causa alteração na consciência, as pessoas estão gostando, e isso fica no caminho da proibição de drogas. Não se tratava dos perigos terríveis do MDMA, e os danos cerebrais relacionados ao ecstasy foram vastamente exagerados, como podemos dizer agora, mais de 30 anos depois. Não há um monte de pessoas feridas com danos cerebrais.”

Há montanhas de evidências para apoiar a posição de que a Guerra Contra as Drogas falhou como política, e há até indícios de que, desde o início, ela foi projetada como um ataque contra inimigos políticos, e não os perigos do uso de drogas. Tome esta citação surpreendente de um assistente anterior de Nixon, como disse a um repórter de Harper em 1994:

“A campanha de Nixon, em 1968, e a Casa Branca de Nixon, depois disso, tinham dois inimigos: a esquerda e os negros contrários a guerra. Você entende o que estou dizendo? Sabíamos que não poderíamos tornar ilegal ser contra a guerra ou negro, mas ao fazer com que o público associasse os hippies com maconha e os negros com heroína e, em seguida, criminalizássemos ambos fortemente, poderíamos interromper essas comunidades. Poderíamos prender seus líderes, invadir suas casas, interromper suas reuniões e vilipendiá-los noite após noite no noticiário da noite. Sabíamos que estávamos mentindo sobre as drogas? Claro que sim.”

Dentro de trinta anos, Doblin prevê 35 mil clínicas de terapia psicodélica em todo o país, onde as pessoas possam ir para receber apoio, não só tomando MDMA, mas outras substâncias mentais e potencialmente benéficas como cogumelos mágicos e LSD. Ele ainda acredita que as drogas devem ser legais para uso recreativo, e imagina uma espécie de modelo de carteira de motorista no qual as pessoas primeiro consumiriam as drogas sob supervisão, e, com a aprovação de um profissional, receberiam permissão para comprar e levar para casa drogas para uso pessoal.
Esse é o mundo que Doblin acredita já estaríamos vivendo hoje, não fosse o apoio teimoso do governo dos EUA à proibição de drogas e à criminalização. “Nós não teríamos a crise maciça que temos agora, com 600.000 veteranos que recebem aposentadoria de invalidez da administração de TEPT para veteranos”, diz. “Seria dramaticamente, radicalmente diferente. E será radicalmente diferente daqui a 30 anos “.

https://www.inverse.com/article/19195-mdma-1980s-court-battle-psychiatrists-versus-dea

A Psiquiatria está pronta para o paradigma da cura psicodélica?

Como o uso de plantas de poder e psicodélicos podem ajudar a aliviar o sofrimento humano? Quais são as barreiras para as chamadas medicinas da floresta, como a Ayahuasca, se tornarem parte da Psiquiatria convencional? Como se projeta e conduz pesquisas sobre o uso terapêutico de tais plantas de uma maneira ética e significativa? Como irá aparentar o tratamento de transtornos mentais com estas plantas? Estas são algumas das perguntas básicas as quais eu vim lidando no decorrer dos últimos três anos, enquanto completava residência em Psiquiatria e tentava iniciar uma carreira na ciência psicodélica e sua forma de cura.

Neste breve texto, tentarei esboçar algumas respostas introdutórias para as perguntas acima, bem como discutir os desafios em integrar diferentes áreas do conhecimento com o modelo biológico atual da Psiquiatria. Eu acredito que a adoção de uma perspectiva multidimensional complexa do sofrimento humano e o aproveitamento delicado de maneiras diferentes de entender plantas psicodélicas são fatores-chave para o paradigma emergente de cura psicodélica.

 

 

Diferentes perspectivas sobre as Plantas Psicodélicas


Plantas psicoativas e fungos tem se relacionado com humanos por milhares de anos, tendo diferentes e vários papéis na sociedade, na cultura, religião e na medicina. Como resultado dessa complexa e histórica relação, existem inúmeras formas pelas quais podemos entender e falar sobre estas plantas.

A Ayahuasca como um exemplo, uma perspectiva indígena ou antropológica pode ver a bebida como não apenas sagrada, mas como uma “planta de espírito” ou “professora”, com a qual uma pessoa ou um xamã interage para produzir o efeito desejado. Essa compreensão contrasta totalmente com uma visão biomédica da Ayahuasca como uma coleção de alcaloides e outros compostos químicos, principalmente um agonista (quando uma substância química se liga em um receptor e o ativa) do receptor da serotonina 2A e um inibidor da MAO (monoamina oxidase), que alteram a conectividade da rede cerebral e a neuroplasticidade. Talvez entre essas visões existam as perspectivas psicológicas do chá como um “psicodélico”, capaz de provocar estados não-ordinários de consciência que podem trazer o insight psicológico e a mudança.

À medida em que o uso da Ayahuasca se torna mais difundido, existem várias outras maneiras de conceituá-la ou explicá-la. Perspectivas espirituais ou religiosas podem classificar o chá como “enteógeno” ou “sacramento”, capaz de catalisar profundas experiências espirituais ou místicas. Discursos mais recentes consideram a Ayahuasca como uma “ferramenta cognitiva”, ou “ferramenta evolutiva” que pode intensificar a criatividade e ajudar nossa espécie a evoluir ou viver mais harmoniosamente. Finalmente, a Ayahuasca e outras plantas psicodélicas são, muitas vezes, chamadas carinhosamente de medicinas da floresta por usuários da contemporaneidade que desejam destacar seus efeitos de cura profunda.

 

A Planta Medicinal na Era da Psiquiatria Biológica

Enquanto meu treinamento na psiquiatria enfatizou uma abordagem “biopsicossocial” para diagnóstico e tratamento, parece claro que o campo da psiquiatria como um todo tem, nas últimas décadas, priorizado a compreensão biológica do sofrimento mental. De acordo com este paradigma, doenças mentais como depressão e esquizofrenia, bem como dependências, são consideradas doenças cerebrais resultantes de circuitos neurais aberrantes e desequilíbrios químicos. Essa perspectiva visava servir a múltiplos propósitos: 1) ajudar a psiquiatria a tomar o seu lugar no meio de outras especialidades da medicina fundamentadas nas ciências biológicas; 2) desestigmatizar a doença mental e as dependências, retratando-os como doenças crônicas tratáveis, como diabetes ou algum tipo de doença cardíaca, e não como falhas morais ou resultantes de um caráter fraco; e 3) como o público crítico argumentaria, para ajudar a promover os produtos farmacêuticos como o principal meio de abordar a doença mental e aliviar o sofrimento cotidiano.

Embora não negue que este paradigma levou a avanços no nosso entendimento sobre certas doenças mentais e que pode ser utilizado como uma lente explicativa poderosa para certos pacientes, gostaria de salientar que uma compreensão estritamente biológica da doença mental é inconsistente com a minha compreensão sobre como plantas psicodélicas funcionam para trazer cura.
O paradigma biológico coloca a pessoa em situação de sofrimento como uma vítima relativamente impotente de um cérebro doente, obscurecendo as causas sociais, psicológicas e espirituais mais profundas do sofrimento e prescreve a adesão passiva à medicação como o modo primário de cura.

Em contraste, acredito que a experiência com plantas psicodélicas nos confronta poderosamente com a realidade que existimos como seres multidimensionais complexos, com mentes cerebrais, corpos, corações e espíritos, todos conectados uns aos outros e com nossos seres naturais e sociais. A partir dessa perspectiva, a fonte do sofrimento não é apenas do cérebro; o sofrimento pode surgir da doença em qualquer uma dessas camadas de existência e ser propagado através delas de formas complexas. Isso explicaria, por exemplo, como o stress social é internalizado como sintoma psicológico ou físicos.

O Desafio de Integrar o Conhecimento


A principal implicação de cunho terapêutico em ver o sofrimento mental nesta maneira multidimensional é que os tratamentos adequados devem agora ser capazes de intervir nas múltiplas camadas da existência. O principal argumento que eu gostaria de enfatizar é que esse tipo de cura multidimensional a) requer um engajamento ativo da pessoa em situação de sofrimento (bem como em psicoterapia), e b) pode ser alcançado através do uso de plantas psicodélicas medicinais utilizando as diferentes visões conceituais descritas acima. Assim, como pesquisador clínico e acadêmico, vejo o principal desafio do campo emergente da ciência psicodélica como sendo a integração de modos de conhecimento e abordagens para a cura que, anteriormente, se encontravam desconectados e conflitantes.

Dada a predominância dos quadros biológicos dentro da Psiquiatria acadêmica, desafios significativos relacionados a essa integração manifestam-se tanto ao transmitir tais ideias a colegas e agências financiadoras, quanto ao tentar traduzir essas ideias em ensaios clínicos e protocolos de tratamento. Como estudamos e utilizamos um medicamento com múltiplos ingredientes ativos que funciona de modo complexo, multidimensional e idiossincrática quando a ciência moderna é inerentemente reducionista, ao procurar moléculas únicas que têm mecanismos biológicos de ação específicos para explicar seus efeitos terapêuticos sobre os processos patológicos que podem ser vistos, reconhecidos e medidos? Como a ciência pode explicar a interação entre as propriedades físicas de uma medicina como a Ayahuasca e seus componentes metafísicos de cura que são complementares ao seu uso, como música, dieta, oração e outros aspectos do Xamanismo? Acredito que superar esses desafios de integração representa uma grande oportunidade para o campo da ciência psicodélica e, caso bem-sucedida, pode revolucionar a maneira como pensamos e tratamos a doença mental.

 

 

Integração de conhecimento: passado e presente


Felizmente, o processo de integrar diferentes tipos de conhecimento sobre as plantas psicodélicas já foi iniciado. Populações indígenas ao redor do mundo possuem séculos de conhecimento relacionados ao uso de plantas psicoativas para fins espirituais, religiosos e de cura. Relatos antropológicos e interdisciplinares e o engajamento direto entre cientistas, usuários ou praticantes dos rituais e povos indígenas (por exemplo, a Conferência Mundial de Ayahuasca) trazem as partes interessadas com diferentes perspectivas e tipos de conhecimento ao diálogo uns com os outros. No Ocidente, existem modelos “psicodélicos” e “psicolíticos” de uso de substâncias psicodélicas ao lado da psicoterapia para tratar transtornos de humor e dependência de substâncias que remontam aos anos 1950. Esses modelos serviram de base para ensaios clínicos recentes e podem ser modificados e atualizados à medida que se ganha mais conhecimento e que este vá sendo integrado.

A onda atual de pesquisa psicodélica tem sido caracterizada por trazer avançadas ferramentas científicas e métodos para suportar o estudo de substâncias psicodélicas, incluindo a neuroimagem e farmacologia molecular, bem como uma metodologia robusta de ensaio clínico utilizando o controle do placebo duplo-cego. Ao crédito destes investigadores, essa pesquisa não só trouxe novos entendimentos sobre como os psicodélicos afetam o cérebro, mas também começaram a elucidar como tais mudanças biológicas podem ser correlacionadas com a experiência psicológica e espiritual. Por exemplo, Robin Carhart-Harris demonstrou como as mudanças psicodélicas induzidas na conectividade cerebral se correlacionam com experiências específicas de tipo místico e subjetivo. Submetendo-se a tais experiências do tipo místico, tem se mostrado correlacionado com o benefício terapêutico em estudos recentes com psilocibina, o ingrediente ativo dos “cogumelos mágicos”.
O estudo de medicamentos complementares e alternativos seguiu uma trajetória similar. Nos últimos anos, estudos cada vez mais sofisticados começaram a esclarecer como práticas e modalidades que costumavam ser entendidas como espirituais ou energéticas, como meditação e acupuntura, têm efeitos biológicos e psicológicos que contribuem para seu potencial terapêutico.

Rumo à “Integração de Paradigmas Críticos”

Embora esses desenvolvimentos recentes sejam um bom sinal para o futuro da pesquisa e do tratamento com psicodélicos, eu gostaria de concluir argumentando para defender o foco sustentado entre pesquisadores e profissionais neste campo sobre integração do conhecimento, colaboração multidisciplinar e abordagens de tratamento multimodal – o que eu chamo de “integração de paradigmas críticos”.

