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Psicodélicos e realização do potencial


Escrito por Roger Walsh, MD

De: Reflexões Psicodélicas,
Lester Grinspoon e James B. Bakalar, editores
©Imprensa de Ciências Humanas, 1983

Traduzido da Psychedelic Library

Em sua carta solicitando contribuições para este livro, os editores escreveram: “chegamos à conclusão de que as substâncias psicodélicas influenciaram tanto a vida dos usuários individuais quanto a sociedade em geral mais do que normalmente se reconhece – às vezes de forma sutil, às vezes de forma dramática”.  Eu estava entusiasmado de receber o convite, já que essas palavras expressavam quase exatamente minhas próprias conclusões após 8 anos de trabalho clínico e de pesquisa psiquiátrica. Durante 5 desses 8 anos trabalhei em áreas como a natureza do bem-estar psicológico, psicologias e religiões não ocidentais, consciência e os efeitos da meditação. Também empreendi um estudo pessoal de tradições meditativas e não-ocidentais e, portanto, tive a oportunidade de conhecer, entrevistar e estudar com uma ampla gama de pessoas nessas disciplinas relacionadas. Sempre que eu conhecia essas pessoas de perto, a mesma história surgia: embora raramente reconhecessem isso em público, os psicodélicos desempenharam um papel importante ao apresentá-los e facilitar sua passagem por essas disciplinas. Ocorreu-me que este poderia muito bem ser um caso daquilo a que os cientistas sociais chamam “ignorância da pluralidade”: uma situação em que cada indivíduo pensa que é o único a fazer alguma coisa, embora na realidade a prática seja generalizada. Neste caso, o que parecia não ser amplamente reconhecido era que um grande número de pessoas parece ter obtido, pelo menos do seu próprio ponto de vista, benefícios significativos dos psicodélicos, apesar dos relatos dos meios de comunicação populares sobre os seus perigos devastadores.

Esta suspeita foi aprofundada por um encontro com o editor de uma importante revista psicológica. Numa extensa revisão de várias psicologias ocidentais e não ocidentais, discuti os dados sobre substâncias psicodélicas e concluí que havia provas que sugeriam que, em alguns casos, as pessoas poderiam considerá-las benéficas. O editor da revista estava disposto a aceitar o artigo, desde que eu removesse qualquer referência aos efeitos positivos dos psicodélicos; ele achava que a revista não poderia se dar ao luxo de ser associada a tais declarações. Estou familiarizado com o trabalho deste editor em particular e sei que ele tem uma mente excepcionalmente aberta. Parece que temos na nossa cultura, mesmo na literatura científica e profissional, uma tendência para relatar apenas os efeitos negativos dos psicodélicos.

Como, então, podemos ter uma ideia dos efeitos dos psicodélicos quando eles são usados ​​para exploração pessoal e crescimento psicológico? Uma abordagem sugerida por Abraham Maslow, mas ainda aparentemente não experimentada na área dos psicodélicos, é perguntar a pessoas que são excepcionalmente saudáveis ​​e usá-las como bioensaios. A técnica de Maslow consistia em identificar os indivíduos que pareciam estar realizando mais plenamente seu potencial; ele os chamou de autorrealizadores. (1) Ele listou 13 características, como profundo envolvimento no trabalho, experiências de pico e bom senso de humor, que identificam indivíduos que alcançaram um bem-estar psicológico excepcional. Embora esta abordagem tenha muitas vantagens, ela tem suas desvantagens e limitações. O conceito e os critérios de autorrealização não são de forma alguma claros e carecem em grande parte de dados de investigação e de apoio; os indivíduos são escolhidos subjetivamente, com todos os preconceitos possíveis que isso acarreta. (2) Contudo, na ausência de bons testes empíricos de alto nível de bem-estar, ficamos por enquanto com julgamentos subjetivos.

A minha investigação deu-me a dádiva extraordinária de conhecer algumas pessoas notáveis: profissionais de saúde mental, meditadores avançados, professores, gurus, pessoas santas tanto do Oriente como do Ocidente que dedicaram grande parte das suas vidas ao treino mental e ao crescimento psicológico. Passei um tempo considerável com alguns deles, entrevistando e sendo entrevistado, recebendo instruções sobre diversas práticas meditativas, ouvindo suas palestras e socializando. Como era de se esperar, existe uma ampla gama de personalidades e maturidade psicológica. Consegui entrevistar em profundidade cinco dos ocidentais mais saudáveis ​​que se enquadram nos critérios de Maslow e que também são bem sucedidos e eminentes nas suas disciplinas.

A idade desses quatro homens e uma mulher varia entre trinta e poucos anos e quarenta anos. Todos possuem diplomas universitários; três são psicólogos e os outros dois são psicologicamente altamente sofisticados. Quatro são professores de psicologia ou de uma das disciplinas da consciência, como meditação ou budismo. Todos têm forte reputação nacional e a maioria tem reputação internacional; todos publicaram pelo menos um livro. Incluí o critério da eminência profissional para garantir que as pessoas fossem competentes e não fossem consideradas irresponsáveis ​​ou desistentes de qualquer espécie.

Experiência Pessoal

Cada uma dessas cinco pessoas teve múltiplas experiências psicodélicas. Para três deles a experiência psicodélica foi crucial para despertar o interesse pelas disciplinas da consciência e direcionar suas carreiras profissionais. Um quarto recebeu LSD pela primeira vez como parte de uma experiência de investigação legítima durante os anos sessenta, teve uma profunda experiência religiosa que afirmou e aprofundou interesses e valores anteriormente adormecidos, e posteriormente regressou à escola para prosseguir esses interesses. Todos os cinco relatam que os psicodélicos têm sido importantes no seu próprio crescimento e que continuam a considerá-los úteis no contexto da sua própria disciplina. Em média, continuam a utilizá-los duas a três vezes por ano, mas todos passaram longos períodos sem utilizá-los.

Princípios Gerais

Com base em suas próprias experiências pessoais e no que aprenderam ao trabalhar com muitas pessoas envolvidas em diversas disciplinas psicológicas e de consciência, eles sugeriram os seguintes princípios gerais, vantagens e desvantagens dos psicodélicos. Todos concordaram que são ferramentas muito poderosas e que os efeitos dependem muito da pessoa que as utiliza e da habilidade com que são utilizadas. Eles consideraram evidente que há muitas pessoas que não deveriam tomar psicodélicos, especialmente qualquer pessoa com distúrbios psicológicos significativos. Contudo, eles concordaram que, usados ​​habilmente por uma pessoa madura, poderiam realmente ser úteis. Isso significava um ambiente apropriado, pelo menos no início, de preferência sob a orientação de alguém que fosse psicologicamente maduro e com experiência psicodélica; um conjunto mental e expectativas adequadas, incluindo um período anterior de silêncio e/ou meditação; e o mais importante, o envolvimento em uma disciplina psicológica ou de consciência destinada ao treinamento mental profundo.

 

Possíveis benefícios

O primeiro benefício foi o simples reconhecimento de que existem domínios de experiência, modos de identidade e estados de consciência muito além do alcance da nossa experiência quotidiana ou dos nossos modelos culturais e psicológicos tradicionais. Costumava-se dizer que essas experiências produziam sistemas de crenças expandidos, tornando as pessoas menos dogmáticas e mais abertas do que eram quando ainda inexperientes ou inimagináveis dos reinos da consciência do ser. Um relato comum foi que cada experiência tendia a suscitar um domínio mais profundo e um sentido mais expandido de consciência e de eu, de modo que o sistema de crenças anteriormente expandido continuava a abrir-se e a alargar-se.

Para todos os cinco sujeitos mencionados aqui, e para muitos de seus alunos, a experiência psicodélica produziu um novo interesse pela psicologia profunda, religião, espiritualidade e consciência, bem como por disciplinas e práticas relacionadas, como a meditação. Todos os sujeitos acreditavam que as suas experiências psicodélicas tinham melhorado a sua capacidade de compreender estas disciplinas da consciência. Em particular, o núcleo esotérico das grandes tradições religiosas e espirituais poderia ser visto como roteiros para estados mais elevados de consciência, e alguns dos materiais mais profundos destas tradições tornaram-se especialmente claros e significativos durante as sessões psicodélicas. Vários dos sujeitos relataram que muitas vezes reservavam um tempo durante as sessões psicodélicas para ouvir fitas ou leituras dessas tradições; eles acharam essas experiências particularmente importantes. Isto é compatível com a afirmação oriental de que “a religião é uma aprendizagem em que um requisito básico é ‘Primeiro mude a sua consciência’”. (3)

A maioria dos sujeitos sentiu que a experiência psicodélica poderia, às vezes, fornecer uma visão orientadora que fornecesse direção e significado para a vida futura. Mencionaram emoções intensas como amor, compaixão ou empatia, e o reconhecimento de que a mente pode e deve ser altamente treinada. Três sujeitos mencionaram outro benefício residual. Alguém que teve um insight positivo profundo pode ser capaz de recordar esse insight posteriormente e usá-lo para se orientar através de uma situação em que ele fornece uma perspectiva útil adicional, mesmo que não esteja mais diretamente disponível.

Houve um acordo unânime de que, sob condições apropriadas, os psicodélicos poderiam acelerar e facilitar consideravelmente o processo de resolução dos bloqueios psicológicos. Em alguns casos, isto envolvia material que já estava sendo trabalhado num estado normal de consciência, ou poderia estar. Noutros casos, o material inacessível num estado normal poderia ser trazido à consciência, produzindo por vezes transformações dramáticas, incluindo experiências de morte/renascimento e alívio dos sintomas. Revisões dos efeitos terapêuticos dos psicodélicos não mostraram resultados claros, mas é claro que é muito difícil detectar efeitos experimentalmente significativos de uma única intervenção.

Para alguns dos sujeitos, o uso ocasional de substâncias psicodélicas proporcionou um marcador continuamente aprofundado do seu progresso. Não importa quanto treinamento mental e exploração psicológica eles tivessem feito, outros domínios de experiência poderiam ser revelados pelos psicodélicos. A cada grande avanço em seu treinamento mental, um novo reino se abriria para eles. Um acontecimento especialmente comum era experimentar algo numa sessão de drogas psicadélicas que se repetiria meses ou anos mais tarde no contexto de uma disciplina de treino mental e depois espontaneamente durante a vida quotidiana. Todos os cinco sujeitos acreditavam que tanto os psicodélicos como as suas disciplinas mentais sugeriam que a gama de experiências que ocorriam na vida diária representava apenas uma pequena fatia de um espectro vasto, talvez ilimitado.

 

Armadilhas e complicações

Embora eles próprios tenham tido poucos problemas sérios com os psicodélicos, todos os cinco participantes pensaram que havia uma série de armadilhas e complicações potenciais. Eles viam que a principal proteção contra tais dificuldades consistia no compromisso com uma disciplina de treinamento mental e na disponibilidade de um professor avançado para consulta tanto sobre as experiências psicodélicas quanto sobre a disciplina. Nenhum dos cinco sujeitos viu os psicodélicos como constituindo por si só um caminho que poderia levar a níveis profundos de crescimento psicológico-espiritual ou à verdadeira iluminação.

Curiosamente, os sujeitos não consideraram reações dolorosas agudas, como ataques de ansiedade ou medo de perder o controle, como necessariamente adversas. Em vez disso, sustentaram que, com expectativas adequadas, trabalho anterior e orientação, tais reações poderiam levar a insights profundos e valiosos. Isto é contrário à perspectiva tradicional da psiquiatria e dos serviços de urgência, que vê tais reações como puramente patológicas e que requerem medicação. O hedonismo foi mencionado como uma das armadilhas associadas aos psicodélicos. Usar esses produtos químicos para estimulação sensorial trivial não era visto como errado, mas como inábil e insatisfatório. Os sujeitos também notaram que era possível apegar-se às experiências mais agradáveis, prejudicando as sessões posteriores com expectativas inadequadas e tentativas calculadas de recriar essas experiências.

Como as experiências psicodélicas podem ser extraordinariamente intensas, existe o perigo de não reconhecer uma fantasia pelo que ela é. Como observou um sujeito, nem sempre é fácil discernir quais experiências são válidas, especialmente para pessoas que são intelectual e psicologicamente sofisticadas. Mais uma vez, o melhor remédio foi visto como um compromisso com a mente aberta, com o treinamento mental contínuo e com a instrução de um professor avançado. O mesmo remédio foi sugerido para a tendência de superestimar a profundidade e o impacto a longo prazo dos insights que podem ser confundidos com um despertar profundo. Essa tendência foi vista como decrescente com a experiência adicional com os psicodélicos ou com uma disciplina de treinamento mental. Sentiu-se que a exploração profunda de qualquer um deles produziria muitos insights, cada um acrescentando uma pequena peça ao gigantesco quebra-cabeça que é a mente.

Uma estrutura ou contexto cognitivo inadequado também foi mencionado como fator limitante. Às vezes, insights extremamente profundos ocorriam sob o efeito dos psicodélicos e, em pelo menos dois casos, pode ter havido uma experiência transitória de iluminação. Num dos sujeitos produziu um período prolongado de confusão e desorientação parcial que por sua vez levou ao treino de meditação. Este sujeito experimentou novamente um nível profundo de iluminação após vários anos de prática e desta vez achou a experiência compreensível e benéfica. Um sujeito pensou que a principal desvantagem dos psicodélicos é a tendência de subestimar o próprio papel na criação das experiências resultantes. As pessoas apreciam muito pouco o seu próprio poder e consideram-se vítimas passivas dos efeitos das drogas, em vez de criadores ativos de experiência.

Uma armadilha para pessoas com experiência limitada, disseram os participantes, é a incapacidade de apreciar a enorme variedade de experiências potenciais e a tendência de assumir que todas as sessões serão como a primeira. Muitas pessoas fizeram pronunciamentos sobre a natureza dos efeitos psicodélicos após exposição limitada e, portanto, não conseguiram avaliar a extensão das diferenças entre indivíduos ou entre uma sessão e outra no mesmo indivíduo. Segundo relatos desses sujeitos, assim como de Stanislav Grof (4,5) e outros, a exposição repetida produz uma sequência gradual de desdobramento e aprofundamento de experiências.