Os atuais determinantes políticos, econômicos e filosóficos continuarão a puxar a pesquisa e o tratamento com psicodélicos em uma direção biológica. Portanto, é crítico neste tempo ressurgente para a ciência psicodélica que os pesquisadores visam integrar diferentes tipos de conhecimento e planejem protocolos de tratamento que refletem entendimentos multidimensionais complexos de como as plantas psicoativas produzem cura. Este último é crucial pois as diretrizes de tratamento são geralmente baseadas em evidências produzidas por ensaios clínicos. Assim, os modelos que nós construímos e estudamos agora estão aperfeiçoando como as plantas medicinais serão usadas na Medicina nas próximas décadas.

Vamos tratar plantas psicodélicas medicinais como qualquer outra classe de psicofármacos, tomados de modo passivo por pacientes enquanto o medicamento re-conecta com seus cérebros? Procuraremos criar formulações que minimizem seus “efeitos colaterais” psicoativos e somáticos ou purgativos, bem como foi feito com o uso psiquiátrico da ketamina? Ou esses tratamentos, de uma natureza radicalmente diferente, interagindo com nossos corpos-mente-cérebro-espírito de uma forma complexa que requer um engajamento ativo, não só durante o tempo de administração da droga, mas o antes e depois? Acredito que o entusiasmo popular por trás da cura psicodélica e os benefícios terapêuticos profundos e duradouros relatados até agora em ensaios clínicos argumentam para este último. Se a psiquiatria tradicional e as instituições sociais relacionadas irão abraçar este novo paradigma, isto ainda está para ser descoberto.

 

O autor gostaria de reconhecer as contribuições intelectuais de Jeffrey Guss M.D., Ryan Wallace M.D., e Alexander Belser M.Phil., No desenvolvimento das idéias apresentadas aqui.

FONTE


Agradecemos imensamente a tradução feita pela colaboradora Mirella Mochiutti.
Seja você também um colaborador, entre em contato:

equipemundocogumelo@gmail.com


BIBLIOGRAFIA

 

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Mescalina e seus Efeitos – Análise Completa da Substância

3,4,5-Trimethoxyphenethylaminegigasport-online cainsmooredonna fracominaoutlet fracominaabiti coralbluescarpe harmontblainescarpe akuscarpe gabsoutlet akutrekkingshop ovyescarpe relaxdaysstore donkeywinkekatze maisenzashop von-dutch lecopavillon  (commonly known as Mescaline) is a naturally-occurring psychedelic alkaloid of the phenethylamineclass that produces “classical psychedelic” effects (i.e. those of psilocybin mushroomsmescalineLSD, and DMT when administered.[1]

Mescaline occurs naturally in the peyote cactus (Lophophora williamsii),[2] and it is produced in a number of other cacti species such as the Echinopsis pachanoi (San Pedro cactus),[3] Echinopsis peruviana (Peruvian Torch) as well as the Cactaceae plant and the Fabaceaebean family.[4] It was first isolated and identified in 1897 by the German chemist Arthur Heffter[5] and first synthesized in 1919 by Ernst Späth.[6]

This particular substance is both an important part of and inspiration to Alexander Shulgin‘s life’s work as a psychedelic chemist and researcher. It is a member of the so-called “magical half-dozen” which refers to Shulgin’s self-rated most important phenethylamine compounds with psychedelic activity, all of which except mescaline he developed and synthesized himself. They are found within the first book of PiHKAL, and are as follows: Mescaline, DOM2C-B2C-E2C-T-2 and 2C-T-7.[7]

Unlike most highly prohibited substances, mescaline is not considered to be dependence-forming or addictive by the research and medical community.[8] Nevertheless, unpredictable adverse reactions such as anxietyparanoiadelusions and psychosis can still always occur, particularly among those predisposed to psychiatric disorders.[9] It is highly advised to approach this powerful, long-lasting hallucinogenicsubstance with the proper amount of precaution and harm reduction practices if using this substance.

History

The ritual use of the Peyote cactus has occurred for at least 5700 years by Native Americans in Mexico. Upon early contact, Europeans noted the use of Peyote in Native American religious ceremonies. Additionally, alternative mescaline-containing cacti such as the San Pedro have a long history of use in the South American continent, spanning from Peru to Ecuador.[10]

The principal psychoactive component in both Peyote and San Pedro, mescaline, was first isolated and identified in 1897 by the German chemist Arthur Heffter[11] and first synthesized in 1919 by Ernst Späth.[12]

In traditional peyote preparations, the top of the cactus is cut at ground level, leaving the large tap roots to grow new ‘heads’. These ‘heads’ are then dried to make disc-shaped buttons and the buttons are chewed to produce the effects or soaked in water to drink. In modern times, users will often grind it into a powder and pour it into gel capsules to avoid having to come into contact with the bitter taste of the cactus. The usual human dose is 200–400 milligrams of mescaline sulfate or 178–356 milligrams of mescaline hydrochloride.[13]The average 76 mm (3.0 in.) button contains about 25 mg mescaline.[14]

Intervenção abrangente em crises nas emergências psicodélicas

Autor: Stanislav Grof

No livro: GROF, S. LSD psychotherapy. California: Hunter House, 1980.

Tradução: Fernando Beserra

 

Tendo discutido os fatores que contribuem para o desenvolvimento de emergências em sessões não supervisionadas de LSD e descrito as práticas danosas que caracterizam muitas intervenções legais e profissionais, eu gostaria de delinear o que considero a abordagem ideal a crises psicodélicas, baseado no entendimento de suas dinâmicas. O que constitui uma emergência em uma sessão de LSD é altamente relativo e depende de uma variedade de fatores. Isso reflete em uma interação entre os próprios sentimentos do sujeito sobre a experiência, as opiniões e tolerância das pessoas presentes e o julgamento dos profissionais chamados para oferecer ajuda. Este último fator é de importância decisiva; ele depende do grau de entendimento do terapeuta quanto ao processo envolvido, sua experiência clínica com estados incomuns de consciência e sua liberdade de ansiedade. Na intervenção em uma crise psicodélica, como na prática psiquiátrica em geral, medidas drásticas frequentemente refletem o sentimento de medo e insegurança do cuidador, mas também a relação com o seu próprio inconsciente. A experiência da terapia com LSD e as novas psicoterapias experienciais claramente indicam que a exposição aos materiais emocionais profundos de outra pessoa tendem a quebrar as defesas psicológicas e ativar as áreas correspondentes no inconsciente da pessoa que cuida e testemunha o processo, ao menos que eles tenham se confrontado e trabalhado através destes níveis neles mesmos. Desde que as psicoterapias tradicionais são limitadas ao trabalho em material biográfico, mesmo um profissional com treinamento completo em análise é inadequadamente preparado para lidar com as experiências poderosas de natureza perinatal e transpessoal. A tendência prevalente a colocar todas estas experiências na categoria de esquizofrenia e suprimi-las a todo custo reflete não apenas a falta de entendimento, mas também uma autodefesa conveniente contra o material do seu próprio inconsciente.

Na medida em que aumentou a sofisticação e experiência clínica de terapeutas que trabalham com LSD, se tornou mais evidente que episódios negativos nas sessões psicodélicas não deveriam ser vistos como acidentes imprevisíveis, mas aspectos intrínsecos e legítimos do trabalho terapêutico com o material traumático inconsciente. Deste ponto de vista o termo coloquial “bummer” ou “bad trip” (viagem ruim) não faz sentido. Para um terapeuta que trabalha com LSD uma sessão psicodélica mal sucedida não é uma na qual o sujeito experimenta a ansiedade do pânico, tendências autodestrutivas, culpa abismal, perda de controle ou sensações de dificuldade física. Se propriamente manejadas, uma sessão dolorosa ou difícil com LSD pode trazer uma importante revelação terapêutica. Ela pode facilitar a resolução de problemas que atormentaram o sujeito de formas sutis por muitos anos e contaminaram sua vida cotidiana. Uma sessão mal sucedida, entretanto, é uma na qual, quando os sentimentos de dificuldade começam a emergir, o sujeito não se rende completamente ao processo e a Gestalt permanece não solucionada. Deste ponto de vista, todas as experiências psicodélicas nas quais o processo é frustrado pela administração de tranquilizantes e distrações externas como a transferência para um hospital psiquiátrico não são falhas por consequência da natureza do processo psicológico envolvido, mas porque o manejo da crise interferiu com uma resolução positiva.

Embora o LSD possa induzir experiências psicodélicas difíceis mesmo sob as melhores circunstâncias, seria um erro atribuir todas as “bad trips” a própria substância. O estado psicodélico é determinado por uma variedade de fatores não relacionados a substância; a incidência de sérias complicações depende criticamente da personalidade do sujeito e de elementos do set e do setting. Isso pode ser ilustrado comparando a incidência de complicações durante as experimentações iniciais supervisionadas com LSD e a cena psicodélica dos anos 60. Em 1960, Sidney Cohen publicou um artigo intitulado: LSD: efeitos colaterais e complicações. J. Nerv. Ment. Dis. 130::30, 1960. Ele estava baseado nos relatos de 44 profissionais que tinham administrado LSD e mescalina a aproximadamente 5 mil pessoas cerca de 25 mil vezes; o número de sessões por pessoa alternava entre uma e oitenta. No grupo de voluntários normais, a incidência de tentativas de suicídio após a sessão foi menor que um a cada mil casos e reações prolongadas durante mais que 48 horas foi de 0,8 por milhar. Este número foi um pouco mais alto quando pacientes psiquiátricos foram utilizados como sujeitos; em cada mil pacientes havia 1,2 tentativas de suicídio, 0,4 suicídios completos e 1,8 reações prolongadas durante mais que 48 horas. Em comparação com outros métodos de terapia psiquiátrica, portanto, o LSD apareceu como invulgarmente seguro, particularmente quando contrastado com outros procedimentos utilizados rotineiramente no tratamento psiquiátrico neste momento, como eletrochoques, comas insulínicos e psicocirurgia. Estas estatísticas contrastam bruscamente com a incidência de reações adversas e complicações associadas com experimentação não supervisionada. Durante a minha visita a clinica de Haight-Ashbury em São Francisco no final dos anos 60, eu fui informado pelo seu diretor David Smith que eles estavam tratando uma média de quinze bad trips por dia. Embora isso não necessariamente signifique que todos os clientes tiveram um efeito adverso duradouro de suas experiências psicodélicas, isso ilustra o tema em questão.

A experiência e sofisticação de psiquiatras e psicólogos em relação aos psicodélicos certamente não foi grande durante os anos iniciais e os settings estavam longe do ideal. Entretanto, as sessões reportadas no artigo do Dr. Cohen eram conduzidas em ambientes protegidos, em razoável supervisão e por indivíduos responsáveis. Em adição, estes que tinham experiências difíceis estavam em um lugar que era equipado para prover ajuda em caso de necessidade e eles não tinham que ser submetidos a ordem absurda de transferência a uma instalação psiquiátrica.

A crise psicodélica é causada por uma complicada interação de fatores internos e externos. O terapeuta tem que distinguir qual dos dois sets de influência é mais importante e proceder de acordo. O primeiro e mais importante passo no tratamento de uma crise psicodélica é criar um ambiente simples, seguro e de suporte físico e interpessoal para o sujeito. Em caso nos quais os fatores externos parecem produzir o papel principal, é importante remover o individuo de situações traumáticas ou mudar isso por uma intervenção ativa. Se a crise ocorrer em um local público, ele ou ela deve ser levado a um lugar quieto e isolado. Se o incidente ocorrer durante uma festa em uma residência privada, é importante simplificar a situação movendo o usuário a uma sala separada ou pedir aos convidados para ir embora. Poucos amigos próximos que parecerem sensíveis e maduros podem ser convidados a dar assistência no processo. Eles podem providenciar um suporte de grupo ou ajudar o sujeito a ativamente trabalhar através de problemas subjacentes durante o período de finalização da sessão. As técnicas de grupo envolvidas em sessões psicodélicas foram discutidas mais cedo neste livro.

Depois de criar um espaço seguro o próxima tarefa importante é estabelecer um bom contato com o sujeito. O relacionamento de confiança é provavelmente o pré-requisito mais significativo para o resultado positivo de uma sessão psicodélica em geral e para um manejo bem sucedido da crise em particular. Uma pessoa solicitada a intervir em uma crise desencadeada por LSD está em grande desvantagem se comparada a um terapeuta que trabalha com LSD, lidando com uma situação similar, no curso de um tratamento psicodélico, porque a sessão terapêutica é precedida de períodos de preparação sem o uso de substâncias no qual há tempo suficiente para estabelecer um bom contato e um relacionamento de confiança. Se uma situação difícil surge no curso de uma série com LSD, o cliente pode desenhar em sua memória de sessões prévias onde as experiências dolorosas foram trabalhadas com sucesso e integradas com a ajuda do terapeuta.

Em contraste, o profissional lidando com a crise fora do contexto terapêutico, caminha para dentro da situação de emergência como um estranho, usualmente sem nenhum contato prévio com o sujeito e outras pessoas envolvidas. Confiança e cooperação tem que ser estabelecidas em um tempo muito curto e muitas vezes em circunstâncias dramáticas. Estar livre de ansiedade, uma habilidade de permanecer centrado, empatia profunda e intimo conhecimento das dinâmicas dos estados psicodélicos são as únicas formas de gerar a confiança no âmbito destas circunstâncias.

É essencial transmitir um senso de proteção e segurança, enfatizando a natureza autolimitada da experiência com LSD. Não importa quão critica as condições pareçam ser, em muitos casos ela será resolvida espontaneamente de cinco a oito horas depois da ingestão da substância. Este limite de tempo deve ser claramente comunicado ao sujeito e outras pessoas presentes; até este tempo não há absolutamente razão para pânico ou preocupação, entretanto, manifestações emocionais e psicossomáticas podem ocorrer. Também é uma grande vantagem manter o sujeito em uma posição reclinada, mas isso deve ser atingido sem utilizar nenhuma força física e restrição aberta. Com pouca experiência, alguém pode desenvolver uma técnica na qual é possível efetivamente restringir o indivíduo usando um contexto de suporte e cooperação, mais do que de conflito.

Quando o contato adequado foi estabelecido, uma estrutura positiva deve ser oferecida para a experiência psicodélica difícil. É essencial apresentar ela como uma oportunidade de encarar e trabalhar através de certos aspectos traumáticos de inconsciente, mais do que um acidente trágico e infortunado. Uma pessoa dando assistência uma crise psicodélica deve fazer tentativas consistentes de internalizar a experiência do sujeito que usou LSD e encorajar ele ou ela a olhar os temas críticos envolvidos. O usuário de LSD deve ser encorajado a manter os seus olhos fechados e confrontar a experiência, independente qual ela seja. O terapeuta deve repetidamente comunicar ao sujeito que a forma mais rápida de sair do estado difícil é se rendendo a dor física e emocional, experiência ela completamente e procurando canais apropriados para expressá-la. O processo de se render pode ser facilitado grandemente pela música. Se um aparelho de som de boa qualidade estiver avaliável, e o sujeito aberto a isso, música deve ser introduzida na situação tão logo seja possível.

Quando um bom rapport for estabelecido, é possível oferecer assistência ativa usando contato físico reconfortante, elementos de grande esforço lúdico (playful struggle) e pressão ou massagem nas partes do corpo onde a energia parece estar bloqueada. Isso não deve ser feito se o laço de confiança é precário ou ausente; isso é absolutamente contraindicado se o sujeito estiver paranoico e inclui as pessoas presentes entre o seu ou a sua perseguidor(a). Em alguns casos simplesmente estar com o cliente e jogar com o tempo pode ser a única solução. Em tais circunstâncias, é essencial usar qualquer meio possível e recursos existentes para impedir que a pessoa que usou LSD machuque a si mesma ou a outros e cause sérios danos materiais. Enquanto seguir a regra básica, tentativas ocasionais devem ser feitas para estabelecer o rapport e ganhar a cooperação do individuo.

Se a Gestalt da experiência permanecer não concluída quando o efeito da droga está terminando, atividade psicológica ou física deve ser utilizada para facilitar a integração. Idealmente, o sujeito deve completar a sessão se sentindo confortável e relaxado, sem nenhum sintoma residual emocional ou psicossomático. As duas técnicas que se provaram uteis neste contexto – a abordagem abreativa e a hiperventilação de limpeza – foram discutidas mais cedo neste livro (p. 156-7, 159-60). Depois que o sujeito encontrar um estado psicológico e físico confortável, é importante criar uma atmosfera segura e nutridora pelo resto do dia e noite. Idealmente, uma pessoa que passou por uma crise psicodélica não deve ser deixada sozinha, por ao menos 24 horas depois da ingestão da droga. Depois deste tempo, o terapeuta deve ver o cliente novamente, reavaliar a situação e, dependendo da condição da pessoa, escolher uma estratégia futura. Em muitos casos nenhuma disposição adicional é necessária, se a crise foi tratada adequadamente. É útil discutir a experiência com LSD em detalhe e facilitar a sua integração na vida cotidiana do paciente. Se reclamações emocionais ou psicossomáticas significativas apareceram como resultado da experiência com LSD, devem ser tomadas providências para uma terapia de descoberta e trabalho corporal. Uma seleção individualizada de técnicas de meditação, práticas de Gestalt, abordagem neo-reichiana, imaginação guiada com música, respiração controlada, massagem de polaridade ou rolfing devem ser oferecidas ao cliente.

Onde a condição clínica permanecer precária apesar de todo o trabalho de desvelamento, este tratamento deve ser continuado em uma internação. Se todas as abordagens acima se provarem inefetivas, a integração pode ser facilitada por meios químicos. Idealmente, uma sessão de psicodélica supervisionada deve ser agendada depois da preparação adequada. Esta abordagem pode parecer paradoxal ao profissional de saúde mental médio, desde que ela envolve a administração da mesma droga ou categoria de drogas que aparentemente trouxe ao cliente o problema em primeiro lugar. No entanto, o uso judicioso de psicodélicos nestas circunstâncias é o tratamento preferencial. A experiência clínica mostrou que é extremamente difícil restaurar as defesas pelo uso de técnicas de cobertura como os tranquilizantes, uma vez que o inconsciente foi aberto por uma poderosa substância psicodélica. É muito mais fácil continuar a estratégia de desvelamento e facilitar a completar a Gestalt não finalizada.

Psilocibina, metilenodioxianfetamina (MDA), tetrahidrocanabinol (THC), e dipropiltriptamina (DPT) são alternativas viáveis ao LSD. Eles têm os mesmos efeitos gerais e são menos contaminados por má publicidade. MDA e o THC parecem ser particularmente úteis neste contexto, por causa de seus efeitos suaves e afinidade seletiva a sistemas positivamente governados no inconsciente. Trabalho psicológico efetivo com estas substâncias envolve menos dor emocional e psicossomática do que quando o LSD é utilizado.

Como os psicodélicos acima não estão prontamente avaliáveis, e obter permissão para usá-los envolve procedimentos administrativos tediosos, uma sessão com Ritalina (100-200mg) ou Ketalar (100-150mg) pode ser uma abordagem factível. Tranquilizantes não devem ser usados em nenhuma condição relacionada ao uso de psicodélicos até que todas as abordagens de desvelamento acima tenham sido tentadas e falharam.

Abordagens poderosas sem drogas também pode ser usadas no lugar de tranquilizantes em todos os casos nos quais a experiência com LSD pobremente resolvida resultou em condições psicóticas de longo prazo e hospitalizações psiquiátricas durando meses ou anos. Se estes não produzem melhora clínica suficiente, terapia psicodélica, usando as substâncias mencionadas acima, é a próxima escolha lógica. Ketalar, uma droga que é legalmente avaliável e foi usada no contexto médico para anestesia geral pode se provar promissora nestes casos desesperados.

Eu gostaria de concluir esta discussão da intervenção em crise psicodélica com a descrição da situação mais dramática deste tipo que eu encontrei na minha carreira profissional.

No meu terceiro ano em Big Sur, Califórnia, eu fui acordado às 4:30 em uma manhã por uma ligação telefônica. Era o guarda noturno do próximo Instituto Esalen pedindo ajuda. Um casal de jovens chamado Peter e Laura, que estavam viajando pela costa, estacionaram o seu trailer VW na rota costeira 1 nas proximidades do Instituto Esalen e decidiram tomar LSD juntos. Eles saíram da cama no trailer e, pouco depois da meia noite, ingeriram a droga. A experiência de Laura foi relativamente suave, mas Peter progressivamente desenvolveu um agudo estado psicótico. Ele se tornou paranoico e violento e depois de um período de agressão verbal ele começou a jogar coisas em volta e demolir o carro. Neste ponto, Laura entrou em pânico, trancou ele no trailer e buscou ajuda em Esalen. Ele apareceu na guarita completamente nua, segurando as chaves do carro em suas mãos. O guarda noturno conhecia sobre meu trabalho prévio com psicodélicos e decidiu me ligar; ele também acordou o Rick Tarnas, um psicólogo residente que fez a sua dissertação sobre drogas psicodélicas.

Enquanto o guarda estava cuidando da Laura, que se acalmou e teve uma experiência prazerosa e não complicada com LSD, Rick e eu andamos para o trailer. Na medida em que nos aproximamos do carro nós ouvimos os altos barulhos e gritos; quando chegamos mais perto, percebemos que várias das janelas estavam quebradas. Nós destrancamos o carro, abrimos a porta e começamos a conversar com Peter. Apresentamo-nos e falamos para ele que tínhamos considerável experiência com estados psicodélicos e viemos para ajuda-lo. Eu timidamente enfiei a minha cabeça dentro da porta e olhei para o campista; uma garrafa de meio litro não acertou a minha cabeça por 10 centímetros e caiu no painel. Eu repeti isso varias vezes e mais dois objetos vieram voando em minha direção. Quando sentimos que Peter não tinha mais nada para jogar, nos rapidamente nos movemos na direção do campista e deitamos na cama dobrável, em cada lado dele.

Nós continuamos a conversar com o Peter, assegurando a ele que tudo estaria bem em uma hora ou duas; sabendo que ele e sua namorada tinham tomado LSD depois da meia noite, nós podemos dar ele um prazo de tempo definido. Tornou-se óbvio que ele estava em um estado paranoico e nos viu como agentes hostis do FBI que vieram para busca-lo. Nós seguramos os seus braços de uma forma confortável e tranquilizadora, mudando isso em um aperto firme quando ele buscava escapar, mas evitando um real antagonismo físico e luta. O tempo todo, nos mantemos conversando sobre como nós tivemos experiências difíceis e como elas foram, retrospectivamente, úteis. Esta condição oscilou por cerca de uma hora entre desconfiança com impulsos agressivos carregados de ansiedade e episódios de alívio quando era possível se conectar com ele.

Na medida em que o tempo passava e o efeito do LSD se tornava menos intenso, Peter vagarosamente começou a desenvolver confiança. Ele estava cada vez mais disposto a manter seus olhos fechados e encarar a experiência e nos estávamos mesmo aptos a começar a trabalhar, cuidadosamente, nas partes bloqueadas do seu corpo, encorajando a plena expressão emocional. Às sete horas todos os elementos negativos tinham desaparecido por completo da experiência com LSD do Peter. Ele se sentia purificado e renascido e estava verdadeiramente aproveitando o novo dia. Sua hostilidade prévia se tornou em uma gratidão profunda e ele se manteve repetindo o quando ele apreciou a intervenção.