 

Resumo

Aqui estão os comentários sobre os prós e os contras dos psicodélicos feitos por cinco dos indivíduos mais saudáveis ​​que conheci no decorrer de minha pesquisa e investigações pessoais de várias disciplinas psicológicas e de consciência. Em cada um desses indivíduos, os psicodélicos desempenharam um papel importante, ainda que não divulgado, em suas orientações de vida e profissões. Tomados em conjunto com descobertas semelhantes que notaram nos seus alunos e colegas, estes relatórios deixam claro que os psicodélicos podem por vezes ter um impacto benéfico duradouro. Embora os cinco assuntos discutidos aqui não vejam os psicodélicos como constituindo um caminho em si, eles os vêem como potenciais facilitadores de desenvolvimento para algumas pessoas envolvidas em um programa de treinamento mental ou em uma disciplina psicológica ou de consciência. As experiências e armadilhas associadas às drogas psicodélicas não são vistas como únicas, mas sim como características de qualquer programa de treinamento mental, embora as drogas geralmente as produzam de forma mais rápida e intensa. Destaca-se que a capacidade de se beneficiar de uma experiência acelerada depende da maturidade e da competência do indivíduo; todos os cinco sujeitos consideraram evidente que os psicodélicos não deveriam ser usados ​​indiscriminadamente, mas deveriam ser respeitados como as ferramentas poderosas que são.

 

 

REFERÊNCIAS

1. Maslow, A. H. Os Alcances Adicionais da Natureza Humana. Nova York: Viking, 1971.

2. Heath, D. A pessoa em amadurecimento. Em R. Walsh e D. Shapiro eds. Além da saúde e da normalidade. Explorações do bem-estar psicológico extremo. Nova York: Van Nostrand Reinhold, 1981.

3. Rajneesh, B. Assim mesmo. Poona, Índia: Fundação Rajneesh, 1975.

4. Grof, S. Reinos do Inconsciente Humano. Observações da LSD Research. Nova York: Viking, 1975.

5. Grof, S. Reinos do inconsciente humano. Em R. Walsh e F. Vaughan (Eds.). Além do Ego: Dimensões Transpessoais em Psicologia. Los Angeles: J. Tarcher, 1980, pp.


Roger N. Walsh (nascido em 1946) é um professor australiano de Psiquiatria, Filosofia e Antropologia na Universidade da Califórnia, Irvine, no Departamento de Psiquiatria e Comportamento Humano, da Faculdade de Medicina da UCI. Walsh é respeitado por suas opiniões sobre drogas psicoativas e estados alterados de consciência em relação à experiência religiosa/espiritual, e foi consultado na mídia sobre psicologia, espiritualidade e os efeitos médicos de meditação.

Formado na Universidade de Queensland, Walsh está envolvido em seis áreas de pesquisa em andamento:

1. Comparação de diferentes escolas de psicologia e psicoterapia
2. Estudos de psicologias e filosofias asiáticas
3. Os efeitos da meditação
4. Psicologia transpessoal
5. A psicologia da religião
6. A psicologia da sobrevivência humana (explorando as causas e consequências psicológicas das atuais crises globais).

Os cogumelos da linguagem

Henry Munn

por Henry Munn:
extraído de “Alucinógenos e Xamanismo”, Michael J. Harner, ed., ©1973,

Oxford University Press

Traduzido da Psychedelic Library

Os Mazatecas, que têm uma longa tradição no uso de cogumelos, habitam uma cadeia de montanhas chamada Sierra Mazateca, no nordeste do estado mexicano de Oaxaca. Os xamãs deste ensaio são todos nativos da cidade de Huautla de Jimenez. Falando propriamente, eles são Huautecanos; mas como a língua que falam foi chamada de Mazateca e eles foram referidos na literatura antropológica anterior como Mazatecas, mantive esse nome, embora, estritamente falando, os Mazatecas sejam os habitantes da aldeia de Mazatlán, nas mesmas montanhas.

(1) HENRY MUNN investigou o uso de plantas alucinógenas entre os índios Conibo do leste do Peru e os índios Mazatecas das montanhas de Oaxaca, no México. Embora não seja um antropólogo profissional, ele residiu por longos períodos entre os Mazatecas e é casado com a sobrinha do xamã e da xamã mencionados neste ensaio.

Os nativos Mazatecas comem os cogumelos apenas à noite, na escuridão absoluta. A crença deles é que se você comê-los à luz do dia você enlouquecerá. As profundezas da noite são reconhecidas como o momento mais propício para insights visionários sobre as obscuridades, os mistérios e as perplexidades da existência. Geralmente vários membros de uma família comem os cogumelos juntos: não é incomum que pai, mãe, filhos, tios e tias participem dessas transformações da mente que elevam a consciência a um plano superior. A relação de parentesco é, portanto, a base da subjetividade transcendental que Husserl disse ser intersubjetividade. Os próprios cogumelos são consumidos aos pares, um casal que representa o homem e a mulher que simboliza o duplo princípio da procriação e da criação. Depois sentam-se juntos na sua luz interior, sonham, realizam e conversam entre si, presenças ali sentadas juntas, os seus corpos imaterializados pela escuridão, vozes externas à sua comunidade.

De um modo geral, para todos os presentes o objetivo da sessão é uma catarse terapêutica. Os produtos químicos de transformação da revelação que abrem os circuitos de luz, visão e comunicação, chamados por nós de manifestação da mente, eram conhecidos pelos indígenas americanos como remédios: os meios dados aos homens para saber e curar, para ver e dizer a verdade. Entre os Mazatecas, muitos, uma vez ou outra na vida, comeram cogumelos, seja para se curar de uma doença ou para resolver um problema; mas não são todos os que têm predileção por experiências tão extremas e árduas da imaginação criativa ou que gostariam de repetir com muita frequência tais viagens às profundezas estranhas e desconhecidas do cérebro: aqueles que o fazem são os xamãs, os mestres, cujos a vocação é comer cogumelos porque eles são os homens do espírito, os homens da linguagem, os homens da sabedoria. São indivíduos reconhecidos pelo seu povo como especialistas nessas aventuras psicológicas, e quando os outros comem os cogumelos chamam sempre para estar com eles, como guia, um daqueles que se considera particularmente familiarizado com estas modalidades do espírito. O curandeiro preside a sessão, pois assim como a família Mazateca é paternal e autoritária, a experiência libertadora se desenrola no contexto autoritário de uma situação em que, em vez de serem autorizados a falar ou encorajados a se expressar, todos são instados a manter cale-se e ouça enquanto o xamã fala por cada um dos presentes. Como disse um dos primeiros cronistas espanhóis do Novo Mundo: “Eles pagam um feiticeiro que os come [os cogumelos] e lhes conta o que lhe ensinaram. Ele faz isso por meio de um canto rítmico em voz alta.”

Os Mazatecas dizem que os cogumelos falam. Se você perguntar a um xamã de onde vêm suas imagens, ele provavelmente responderá: não fui eu que disse, foram os cogumelos. Nenhum cogumelo fala, isso é uma antropomorfização primitiva do natural, só o homem fala, mas quem come esses cogumelos, se for um homem de linguagem, fica dotado de uma inspirada capacidade de falar. Os xamãs que os comem, sua função é falar, são os oradores que cantam e cantam a verdade, são os poetas orais de seu povo, os doutores da palavra, aqueles que dizem o que está errado e como remediá-lo, os videntes e oráculos, os possuídos pela voz. “Não sou eu quem fala”, disse Heráclito, “é o logos”. A linguagem é uma atividade extática de significação. Intoxicado pelos cogumelos, a fluência, a facilidade, a aptidão de expressão de que alguém se torna capaz são tais que nos surpreendemos com as palavras que emergem do contato da intenção de articulação com a matéria da experiência. Às vezes é como se nos dissessem o que dizer, pois as palavras saltam à mente, uma após a outra, sem necessidade de serem procuradas: um fenómeno semelhante ao ditado automático dos surrealistas, excepto que aqui o fluxo de a consciência, em vez de ser desconectada, tende a ser coerente: uma enunciação racional de significados. Os campos de mensagens de comunicação com o mundo, os outros e consigo mesmo são revelados pelas salas de cogumelos. A espontaneidade que eles liberam não é apenas perceptiva, mas linguística, a espontaneidade da fala, do discurso fervoroso e lúcido, do logos em atividade. Para o xamã, é como se a existência se expressasse através dele. Desde o início, uma vez que o que comeram modificou sua consciência, eles começam a falar e no final de cada frase dizem tzo – “diz” em sua língua – como uma pontuação rítmica do dito. Diz, diz, diz. Está dito. eu digo. Quem disse? Nós dizemos, o homem diz, a linguagem diz, o ser e a existência dizem. (2)

De pernas cruzadas no chão, na escuridão das cabanas, perto do fogo, respirando o incenso do copal, o xamã senta-se com a testa franzida e a boca marcada da fala. Cantando suas palavras, batendo palmas, balançando para frente e para trás, ele fala na noite do barulho dos grilos. O que se diz é mais concreto que as luzes fantasmagóricas efêmeras: as palavras são materializações da consciência; a linguagem é um veículo privilegiado de nossa relação com a realidade. Vamos procurar os rastros do espírito, dizem os xamãs. Vamos ao milharal em busca dos rastros dos pés dos espíritos na terra quente. Então caminhemos pelo caminho em busca de significado, seguindo as palavras de dois discursos registrados como trilhas em fitas magnéticas e depois traduzidos da língua tonal nativa, para descobrir e explicitar o que é dito por um curandeiro e médico indiano mulher durante essas experiências extáticas da voz humana falando com força rítmica as realidades da vida e da sociedade.

A mulher baixa, corpulenta, idosa, com cara de lua risonha, vestida com huipil, o vestido longo, bordado de flores e pássaros, das mulheres mazatecas, um xale escuro enrolado nos ombros, os cabelos grisalhos repartidos ao meio e puxados em duas tranças, crescentes dourados pendurados em suas orelhas, inclinou-se para frente de onde ela se ajoelhou no chão de terra da cabana e segurou um punhado de cogumelos na fumaça perfumada e purificadora do copal subindo das brasas do fogo. fogo, para abençoá-los: conhecida pelos antigos mesoamericanos como a Carne de Deus (teonánactl), chamada pelo seu povo de Sangue de Cristo. Através de suas montanhas milagrosas de luz e chuva, os índios dizem que Cristo caminhou uma vez – é uma transformação da lenda de Quetzalcoatl – e de onde caiu seu sangue, a essência de sua vida, dali cresceram os cogumelos sagrados, os despertadores de o espírito, o alimento do luminoso. Carne do mundo. Carne da linguagem. No princípio era o verbo e o verbo se fez carne. No princípio havia carne e a carne tornou-se linguística. Alimento da intuição. Alimento da sabedoria. Ela comeu, mastigou, engoliu e arrotou; esfregou tabaco moído nos pulsos e antebraços como um tônico para o corpo; apagou a vela; e fiquei esperando na escuridão onde o incenso subia das brasas como uma névoa branca e brilhante. Então, depois de um tempo, veio a iluminação e a animação e, de repente, saindo do silêncio, a mulher começou a falar, a cantar, a orar, a cantar, a expressar a sua existência: (3)

“Meu Deus, você que é o dono do mundo inteiro, o que queremos é procurar e encontrar de onde vem a doença, de onde vem a dor e a aflição. Somos nós que falamos, curamos e usamos remédios. Então, sem percalços, sem dificuldades, eleve-nos às alturas e exalte-nos.”

Desde o início, o problema é descobrir qual é a doença que o doente sofre e prognosticar o remédio. Curandeira, ela come cogumelos para ver o espírito dos doentes, para revelar o que está oculto, para intuir como resolver o que não está resolvido: para uma experiência de revelações. A transformação do seu eu quotidiano é transcendental e dá-lhe o poder de se mover nas duas esferas relevantes da transcendência para alcançar a compreensão: a da outra consciência onde os sintomas da doença podem ser discernidos; e a do divino, a fonte dos acontecimentos no mundo. Junto com a empatia visionária, seu principal meio de realização é a articulação, o discurso, como se ao dizer ela dissesse a resposta e anunciasse a verdade.

“É preciso olhar e pensar no espírito dela onde dói. Devo pensar e buscar em tua presença onde está a tua glória, Meu Pai, que és o Mestre do Mundo. De onde vem essa doença? Foi um redemoinho ou um ar ruim que caiu na porta ou no vão da porta? Então vamos pesquisar e perguntar, da cabeça aos pés, qual é o problema. Vamos procurar os rastros de seus pés para encontrar a doença que ela sofre. Animais em seu coração? Vamos procurar os rastros de seus pés, os rastros de suas unhas. Que seja aliviado e curado onde dói. O que vamos fazer para nos livrarmos desta doença?”

Para os Mazatecas, a experiência psicodélica produzida pelos cogumelos está inseparavelmente associada à cura de doenças. A ideia de doença deve ser entendida como significando não apenas doenças físicas, mas também problemas mentais e problemas éticos. É quando algo está errado que os cogumelos são comidos. Se não há nada de errado com você, não há razão para comê-los. Até recentemente, os cogumelos eram o único remédio a que os indígenas recorriam em tempos de doença. ‘Seu valor medicinal não é de forma alguma meramente mágico, mas químico. Segundo os índios, a sífilis, o câncer e a epilepsia foram amenizados com seu uso; tumores curados. Eles foram empiricamente considerados pelos nativos como particularmente eficazes no tratamento de distúrbios estomacais e irritações da pele. A mulher cujas palavras ouvimos, como muitas outras, descobriu a sua vocação xamânica quando foi curada pelos cogumelos de uma doença: depois da morte do marido, começou a ter espinhas; ela recebeu os cogumelos para ver se eles a “ajudariam” e a doença desapareceu. Desde então, ela os comeu sozinha e os deu a outras pessoas.

Se alguém está doente, o curandeiro é chamado. O tratamento que ele emprega é químico e espiritual. Ao contrário da maioria dos métodos xamânicos, o xamã mazateca realmente dá remédios aos seus pacientes: por meio dos cogumelos ele os administra fisiologicamente, ao mesmo tempo que altera sua consciência. É provavelmente para as queixas psicossomáticas e os problemas psicológicos que a liberação da atividade espontânea provocada pelos cogumelos é mais corretiva: dada aos deprimidos, eles despertam uma catarse do espírito; aos que têm problemas, uma visão do seu modo existencial. Se não chegar à conclusão de que a doença é incurável, o curandeiro repete as sessões terapêuticas três vezes em intervalos. Ele também trabalha com os enfermos, pois seu estado de embriaguez de energia intensa e vibrante lhe dá uma força para curar, que ele exerce por meio de massagem e sucção.

Sua função mais importante, porém, é falar pelo doente. Os xamãs Mazatecas comem os cogumelos que liberam as fontes da linguagem para poder falar lindamente e com eloqüência para que suas palavras, ditas pelo doente e pelos presentes, cheguem e sejam ouvidas no mundo espiritual de onde vem a bênção ou a dor . A função do orador, no entanto, é muito mais do que simplesmente implorar. O xamã tem uma concepção de poesis (4) em seu sentido original como ação: as próprias palavras são remédios. Enunciar e dar sentido aos acontecimentos e situações da existência é doação de vida em si.

“O psicanalista escuta, enquanto o xamã fala”, aponta Lévi-Strauss:

“Quando se estabelece uma transferência, o paciente coloca palavras na boca do psicanalista, atribuindo-lhe supostos sentimentos e intenções; no encantamento, ao contrário, o xamã fala por seu paciente. Ele a questiona e coloca em sua boca respostas que correspondem à interpretação de seu estado. Um papel pré-requisito – o de ouvinte para o psicanalista e de orador para o xamã – estabelece uma relação direta com o consciente do paciente e uma relação indireta com seu inconsciente. Esta é a função do encantamento propriamente dito. O xamã fornece à mulher doente uma linguagem por meio da qual estados psíquicos não expressos e de outra forma inexprimíveis podem ser imediatamente expressos. E é a transição para esta expressão verbal – ao mesmo tempo que permite vivenciar de forma ordenada e inteligível uma experiência real que de outra forma seria caótica e inexprimível – que induz a libertação do processo fisiológico, isto é, a reorganização , no sentido favorável, do processo ao qual a mulher doente está submetida.” (5)

Estas observações do antropólogo francês tornam-se particularmente relevantes para a prática xamânica mazateca quando se considera que o efeito dos cogumelos, usados ​​para tornar alguém capaz de curar, é inspirar a linguagem ao xamã e transformá-lo em oráculo. “Que venham todos os santos, que venham todas as virgens”, canta a curandeira com sua voz cantante, invocando as forças benéficas do universo, chamando para ela as deusas da fertilidade, as virgens: férteis porque não têm foram semeados e estão frescos para que a semente dos homens gere filhos em seus ventres.

“A Virgem da Conceição e a Virgem da Natividade. Que Cristo venha e o Espírito Santo. Cinquenta e três santos. Cinquenta e três Santas. Que se sentem ao seu lado, na sua esteira, na sua cama, para livrá-la da doença.”

A esposa do homem em cuja casa ela falava estava grávida e durante toda a sessão da criação, desde o meio da gestação, sua linguagem tão espontânea quanto o seu ser que começou a vibrar, ela se preocupa com o surgimento da vida, com o nascimento de uma existência naquele mundo social cotidiano que. seu discurso em desenvolvimento expressa:

“Com o bebê que vai nascer não há sofrimento”, afirma. É questão de instante, não vai haver sofrimento algum, diz. De um momento para outro vai cair no mundo, diz. De um momento para outro vamos salvá-la da sua desgraça, diz. Que sua criatura inocente venha sem contratempos, diz. Seu elfo. É assim que é chamado quando ainda está no ventre de sua mãe. De um momento para outro, que vem sua criatura inocente, seu elfo, diz.”

“Vamos pesquisar e questionar”, diz ela, “desamarrar e desembaraçar”. Ela está viajando, pois há distanciamento e vai para lá, para algum lugar, sem sequer sair do lugar onde ela senta e fala. Sua consciência está vagando pelo espaço existencial. Sibila, vidente e oráculo, ela está no caminho do significado e a pulsação do seu ser é como o ritmo do caminhar.

“Vamos procurar o caminho, os rastros dos seus pés, os rastros das suas unhas. Do lado direito para o lado esquerdo, olhemos.” Para chegar à verdade, para resolver os problemas e agir com sabedoria, é necessário encontrar o caminho a seguir. O significado é intencional. Possibilidades são caminhos a serem escolhidos. Para a indígena, as pegadas são imagens de sentido, vestígios de um ir e voltar, pistas sedimentadas de significado a serem procuradas de um lado a outro e seguidas até onde levam: indicadores de direcionalidade; sinais de existência. A busca por significado é temporal, transportada para o passado e projetada para o futuro; o que aconteceu? ela pergunta, o que vai acontecer? deixando para trás para o que está à frente, vão as pegadas entre a partida e a chegada: manifestações do êxtase humano, existencial. E o método de olhar, do lado direito para o lado esquerdo, é a articulação do ora essa intuição, fato, sentimento ou desejo, ora aquilo, a intenção de falar trazendo à luz significados cujas associações e ulteriores elucidações são como a descoberta de um caminho onde os conteúdos a serem enunciados são trilhas a serem seguidas até o inexplorado, o desconhecido e o não dito em que ela se aventura pela linguagem, a buscadora de significado, a questionadora de significado, a articuladora de significado: o significado da existência que significa com sinais por a ação de falar a experiência da existência.

“Mulher dos remédios e curandeira, que caminha com a aparência e com a alma”, canta a mulher, abaixando-se no chão e endireitando-se, balançando-se para frente e para trás enquanto canta, dividindo a verdade no tempo de suas palavras: emissora de sinais . “Ela é a mulher do remédio e do remédio. É a mulher que fala. A mulher que junta tudo. Mulher médica. Mulher de palavras. Mulher sábia dos problemas.”

Ela não fala, na maioria das vezes, para nenhuma pessoa em particular, mas para todos: todos os que estão aflitos, perturbados, infelizes, intrigados com as dificuldades da sua condição. Agora, no aprofundamento do seu discurso, proferindo realidades, não alucinações, falando da existência num mundo comunitário onde o “nós” é mais frequente do que o “eu”, ela chega a uma doença e agravamento mais geral do que a doença física: a condição econômica de pobreza em que seu povo vive. “Vamos ao milharal em busca dos rastros dos pés, da sua pobreza e da sua humildade. Que venham o ouro e a prata”, reza ela. “Por que somos pobres? Por que somos humildes nesta cidade de Huautla?” Esse é o paradoxo: por que, no meio de uma riqueza natural tão grande como suas montanhas férteis e abundantes, onde cachoeiras caem em cascata através da folhagem verde de folhas e samambaias, eles deveriam ser miseráveis ​​pela pobreza, ela quer saber. A alimentação diária dos índios consiste em feijão preto e tortilhas cobertas com molho de pimenta vermelha; só raramente, em festivais, comem carne. Manchas brancas causadas pela desnutrição mancham seus rostos vermelhos. Os bebês costumam ficar doentes. É a riqueza que ela implora para resolver o problema da carência.

Os cogumelos, que crescem apenas na época das chuvas torrenciais, despertam as forças da criação e produzem uma experiência de abundância espiritual, de uma constituição de formas surpreendente e inesgotável que os identifica com a fertilidade e os torna uma mediação, um meio de comunhão, de comunicação entre o homem e o mundo natural do qual ele é a carne metafísica. O tema da xamã, mãe e avó, mulher da fertilidade, curvando-se enquanto canta e recolhendo a terra para si como se recolhesse com as mãos a colheita da sua experiência, é o de dar à luz, é o do crescimento. Agricultores, são pessoas de estreitas relações familiares e com muitos filhos: os aglomerados de casas neolíticas com telhados de colmo nos picos das montanhas são de grupos familiares alargados. O mundo da mulher é o da casa, a sua preocupação é com os seus filhos e com todos os filhos do seu povo.

“Toda a família, os bebês e as crianças, que a felicidade chegue até eles, que cresçam e amadureçam sem que nada lhes aconteça. Livrem-nos de todas as classes de doenças que existem aqui na terra. ela diz: “então virá o bem-estar, virá o ouro. Aí teremos comida. Nosso feijão, nossa cabaça, nosso café, é isso que a gente quer. Que venha uma boa colheita. Que venha riqueza, que venha bem- sendo para todos os nossos filhos. Todos os meus. brotos, meus filhos, minhas sementes”, canta ela.

Mas o mundo dos seus filhos não será o mundo dela, nem o dos seus avós. A sua sociedade indígena está a ser transformada pelas forças da história. Até recentemente, isolados do mundo moderno, os nativos viviam nas suas montanhas como as pessoas viviam no Neolítico. Havia apenas caminhos e eles caminhavam por onde quer que fossem. Trens de burros transportavam a principal colheita – café – para os mercados da planície. Agora foram construídas estradas, arrancadas da rocha e construídas ao longo das bordas das montanhas sobre precipícios para conectar a comunidade com a sociedade além. As crianças são pessoas de opostos: assim como falam duas línguas, mazateca e espanhol, vivem entre dois tempos: o tempo cíclico e atemporal de recorrência do Povo do Cervo e o tempo de progresso, mudança e desenvolvimento do México moderno. No seu discurso, nenhum rito estereotipado ou cerimónia tradicional com palavras e ações prescritas, falando de tudo, do antigo e do moderno, do que está a acontecer ao seu povo, a mulher dos problemas, perscrutando o futuro, reconhece o inevitável processo de transição, de desintegração e integração, que confronta os seus filhos: a geração mais jovem destinada a viver a crise e a dar o salto do passado para o futuro. Para eles é necessário aprender a ler e a escrever e a falar a língua deste novo mundo e para progredirem, serem educados e adquirirem conhecimentos, contidos nos livros, radicalmente diferentes das tradições da sua própria sociedade cuja língua é oral e não escrita, cujos instrumentos são a enxada, o machado e o facão.

“Também é necessário um livro. Bom livro. Livro de boa leitura em espanhol, diz. Em espanhol. Todos os seus filhos, suas criaturas, que seus pensamentos e seus costumes mudem, diz. Para mim não há tempo. Sem dificuldade, vamos embora. Com ternura. Com leveza. Com doçura. Com boa vontade.”

“Não nos deixe na escuridão nem nos cegue”, ela implora às origens da luz, pois nessas modalidades sobrenaturais de consciência há perigos de aberração e perturbação por todos os lados. “Vamos pelo bom caminho. O caminho das veias do nosso sangue. O caminho do Mestre do Mundo. Vamos pelo caminho da felicidade.” O caminho existencial, a condução da vida, é uma ideia à qual ela retorna continuamente. Os caminhos que ela menciona são as qualidades morais, físicas, mentais e emocionais típicas da experiência da atividade consciente animada, de onde brotam suas palavras: bondade, vitalidade, razão, transcendência e alegria. Sentada no chão, na escuridão, vendo com os olhos fechados, seu pensamento viaja por dentro, ao longo das artérias ramificadas da corrente sanguínea, e por fora, pelos campos da existência. Há uma qualidade fisiológica muito definida na experiência do cogumelo que leva os indígenas a dizer que, por uma espécie de introspecção visceral, eles ensinam o funcionamento do organismo: é como se o sistema fosse projetado diante de alguém numa visão do coração, o fígado, pulmões, órgãos genitais e estômago.

No decorrer do discurso da curandeira, é compreensível que ela, por espanto, por gratidão, pelo conhecimento da experiência, diga algo sobre os cogumelos que provocaram sua condição de inspiração. Num certo sentido, falar da “experiência do cogumelo” é uma reificação tão absurda quanto a antropomorfização dos cogumelos quando se diz que eles falam: os cogumelos são apenas os meios, em interação com o organismo, o sistema nervoso, e o cérebro, de produzir uma experiência alicerçada nas possibilidades ontológico-existenciais do humano, irredutível às propriedades de um cogumelo. A experiência é psicológica e social. O que a xamã fala é do seu mundo comunitário; mesmo as visões da sua imaginação devem ter origem no contexto da sua existência e dos mitos da sua cultura. O sujeito de outra sociedade terá outras visões e expressará um conteúdo diferente em seu discurso. Pareceria provável, contudo, que, à parte as semelhanças emocionais, as iluminações coloridas e os padrões puramente abstratos de uma atividade consciente universal, entre as experiências de indivíduos com diferentes inerências sociais, a característica comum seria o discurso, a julgar pelos seus efeitos. Os constituintes químicos dos cogumelos têm alguma ligação com os centros linguísticos do cérebro. “Assim diz o professor de palavras”, diz a mulher, “assim diz o professor de assuntos”. É paradoxal que a redescoberta de tais produtos químicos tenha relacionado seus efeitos à loucura e os chamado pejorativamente de drogas, quando os xamãs que os usavam falavam deles como remédios e diziam, por experiência própria, que a metamorfose que produziam colocava a pessoa em comunicação com o espírito. É precisamente o valor de estudar o uso de tais químicos nas chamadas sociedades primitivas que o caminho seja encontrado além do superficial para uma compreensão mais essencial dos fenômenos que nós, com nossa concepção limitada do racional, temos feito muito rapidamente, e talvez erroneamente, denominado irracional, em vez de compreender que tais experiências são revelações de uma atividade existencial primordial, de “um poder de significação, um nascimento de sentido ou um sentido selvagem”. (6) Com o que somos confrontados pelo discurso xamânico dos comedores de cogumelos? Uma modalidade de razão em que o logos da existência se enuncia, ou pelo delírio e pela incoerência do desarranjo?