Aproximadamente às sete e meia Laura apareceu no trailer e se juntou a nos; ela estava em uma ótima condição, mas estava naturalmente preocupada sobre Peter. Rick e eu ajudamos a dissipar as consequências negativas dos eventos dramáticos da noite e facilitamos a reunião deles. Nós os aconselhamos fortemente contra dirigir naquele dia. Eles gastaram o dia de lazer no oceano Pacífico e no próximo dia continuaram a sua jornada ao sul. Eles estavam em um bom animo, embora estivessem um pouco preocupados sobre a conta de reparo de seu trailer danificado.

O Apocalipse Psicotecnológico: Evolução Segundo a Psilocibina

A História humana é um período caótico de transição metamórfica. É um portal no qual entramos macacos e sairemos alguma outra coisa impossível de ser prevista.

O que hoje chamamos de “tecnologia” não é simplesmente uma escolha histórico-evolucionária e nem mesmo uma produção do homem, é simplesmente parte de um processo de transformação pelo qual estamos passando e nem sequer temos controle. Apenas pensamos que temos. Somos primatas numa montanha-russa cujas dimensões e direções estão fora do nosso campo de visão. Mas gostamos de brincar de sermos os maquinistas dessa coisa.

Com a tecnosfera em estado avançado de desenvolvimento, tendemos a pensar na tecnologia em termos de sistemas e máquinas avançadas, mas é importante lembrar que, o que quer que seja “isso”, é parte de nós no mínimo desde que construímos as primeiras ferramentas de pedra lascada para caçar, na pré-história. Dissolvendo por um momento nossas atuais concepções históricas e culturais, vemos que esse é o próprio processo que caracteriza nossa espécie; é o que permite nos vermos com orgulho como diferentes dos demais primatas. Não é algo que estamos “fazendo”, é algo que estamos passando, e que nos modifica em um ritmo cada vez mais acelerado.

Na medida em que avança, esse processo também acelera, pois cada avanço destranca um novo campo de potencialidade que antes não poderia ser vislumbrado. É um processo análogo ao da evolução biológica, já que a vida se desenvolve num regime de complexificação orgânica exponencial, como representado em símbolos mitológicos como a “árvore da vida”.

Num sobrevoo mais distanciado da nossa realidade cotidiana, vemos que não trata apenas de um processo análogo, mas de fato do mesmo processo. Não existe uma separação realmente rígida entre evolução tecnológica e evolução biológica, ambos podem ser vistos como estágios diferentes do mesmo movimento evolutivo. Aquilo que fez organismos unicelulares se agregarem para formar organismos complexos, iniciando a evolução da vida no planeta, agora invade o âmbito da evolução epigenética através da cultura e da tecnologia humanas, anunciando a emergência de uma nova dimensão evolucionária na Terra.

Mas isso é apenas a continuação avançada do que sempre ocorreu. À medida em que esse processo se complexifica em miríades de ramificações, cada novo salto carrega um potencial maior de transformação e acontece em um intervalo de tempo menor que o anterior, rumo a uma concrescência onde o desenvolvimento tecnológico, que é atual fio de navalha do processo, se dará de forma automática e instantânea. Nesse ponto, é como se a tecnologia assumisse as rédeas do seu próprio desenvolvimento – como o nascimento de uma nova criatura completamente imprevisível e fora dos domínios de controle humano. O mito futurista da máquina que adquire vida própria ganha aqui um fundamento lógico. E a explosão das atividades epigenéticas nos últimos 50 mil anos (que representam nada mais que o último segundo da nossa história evolutiva) é um sintoma de estamos nos aproximando disso.

O que geralmente não é levado em conta nesse tipo de história à la ficção científica é a verdadeira implicação disso na natureza da realidade humana. Considerando que a nossa percepção do tempo é um produto da exposição e processamento de informações pelo cérebro, isso significa que, nesse ponto de infinitas transformações instantâneas, em nossa percepção subjetiva, o que se passa no atual microssegundo de existência será, no próximo, tão antigo quanto a idade da pedra é hoje para nós, e o próximo será tão novo e transformador que nem sequer poderíamos imaginá-lo antes, assim como um primata em evolução nunca poderia imaginar a invenção da internet.

O passado não mais nos preparara para o futuro em nenhum nível, pois mesmo nosso futuro mais imediato é inteiramente desconhecido e imprevisível. Não há mais “farol” para iluminar o caminho à frente. Em outras palavras: Nossas faculdades cognitivas normais entram em colapso.

O tempo é a nossa rota de colisão e fusão com essa estranha entidade psicotecnológica que mantivemos contato ao longo da história. Não apenas nós estamos nos tornando máquinas, mas do ponto de vista das máquinas, elas estão se tornando nós. É um processo simbiótico que dará origem a uma criatura transhumana totalmente diferente de qualquer coisa possível de ser imaginada.

Cogumelos mágicos na minha psicoterapia: um mergulho no sagrado

Por: Fernando Beserra

É um grande prazer fazer a minha estreia como colunista aqui no Mundo Cogumelo. Me lembro que o site já era uma referência para mim quando comecei a escrever em um antigo blog: o Enteogenico, em 2009. Segui escrevendo a coluna Portas da Percepção, no Hempadão, a partir de 2010, durante quase 10 anos. E de lá para cá, o movimento psicodélico brasileiro amadureceu e os conhecimentos se tornarem mais amplos e acessíveis. Para que me conheçam um pouco: sou psicólogo, um dos membros fundadores da Associação Psicodélica do Brasil (APB) e atualmente faço meu doutorado em psicologia clínica (PUC-SP) sobre o suporte psicológico às crises induzidas por psicodélicos.

Neste primeiro texto, aqui no mundo cogumelo, vou escrever um pouco sobre uma experiência que tive com cogumelos mágicos em contexto terapêutico, no qual fiquei, durante um pouco mais de seis horas, acompanhado por uma psicóloga e um psicólogo. Estudo o tema da psicoterapia aliada ao uso de psicodélicos há muitos anos, já tendo realizado grupos de estudo e dado cursos sobre o tema. Parte deste processo, no que tange seu viés coletivo, em especial sobre a integração da experiência psicodélica, foi consolidado em um projeto coletivo no TRIP (Terapeutas em Rede pela Integração Psicodélica), um projeto da Associação Psicodélica do Brasil (https://associacaopsicodelica.org/trip/), que teve o Sandro Rodrigues como idealizador/organizador. Mas como não há regulamentação, não é possível realizar a terapia psicodélica de forma oficial. Por esta razão, no melhor dos casos, posso informar profissionais de saúde que utilizarei meus cogumelos, por meu próprio desejo, e eles podem utilizar um manejo, por meio da uma compreensão de redução de danos e da ética profissional, isto é, não negarem o atendimento. Além, é claro, de depois de qualquer experiência pessoal com psicodélicos, também poderem contribuir com a integração da experiência, caso sejam profissionais capacitados e não sejam preconceituosos.

A experiência narrada foi realizada em 2020. Há algum tempo estava usando apenas microdosagem e/ou minidosagem, tendo feito, inclusive, o protocolo do James Fadiman no primeiro caso. Tal uso cuidadoso se deveu a uma mudança no padrão de uso, desde que tive um quadro de ansiedade no final de 2018, quando me encontrava absolutamente absorvido por uma quantidade de trabalhos e responsabilidades sobre-humanas. Desde então, retornei a psicoterapia e utilizei durante alguns meses um antidepressivo inibidor seletivo de recaptação de serotonina (ISRS), além de manter um uso de ansiolítico em SOS, que logo abandonei. Quando abandonei o antidepressivo, após alguns meses de uso, conforme preconizado e prescrito, iniciei o protocolo de microdosagem de LSD, testados com o reagente de Ehrlich, o que acredito que tenha ajudado a realizar um desmame mais tranquilo do antidepressivo, em especial devido aos efeitos serotoninérgicos (e, quem sabe, à neurogênese) relacionados aos efeitos dos psicodélicos indois.

O uso dos cogumelos não me era desconhecido, embora nunca tenha feito uso regular deles. Desta forma, optei por uma dose de 3g de Psilocybe cubensis desidratados, de uma fonte que sabia que conseguiria cogumelos com um efeito bastante potente. Além disso, sempre estive bastante ciente, pelos usos que já realizei de substâncias psicodélicas, que o fator set-setting-matrix por vezes é mais potente do que um olhar reducionista e quimicocêntrico da dose. Não compactuo da visão, para mim uma bobagem, de achar que a dose forte ou heroica é 5, 7 ou 10g, sem considerar o sujeito e o ambiente de uso. Entre o padrão/genérico e o concreto, podem ocorrer grandes abismos, por razões que não pretendo aprofundar aqui.

Além disso, a escolha pelos cogumelos com psilocibina/psilocina parecia ser uma escolha adequada, já que estudos (GROB et al., 2011; GRIFFITHS et al, 2016; ROSS et al, 2016) demonstram a sua importância para redução de ansiedade, mesmo que em um contexto diferente do meu (nestes estudos a ansiedade teve melhoras, mas os estudos focaram na ansiedade em pacientes com doenças terminais). Na verdade, os cogumelos com psilocibina parecem ter usos terapêuticos em diferentes campos da saúde mental, como discuto neste texto (https://www.cartacapital.com.br/blogs/hempadao/cogumelos-e-saude-mental/).

Durante todo o último período de psicoterapia fui aprendendo diversas formas de manejo da minha ansiedade, assim como mergulhando em minha sombra, nas questões que surgiram do meu si-mesmo e de outros arquétipos e complexos constelados. Tomando consciência, aos poucos, dos meus demônios e potenciais latentes. Mas a questão da ansiedade permanecia lá. Mesmo com ou sem o antidepressivo. Mesmo após tanto tempo de análise e mesmo sem crises que me deixassem atordoado e com a sensação de morte, lá estava ela. E por vezes me incomodava muito. Na verdade, ainda incomoda. E, bem, me parecia que em algum momento seria bom buscar não apenas mecanismos para lidar e fazer ela diminuir, mas olhar ela de frente. Encontrar a sua raiz ou a sua finalidade. Para que ela precisava se postar ali? E por que, afinal, eu não tinha encontrado uma forma de integrar aquilo que fazia o sintoma surgir… Como ir além da razão, do racional e olhar a ansiedade de frente? Sonhos e imaginação ativa certamente eram formas que eu já utilizara. Mas, ainda assim, sentia que não tinha entrado realmente neste espaço e que era necessário ir além. Além da busca de superar a ansiedade e de cura, havia ainda uma busca, paradoxal, de viver o que tivesse que ser vivido durante a experiência psicodélica, de forma a não me fechar em uma expectativa que pudesse dificultar o mergulho no inconsciente. É importante escrever, sobre este tópico, que como psicólogo junguiano, tenho a compreensão de que a relação entre consciente e inconsciente seja marcada pela compensação.

Na psicologia analítica entende-se que, ao longo do processo de vida de uma pessoa, seu crescimento e desenvolvimento, o uso contínuo de determinadas funções psicológicas (pensamento-sentimento-sensação-intuição) levam a unilateralidade da consciência, a padrões de conduta que excluem uma parcela dos conteúdos e pulsões humanas ao inconsciente, seja por uma via de repressão ou pela pouca atenção disponibilizada para estes. A unilateralidade, aponta Jung (1958/2006, par 138): “é uma característica inevitável, porque necessária, do processo dirigido, pois direção implica unilateralidade. A unilateralidade é, ao mesmo tempo, uma vantagem e um inconveniente”. Dito de outro modo, se eu ficar focado demais em uma leitura racional/conceitual do mundo, provavelmente vou deixar de observar, continuamente e cada vez mais, certas dimensões afetivas ou avaliativas sobre o mesmo mundo/fenômeno que eu me relacionava/observava. O direcionamento da consciência é compensado ou complementado pelo inconsciente, tencionando a produção de símbolos. A posição da pessoa diante do inconsciente e da emergência de imagens carregadas de afetos, até então negados ou não reconhecidos, é fundamental para o desenvolvimento deste processo. O apoio do terapeuta adequadamente treinado também seria determinante para ajudar o paciente a efetivar a reunião de consciente e inconsciente e para chegar a uma nova atitude (JUNG, 1958/2006).