“Eles não fazem nada além de falar”, diz a curandeira, “aqueles que dizem que esses assuntos são assuntos do passado. Eles não fazem nada além de falar, as pessoas que os chamam de cogumelos malucos”. Eles afirmam ter conhecimento daquilo de que não têm experiência; consequentemente, as suas alegações são absurdas: nada mais são do que expressões da convencionalidade que os cogumelos explodem ao revelarem o extraordinário; mera conversa, se não fosse pelo fato de que os todo-poderosos formam a força de repressão que, pela legislação e pela implementação da autoridade, passou a denominar infrações à lei e ao código de saúde, os meios de libertação que antes eram chamados medicamentos. Numa época de comprimidos e injeções, de medicina científica, diz a sábia, o uso dos cogumelos não é um vestígio anacrônico e obsoleto de práticas mágicas: o seu poder de despertar consciências e curar males existenciais não é menos relevante agora do que era no passado. Ela insiste que é ignorância da nossa dimensão de mistério, das fontes do significado, pensar que o seu efeito é a insanidade.

“Bem e felicidade”, diz ela, nomeando as emoções de seu ser ativado e perceptualizado. “Não são cogumelos malucos. São um remédio, diz. Um remédio para as pessoas decentes. Para os estrangeiros”, diz ela, falando de nós, viajantes da sociedade industrial avançada, que começamos a chegar às praças altas do seu povo. para fazer experiências com os cogumelos psicodélicos que cresciam nas montanhas dos Mazatecas. Ela tem uma noção da verdade, de que o que procuramos é uma cura para as nossas alienações, para sermos postos novamente em contato, por meios violentos se necessário, com aquele eu original e criativo que foi alienado de nós pela nossa classe média. famílias, educação e mundo corporativo de emprego.

“Lá na terra deles se leva em conta que há algo nesses cogumelos, que eles são bons, úteis”, diz ela. “O médico que está aqui na nossa terra. A planta que cresce neste lugar. Com isso vamos nos unir, vamos nos aliviar. É o nosso remédio. Quem sofre de dores e doenças, com isso vai é possível aliviá-lo. Eles não são chamados de cogumelos. Eles são chamados de oração. Eles são chamados de sabedoria. Eles estão lá com a Virgem, Nossa Mãe, a Natividade. Os índígenas não chamam os cogumelos de cogumelos comuns, eles os chamam de sagrados. Para a xamã, a experiência que produzem é sinônimo de linguagem, de comunicação, em nome de seu povo, com as forças sobrenaturais do universo; com plenitude e alegria; com percepção, insight e conhecimento. É como se alguém tivesse nascido de novo; portanto, sua padroeira é a Deusa do Nascimento, a Deusa da Criação.

“Com orações nos livraremos de tudo. Com as orações dos antigos. Nos limparemos, nos purificaremos com água limpa, lavaremos nossos intestinos onde estiverem infectados. Que as doenças do corpo sejam eliminadas. Doenças da atmosfera. Ar ruim. Que eles sejam eliminados, que sejam removidos. Que o vento os leve embora. Pois este é o médico. Pois esta é a planta. Pois este é o feiticeiro da luz do dia. Pois este é o remédio. Pois esta é a curandeira, a médica que resolve todos os tipos de problemas para nos livrar deles com suas orações. Vamos com bem-estar, sem dificuldade, implorar, implorar, suplicar. Bem-estar para todos os bebês e as criaturas. Vamos implorar, implorar por eles, suplicar pelo seu bem-estar e pelos seus estudos, que vivam, que cresçam, que brotem. Venha aquele frescor, ternura, brotos, alegria. Que sejamos abençoados, todos nós.”

Ela continua falando e falando, sem parar; há calmarias quando sua voz fica mais lenta, quase se transformando em um sussurro; depois vêm ondas de inspiração, momentos de fala intensa; ela boceja grandes bocejos, ri de júbilo, bate palmas no ritmo de sua interminável canção; mas depois da partida, os ápices do êxtase são alcançados, a intoxicação começa a diminuir, e ela soa o tema de voltar à existência normal e consciente do dia a dia novamente após esta excursão ao além, de reencontrar o ego que ela transcendeu:

“Voltaremos sem percalços, por um caminho fresco, um caminho bom, um caminho de bons ares; num caminho pelo milharal, num caminho pelo restolho, sem reclamação nem qualquer dificuldade, regressamos sem percalços. O galo já começou a cantar. Galo rico que nos lembra que vivemos nesta vida.”

O dia que amanhece é o de um mundo novo em que não há mais necessidade de caminhar até onde você vai. “Com ternura e frescor, vamos de avião, de máquina, de carro. Vamos de um lado a outro, procurando os rastros dos punhos, os rastros dos pés, os rastros dos pregos. “

Parecia que ela estava falando há oito horas. Os segundos de tempo foram ampliados, não pelo tédio, mas pela intensidade da experiência vivida. Quanto à temporalidade dos relógios, ela falava há apenas quatro horas quando concluiu com uma visão da transcendência que se tornara imanente e agora se retirara dela. “Existe a carne de Deus. Existe a carne de Jesus Cristo. Ali com a Virgem.” As palavras mais repetidas pela mulher são frescor e ternura; os do xamã, cujo discurso consideraremos agora, são o medo e o terror: o que se poderia chamar de pólos emocionais dessas experiências. Há uma doença de que falam os Mazatecas e que chamam de medo. Dizemos trauma. Caminham pelas suas montanhas ao longo dos seus árduos caminhos nos diferentes níveis do ser, subindo e descendo, à luz do sol e através das nuvens; por toda parte há grutas e abismos, bosques misteriosos, lugares onde vivem os “laa”, os pequeninos, anões e gnomos travessos. Rios e poços são habitados por espíritos com poderes de encantamento. À noite, nessas altitudes, os ventos sopram das profundezas, avançam para longe como monstros e passam, destruindo tudo em seu caminho com suas garras ferozes. Fantasmas aparecem nas brumas. Existem pessoas com mau-olhado. A existência no mundo e com os outros é traiçoeira, perigosa: algo inesperado pode acontecer com você e esse acontecimento, a menos que seja exorcizado, pode marcá-lo para o resto da vida.

Os indígenas dizem, seguindo as crenças de seus ancestrais, os siberianos, que a alma às vezes se assusta, o espírito vai, você é alienado de si mesmo ou possuído por outro: você se perde. É para esta neurose que os xamãs, os questionadores de enigmas, são os grandes médicos e os cogumelos o remédio. É tarefa do xamã mazateca procurar o espírito extravagado, encontrá-lo, trazê-lo de volta e reintegrar a personalidade do doente. Se necessário, paga os poderes que se apropriaram do espírito enterrando cacau, feijão de troca, envolto em pano de casca de oferenda, no lugar do susto que adivinhou pela visão. Os cogumelos, dizem os xamãs, mostram: você vê, no sentido que você percebe, isso lhe é revelado. “Traga seu espírito, sua alma”, implora a curandeira que acabamos de ouvir. “Deixe o espírito dela voltar de onde se perdeu, de onde ficou, de onde foi deixado para trás, de onde quer que seu espírito esteja vagando perdido.” Foi justamente com essa experiência traumática que começou a vocação xamânica do homem que estudaremos agora. Com quase cinquenta anos, ele come cogumelos há nove anos. Por que ele começou? “Comecei a comê-los porque estava doente”, disse ele quando questionado.(7)

“Por mais que os médicos me tratassem, não melhorei. Fui ao Hospital Latino-Americano. Também fui para Córdoba. Eu fui para o México. Fui para Tehuacán e não fiquei aliviado. Só com os cogumelos me curei. Tive que comer os cogumelos três vezes e o homem de San Lucas, que me deu, me propôs seu trabalho como curandeiro, dizendo: agora você vai receber meu estudo. Perguntei-lhe por que ele pensava que eu iria recebê-lo quando não queria aprender nada sobre sua sabedoria, só queria melhorar e ser curado da minha doença. Então ele me respondeu: agora não é mais você quem manda. Já é meio da noite. Vou deixar para vocês uma mesa com fumo moído e uma cruz embaixo para que aprendam esse trabalho. Diga-me qual dessas coisas você escolhe e gosta mais, disse ele, quando tudo estava pronto. Qual dessas obras você deseja? Respondi que não queria o que ele me ofereceu. Aqui você não dá ordens, respondeu ele; Sou eu quem vai dizer se você receberá ou não esse trabalho, porque sou eu quem vai te dar o seu diploma na presença de Deus. Então ouvi a voz do meu pai. Ele já estava morto há quarenta e três anos quando me falou pela primeira vez que comi os cogumelos: Este trabalho que está sendo dado a você, ele disse, sou eu quem lhe diz para aceitá-lo. Se você pode me ver ou não, eu não sei. Eu não conseguia imaginar de onde vinha essa voz que falava comigo. Foi então que o xamã de San Lucas me disse que a voz que eu ouvia era a do meu pai. A doença que eu sofria foi aliviada comendo cogumelos. Então eu disse ao velho, estou disposto a receber o que você me oferece, mas quero aprender tudo. Foi então que ele me ensinou a sugar o espaço com um tubo oco de cana. Sugar através do espaço significa que você que está sentado aí, eu posso tirar a doença de você através da sucção à distância.”

O que começou como uma doença física, a apendicite, tornou-se uma neurose traumática. Os médicos o levaram para uma sala de cirurgia – ele nunca havia estado em um hospital na vida – e o sufocaram com uma máscara de éter. E ele desistiu do fantasma enquanto lhe cortavam o apêndice. Quando ele acordou, ele estava assustado e deprimido, sem qualquer vontade de viver, ele estava farto. Em vez de se recuperar, ele ficou deitado como um morto com os olhos bem abertos, sem dizer nada a ninguém, de que adiantou, sua vida foi um fracasso, ele nunca se tornou o homem importante que aspirou ser durante toda a vida, agora era tarde demais; sua vida havia acabado e ele não tinha feito nada que seus filhos pudessem lembrar com respeito e admiração. Os médicos não puderam ajudá-lo porque não havia nada de errado com ele fisicamente; ao contrário do que acreditava, sobreviveu à operação; o corte em seu estômago foi costurado e curado; no entanto, ele permaneceu apático e indiferente, pois estava aterrorizado pela morte e seu espírito havia voado como um pássaro ou um cervo veloz. Ele precisava de alguém que saísse e caçasse para ele, para trazer de volta seu espírito e ressuscitá-lo.

O curandeiro, da aldeia vizinha de San Lucas, a quem ele chamou quando os médicos modernos não conseguiram curá-lo da estranha doença de que sofria, era conhecido em todas as montanhas como um grande xamã, um adivinho do destino. O velho baixo, franzino e enrugado tinha 105 anos. Ele deu ao seu paciente, que sofria de depressão, os cogumelos da vitalidade, e a terapia funcionou. Ele reviveu vividamente a operação em sua imaginação. Segundo ele, os cogumelos o abriram, arrumaram suas entranhas e costuraram novamente. Uma das razões pelas quais não se recuperou foi a sua convicção de que a medicina materialista era incapaz de realmente curar, uma vez que estava divorciada de toda cooperação com os espíritos e da dependência do sobrenatural.

Na sua imaginação, os cogumelos realizaram mais uma intervenção cirúrgica e corrigiram os erros do médico profano que considerava responsável pela sua letargia persistente. Ele passou por todo o processo em sua mente. Era como se ele estivesse operando sobre si mesmo, desfazendo o que lhe havia sido feito e fazendo tudo de novo. O trauma foi exorcizado. Ao visualizar intensamente, com uma consciência ampliada e ampliada, o que lhe acontecera sob anestesia, ele finalmente assumiu o acontecimento assustador que antes não conseguira integrar em sua experiência. Sua cura fisiológica foi completada psicologicamente; ele foi finalmente curado em virtude dos poderes assimilativos e criativos da imaginação. O morto voltou à vida, queria viver porque sentia mais uma vez que estava vivo e tinha forças para continuar a viver: antes exausto e desanimado, agora estava revigorado e rejuvenescido.

A cura dá certo porque não só seu espírito é despertado, mas também lhe é oferecido outro futuro: uma nova profissão que é uma compensação à sua humilde profissão de lojista. O antigo sábio, à beira da morte, quer transmitir ao homem no seu auge, o seu conhecimento. O que ele encontra é resistência. O outro não quer assumir a vocação de xamã, quer apenas ser curado, sem perceber que a cura é indissociável da aceitação da vocação que o libertará da repressão de suas forças criativas que causou a neurose com que ele está aflito. Não é mais você quem comanda, dizem-lhe, pois seu impulso de morrer é mais forte do que seu desejo de viver; portanto, a força contrária, para ser eficaz, não pode ser a dele: deve ser a vontade do outro transferida para ele. Você está muito longe para ter alguma palavra a dizer sobre o assunto, diz o curandeiro, já é meio da noite. Ao negar a vontade de seu paciente, ele a desperta e o prepara para aceitar o que lhe está sendo sugerido.

Mostra-lhe a mesa, o fumo, a cruz: sinais do trabalho do xamã. A mesa é um altar para trabalho. Quando os Mazatecas comem os cogumelos, eles falam das sessões como missas. O xamã, mesmo sendo uma figura secular não ordenada pela Igreja, assume um papel sacerdotal como líder dessas cerimônias. De modo semelhante, para os indígenas cada pai de família é o sacerdote religioso de sua casa. Acredita-se que o tabaco, San Pedro, tenha poderosos valores mágicos e curativos. A cruz indica um cruzamento de caminhos, uma intersecção de caminhos existenciais, uma mudança, além de ser o símbolo religioso da crucificação e da ressurreição. O xamã diz a ele para escolher. Mesmo assim o homem recusa. Quem manda não é você, diz o curandeiro que pretende evocar o outro eu do paciente para trazê-lo de volta à vida, o eu que é outro. Quer você queira ou não, você vai receber o diploma, diz ele, para incitá-lo com a perspectiva de prêmio e reputação. Vivendo numa cultura oral sem escrita, onde a aquisição de competências é tradicional, transmitida de pai para filho, de mãe para filhas e não contida em livros, para os mazatecas a sabedoria é adquirida nas experiências produzidas pelos cogumelos: são experiências de visão e comunicação que transmitem conhecimento.

Agora ele é falado. A voz interior torna-se subitamente audível. Ele ouve o chamado. Ele é instruído a aceitar a vocação de curandeiro que até agora tem assumido com firmeza. recusou. Ele não pode reconhecer esta voz como sua, deve ser de outra pessoa; e o xamã, decidido a dar-lhe um novo destino, seguro do talento que adivinhou, interpreta-lhe de qual região de si brota a ordem que ouviu. É seu pai quem está lhe dizendo para aceitar este trabalho. Uma característica de tais experiências transcendentais é que as relações familiares, em cujo nexo se forma a personalidade, tornam-se presentes para alguém com intensa vivacidade. Seu superego, em conjunto com a liberação de sua vitalidade, falou com ele e sua resistência foi liquidada; decide viver e aceita a nova vocação em torno da qual se reintegra sua personalidade: torna-se adepto das dimensões da consciência onde vivem os espíritos; um orador de palavras poderosas.

Na casa dele, entramos em um cômodo com paredes de concreto aparente e telhado alto de ferro corrugado. Sua esposa, envolta em xales, estava sentada numa esteira. Seus filhos estavam lá; sua família havia se reunido para comer cogumelos com o pai; um ou dois foram dados às crianças de dez e doze anos. A janela estava fechada e com a porta fechada, a sala estava isolada do mundo exterior; ninguém teria permissão de sair até que o efeito do que comeram tivesse passado, como precaução contra o perigo de perturbação. Ele era um homem baixo e corpulento, vestindo uma jaqueta reefer sobre uma camiseta, velhas calças marrons boca de sino até os pés curtos, um cartucho vazio em volta da cintura. No dia a dia, ele é dono de uma lojinha escassamente abastecida de enlatados, caixas de biscoitos, cerveja, refrigerante, doces, pães e sabonetes. Ele fica sentado atrás do balcão o dia todo olhando para a rua lamacenta da cidade onde cachorros rondam o lixo entre as pernas dos transeuntes. De vez em quando ele serve um copo de aguardente de cana para um cliente. Ele próprio não fuma nem bebe. Ele é um caçador em quem os instintos de seu povo sobrevivem desde a época em que eram caçadores e também agricultores: habitantes da Terra dos Veados.

Agora é noite e ele se prepara para exercer sua função xamânica. Seu bisavô era um dos conselheiros da cidade e curandeiro. Com o advento da medicina moderna e a invasão de estrangeiros em busca de cogumelos, os costumes xamânicos dos Mazatecas desapareceram quase completamente. Ele próprio já não acredita em muitas das crenças dos seus antepassados, mas como um dos últimos poetas orais do seu povo, mantém vivas conscientemente as suas tradições. “Como é bom”, diz ele, “falar como faziam os antigos”. Ele quase não fala espanhol e é fluente apenas em sua língua nativa. Espalhando os cogumelos à sua frente, ele selecionou e entregou um punhado deles a cada um dos presentes após abençoá-los na fumaça do copal. Depois de comidos, as luzes se apagaram e todos ficaram sentados em silêncio. Então ele começou a falar, sentado numa cadeira da qual se levantou para dançar, girando e arrastando-se enquanto falava na escuridão. Chovia torrencialmente, a chuva trovejava no telhado de ferro corrugado. Houve trovões. Relâmpagos na janela.

“Cristo, Nosso Senhor, ilumina-me com a luz do dia, ilumina minha mente. Cristo, Nosso Senhor, não me deixe nas trevas nem me cegue, você que sabe dar a luz do dia, você que ilumina a noite e dá a luz. Assim fez a Santíssima Trindade que fez e formou o mundo de Cristo, Nosso Senhor, iluminou a Lua, diz; iluminou a Grande Estrela, diz; iluminou a Estrela da Cruz, diz; iluminou a Estrela Gancho, diz; iluminou a Sandália, diz; iluminou o Cavalo” diz.

Quem come o cogumelo cai na sonolência durante a transição de uma modalidade de consciência para outra, numa absorção profunda, num devaneio. Gradualmente, as cores começam a surgir atrás dos olhos fechados. A consciência torna-se consciência de irradiações e refulgências, de um fluxo de padrões de luz que se formam e se desfazem, de correntes elétricas irradiando de dentro do cérebro. Neste momento inicial de despertar, vivenciando o amanhecer de luz no meio da noite, o xamã evoca a iluminação das constelações na gênese do mundo. As descrições mitopoéticas da criação do mundo são temas constantes destas experiências criativas. Desde o início, a visão que suas palavras criam é cosmológica. Os fenômenos subjetivos recebem correlações no mundo natural e elementar. Não se está dentro, mas fora.

“Este velho falcão. Este falcão branco que São João Evangelista segura. Que assobia na madrugada. Assobia à luz do dia. Assobia sobre a água.” De asas abertas, o pássaro anunciador, imagem da ascensão, círculos no céu da manhã, flutuando no vento do espírito acima do terreno primordial que o orador começou a explorar e delinear, sua respiração, suas inalações e exalações, amplificadas como seu ser expandido: uma explicação para a súbita expulsão de ar, os assovios e assobios agudos e misteriosos dos xamãs em seus vôos transcendentais para o além. “Caminho reto, diz. Caminho do amanhecer, diz.

Caminho da luz do dia, diz.” Através dos campos do ser há muitas direções a seguir, as existências são diferentes formas de viver a vida. A ideia de caminhos, que aparece tão frequentemente nos discursos xamânicos dos Mazatecas, advém do facto de estas experiências originárias serem criadoras de intenções. Estar em movimento, percorrendo um caminho, é uma visão expressiva da condição extática. O caminho que o orador segue é aquele que leva diretamente ao seu destino, à realização do seu propósito; o caminho do início revelado pelo sol nascente na hora do pôr-do-sol; o caminho da verdade, da clareza, daquilo que se revela no seu estar ali à luz do dia.

“Onde está a ternura de São Francisco Huehuetlan, diz. Onde está a Santíssima Virgem de São Lucas, diz. Onde está São Francisco Tecoatl, diz. San Geronimo Tecoatl, diz.” Ele começa a nomear as cidades de seu ambiente montanhoso, a dar vida à paisagem pela linguagem e a transformar o real em signos. Não é um mundo imaginário de fantasia que ele está criando, como aqueles que nos acostumamos a ouvir através dos relatos de sonhadores sob os efeitos de tais substâncias químicas psicoativas, terras lendárias de nostalgia, palácios e perspectivas preciosas, mas o mundo real no qual ele vive e trabalha transfigurado por sua jornada visionária e sua expressão linguística em um reino surreal onde o físico e o mental se fundem para produzir o brilho de um significado enigmático.

“Eu sou aquele que fala com a montanha pai. Sou aquele que fala com o perigo, vou varrer nas montanhas do medo, nas montanhas dos nervos”. O outro eu se anuncia, o ego transcendental, o eu da voz, o eu da força em comunicação com a força. Com sua existência intensificada, ele se posiciona por suas afirmações: eu sou quem. A referência simultânea a si mesmo na primeira e na terceira pessoa como sujeito e objeto indica a personalidade impessoal de seus enunciados, enunciados por ele e pelos próprios fenômenos que se expressam através dele. Ele afirma arrogantemente a sua função xamânica de mediador entre o homem e os poderes que determinam o seu destino; é ele quem conversa com tudo conotado por pai: poder, autoridade e origem. Ele é aquele que conhece bem as fontes do medo. A concepção de existência manifestada por suas palavras é de perigo, ansiedade e terror: experiências das quais ele se tornou conhecedor em virtude de seus próprios traumas, de sua vida como caçador e de suas aventuras nas regiões estranhas e secretas da psique. . Onde há pressentimentos e tremores, o curandeiro tranquiliza exorcizando as causas da perturbação. A sua obra reside entre os nervos, não no submundo, mas nas alturas, lugares de tanta angústia como as profundezas, onde a euforia da elevação é acompanhada pelo medo de cair no vazio dos abismos. Talvez seja por isso que, em toda a América Central e do Sul, a concepção de doença nas áreas de selva é a paranóia da bruxaria, enquanto nas áreas montanhosas prevalece a ideia vertiginosa de medo e perda de si. (8)

“Lá em Bell Mountain, diz. Lá está o medo sujo. Lá está o lixo, diz. Lá está a garra, diz. Lá está o terror, diz. Onde está o dia, diz. Onde está o palhaço, diz. O Lorde Palhaço, diz.” Na visão ele vê, em todo o seu ser ele sente um lugar repulsivo de sujeira e contaminação, um local fedorento de pustulência, de podridão e náusea, onde está uma garra que poderia ter tratado com crueldade uma ferida infectada. Suas palavras, emanando maldade, parecem insinuar algum ato horrível que deixou um rastro de culpa. O sinistro paira no ar. Onde? Onde está o palhaço, ele diz. A preocupação e a despreocupação estão ligadas, o pavor e o riso, a partir dos quais captamos uma visão do significado do assunto: durante tais experiências de libertação, é provável que sejam encontradas perturbações da consciência pela consciência, quando a reflexão entra em conflito com a espontaneidade, culpa com inocência. É como se o eu recuasse assustado da sua ebulição, do seu esquecimento, incapaz de suportar a sua despreocupação por muito tempo sem ansiedade. Mas o exuberante jorrar das formas é incessante, neste fluxo, nesta fonte, neste brotar energético da vida, o passado é deixado para trás para o futuro, tudo se renova. Além do bem e do mal está a ludicidade do espírito criativo encarnado pelo palhaço, personagem do acaso, do riso com sua ciência alegre.

“Treze redemoinhos superiores. Treze redemoinhos da atmosfera. Treze palhaços, diz. Treze personalidades, diz. Treze luzes brancas, diz. Treze montanhas de pontos, diz. Treze falcões velhos, diz. Treze falcões brancos, diz. Treze personalidades, diz. Treze montanhas, diz. Treze palhaços, diz. Treze picos, diz. Treze estrelas da manhã.”

A enumeração, pelo que parece ser um processo de associação livre, de redemoinhos, palhaços, personalidades, luzes, montanhas, pássaros e estrelas, é uma expressão de sua inventiva extática. Quer ele diga o que vê ou veja o que diz, sua consciência ativada é um turbilhão de imaginações e luzes coloridas. Por que sempre treze? Porque doze é muitos, mas é um número par, enquanto treze é demais, um exagero, e significa uma multidão. Além do mais, ele provavelmente gosta do som da palavra treze.

A sessão em forma de cogumelo da linguagem cria a linguagem, cria as palavras para fenômenos sem nome. As luzes brancas que às vezes aparecem no céu à noite, ninguém sabe como chamá-las. A mente ativada pelos cogumelos, vinda do centro do mistério, das fontes semânticas mais profundas do humano, inventa uma palavra para designá-los. Os antigos sábios, para descrever as iluminações caleidoscópicas de suas noites xamânicas, traçaram uma analogia entre o interior e o exterior e formaram uma palavra que relacionava o espectro de cores criado pela luz do sol nos borrifos das cachoeiras e nas brumas da manhã com seus experiências conscientes de iluminação extática: estes são os redemoinhos de que ele fala, configurações giratórias de luzes iridescentes que lhe aparecem enquanto ele fala, girando e girando e girando em torno de si mesmo pelos ventos turbulentos do espírito. Os palhaços são personagens frequentes em seu discurso, os cogumelos travessos ganham vida, personificações da alegria, invenções do espontâneo realizando incríveis feitos acrobáticos, imaginações engraçadas de alegria. Personalidades são mais sérias. Outros. Sociedade. Os rostos das pessoas que ele conhece aparecem para ele e depois desaparecem para serem sucedidos pela aparição de mais pessoas. A pluralidade de consciências encarnadas torna-se presente para ele. Multidão. O mundo dele é elementar, onde pássaros cruéis e predadores voam no céu; onde a estrela da manhã brilha no firmamento. Fora do quarto escuro onde ele está falando, as montanhas ficam por toda parte durante a noite.

“Sou aquele que fala com a montanha perigosa, diz. Eu sou aquele que fala com a Montanha das Cumes, diz. Eu sou aquele que fala com o Pai, diz. Eu sou aquele que fala com a Mãe, diz. Onde joga o espírito do dia, diz. Montanha de Água Fria, diz. Montanha do Rio Grande, diz. Montanha da Colheita e da Riqueza, diz. Onde está o terror do dia, diz. Onde está o caminho da madrugada, o caminho do dia.” diz.

É significativo que, embora a experiência psicodélica produzida pelos cogumelos seja de elevada perceptividade, o que eu digo é de importância privilegiada em relação ao que vejo. A escuridão total da sala, isolada do exterior, impossibilita qualquer percepção direta do mundo: condição de interiorização para o seu renascimento visionário em imagens. Nessa escuridão, abrir os olhos é o mesmo que deixá-los fechados. A escuridão está viva com desenhos impalpáveis ​​no ar milagroso. Mesmo as aparências das outras presenças, por modéstia, são protegidas pela obscuridade do olhar demasiado penetrante e revelador da percepção transcendental. Livre da factualidade do dado, a atividade constitutiva da consciência produz visões. É este aspecto de tais experiências, com exclusão de todas as outras, que as levou a serem chamadas de alucinógenas, sem que tenha sido feita qualquer tentativa de distinguir fantasia de intuição. O xamã mazateca, porém, em vez de ficar calado e sonhar, como se esperaria que ele fizesse se a experiência fosse meramente imaginativa, fala. Há momentos em que, em meio ao seu êxtase, assobiando e girando, ele exclama: “Veja como estamos vendo lindos!” – surpreso com as iluminações e padrões que percebe – “Veja como estamos vendo lindos!” . Veja quantas coisas boas de Deus existem. No entanto, o eu que fala enuncia uma acção e uma função, dotadas de uma importância e de uma eficácia que eu sou aquele que vê, pouco mais que uma interjeição de espanto, carece totalmente.

“Eu sou aquele que fala. Eu sou aquele que fala. Eu sou aquele que fala com as montanhas, com as montanhas maiores. Fala com as montanhas, diz. Fala com as pedras, diz. Fala com a atmosfera, diz. Fala com o espírito do dia.” Para os Mazatecas, as montanhas são onde estão os poderes, seus cumes, suas cordilheiras, irradiando eletricidade durante a noite, seus picos e suas bordas oscilando nos horizontes dos relâmpagos. Falar com é estar em contato, em comunicação, em conversa com o espírito animado do inanimado, com o material e o imaterial. Falar com é ser falado. Pela conversão do seu ser, o xamã tornou-se transmissor e receptor de mensagens.