Após escrever um pouco sobre o set, isto é, sobre as minhas expectativas, mas que também envolvem a minha psique como um todo, é preciso escrever sobre o setting.

O uso dos cogumelos foi equivocadamente feito antes de chegar no espaço que seria realizado o uso, em um consultório. Quando entrei no carro para seguir com o um dos terapeutas para o consultório, resolvi tomar as 10 capsulas de 300mg de cogumelos mágicos. Por sorte não tivemos trânsito e chegamos no consultório cerca de 15 minutos depois. O efeito demorou menos de 20 minutos para começar e já começou bastante forte. Quando chegamos no consultório não houve muito tempo para preparar o som e o que fosse necessário para a viagem. Deu tempo, mas foi tudo por pouco. Pensei em outras viagens que o tempo para fazer efeito demorou bem mais, cerca de 30 a 40 minutos.

M.A.P.S.

Um dos pontos centrais era a escolha do setting musical. Para tal manifestação da mente, foram escolhidas as músicas que a Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies (MAPS) utiliza em psicoterapia aliada ao uso de MDMA. As músicas foram muito boas e importantes durante a viagem, mas em alguns momentos é como se estivessem “fora de tempo”, em especial no final da sessão, pensando nos momentos da terapia psicodélica desde o período da latência, passando pelo platô até a descida do efeito. Ex: músicas muito tensas ou aceleradas, que podem ser propícias para o momento do platô, podem ser pouco adequadas no momento que se espera uma saída da viagem, mais tranquila, que seria o fechamento daquela experiência.

Cabe destacar que eu me mantive com uma espécie de venda nos olhos (na verdade um tecido) durante a experiência e fiquei, boa parte dela, deitado em um sofá, enquanto escutava a música.

Genericamente, a experiência se desenvolveu em cenas. A cada música eu entrava em um território, em uma narrativa. Afetivamente foi tudo muito impactante. Eu coloquei as músicas em uma caixa bluetooth e acabei preferindo ficar sem fones de ouvido. Algumas destas narrativas, que vinham com a música, eram mais assustadoras, outras mais agradáveis. Em tempo, quando abria o olho (imagino que tenha ficado cerca de 2 horas sem abri-los), tudo se movia a todo tempo. Via as energias seguindo meus movimentos e o chão se conectando [cada fragmento] e movendo. Também pareciam padrões (o chão).

Um primeiro impacto foi pensar o quão autorizado eu estaria para falar o que eu vivia, para expressar as imagens do mistério/sagrado para os terapeutas. E o quão autorizados estávamos para realizar aquela terapia/cerimônia. Então eu percebi que eu não estava em uma sala de consultório, mas que eu estava, paradoxalmente, em um templo sagrado. O consultório deveria ser um templo para poder receber as experiências psicodélicas. Se não fosse assim, não havia autorização para conduzir a experiência. Essa mensagem foi sentida como um aprendizado, tanto na experiência, quanto após a mesma.

A psilocibina já é conhecida – no contexto da ciência – em catalisar experiências religiosas desde a pesquisa de doutorado do psiquiatra Walter Pahnke, orientada pelo psicólogo Timothy Leary em 1962, quando Pahnke forneceu psilocibina a um grupo experimental no Good Friday Experiment. No retorno das pesquisas com psicodélicos, uma nova experiência de campo foi realizada, desta vez por Roland Griffiths, Johnson e Maclean, que observaram que a experiência com psilocibina produz uma mudança de personalidade nos usuários. Os pesquisadores já sabiam que, de acordo com as pesquisas de Metzner em 1963 e McGlothlin e Arnold, de 1971, que administrada em condições de suporte, 50 a 80% dos participantes reivindicavam mudanças benéficas na personalidade, valores, atitudes e comportamentos.

Para Griffiths e outros (2011) a experiência positiva da psilocibina, para um impacto de longo termo, depende da profundidade dos insights e de experiências “tipo-místicas”, como as descritas por Pahnke em sua experiência do Good Friday Experiment. Os temas centrais da experiência mística, como definida por Stace e Hood são: sentimentos de unidade e interconexão com todas as pessoas e coisas, um senso de sagrado, sentimentos de paz e alegria, sensação de transcender o tempo e o espaço normais, inefabilidade, e uma crença intuitiva de que a experiência é a fonte de verdade objetiva sobre a natureza da realidade.

Então toda aquela psicoterapia precisava dialogar com o sagrado. Parece que precisaria ocorrer uma conexão entre a ciência e os saberes tradicionais. Não é que eu ou os psicólogos precisassem ser xamãs, mas é como se tivéssemos que estar conectados com aquele saber ancestral.

Até duas horas após o início do efeito (10:30 às 13h aprox. – primeira vez que vi a hora) certamente foram as viagens mais fortes. Foi curioso (e falei muitas vezes essa palavra, sem saber me expressar melhor), que no início da experiência é como se eu já tivesse recebido todas as informações que eu buscava. Vinham insights como mensagens de autoridade [que eu tentava expressar] e eu falava, mas muito baixo, e para os terapeutas parecia mesmo que eu estava falando comigo mesmo, o que era verdade, mas ao mesmo tempo eu tentava narrar – sem sucesso – o que estava acontecendo. E meus braços dançavam no ar, em uma busca de manter aquela conexão viva e alinhada.

Uma mensagem em particular que foi muito forte e que eu recebi foi que o segredo era me aceitar, inclusive com a minha ansiedade. Isso foi muito impactante e impressionante, quer dizer, a ansiedade compreendida como algo que me constituía e que eu deveria aceitar, olhar com carinho. Não é nada simples, mas posso dizer que esse posicionamento fez com que eu lidasse melhor com ela e evitasse o uso de medicações.

Uma imagem muito forte foi a de uma cobra. Me recordo de mais de uma vez ver os olhos da cobra, uma cobra ameríndia. Quando eu a via, eu percebia que estava entrando novamente na experiência, entrando no mundo dela. No mundo ameríndio e tradicional. A serpente era uma espécie de guardiã do espaço sagrado. Embora seus olhos fossem amedrontadores, era uma guardiã do mundo transcendental, que permitia ver além dos olhos. Depois cheguei a me lembrar, no tocante a serpente/cobra, das pinturas de Alexandre Segrégio (https://alexandreluiz.art.br/galeria/#visionario). Ao lado, um desenho que iniciei depois, buscando me aproximar da imagem.

A entrada era uma imersão no inconsciente coletivo e na autonomia de suas imagens arquetípicas e míticas, que me traziam fortes afetos. Era como se, ao mesmo tempo, tudo estivesse conectado a minha vida pessoal, mas aquelas imagens e cenas expressassem algo muito além de mim.

Em um momento senti como se estivesse passando por uma experiência de nascimento de um terapeuta, como se não contasse, de alguma forma, os anos anteriores como psicoterapeuta e eu estivesse ali passando por uma espécie de ritual de nascimento. Não senti propriamente uma morte. Tampouco me vi nascendo, mas senti essa energia e pensamentos (como se não fossem meus, mas da experiência, desta voz) que eu estava ali nascendo como terapeuta. Eu estava no alto, em um vácuo, para renascer, mas as imagens passavam rápido. Parte me parecia vago, como se eu tentasse/precisasse entender, e parte parecia claro que se tratava deste processo.

É importante recordar aqui do set que mencionei no início do texto. As expectativas que modulam a experiência psicodélica, as imagens arquetípicas que são nela constelados, dependem não apenas das expectativas conscientes, mas igualmente das inconscientes. Era óbvio que, como aquela era a minha segunda experiência psicodélica em contexto terapêutico, eu tivesse uma grande pré-ocupação com a minha formação enquanto profissional e terapeuta. E, aparentemente, este tema periférico se tornou central durante este mergulho psíquico. O processo de morte e renascimento, ou mesmo de nascimento simbólico, são temas arquetípicos, tratados nas mais diversas culturas, mitologias e religiões. Entre os Fang no Congo e no Gabão, por exemplo, ao utilizarem a Tabernantha iboga, psicodélico que contém ibogaina, falam da ocorrência de uma “pequena morte”, por meio da qual a pessoa se reúne aos seus ancestrais que são acompanhados ao reino dos vivos, trazendo generosidade (DE RIOS, 2005).

Em processos de transformação há a importância de um espaço de suporte e fechamento, denominado na alquimia de vas herméticum. Esse vaso alquímico, hermeticamente fechado, facilita a imersão nas chamas dos afetos e do inconsciente. A imersão, por vezes, é sentida como provocando um aniquilamento do eu, para um novo renascimento. No meu caso, não senti esta morte do eu. Mas senti este nascimento como algo muito importante para o meu desenvolvimento enquanto ser humano e enquanto psicoterapeuta. O vaso alquímico, no contexto psicoterapêutico, pode ser comparado ao espaço seguro – no qual o sigilo é resguardado – no qual ocorre a transformação.

Chegando no momento da saída do platô da experiência psicodélica, posso dizer que eu me sentia mais cansado e com medo. Havia um medo sub-reptício do quanto eu suportaria daquela intensidade. E o medo de não voltar já começava a aparecer à consciência… Então eu lembro de ver muito impactado um portão (com duas portas) vermelho, no meio do mar, que dava acesso ao Self e eu não tive coragem de seguir, porque é como se, caso eu abrisse aquela porta, a experiência se tornaria muito mais louca e impactante e também poderia ter muito menos a presença do Eu. Me assustei com isso, com o medo da loucura, e não abri a porta. Senti depois que isso pode ter impactado negativamente a minha experiência (não abrir). Por outro lado, que eu poderia não estar pronto para aquele encontro em particular, pois, por vezes, uma epifania pode cegar ou até matar (amplificação).

Qualquer processo de transformação pode aumentar a ansiedade e o medo, pois é da própria mudança da identidade que está em jogo. Stanislav Grof (1980) expõe que é importante encorajar a pessoa a uma completa rendição experiencial sem controlar ou bloquear o processo em decorrência de reservas ou incertezas cognitivas (GROF, 1987). Neste momento, entretanto, parecia muito difícil, mesmo que me sentisse cuidado, ir além. Parte da experiência posterior com as imagens, foi já de um cansaço mental. Eu via fluxos e não conseguia lembrar depois deles ou acompanhá-los plenamente. Mantive a consciência, mas sinto que neste momento já havia algum rebaixamento de consciência. Só conseguia seguir os fluxos, que também já eram mais brandos (por outro lado).

Várias conversas foram travadas com os terapeutas na medida em que eu ia voltando, e as vezes sentia a necessidade de parar um pouco de conversar, porque era muito cansativo. E eu voltava a deitar e fechar os olhos. Mas se não entrava na experiência, também era cansativo. Na compreensão de Grof (1980), em LSD Psychotherapy, o melhor procedimento teria sido estimular o meu retorno a experiência, mesmo que por meio da hiperventilação. Mesmo que a terapia não tenha sido conduzida desta forma, é importante recordarmos que o suporte a experiências psicodélicas ainda é um campo experimental e muito importante ser desenvolvido. Grande parte das pesquisas contemporâneas enfatiza muito mais os resultados quantitativos e dá pouca atenção a parte qualitativa e dos manejos das sessões com psicodélicos em psicoterapia.