“Eu sou o relâmpago seco, diz. Sou o relâmpago do cometa, diz. Sou o relâmpago perigoso, diz. Sou o grande relâmpago, diz. Sou o relâmpago dos lugares rochosos, diz. Sou a luz de o amanhecer, a luz do dia, diz.” Ele se identifica com os elementos, com o crepitar da eletricidade; ele mesmo é sobre-humano e elemental, suas palavras saem dele como um raio. Faíscas voam entre as conexões sinápticas dos nervos. Ele está iluminado com luz. Ele é luminoso. Ele é força, luz e fala rítmica e dinâmica.

O mundo criado pelas palavras da mulher, articulando a sua experiência, era feminino, materno, doméstico; o discurso masculino do xamã evoca o mundo natural, ontológico. “Ela está implorando por você, essa pobre e humilde mulher”, disse a xamã. “Mulher de huipile, diz. Mulher simples, diz. Mulher que não tem nada, diz.” O homem, consciente de sua virilidade, anuncia: “Eu sou aquele que brilha”.

“Onde está a ravina suja, diz. Onde está a ravina perigosa, diz. Onde está a grande ravina, diz. Onde está o medo e o terror, diz. Onde corre a água lamacenta, diz. Onde corre a água fria, diz .” É uma paisagem de ravinas, montanhas e riachos, ele mapeia com suas palavras, de qualidades físicas com valores emocionais: um terreno do ser em suas variações. Ele evoca a criação, a gênese de todas as coisas desde os tempos das brumas; ele elogia, se maravilha, se maravilha com o mundo. “Deus, o Espírito Santo, ao criar e unir o mundo. Fez grandes lagos. Fez montanhas. Olhe para a luz do dia. Veja quantos animais. Olhe para o amanhecer. Olhe para o espaço. Grandes terras. Terra de Deus o Espírito Santo.” Ele assobia. A alma foi originalmente concebida como respiração. O vento, diz ele, está passando pelas árvores da floresta. O seu espírito vai voando de um lugar para outro pelo território da sua existência, situando os vários locais do mundo nomeando-os, chamando-os à existência visitando-os com as suas palavras: onde está, diz ele, onde está, para criar a geografia da realidade dele. Eu estou, onde está. Ele desdobra as extensões do espaço ao seu redor, aponta e torna presente como se ele próprio estivesse ali. “Onde está o sangue de Cristo, diz. Onde está o sangue do adivinho, diz. Onde está o terror e o susto do dia, diz. Onde está o lago superior, diz. Onde está o grande lago, diz. Lá onde está pássaros grandes voam, diz. O mundo não é apenas paradisíaco por existir, mas também assustador, com perigos à espreita por toda parte. “Montanhas de grandes redemoinhos. Onde está a fonte do terror. Onde está a fonte do medo.” E os diferentes lugares são habitados por presenças, por espíritos residentes, os gnomos, as pessoas pequenas. “Gnomo da Água Fria, diz. Gnomo de Água Clara, diz. Gnomo de Big River, diz. Grande Gnomo. Gnomo da Montanha Queimada. Gnomo do espírito do dia. Gnomo da Montanha Tlocalco. Gnomo do Posto de Marcação. Gnomo Branco. Gnomo Delicado.”

O xamã, diz Alfred Metraux, é “um indivíduo que, no interesse da comunidade, mantém por profissão um comércio intermitente com os espíritos ou é possuído por eles”. (9) De acordo com a concepção clássica, derivada dos visionários extáticos da Sibéria, o xamã é uma pessoa que, por uma mudança na sua consciência cotidiana, entra nos reinos metafísicos do transcendental para negociar com os poderes sobrenaturais e obter um compreensão das razões ocultas dos acontecimentos, das doenças e de todo tipo de dificuldade. Os curandeiros Mazatecas são, portanto, xamãs em todos os sentidos da palavra: o seu meio de inspiração, de abertura dos circuitos de comunicação entre si, os outros, o mundo e os espíritos, são os cogumelos que revelam, pelo seu poder psicoativo, uma outra modalidade de atividade consciente do que o normal. O simples fato de comer cogumelos, entretanto, não faz um xamã. Os indígenas reconhecem que não é para todos que falam; em vez disso, há alguns que têm um desejo de despertar, uma disposição para explorar as dimensões surrealistas da existência, a necessidade de um poeta de se expressar numa linguagem superior à linguagem comum da vida cotidiana: para eles, num sentido muito particular, os cogumelos são o remédio de seu gênio. No entanto, existe uma ideia muito definida entre os Mazatecas sobre o que o curandeiro faz, e uma vez que os cogumelos são o seu meio de se converter à condição xamânica, as características essenciais desta variedade particular de experiência psicodélica devem ser manifestadas pelas suas atividades.

“Eu sou aquele que reúne”, diz o curandeiro para definir sua função xamânica:

“Sou quem fala, quem busca. Sou aquele que procura o espírito do dia. Procuro onde há medo e terror. Eu sou aquele que conserta, aquele que cura o doente. Fitoterapia. Remédio do espírito. Remédio para o clima do dia. Eu sou aquele que tudo resolve. Verdadeiramente você é homem o suficiente para resolver a verdade. Você é aquele que monta e resolve. Você é quem monta a personalidade. Você é aquele que fala com a luz do dia. Você é aquele que fala com terror.”

É imediatamente óbvio que existe uma discrepância entre a concepção indígena do efeito dos cogumelos e as ideias da psicologia moderna: enquanto nos relatórios de investigação experimental se diz que eles produzem despersonalização, esquizofrenia e perturbação, o xamã Mazateca, inspirado por eles, considera ele mesmo dotado do poder de reunir o que está separado: ele pode curar a personalidade dividida, liberando da repressão as fontes da existência para revelar a vida extática do eu integral; e a partir de pistas díspares, pela súbita síntese da intuição, concretizar a solução dos problemas. As palavras com que ele afirma o que é o seu trabalho indicam uma atividade criativa que não está fora do âmbito da razão nem fora do contato com a realidade. Centro de campos de mensagens convergentes, sensível ao significado de tudo o que o rodeia, ele expressa e comunica, em contacto direto com os outros através da fala, um articulador do não dito que liberta pela linguagem e faz compreender. Suas intuições penetram nas aparências até a essência dos assuntos. A realidade revela-se através dele em palavras, como se tivesse encontrado uma voz para se expressar. O xamã é um significante em busca de significado, com a intenção de trazer à luz o que está oculto, o obscuro, o lúcido, intrépido o suficiente para perceber que os maiores segredos estão em regiões de perigo. Ele é o médico não só do corpo, mas de si mesmo, aquele que investiga as origens do trauma, o interrogador do familiar e do misterioso. Na verdade, é como se aquilo que ele comeu, em virtude das possibilidades que lhe descobre, fosse do espírito, pois a percepção torna-se mais aguçada, a fala mais fluente e a consciência do significado é acelerada. Os cogumelos são um remédio ao qual se recorre para resolver perplexidades porque a experiência é criadora de intenções. Concebe-se o caminho a partir da problemática, o sentido da resolução. O xamã, é aquele que está em comunicação com a luz e com as trevas, que sabe da ansiedade e como dissipá-la: o homem da verdade, psicólogo da alma perturbada.

“Onde está o medo? Onde está o terror? Onde ficou o espírito desta criança? Tenho que procurar por isso. Tenho que localizá-lo. Eu tenho que detê-lo. Eu tenho que pegar. Eu tenho que ligar. Tenho que assobiar no meio do terror. Tenho que assobiar através das nuvens cúmulos. Tenho que assobiar com o espírito do dia.”

Mais uma vez surge a noção de alienação, a doença do medo, a perda do eu. A tarefa do xamã, caçador de espíritos extravagantes, é reassociar o dissociado. Ele mesmo explica seu método com estas palavras:

“Sob o efeito dos cogumelos, o espírito perdido é assobiado através do espaço, pois o espírito é alienado, mas por meio dos cogumelos pode-se invocá-lo com um assobio. Se a pessoa está assustada, os cogumelos sabem onde está o seu espírito. São eles que indicam e ensinam onde está o espírito. Assim pode-se falar com ele. O doente vê então o lugar onde ficou o seu espírito. Ele se sente como se estivesse amarrado naquele lugar. O espírito é como uma borboleta presa. Quando é assobiado chega onde se está chamando. Quando o espírito chega na pessoa, o doente suspira e depois é limpo.”

Torna-se evidente pelas palavras usadas para descrever a condição de susto – diz-se que o espírito foi deixado para trás, ficou em algum lugar, foi amarrado e, como veremos mais tarde, aprisionado – que, assim como no etiologia das neuroses, a doença é uma fixação num acontecimento traumático do passado que o indivíduo é incapaz de transcender e do qual deve ser libertado para ser curado. Não é por acaso que os cogumelos, que provocam a fuga do espírito, devam ser considerados o meio de afugentar o que voou. O xamã sai em busca; pela imaginação empática, às vezes até pelo diálogo com a pessoa perturbada, ele obtém uma visão das razões do estado de choque, o que lhe permite tornar as suas invocações relevantes para o caso individual. O paciente, pelo poder mnemônico dos cogumelos, livre de inibições e repressões, relembra o acontecimento traumático, supera a síndrome de repetição que o perpetua em virtude da espontaneidade extática que dele foi liberada, sofre uma catarse e é trazido de volta à vida, integrado novamente.

Outro método de recuperar o espírito perdido, usado assim como a invocação, é a troca por ele. Comerciantes, os Mazatecas concebem todas as transações em termos de comércio, de troca de um valor por outro. Ao longo de seu discurso, o xamã, lojista no cotidiano, sonha com dinheiro, com riqueza, com a libertação da pobreza. “Banco Pai. Banco Grande. Onde está a luz do dia. Córdoba. Orizaba.” Ele cita as cidades onde os comerciantes de Huautla vendem no mercado sua principal safra comercial – o café. “Onde está o Banco Superior, diz. Onde está o Banco Grande, diz. Onde está o Banco Bom, diz. Onde há dinheiro de ouro, diz. Onde há dinheiro de prata, diz. Onde há notas grandes, diz . Onde está o banco do ouro, diz. Não é de surpreender que entre essas pessoas mercantis se considere possível comprar de volta o espírito perdido, recuperá-lo em troca de outro valor.

“Onde está o susto do espírito. Vou pagar ao espírito. Vou pagar o dia. Vou pagar as montanhas. Vou pagar as esquinas.” O xamã se torna um negociador transcendental. Os poderes sobrenaturais lhe dizem o quanto eles exigem como resgate pelo espírito que expropriaram, então ele se compromete a fazer o acordo. Ele mesmo explica desta forma:

O cacau serve para pagar a montanha e para pagar a vida do doente. O Senhor da Montanha pede uma galinha. Este é um assunto importante porque são os Mestres das Montanhas que falam. Essa é a crença dos antigos. A galinha é quem tem que carregar o cacau. Carregado de cacau tem que ir e deixar a oferenda na montanha. Uma vez na montanha, vendo-o carregado, ninguém se preocupa em pegá-lo, pois já pertence aos Mestres da Montanha, onde está perdido para sempre. O cacau que carrega é dinheiro para o Mestre da Montanha. O papel da casca é usado para embrulhar o embrulho e a pena de papagaio que o acompanha. O significado da pena do papagaio é que é como se o próprio papagaio chegasse à montanha. É ele quem chega anunciando com suas canções a chegada da galinha carregada de cacau, a chegada do dinheiro para pagar o que foi pedido, como se estivesse sendo paga a liberdade de um preso. É como se uma autoridade lhe dissesse: “Este preso será libertado mediante uma multa de cem pesos e se não for paga não será libertado”. A transação provavelmente tem o efeito psicológico de amenizar a ansiedade com a garantia de que os poderes irritados por uma transgressão foram apaziguados.

Como vimos, embora esses cantos xamânicos sejam criações de linguagem criadas pela criatividade individual dos falantes, a estrutura dos discursos, frases curtas articuladas em sucessão terminadas pela pontuação da palavra diz, tendem a ser semelhantes de pessoa para pessoa. , determinado em grande parte pela cultura e pela tradição, como é dito em grande parte. Um exemplo é a reiteração invocatória de nomes, característica comum a todas as sessões xamânicas de fala mazatecas. Os nomes repetidos pelos curandeiros indianos, católicos devotos, são os da Virgem e dos santos. Na antiguidade, outras divindades devem ter sido nomeadas, mas sem dúvida, nomear e tornar presentes sempre desempenhou um papel nesses cantos. “Santa Virgem do Santuário. Santa Virgem. São Bartolomeu. São Cristóvão. São Manuel. Santo Padre. São Vicente. São Marcos. São Manuel. Virgem Guadalupe, Rainha do México.” Cantar os santos nomes serve ao poeta oral, como as frases estereotipadas da canção homérica, para manter o canto durante os interlúdios de inspiração; ao mesmo tempo, a enunciação rítmica é uma narração de identidades, uma expressão da interpessoalidade da consciência. Recordando novamente a afirmação de Husserl: A subjetividade transcendental é intersubjetividade. O nome é a palavra para a pessoa. Na mente de quem fala, uma identidade após outra se torna presente, os nomes evocam pessoas, a visão das pessoas evoca nomes. Em vez de nomear os próprios conhecidos, o que poderia ocorrer num discurso dessacralizado, o xamã invoca os santos. A nomenclatura sagrada é uma sublimação da nomenclatura das relações familiares e sociais.

Agora é de seu eu cotidiano, de sua esposa e de sua família que ele fala. “Nossos filhos vão crescer e viver. Entendo. Vejo minha esposa, minha pequena mulher trabalhadora. Eu a amo. Falo com ela através do espaço. Falo com ela através das nuvens. Invoco seu espírito. Nada nos acontecerá.” O homem e a mulher, o casal e os filhos, esse é o seu tema agora que o amor pela família brota no seu coração.