Retorno. Neste final, no momento de descida da experiência, eu ia a um pátio algumas vezes e foi bom, porque pude ver o céu e me sentir bem. Mas posso dizer que meu sentimento ficou muito instável. Me sentia bem, me sentia mal, me sentia com medo, me sentia como um guerreiro, seguro, me sentia desconectado, me sentia de muitas formas. Certamente este foi o momento mais difícil de toda a sessão. Em alguns momentos eu dancei (pouco tempo), com os efeitos mais fortes (foi agradável) e depois tive momentos que tive vontade de dançar, cheguei a querer dançar com os terapeutas, que eles dançassem também, mas me senti afastado. Senti que era uma necessidade minha e não deles. Mas isso fez com que eu sentisse estranho (na segunda vez, que a experiência era menos intensa) e senti que o eu estava inibindo aquele processo. A consciência racional que retornava acabava bloqueando parte daquela experiencia de entrega necessária. Senti como se fosse estranho eu estar dançando no meio do consultório sozinho. Cheguei a desenhar, mas tudo que eu fazia não alterava a sensação de estranhamento e alguma solidão. Eu me sentia muito frágil e pouco seguro de sair dali, enquanto pensava na importância da minha família na minha vida e o quanto eu gostaria de estar bem para estar com ela. Enquanto isso, em uma experiência um pouco mais agradável, o tapete do consultório se tornou um enorme muro de metal, com alguns seres andando. Era um resíduo da trip que retornava, por vezes mais forte. Fiquei bastante tempo olhando aquele tapete alquímico, sem buscar qualquer interpretação.

Após cerca de 4 horas eu fiquei extremamente cansado. O efeito já era periférico, mas o fato de insistir em conversar não era claro se era o melhor a fazer. Por um lado, eu não conseguia retornar completamente a experiência, e permanecia com um humor desagradável e com uma sensação de desamparo bastante profunda, mas sem objeto. Ir embora ou até ir à rua parecia algo muito difícil… Em algum momento percebi que ia ter que lidar com o estado emocional desagradável que eu estava, pois não poderia continuar ali para sempre e não era bom. A despedida foi um pouco triste, do espaço e da terapeuta. Eu não tinha animo para dar uma despedida melhor. Para sair animado de lá, apesar de ter a clareza que tinha sido a uma das experiências psicodélicas mais profundas que eu tinha experimentado.

Matrix. A matrix, de acordo com Betty Eisner (1997), envolve o pré e o pós-experiência psicodélica. Ou seja, as relações ambientais mais amplas que o setting, incluindo amigos e familiares. O modo de suporte dos amigos e familiares pode, de acordo com esta perspectiva de Eisner, alterar o próprio resultado da terapia psicodélica.

Fui me sentar em uma padaria para tomar um suco com o outro terapeuta e comer um pão com ovo. A possibilidade de sair de mim e poder perguntar como ele estava e outras coisas, reduziu levemente os sentimentos difíceis que estava vivendo. Depois disso, fui muito bem acolhido em casa. Embora a minha companheira não use substâncias psicodélicas, ela estava preparada já, ciente da experiência, e havia ligado para ela e falado como estava me sentindo, mais ou menos às 16:30h, um pouco antes de sair da psicoterapia. Tinha pensado em ver algo bem light na televisão (série), preferencialmente alguma série que a minha filha pré adolescente gosta, algo infantil-adolescente. Acabou que elas não foram ver série e vi um episódio de Witcher com a minha companheira, foi bom ela estar comigo e me senti melhor.

Pós-experiência. Fiquei com dor de cabeça a noite até a manhã seguinte. Houve um aumento da ansiedade, que foi melhorando aos poucos. Embora eu estivesse muito cansado, tive dificuldades para dormir e acordei, na verdade me levantei da cama, sincronicidade! às 4:20h da manhã. Fiquei no CPU e depois consegui dormir mais umas duas horas. Foi bom no dia seguinte não ter compromissos mais duros, pois me senti bastante cansado ainda e com instabilidade no humor (embora cada vez menor).

Os sentimentos negativos foram melhorando e três a quatro dias depois eu já estava me sentindo realmente bem. A experiência trouxe muito o que trabalhar posteriormente na psicoterapia regular e não psicodélica e de forma muito mais profunda do que o habitual. Hoje consigo olhar de forma muito positiva para trás, mesmo que tenha sido muito difícil e duro, inclusive pela piora inicial que passei nos dois dias pós-sessão. Por outro lado, tratou-se de um mergulho que eu considero que não seria viável na psicoterapia regular e que promoveu uma ampliação de consciência significativa.

Integração. Eu costumo a dizer que a sessão psicodélica, durante uma prática psicoterapêutica, é onde as coisas começam e não onde as coisas terminam. O impacto terapêutico dos psicodélicos, ao que parece, está relacionado tanto ao efeito subjetivo e fisiológico da substâncias, quanto as posteriores compreensões e integrações da experiência. Isso envolve o quanto nos transformamos na nossa vida diária e em nosso modo de ser e estar no mundo, mesmo que isso nem sempre seja trivial ou óbvio.

Na psicologia analítica, entende-se por integração uma operação psíquica de superação da dualidade e tensão entre consciente e inconsciente, por meio da elaboração de símbolo(s) que permitam incorporar porções cindidas da personalidade. Ocorre, neste caso, um maior equilíbrio psíquico e com a ampliação da consciência, a continuidade de um processo direcionado à totalidade. Em alguns autores do campo da psicoterapia com psicodélicos, a integração já se refere a um aspecto mais simples e prático, isto é, o quanto você transformou ou alterou a sua atividade de vida diária, graças as experiências psicodélicas que viveu. Daí que este processo pode ser ajudado tanto em psicoterapia individual, quanto em grupo, por outros psiconautas. Na verdade, ambas as concepções estão muito relacionadas.

Era isso o que tinha para contar! Espero que tenham gostado e que, em um futuro não muito distante, já tenhamos a psicoterapia aliada ao uso de psicodélicos regulamentada no Brasil!

 

Referências:

 

BESERRA, F. R. Experienciando a Arte Visionária: uma compreensão junguiana da interação de estudantes com a obra de Alex Grey. 2014. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica). Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Clínica, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. 2014.

 

DE RIOS, M. D. Rejoinder: the bad trip revisited. Anthropology of Consciousness. v. 16, n. 1, 2005, p. 45-48.

 

EISNER, B. Set, setting and matrix. Journal of Psychoactive Drugs, v. 29, n. 2, 1997, p. 213-216.

 

GRIFFITHS, R, R. et al. Psilocybin produces substantial and sustained decrease in depression and anxiety in patients with life-threatening cancer: a randomized double-blind trial. J. Psychopharmacol, v. 30, 2016, p. 1181–1197.

 

GRIFFITHS, R. R. Psilocybin occasioned mystical-type experiences: Immediate and persisting dose-related effects. Psychopharmacology. Berl. 2011; v. 218, n. 4, p. 649–665.

 

GROB, C. S. et al. Pilot study of psilocybin treatment for anxiety in patients with advanced-stage câncer. Archives of general psychiatry, 2011. v. 68, n. 1, p. 71-8.

 

GROF, S. Além do cérebro: nascimento, morte e transcendência em psicoterapia. São Paulo: McGraw-Hill, 1987.

 

GROF, S. LSD psychotherapy. California: Hunter House, 1980.

 

JUNG, Carl Gustav. A função transcendente In: A natureza da psique. Obras Completas, v. VIII/2 – 6ª edição, Petrópolis: Vozes, 1958/2006b. p. IX-24.

 

MACLEAN, K. A.; JOHNSON, M. W.; GRIFFITHS, R. R. Mystical Experiences Occasioned by the Hallucinogen Psilocybin Lead to Increases in the Personality Domain of Openness. J Psychopharmacol. nov. 2011; v. 25, n. 11, p. 1453–1461.

 

ROSS, S. et al. Rapid and sustained symptom reduction following psilocybin treatment for anxiety and depression in patients with life-threatening cancer: A randomized controlled trial. J Psychopharmacol, 2016, v. 30, p. 1165–1180.

“BAD TRIPS” podem ser as Melhores Trips – Walter Clark

 

MundoCogumelo de volta ao ar, e para marcar nosso retorno, escolhemos um artigo de 1976 de Walter Houston Clark que ilustra uma questão que vem sendo pouco debatida com a profundidade necessária. A Bad Trip, e se ela deveria ser evitada, contornada ou apreciada com a atenção que doamos a todo professor que algo possa nos ensinar.

Tendo em vista algumas abordagens perigosas de reducionismo químico, em sites e páginas de ufanismo farmacológico, que contrariam a psicologia, a redução de danos e negam a própria experiência humana enquadrando como meros desequilíbrios químicos as profundas questões psicológicas que envolvem as experiencias mais difíceis, conhecidas popularmente como “bad trips”, este artigo nos leva a debater essas experiências como momentos-chave de uma reestruturação pessoal, psicológica e social das mais impactantes que podemos alcançar. Apesar de antigo, o texto não é obsoleto e remonta, com todas as ressalvas que o tempo trouxe de atualizações, uma questão profunda e muitas vezes negligenciada.


 

“BAD TRIPS” podem ser as Melhores Trips
Walter Houston Clark
Revista FATE, Abril de 1976

Uma mistura única de análise freudiana e xamanismo mexicano
pode representar um avanço para a psicoterapia.

 

Quase um século se passou desde que Sigmund Freud revolucionou nossa compreensão das doenças mentais e seu tratamento. Muitos pensadores importantes – como Carl Jung – foram consideravelmente além de Freud ao canalizar as profundezas da psique humana. Mas nenhuma das inúmeras técnicas psicoterapêuticas desenvolvidas durante essas décadas de pesquisa conseguiu cumprir completamente sua promessa teórica em termos de resultados práticos. A psicoterapia para a maioria das pessoas continua sendo um empreendimento duvidoso, arriscado e caro.

Um médico mexicano pouco conhecido desenvolveu uma técnica que chega tão perto de cumprir sua promessa quanto qualquer outra com a qual eu esteja familiarizado. Combina várias formas de psicoterapia ocidental com a sabedoria dos xamãs indígenas mexicanos. Essas abordagens foram combinadas com a genialidade do Dr. Salvador Roquet, um eminente médico mexicano de saúde pública cujas realizações incluem banir a febre amarela do México. As responsabilidades do Dr. Roquet o colocaram em contato com os índios mexicanos e, consequentemente, com suas abordagens incomuns em relação à saúde, incluindo o uso de plantas alucinógenas para pesquisar a alma, a fim de curar a mente.

Quando o Dr. Roquet soube do meu interesse no uso de drogas psicodélicas para a reabilitação de prisioneiros, ele me convidou para a Cidade do México para investigar sua técnica. No início de 1974, visitei o “Instituto de Psicosintesis Robert S. Hartman”, nome de sua clínica na Cidade do México. O Instituto é um dos três ramos da Associação Albert Schweitzer; os outros são uma missão médica para indígenas e uma escola baseada nos desdobramentos psicológicos descobertos pelo Dr. Roquet em seu trabalho psiquiátrico. O Dr. Roquet me convenceu de que a melhor maneira de observar sua técnica era participar pessoalmente das sessões. Dessa forma, acredito que a melhor introdução à sua psicoterapia altamente original é relacionar minhas próprias experiências com ela.

Me dirigi ao Instituto às 22h em uma noite de fevereiro, junto com vários outros pacientes. Recebemos um teste psicológico chamado “Questionário de Valores Hartman”. Depois disso, mais pacientes chegaram e nos reunimos em uma sala adjacente para nos familiarizarmos entre si. Como não sei falar espanhol, me senti um pouco isolado até que um dos participantes me pediu em inglês para dizer algo sobre mim. Enquanto ele traduzia minhas observações para os outros, senti-me mais à vontade e mais um membro do grupo. Eventualmente, havia cerca de 25 de nós.

Entre meia-noite e uma hora da manhã, fomos levados a uma sala com menos de 30 por 40 pés. Cerca de 1.000 pés quadrados foram reservados como área de tratamento para os pacientes. Durante as próximas 20 horas, nenhum paciente teve permissão para deixar a área de tratamento, exceto para ir ao banheiro adjacente. Um espaço de 10 por 30 pés alocado para o corpo médico e equipamentos eletrônicos foi dividido da área de tratamento por uma mesa na qual o Dr. Roquet, sua equipe e alguns observadores estavam sentados. Seus casacos brancos os distinguiam dos pacientes. As paredes estavam cobertas com quadros bizarros pintados por ex-pacientes e imagens de Freud, Gandhi e o ex-presidente chileno Salvador Allende, além de um crucifixo pendurado em uma parede.

Após um breve período de exercícios semelhantes à ioga, cada um de nós foi autorizado a selecionar uma esteira como uma espécie de base para o período do tratamento. Os pacientes se deitaram e uma música repousante foi ligada. Logo depois, as luzes foram apagadas e uma série de filmes sonoros foi exibida. Eram cenas de violência, morte e pornografia grosseira, aparentemente projetadas para chocar e perturbar a sensibilidade do paciente comum. Em contrapartida, na sequencia exibiram outras cenas que refletiam beleza natural, amor, ternura e afins, de modo que toda a paixão e experiência humanas fossem representadas. Em outras partes da sala, imagens paradas com temas semelhantes foram projetadas contra as paredes. Coforme esse show de variedades continuava, a música aumentou gradualmente em volume e cacofonia. Os pacientes podiam assistir as cenas ou não como quisessem, mas era difícil ignorar o ataque aos nossos ouvidos. No entanto, a equipe nos impediu de adormecer.

Durante esse período, um paciente após o outro foi chamado à mesa, pesado e examinado por um médico. O médico que me examinou observou que meu coração estava forte o suficiente para o tratamento, mas que eu não deveria abusar. A altitude da Cidade do México me trouxe de volta uma irregularidade cardíaca que estava sob controle antes de eu deixar os Estados Unidos. Esta notícia, acentuada por algumas das cenas do vídeo, ajudou a transformar meus pensamentos em morte e problemas associados. Os outros pacientes pareciam igualmente perturbados.

Por volta das quatro ou cinco horas, a equipe começou a administrar as substâncias psicodélicas, a droga e a dosagem foram personalizadas para cada paciente. (Meu relógio havia sido retirado de mim, para que meu senso de tempo fosse desorientado.) Minha própria vez chegou no que julguei que eram cerca de seis horas e recebi 250 microgramas de LSD-25. Logo após todas as dosagens terem sido administradas, a sobrecarga sensorial atingiu seu pico. A música cacofônica e uma alternância de luzes brilhantes e escuridão total pontuada por estranhos efeitos neon criaram uma atmosfera extremamente estranha.

A essa altura, a sala começou a se assemelhar a um poço de cobras do século XIX ou mesmo a uma confusão do século XVIII. Muitos de nós chorávamos, outros rolavam no chão e gritavam angustiados, outros vomitavam, alguns olhavam para o espaço e outros ainda faziam movimentos hostis em direção ao equipamento eletrônico. Às vezes, eu tinha medo de que alguns pacientes pudessem atacar o Dr. Roquet, sentado impassivelmente, dirigindo os efeitos da experimentação responsável por essa violência e perturbação.

Eu próprio fiquei possuído por uma noção confusa de que as pessoas de jaleco branco eram atormentadores deliberados nomeados pela Inquisição para me tirar da razão. Todos pareciam tão imperturbáveis com a confusão que estavam criando que eu andei até a mesa e os denunciei violentamente por sua presunção, um ato dificilmente característico no meu estado mental normal. Com minha rápida alternância entre preocupações com a aproximação da morte, a ansiedade que me assustava sobre a experimentação com psicodélicos e a angústia por muitas coisas que pretendia, mas deixei de fazer, toda a experiência pode ser descrita como uma descida ao inferno. Eu mal conseguia distinguir o que era externo do que era interno.

No final desta fase do tratamento, a música e outros estímulos sensoriais foram diminuídos ou desligados e as luzes acesas. Referindo-se a registros individuais quando necessário, o Dr. Roquet convocou vários pacientes à mesa em sucessão e os questionou sobre seus problemas e experiências enquanto o resto de nós ouvia. Os tradutores interpretaram as várias línguas para os outros pacientes. Alguns pacientes foram convidados a ler passagens curtas apropriadas para seus problemas, talvez algo pessoal ou talvez escolhido pelos médicos, geralmente com expressões de angústia pungente. Uma jovem leu uma passagem do romance de Flaubert, Madame Bovary, que lhe externou uma identificação dolorosa com a personalidade de Emma, descrita no romance.

Durante esta fase do tratamento, certos indivíduos receberam uma injeção de cloridrato de ketamina, uma nova e poderosa droga usada pelo Dr. Roquet. Seus efeitos variavam com pessoas diferentes, mas geralmente produzia uma ab-reação¹ violenta. Um jovem que recebeu a injeção estava dando seu relato quando, de repente, caiu no chão em uma demonstração violenta de angústia e terror, vomitando e se contorcendo em tormento.

¹ ab-reação

PSICOLOGIA

descarga emocional pela qual um indivíduo se liberta do afeto que acompanha a recordação de um acontecimento traumático [Pode ser provocada, por exemplo, por hipnose, ou ocorrer de forma espontânea no decorrer do processo psicoterápico.].

Nesse momento, dois funcionários com sacolas e toalhas vieram em seu auxílio, demonstrando infinita gentileza e compaixão. Essa cena me impressionou com tanta força quanto minha convicção anterior de que os funcionários eram perseguidores. Percebi que toda a provação havia sido fabricada para o benefício dos pacientes e que o que parecia um inferno tinha se convertido em um paraíso. Essa percepção chamou minha atenção para os aspectos positivos do tratamento e me ajudou a voltar à normalidade.

Depois de mais ou menos uma hora, esta fase do tratamento terminou, as luzes foram apagadas novamente, música suave voltou a ser tocada e fomos convidados a descansar por várias horas. No final deste período, as janelas foram abertas, deixando entrar a luz do sol. Não tínhamos permissão para sair da sala, mas fomos convidados a nos exercitar e nos expressar dançando, se quiséssemos. A essa altura, senti-me intensamente sensível aos meus colegas e grato aos funcionários. Como não conseguia me comunicar na língua deles, me vi expressando meus sentimentos na dança improvisada.

Após o período de descanso, os poucos pacientes não processados receberam atenção. A equipe distribuiu a cada paciente fotos significativas de seus próprios arquivos – geralmente fotografias de família, fotos do próprio paciente em várias idades ou fotos de amigos e amantes. Por vezes, isso desencadeou mais cenas emocionais. Mas no final da tarde, cerca de 20 horas depois de eu ter chegado ao Instituto, todos haviam retornado a um estado normal de consciência. A essa altura, os respectivos parentes começaram a chamar pelos pacientes e senti grande consolo ao ver minha esposa. Por volta das nove horas, tivemos a cerimônia final; uma rosa foi dada de presente a cada sujeito. Nas minhas três semanas de permanência na Cidade do México, todos os pacientes que encontrei como observador ou como participante haviam retornado à consciência normal ao final do tratamento.

Alguns dias depois, os membros do meu grupo se reuniram para sessões de terapia em grupo de cinco horas ou, para alguns indivíduos, sessões privadas de menor duração. Cada paciente compôs um relato escrito de sua sessão para sua ficha. Essas sessões de acompanhamento continuaram até que a equipe decidisse que o paciente se beneficiaria com outra sessão longa, às vezes um mês depois, embora o espaço de tempo fosse maior à medida que o paciente melhorava. A melhora foi medida pelo teste de Hartman e também pelas impressões clínicas dos psiquiatras.

Como eu não era propriamente um paciente e como minha estadia no México seria breve, não participei de todo esse acompanhamento, mas participei de uma segunda longa sessão, cerca de duas semanas após a minha primeira.

Eu esperava tomar cloridrato de ketamina durante a minha segunda sessão, mas a irregularidade do meu coração persistiu e os médicos julgaram isso desaconselhável. Esta decisão mais uma vez voltou a minha mente para o tema da morte. Na minha segunda sessão, havia apenas 10 pacientes, um número mais gerenciável e ainda suficiente para uma interação valiosa entre os pacientes. Em todo caso, o procedimento foi semelhante à primeira vez, exceto que agora eu havia ingerido cogumelos Psilocybe frescos enviados em meu benefício pela própria Maria Sabina, uma curandeira de Huautla.

Dessa vez, re-experimentei o fenômeno da morte, mas em vez de descer ao inferno, a experiência assumiu quase o caráter de um festival, embora num contexto de solenidade alimentada pelas tensões do Requiem de Brahms. Não apenas obtive insights deliciosos e comoventes sobre minha própria vida subjetiva, mas também pude ver aspectos engraçados associados à minha morte, o que trouxe risos refrescantes. Eu também percebi como a cacofonia e a sobrecarga sensorial que foram projetadas para “me assustar completamente” têm um paralelo na sociedade em que a ocorrência perfeitamente natural da morte é transformada em um evento assustador que provoca medo na mente das pessoas comuns.

No geral, essa segunda sessão foi a mais rica das minhas 10 a 15 experiências com materiais psicodélicos. Foi a primeira experiência desse tipo em que a culpa não teve papel consciente. Não credito o resultado feliz dessa “trip” aos cogumelos, mas o importante condicionamento da minha “descida ao inferno” (a bad trip) anterior.

A eficácia da técnica do Dr. Roquet é evidente em meu estado de espírito desde que minhas experiências com ele ocorreram. Há quase dois anos, meu entusiasmo pela vida tem sido mais positivo do que nunca. Minha apreciação pela música cresceu quase a um vício e outros aspectos da minha vida foram igualmente enriquecidos. Naturalmente, isso me deu uma visão subjetiva do que o tratamento pode realizar para pessoas cuja saúde mental não está tão bem estabelecida quanto a minha.

Quais são as implicações da emocionante técnica do Dr. Roquet para o campo da saúde mental? Com base nas minhas três semanas de intenso envolvimento com seu programa, sinto que o que o psicanalista médio realiza em cinco ou seis anos,  Salvador  alcança com frequência em meses – e melhor, com custo de 10 a 20 vezes menor! O Dr. Roquet trouxe a psiquiatria para o século XX. Sem dúvida, um dia, seus métodos serão aprimorados, mas não duvido que sejam considerados um avanço crucial no progresso da psiquiatria.

Em minha pesquisa com drogas psicodélicas, muitas vezes descobri que as “bad trips” são as melhores trips, especialmente quando lidamos adequadamente com elas. O Dr. Roquet induz deliberadamente uma viagem ruim para trazer à tona os piores medos e problemas do paciente, embora isso possa significar, e geralmente significa, uma visita ao seu submundo particular, onde a ‘loucura’ se esconde. Por essa razão, o Dr. Roquet se refere à sua técnica como “psicodisléptica”, que significa “temporariamente perturbadora das funções da mente”. O objetivo específico dessa técnica é sobrecarregar as defesas cuidadosamente construídas que muitas vezes tornam a neurose ou psicose do paciente invulnerável ao médico. Muitos psiquiatras convencionais podem argumentar que esses métodos violentos podem prejudicar a psique. O resultado bem-sucedido de quase 3.000 pacientes tratados no Instituto obviamente responde melhor a essas objeções.

Qual a importância das substâncias no tratamento? Roquet diz que os medicamentos não representam mais de 10% do total do tratamento. Eu poderia concordar, mas também argumentaria que são 10% muito importantes. As substâncias psicodélicas parecem multiplicar a força da experiência e permitir que ela penetre nos níveis do inconsciente raramente visitados na psicoterapia comum.

Entre os outros fatores importantes na técnica estão os relacionamentos interpessoais. A naturalidade da equipe e a falta de alarme garantem ao paciente que o Dr. Roquet e seus colegas estão completamente no controle da situação. Mais importante, sua atitude ativamente compassiva durante as fases finais da terapia atua como uma influência vital de cura. Tão importante quanto é a interação entre os próprios pacientes – incluindo o toque de apoio e a consciência de que cada própria angústia é acompanhada pela de outra pessoa do outro lado da sala.

O Dr. Roquet desenvolveu uma teoria intuitiva e perspicaz subjacente à sua terapia, mas isso é muito complexo para ser apresentado aqui. Sem dúvida, ele eventualmente falará por si mesmo na tradução para o inglês.