“Nada pode acontecer conosco. Continuaremos vivendo. Continuaremos vivendo na companhia da minha esposa, do meu povo. Não devemos deixar nossa esposa irritada. Fomos recebê-la diante de Deus, diante de Deus, no Santíssimo Sacramento, diante do altar. Houve uma grande massa, houve uma massa de união. Conseguimos respeitar-nos uns aos outros durante quarenta e três dias e por isso Deus dispôs que os nossos filhos nascessem e vivessem. Por isso nossas sementes deram frutos, nossa prole cresceu, prole e semente que Deus Nosso Senhor nos deu.

Aquele que fala e diz, talvez haja rumores de que o trabalho que ele está fazendo, essa pessoa, é ótimo, que o rancho dele é grande. Ele não é presunçoso. Ele é uma pessoa humilde. Ele é uma pessoa trabalhosa. Ele é uma pessoa de problemas. Ele é uma pessoa que já emprestou seus serviços como autoridade. Ele se realizou, seus dons são herdados, é de pessoas importantes: Justo Pastor, Juan Nazareno. Ele é de uma raiz grande, uma raiz importante. Árvores grandes, árvores velhas. Todos os nossos filhos viverão, diz. Terá uma boa colheita. Criarão seus animais. Bem-estar e prazer na sua cana-de-açúcar, nos seus cafezais. Ainda viverei muito tempo. Serei um velho de cabelos grisalhos, continuarei vivendo com minha prole e com meu povo. Meus filhos terão educação e bem-estar. A educação deve ser dada aos meus filhos.”

Ele fala das mudanças pelas quais passa, das transformações e permutações de sua consciência extática no decorrer de sua temporalização – a sensação de jogo, os riscos, os momentos de susto, a presença de luz e vigor. “Vira um jogo de azar, diz. Transforma-se em terror, diz. Transforma-se em espírito, diz.”

Ele assobia, canta e dança. “Aquilo que soa é harpa na presença de Deus e do Anjo da Guarda. Brinca no espaço, toca nas pedras, toca nas montanhas, toca nos cantos, toca o medo, toca o terror, toca o dia.” Ele toca as facetas do mundo como se fossem instrumentos musicais. Coisas e emoções, ao contato de seu canto e toque, são magicamente resolvidas em tonalidades vibrantes e retumbantes, em música-música de montanhas e rochas, de espaço e medo. “Onde soam as árvores, diz. Onde soam as pedras, diz. Onde soam as cestas. Onde soa o espírito do dia.” Ele ouve o toque, o zumbido e o zumbido da sua consciência efervescente e encontra analogias para os sons que ouve nas câmaras de eco dos seus tímpanos: o sussurro do vento através das árvores, o tilintar das pedras, o ranger dos cestos. Ele assobia e canta. Suas palavras surgem da articulação melódica de sons inarticulados, do movimento físico de seu giro rítmico e de seu arrastar na escuridão. “Que lindo eu canto”, ele exclama. “Quão lindo eu canto. Quantos bons prazeres nos concede o Senhor do Mundo.” Ele dança tentando atingir um nível ainda maior de exaltação. “Como eu danço lindamente. Como eu danço lindamente.” A repetição é um dos aspectos do discurso, assim como da pulsação das ondas de energia.

“Esta pessoa é valente”, diz ele sobre si mesmo. “Ele é do povo de Huautla, é Huautecano. Com grande velocidade chama e assobia para os espíritos entre as montanhas; assobia o susto do espírito.” Então ele enlouquece. Ele se joga no ataque xamânico, sua voz muda, passa a ser a de outra, mais áspera, mais gutural, e começa a falar na fala de San Lucas de onde veio seu antigo mestre, uma cidade no meio do milho em alta pico varrido pelo vento, ele relembra seu ancestral espiritual, o antigo sábio que lhe ensinou o uso dos cogumelos gnômicos. “Ele é uma pessoa de potes. Ele é de San Lucas. Uma pessoa de pratos. Ele é uma pessoa de potes e tigelas. Ele é velho.” San Lucas é o local onde é feita toda a cerâmica neolítica preta e sem adornos usada em toda a região. Os homens vão de cidade em cidade carregando nas costas os jarros cheios de samambaias para vendê-los nos mercados das aldeias montanhosas. “Velho de panelas, pratos, tigelas. Essa é a gente do centro. Falam com arrogância com as montanhas. Ele é de San Lucas. Fala com o turbilhão, com o turbilhão do interior.”

Pelo que ele mesmo conta deste velho xamã, aparecem vestígios dos tempos em que o xamã do Povo do Cervo, intermediário entre o homem, a natureza e o divino, era um taumaturgo que presidia à fertilidade e à caça. “Tive que visitar o mesmo curandeiro”, conta, “quando íamos caçar. Tive que preparar para ele um ovo, um ovo para ser oferecido à montanha. você quer. É como se você fosse comprar um animal”, disse ele.

“É ele quem diz quanto se deve pagar. Ele vai deixar o ovo. Depois os cães vão para a floresta e começam a trabalhar. É necessário esfregar tabaco no topo da cabeça dos cães. Mas com o ovo e vinte e cinco grãos de cacau, o mestre tem certeza de que o veado já está comprado. Paguei pelo jogo, diz o verdadeiro xamã. E cada vez que íamos caçar, tínhamos a certeza de encontrar veados, porque um bom xamã de San Lucas pode transformar uma árvore ou uma pedra em veado, uma vez que trocou o seu valor com o Senhor da Montanha. Tínhamos certeza de que encontraríamos cervos porque eles haviam sido pagos.”

“Lá vêm os Huautecanos. Aí vêm os Huautecanos.” Dançando na escuridão, batendo o casaco nas laterais do corpo para imitar o salto de um cervo assustado pela vegetação rasteira, ele, o caçador de espíritos e de caça, latindo como os cães que se aproximam do animal encurralado, conta uma história de caça, falando rapidamente com intensa excitação na voz rouca de alguém de San Lucas que vê de seu ponto de vista os caçadores de Huautla ao longe:

“Ouça como seus cães latem. É um cachorro velho. Aqui eles vêm pela Montanha Triste. Eles estão trazendo sua matança. Há latidos na montanha. Aí vêm eles. Ouça como soam seus braços. Já atiraram em um cervo colorido. Eles pagam as montanhas. Eles pagam os cantos. O cervo foi morto porque os Huautecans pagaram o preço. Eles pagaram o espírito. Pagou a Montanha Careca. Pago a Montanha Oca. Pago a montanha do espírito do dia. Paguei cinquenta pesos. Você não pode fazer o que quiser. É necessário pagar ao Gnomo Branco. Os Huautecans são como palhaços. Eles estão carregando o cervo pelo caminho. Os rifles dos Huautecans são muito bons. Essas pessoas são pessoas importantes. Eles sabem o que estão fazendo. Eles sabem como chamar o espírito. Os Huautecans chamam seus cães tocando uma buzina. Os cães já estão chegando perto.”

A história chega quase no final de seu discurso. O efeito dos cogumelos dura aproximadamente seis horas; geralmente é impossível dormir até o amanhecer. Em todas essas aventuras, no final, surge a ideia de um retorno de onde se foi, o retorno à consciência cotidiana. “Volto para recolher essas crianças sagradas que serviram de remédio”, diz o xamã, chamando seus espíritos de volta da fuga para o além, a fim de voltarem a ser o que eram normalmente. “Palhaços idosos. Palhaços brancos.” Ele chama os cogumelos de crianças santas e palhaços, relacionando-os, por meio de suas personificações, a seres jovens e alegres, brincalhões, criativos e sábios.

“Vem chegando a aurora da madrugada e a luz do dia. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, pelo sinal da Santa Cruz, livra-nos Nosso Senhor dos nossos inimigos e de todo o mal. “

O que começou nas profundezas da noite com a iluminação das constelações interiores nos espaços da consciência termina com a chegada da luz do dia após uma noite de fala contínua e animada. “Eu sou quem fala”, diz o xamã mazateca.

“Eu sou aquele que fala. Eu sou aquele que fala com as montanhas. Eu sou aquele que fala com os cantos. Eu sou o médico. Eu sou o homem dos remédios. Eu sou. Eu sou aquele que cura. Eu sou aquele que fala com o Senhor do Mundo. Estou feliz. Eu falo com as montanhas. Eu sou aquele que fala com as montanhas dos picos. Eu sou aquele que fala com a Montanha Calvo. Eu sou o remédio e o curandeiro. Eu sou o cogumelo. Eu sou o cogumelo fresco. Eu sou o grande cogumelo. Eu sou o cogumelo perfumado. Eu sou o cogumelo do espírito.”

Os Mazatecas dizem que os cogumelos falam. Ora, os investigadores (10) de fora deveriam ter ouvido melhor os sábios indígenas que tinham experiência do que eles, os brancos da razão, não tinham. Se os cogumelos são alucinógenos, por que os indígenas os associam à comunicação, à verdade e à enunciação do sentido? Uma alucinação é uma falsa percepção, seja visual ou audível, que não tem nenhuma relação com a realidade, uma ilusão ou delírio fantástico: o que aparece, mas não tem existência exceto na mente. Os sonhos vívidos da experiência psicodélica sugeriam alucinações: tais imaginações ocorrem nessas condições visionárias, mas são fenômenos marginais e não essenciais de uma liberação geral da atividade espontânea, extática e criativa da existência consciente. As alucinações predominaram nas experiências dos investigadores porque eram experimentadores passivos do efeito transformador dos cogumelos. Os xamãs indígenas não são contemplativos, são trabalhadores que se expressam ativamente através da fala, criadores empenhados num esforço de divulgação ontológica e existencial. Para eles, a condição xamânica provocada pelos cogumelos é intuitiva e não alucinatória. O que se imagina tem uma relação ética com a realidade, é muitas vezes o caminho a ser seguido. Ver é perceber, compreender. Mas ainda mais importantes do que as visões para o xamã mazateca são as palavras tão reais quanto as realidades do real que pronunciam. É como se os cogumelos revelassem uma atividade primordial de significação, pois uma vez que o xamã os comeu, ele começa a falar e continua a falar durante toda a sessão xamânica de linguagem extática. O fenômeno mais característico do efeito dos cogumelos é a capacidade inspirada de falar. Aqueles que os comem são homens de linguagem, iluminados pelo espírito, que se autodenominam os que falam, os que dizem. O xamã, cantando em uma canção melódica, dizendo diz no final de cada frase do dito, está em comunicação com as origens da criação, as fontes da voz e as fontes da palavra, relacionadas com a realidade a partir do coração de seu êxtase existencial pela mediação ativa da linguagem: a articulação do sentido e da experiência. Chamar de alucinatórias essas experiências transcendentais de luz, visão e fala é negar que sejam reveladoras da realidade. Nos antigos códices, nos livros coloridos, sentam-se as figuras, hieróglifos de palavras, segurando nas mãos os cogumelos da linguagem aos pares: signos de significação.

 


(2). A inspiração produzida pelos cogumelos é muito parecida com a descrita por Nietzsche em Ecce Homo. Desde a afirmação de Rimbaud, “eu sou outro”, a linguagem espontânea, falar ou escrever como se fosse ditado (para usar a expressão comum para uma atividade muito difícil de descrever em sua verdade) tem sido de interesse primordial para filósofos e poetas. Sap o mexicano, Octavio Paz, num ensaio sobre Breton, “O inspirado, o homem que fala na verdade, não diz nada que é seu: da sua boca fala a linguagem”. Octavio Paz, “André Breton o La Busqueda del Comienzo”, Corriente Alterna (México: Siglo Veintiuno, 1967), p. 53.

(3). Os discursos xamânicos estudados neste ensaio foram gravados em fita cassete. Agradeço as traduções a uma mulher bilíngue de Huautla, a senhora Eloina Estrada de Gonzalez, que ouviu as gravações e me contou, frase por frase, em espanhol, o que o xamã e a xamã diziam em sua língua nativa. Até onde sei, as palavras de nenhum desses poetas orais foram publicadas até agora. São eles a senhora Irene Pineda de Figueroa e o senhor Roman Estrada. O texto completo de cada discurso ocupa noventa e duas páginas. Para os propósitos deste ensaio, selecionei apenas as passagens mais representativas.

(4). “… a palavra grega que significa poesia foi empregada pelo escritor de um papiro alquímico para designar a própria operação de ‘transmutação’. Que raio de luz! Sabe-se que a palavra ‘poesia’ vem do verbo grego que significa ‘fazer.’ Mas isso não designa uma invenção comum, exceto para aqueles que a reduzem ao absurdo verbal. Para aqueles que conservaram o sentido do mistério poético, a poesia é uma ação sagrada, isto é, uma ação que excede o nível comum da ação humana. . Tal como a alquimia, a sua intenção é associar-se ao mistério da ‘criação primordial’…” Michel Carrouges, Andre Breton et les donnees fondamentales du surrealisme (Paris: Editions Gallimard, 195O).

(5). Claude Lévi-Strauss, “A Eficácia dos Símbolos”, Antropologia Estrutural (Doubleday Anchor, 1967), pp.

(6). “Em certo sentido, como diz Husserl, a filosofia consiste na restituição de um poder de significação, um nascimento de sentido ou um sentido selvagem, uma expressão de experiência pela experiência que esclarece particularmente o domínio especial da linguagem.” Maurice Merleau-Ponty, Le Visible et l’invisible (Paris: Editions Gallimard, 1964).

(7). A história de como iniciou a sua carreira xamânica, juntamente com as informações a seguir sobre o susto, os pagamentos às montanhas e as práticas relacionadas com a caça, são citações de uma entrevista com o Sr. Roman Estrada a quem interroguei através de um intérprete: o a conversa foi gravada e depois traduzida da língua nativa pela Sra. Eloina Estrada de Gonzalez, sobrinha do xamã, que atuou como questionadora na própria entrevista.

(8). “Finalmente, a doença pode ser consequência de uma perda da alma, desviada ou levada por um espírito ou revenant. Esta concepção, amplamente difundida pela região dos Andes e do Gran Chaco, parece rara na América tropical. ” Alfred Metraux, “Le Chaman des Guyane et de l’Amazonie,” Religions et magies indiennes d’Amerique du Sud (Paris: Editions Gallimard, 1967).

(9). Ibidem.