Em 21 de novembro de 1974, o Dr. Salvador Roquet, seus assistentes e 25 pacientes foram presos durante uma sessão de terapia em grupo pela polícia mexicana, que invadiu o Instituto brandindo pistolas e metralhadoras. O ataque foi instigado por Guido Belasso, diretor ‘Centro Mexicano de Independência das Drogas’, de acordo com a revista mexicana “Tiempo”.

Os pacientes foram presos apenas brevemente, mas o Dr. Roquet e seu assistente, o Dr. Pierre Favreau, foram presos por vários anos devido à gravidade das acusações de crimes relativos à drogas. O Dr. Roquet operava sua clínica em total abertura por mais de seis anos tendo ganho a gratidão de oficiais do governo por sua ajuda na contenção de distúrbios na Universidade do México, tratando com sucesso um líder estudantil radical.

Uma organização dos ex-pacientes de Roquet, liderada por influentes mexicanos, veio em defesa do doutor e vários ilustres psiquiatras americanos testemunharam a validade e a eficácia de seus métodos. Por fim, os drs. Roquet e Favreau foram liberados das acusações e autorizados a reabrir o Instituto.

 

Traduzido diretamente de Psychedelic Libraby

A Matriz Transcendental do Universo

O mergulho intelectual de Aldous Huxley na galáxia mitológica das grandes religiões do mundo resultou no livro “A Filosofia Perene”, de 1964. Baseado nos “relatos em primeira mão” dos ditos “homens santos” ou “profetas”, a obra expõe a ideia de uma doutrina comum e estável como base de toda diversidade desses sistemas religiosos que emergiram em diferentes tempos e lugares ao longo da história humana – a essa doutrina universal Huxley chamou de “Filosofia Perene”.

Na visão de Huxley, a Filosofia Perene representa o conhecimento deixado por alguns sábios e profetas que conheceram diretamente a natureza da “Realidade substancial ao mundo multiforme”, o “Princípio Absoluto de toda existência”. A experiência direta desses reconhecidos expoentes com a natureza da realidade apontaria persistentemente para um consenso acerca de uma base eterna e transcendental do ser. A ideia central da Filosofia Perene é, portanto, um retrato da sua característica histórica – ou seja, o fator perene em toda mitologia religiosa é a referência a um fator perene como origem de toda manifestação temporal. Em outras palavras, a ideia persistente de toda religiosidade humana é sobre uma dimensão una e eterna no centro de toda existência multiforme e transitória, sendo o conhecimento direto desse fato – claramente expresso na fórmula sânscrita “tat tvam asi” (Tu és Aquilo) – a finalidade de todo ser humano, para assim “encontrar Aquilo que realmente é”.

No ocidente, costumamos nos referir a algo semelhante através da palavra “alma”. Originada no latim anima, é equivalente da palavra grega psyché, que significa “sopro”, e foi tomada por Platão como metáfora para um princípio universal de movimento da vida. Mas, à luz dessas observações, a visão comum de “alma” utilizada no ocidente começa a parecer distorcida, já que normalmente é entendida como indicativo de individualidades eternas, isoladas e independentes “habitando” os seres orgânicos. Esse caráter universal, não-local e multiforme da alma, enfatizado pelos xamãs, sábios e profetas do passado, é deixado de lado em nossa cultura obcecada com a preservação da individualidade.

Mas, dentro da visão original da Filosofia Perene, a Alma – ou a Base do SER – é a matriz transcendental de todo Universo; uma unidade transdimensional multifacetada de onde tudo vem, para onde tudo vai e onde tudo está – antes, após e além da existência transitória no mundo ordinário -, e que contém em si própria todas as possibilidades da existência universal. Cada uma das miríades de manifestações do nosso universo pode ser vista como a amplificação – ou a “canalização” – de um aspecto muito específico dessa Alma universal, se aproximando daquilo que o biólogo Rupert Sheldrake, na sua tentativa de compreender a origem das formas no mundo natural, chamou de “campos morfogenéticos”.

O legado dos sábios e profetas nos diz que é possível para a consciência conhecer diretamente a natureza transcendental da Alma, mas esse conhecimento superior apenas pode ser expresso em metáforas – que no terreno religioso se transformam em mitos. A noção de um substrato eterno que dá suporte a toda manifestação temporal está presente em todos os tempos e lugares, e já foi expressa de muitas formas diferentes, variando de acordo com a cultura em que é modulada. Joseph Campbell disse que a origem e a finalidade central de qualquer mitologia é a experiência de integração entre esses dois aspectos paradoxais da existência. Huxley parece seguir a mesma lógica, afirmando que os verdadeiros ensinamentos espirituais representam relatos daqueles que “conheceram diretamente a Deus”. A idéia de “contato com Deus” é, precisamente, uma referência metafórica sobre a experiência direta de integração entre o reino da eternidade e a dimensão do tempo/espaço, ou entre o mundo perene e o mundo perecível.

“Ver o Universo num grão de areia, e o Céu em uma flor silvestre, ter o infinito nas palmas das mãos e a Eternidade em uma hora.” – William Blake.

“Para medir a alma temos que medi-la com Deus, pois a Base de Deus e a Base da Alma são unas e idênticas” – Eckhart

Referências:

– A Filosofia Perene – Aldoux Huxley

– Joseph Campbell – O Poder do Mito

– Rupert Sheldrake e o os “campos morfogenéticos”

Arqueólogos da Mente – Conectando Passado e Futuro

Nos locais mais inóspitos da Terra, homens obstinados buscam pistas sobre as nossas misteriosas origens. Ruínas, fósseis, restos de objetos humanos e pinturas em cavernas que sobreviveram no ambiente por milênios são meticulosamente garimpados e escrutinados, buscando juntar os cacos que ajudem a reconstruir a história que a nossa memória coletiva parece ter perdido. O homem, acumulador de conhecimentos, construtor de megalópoles, inventor de naves espaciais e colisores de hádrons que buscam a centelha inicial do universo, paradoxalmente não sabe de onde veio. É um estranho para si próprio. Diante dessa amnésia crônica, os raros restos deixados no mundo físico pelos nossos antepassados parecem ser as únicas pegadas do caminho tempestuoso que a nossa espécie trilhou até aqui. E, embora tenham certo êxito em encontrar e datar as pegadas do homem pré-histórico, os sacerdotes da cultura moderna parecem ter muito pouco a dizer sobre o suas reais implicações e significados.

O dogma científico atual diz que os seres humanos anatomicamente modernos – fisicamente iguais a qualquer um de nós – já estavam plenamente formados cerca de 200 mil anos atrás. Apesar disso, os primeiros vestígios de todas as características que hoje nós consideramos como a assinatura diferenciada da nossa espécie – todas as atividades “culturais”, como religião, arte e comunicação avançada por símbolos –  surgiram “do nada” somente  cerca de 50 mil anos atrás. Muito pouco se sabe sobre as formações iniciais dessas atividades culturais, e praticamente nada sobre o grande hiato de cerca de 150 mil anos, quando foi preparado o terreno para nosso mergulho nos domínios da evolução epigenética. Considerado como “o maior enigma da nossa história”, esse é um dos grandes motores da arqueologia e paleontologia.

Do pouco que se sabe, uma coisa é certa: esses vestígios foram deixados pelos praticantes da primeira religião da humanidade, que muito recentemente ganhou o pomposo nome de “xamanismo”. Os artistas das cavernas eram, nas palavras de Joseph Campbell, “os primeiros contadores de histórias” entre os homens; os primeiros a expressar uma compreensão do mundo em linguagem inteligível para os demais; os primeiros criadores de mitos sobre o universo e o lugar da nossa espécie nele.  E a força-motora dessas novas formas de expressão foram – como continuam sendo nos locais onde ainda sobrevive a prática arcaica do xamanismo – os estados de transe nos quais os xamãs mergulham sistematicamente por meio de variadas técnicas.

A informação de que pelo menos uma grande parte dessas obras de arte primitivas representa visões e outras formas de percepção obtidas pelos xamãs durante os estados de transe é uma verdade que já passou pelo limiar de ser ridicularizada e violentamente combatida para ser finalmente reconhecida pela sua autoevidência*. Nossa dificuldade é avançar a partir daí, já que o reino das visões, seres teriantrópicos e forças mágicas que os xamãs afirmam ser a fonte primordial do seu conhecimento é um território não só desconhecido, mas completamente rejeitado pela única forma de conhecimento sancionada pela cultura ocidental moderna. Assim como 90% do DNA humano já foi declarado como “DNA lixo” porque os cientistas não conheciam suas funções (hoje se sabe que o “DNA lixo”, de lixo não tem nada), a dimensão visionária da qual os falam eloquentemente os xamãs de todas as épocas e lugares é considerada como um mero subproduto de uma anomalia mental, ou seja, sem qualquer significado ou utilidade real. Essa suposição tomada como fato ergueu uma muralha na trilha do nosso autoconhecimento histórico.

Tentar entender o que se passava milênios atrás, quando nossos ancestrais começaram a apresentar os primeiros traços dos comportamentos que agora consideramos com orgulho como aqueles que nos diferenciam dos outros animais, é uma viagem de volta no tempo em busca do que quer que seja a controversa “natureza humana” – nada mais do que o momento evolutivo em que estabelecemos as bases psicossociais para o tipo de organização que hoje chamamos de “civilização”.  Esse não pode ser um domínio restrito aos representantes oficiais das instituições culturalmente sancionadas – se fosse, já poderíamos ter declarado seu fracasso. Estamos tratando sobre os corações e mentes de seres humanos iguais a nós, quando começaram a adquirir consciência e dar significado ao mundo. Para isso, é preciso mergulhar de verdade na mente do homem pré-histórico, penetrando na natureza das experiências que catalisaram essa transformação – muito além do mero registro de dados frios.

Isso significa atravessar a trilha das cavernas físicas para as cavernas interiores, que continuam tão abandonadas quanto quando foram deixadas para trás pelos nossos ancestrais.  Significa dar voz aos arqueólogos da mente – aqueles que são capazes de atravessas as camadas de sedimentos psíquicos acumuladas por milênios e alcançar de volta a mente ancestral do homem. Pois, assim como pinturas rupestres e fósseis se ocultam nos sedimentos interiores de antigas rochas, a mente do homem pré-histórico ainda habita as camadas mais profundas da nossa psique.  Carl Jung e outros diriam que não apenas “habita”, mas exerce uma função estrutural muito maior do que gostaríamos de admitir, influenciando de forma determinante desde a formação da nossa personalidade pessoal até as mitologias de todas as épocas e lugares (Jung chamou de “arquétipos” as dinâmicas organizacionais autônomas – ou “moldes psíquicos” – que deram forma à nossa estrutura mental desde tempos imemoriais).

Tal qual a forma do nossos corpos, a estrutura das nossas mentes é uma herança do longo caminho evolutivo trilhado pelos homens primitivos durante os milhares de anos que antecederam a corrida louca da História humana. Uma complexa construção em camadas que, se explorada com seriedade, promete nos levar, passo-a-passo, de volta ao coração do macaco no momento em que ele começou a sonhar com o futuro.

Numa Era em que a civilização humana sofre com uma crise de consciência e falta de sentido sem precedentes que nos levaram à beira de uma catástrofe global, refazer essa conexão perdida com a nossa história psíquica coletiva se torna um imperativo para encontrarmos um novo lugar possível para o homem no mundo.

* “Toda verdade passa por três estágios: No primeiro, ela é ridicularizada; no segundo, é rejeitada com violência; no terceiro, é aceita como evidente por si própria.” (Schopenhauer)

Referências:

– HANCOCK, Graham.  Sobrenatural: Os Mistérios que cercam a origem da religião e da arte

– JUNG, C G. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo

– CAMPBELL, Joseph.  O Poder do Mito

– MCKENNA, Terence. O Alimento dos Deuses