(10). É necessário expressar nossa dívida para com R. Gordon Wasson, cujos escritos, a obra mais confiável sobre os cogumelos, me informaram sobre sua existência e me contaram muito sobre eles. “Suspeitamos”, escreveu ele, “que, em seu sentido integral, o poder criativo, a mais séria qualidade distintiva do homem e uma das mais claras participações no Divino… está de alguma forma conectado com uma área do espírito que os cogumelos são capazes de abrir.” R. Gordon Wasson e Roger Heim, Les Champignons halhlcinogenes du Mexique (Paris: Museu Nacional d’Histoire Naturelle, 1958). Pela minha própria experiência, descobri que essa afirmação é particularmente verdadeira.

Thomas Kuhn e a Revolução Psicodélica

Por Peter Webster
Uma palestra apresentada à
Sociedade Italiana de Estudo dos Estados de Consciência
Perinaldo, Itália, agosto de 2006

Traduzido da Psychedelic Library

 

 

Introdução

A descoberta, ou melhor dizendo, a redescoberta de drogas psicodélicas no meio do século 20 foi essencialmente uma descoberta científica; no entanto, pouca atenção tem sido dada ao contexto dessa descoberta em relação à história e filosofia da própria ciência. Uma grande quantidade de atenção foi, ao contrário, concentrada nas conexões entre o conhecimento moderno sobre psicodélicos e as tradições xamânicas, a longa história do uso religioso de plantas e preparações psicoativas e as possíveis extensões modernas dessas antigas tradições psicodélicas para fins médicos. É claro, de se esperar que esse seja o caso – foi o curso natural que a pesquisa psicodélica seguiu.

Mas, para entender mais plenamente certas peculiaridades que se seguiram à redescoberta psicodélica, podemos nos beneficiar de uma verificação de como essa descoberta se encaixa na história da tradição científica em si. Acredito que é SOMENTE a partir de tal observação que podemos entender nossa situação atual, onde parece que apenas pequenos grupos de pessoas, muitas vezes profissionalmente isolados, levam a sério o legado e as implicações da redescoberta psicodélica, onde a esmagadora maioria dos cientistas atualmente ativos não tem qualquer conhecimento preciso sobre drogas psicodélicas e, de fato, se opõe e rejeita ativamente a ideia de que as drogas servem para algo.

Para muitos, aparentemente, essa rejeição e repressão é algo incomum na ciência, algo que os pioneiros psicodélicos não mereciam. Para muitos, aparentemente, parece que quando verdades são reveladas pela pesquisa – mesmo quando são revolucionárias e talvez chocantes para muitos – essas verdades devem, pela natureza da ciência, serem aceitas e desenvolvidas pelo mainstream.

No entanto, um exame da história do avanço científico revela algo bem o oposto, e um estudo de como a ciência realmente opera na prática pode nos dar um pouco mais de coragem para persistir no que tantos outros consideram uma mera tolice.

 

Thomas Kuhn e a Revolução Psicodélica

Thomas Kunh

Pelo que posso dizer, Thomas Kuhn não tinha nada a dizer sobre drogas psicodélicas ou os vários usos que podem ser dados a elas. O título da minha palestra de hoje pode, portanto, parecer um tanto inadequado, não fosse o fato de que Kuhn TEVE MUITO A DIZER sobre revoluções – revoluções científicas, ou seja, o tipo de agitação geral dos conceitos fundamentais que ocorre em várias disciplinas científicas de tempos em tempos. Thomas Kuhn, como você pode saber, construiu toda uma teoria das revoluções científicas: o que elas são, como e por que ocorrem, quem as provoca – e, ao fazê-lo, redefiniu o que é a ciência de muitas maneiras.

O que conecta Kuhn aos psicodélicos é que a redescoberta dos psicodélicos no meio do século 20 prometeu mudanças revolucionárias em vários campos de investigação científica e medicina e, como afirmarei mais adiante, uma revolução no conceito de estudo científico em si. Refiro-me à redescoberta dos psicodélicos, é claro, porque como todos sabemos, o uso dessas substâncias é muito antigo, global e provavelmente remonta ao início da existência humana. Os psicodélicos tiveram que ser REDESCOBERTOS porque a civilização industrial moderna vem sendo uma das muito poucas sociedades humanas quase que totalmente inconscientes das plantas psicodélicas e sem qualquer uso geral delas para cura¹, iniciação, práticas religiosas e heurísticas, e assim por diante. (Nota do tradutor ¹: da data do texto para cá, inúmeros estudos médicos vem sendo testados e aplicados por instituições como Berkeley, Johns Hopkins e MAPS)

As potenciais mudanças revolucionárias que essa redescoberta deveria ter trazido teriam sido bem descritas e sua gênese e crescimento bem previstos pela teoria de Kuhn se não fosse pelo fato de que praticamente todas essas promessas revolucionárias ainda permanecem não cumpridas, sufocadas por uma longa reação antipsicodélica. Essa reação foi provocada pela primeira vez no final da década de 1960 por forças sociais e governamentais nos EUA, perpetuando uma longa e sombria tendência puritana nos Estados Unidos que trouxe ao mundo a grande loucura das políticas proibitivas modernas. Mas logo depois, o próprio establishment científico pareceu ser infectado com essa situação semelhante a uma doença, de modo que hoje é raro o cientista que tem qualquer indício de que a redescoberta de drogas psicodélicas pode ser algo não apenas interessante, mas extremamente importante e potencialmente revolucionário. Apesar da verdade do assunto, tão óbvia para aqueles que sabem, dizer que a redescoberta psicodélica foi um dos desenvolvimentos sociais e científicos mais importantes do século XX seria algo ridicularizado pela grande maioria dos cientistas vivos hoje.

Essa resistência reacionária à revolução científica, embora seja uma grande decepção e, em geral, um descrédito aparente à legitimidade do chamado progresso científico, é, no entanto, o estado normal das coisas, como mostram as descobertas de Kuhn. Quando examinado de perto da perspectiva de Kuhn sobre a história da ciência, o empreendimento científico é visto como quase arrogantemente conservador — uma história repleta de repressão de ideias novas e revolucionárias. Todos nós estamos familiarizados com exemplos de repressão como a cruzada do Vaticano contra Galileu, mas Kuhn mostra como a própria comunidade científica tem sido frequentemente tão repressiva da inovação científica quanto qualquer grupo religioso ou social.

Não há melhor professor do que Thomas Kuhn, portanto, para nos instruir sobre como e por que a revolução psicodélica foi paralisada por tanto tempo, aparentemente um fracasso e sem influência significativa em mais de quatro décadas de avanço científico e intelectual. A teoria geral da revolução científica de Kuhn pode até nos ajudar a entender como finalmente trazer uma pesquisa psicodélica significativa para o mainstream científico, onde ela certamente merece estar. Refiro-me aqui à pesquisa científica “significativa” porque também é óbvio para aqueles que conhecem, que limitar a pesquisa ao uso de psicodélicos como medicamentos para o tratamento de condições de doença e anormalidade rejeita a maior parte de seu potencial. Claro, a entrada da pesquisa psicodélica no “mainstream científico” alteraria necessariamente a própria natureza da ciência, talvez levando a um abandono dos piores aspectos de seu reducionismo convencido por uma maneira mais pragmática de estudar e entender os fenômenos mais complexos do universo, entre os quais, o próprio cientista. E todos nós somos, até certo ponto, cientistas. Quem foi Thomas Kuhn, então? Ele foi professor emérito de filosofia e linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts até sua morte em 1996, e foi talvez o maior historiador da ciência dos últimos tempos. Sua obra seminal, The Structure of Scientific Revolutions, mesmo em virtude das longas e acaloradas críticas que recebeu desde sua primeira publicação em 1962, deve ser classificada como talvez o livro mais importante sobre o assunto já publicado.

“The Structure of Scientific Revolutions” é importante não apenas para historiadores ou filósofos, mas para todas as pessoas que se acreditam capazes de investigação científica ou pensamento analítico, mesmo em nível amador. Muito foi escrito e ensinado até mesmo em nossas escolas secundárias e universitárias sobre o método científico, sobre como os cientistas conduzem pesquisas e praticam seu ofício. Mas Thomas Kuhn, com um tratado magnífico, revolucionou o próprio conceito do que é uma ciência e como ela procede. Kuhn até questiona a noção amplamente difundida de que o conhecimento científico faz algum tipo de progresso cumulativo em direção à compreensão final.

A Estrutura das Revoluções Científicas não é longa nem difícil por si só, mas contém ideias tão novas e radicalmente brilhantes que leva algum tempo e várias leituras para ser absorvida completamente. Muitos escritores, incluindo o próprio Kuhn, tentaram compor um resumo conciso da teoria que o livro apresenta, mas em vista do debate animado e às vezes acalorado a favor e contra suas ideias, deve ser óbvio que nenhum tratamento superficial pode fazer justiça a ele. Esta cautela deve incluir minha própria apresentação hoje, e os aspectos de sua teoria que discutirei não são de forma alguma tudo o que há na teoria de Kuhn. Eu apenas escolhi algumas características-chave da teoria com as quais podemos entender melhor o tópico em questão, a redescoberta científica de drogas psicodélicas.

Talvez o mais procurado ao tentar resumir Kuhn seja uma definição precisa daquela famosa palavra que ele introduziu na filosofia da ciência, aquela palavra que se tornou tão frequentemente ouvida em referência a conceitos ou ideias fundamentais, o paradigma. O próprio Kuhn define um paradigma como “uma ou mais conquistas científicas passadas que alguma comunidade científica particular reconhece por um tempo como fornecendo a base para sua prática futura”. Mas como uma aproximação próxima que podemos entender mais facilmente no contexto, podemos pensar em um paradigma como um conjunto inter-relacionado de conceitos, valores, crenças e técnicas fundamentais que definem uma maneira obrigatória de abordar problemas científicos em um determinado momento e em uma determinada disciplina. O paradigma é o palco no qual o jogo da investigação científica acontece – uma plataforma que define o cenário, o contexto, as limitações e os limites para a agenda de pesquisa. Embora o paradigma possa ser pensado como uma descrição precisa de um aspecto da realidade, na verdade o paradigma é mais como um mapa ou modelo, uma aproximação ou estrutura para organizar dados atualmente disponíveis e definir pesquisas permitidas.

Pode parecer estranho falar sobre “pesquisa permitida” na ciência, pois a imagem que podemos ter da ciência e dos cientistas é de liberdade de investigação — a ideia de que pelo menos alguns cientistas exploram a realidade sem barreiras, onde quer que sua busca pela verdade os leve. Mas Kuhn mostra que isso é um mito. Operando dentro da estrutura de um determinado paradigma científico, a situação real é bem diferente do mito. Kuhn escreve:

“Um paradigma suprime a inovação, pode até isolar a comunidade daqueles problemas socialmente importantes que não são redutíveis à forma de quebra-cabeça típica da ciência normal, porque não podem ser declarados em termos das ferramentas conceituais e instrumentais que o paradigma fornece.”

Nesta citação, Kuhn se refere à “ciência normal”, e agora devemos considerar este e outros dois conceitos-chave.

Ciência normal é o que praticamente todos os cientistas fazem o tempo todo quando nenhuma revolução científica é iminente, e na descrição pode soar um tanto banal para os não iniciados: consiste essencialmente em uma operação de “limpeza” onde os detalhes de um determinado paradigma e suas aplicações permitidas são elaborados com mais e mais. Parece, como diz Kuhn,

“… uma tentativa de forçar a natureza na caixa pré-formada e relativamente inflexível que o paradigma fornece. Nenhuma parte do objetivo da ciência normal é evocar novos tipos de fenômenos; na verdade, aqueles que não se encaixam na caixa geralmente não são vistos. Nem os cientistas normalmente visam inventar novas teorias, e eles geralmente são intolerantes com aquelas inventadas por outros. Em vez disso, a pesquisa científica normal é direcionada à articulação desses fenômenos e teorias que o paradigma já fornece.”

Pelo que acabamos de aprender sobre ciência e seus paradigmas, já podemos ver claramente a ameaça à ciência normal que a redescoberta de psicodélicos e estados alterados de consciência forneceu. Foi uma ameaça direta a várias disciplinas científicas e médicas, uma inovação destruidora de paradigmas que estava destinada a ser reprimida por um longo tempo.

Dois outros conceitos importantes da teoria de Kuhn são a mudança de paradigma e a revolução científica. Resumidamente, todos os paradigmas científicos eventualmente enfrentam problemas, quando descobertas experimentais anômalas se acumulam a ponto de esse paradigma começar a mostrar suas falhas. Se os problemas persistirem e não puderem ser resolvidos sob os ditames do paradigma existente, uma mudança de paradigma deve então eventualmente ocorrer, onde um novo paradigma, definindo de uma nova maneira os conceitos fundamentais e a agenda de pesquisa a serem seguidos, então substitui o antigo paradigma. Como esse processo tem precedência sobre a continuação da ciência normal, diz-se que uma revolução científica está ocorrendo.

Para entender na prática o que Kuhn quer dizer com paradigma e o que é uma mudança de paradigma, nos ajuda observar o que os termos significam em relação a uma revolução científica específica. O exemplo mais usado de uma revolução científica e sua mudança de paradigma associada foi a revolução copernicana na astronomia.

Nicolau Copérnico

Copérnico, como você certamente sabe, foi o primeiro a promover a ideia herética de que o Sol, e não a Terra, era o centro do nosso sistema planetário. A astronomia centrada na Terra de Ptolomeu, que existia desde a época de Cristo, funcionou admiravelmente bem por um longo tempo, sendo capaz de prever as posições de estrelas e planetas com uma precisão que foi suficiente até o século XVI. Mas com a invenção e o aprimoramento do telescópio e a melhoria das habilidades científicas dos astrônomos, anomalias experimentais começaram a aparecer, especialmente para entender e prever o movimento dos planetas.

Dois pontos importantes a serem observados neste exemplo são:

  1. Os conceitos de paradigma e mudança de paradigma são claramente ilustrados. A revolução copernicana teve como raiz a mudança de paradigma do conceito de um sistema planetário geocêntrico para um heliocêntrico. Mas, ao examinarmos mais exemplos de revoluções científicas, descobriremos que um paradigma científico pode ser um pouco mais complexo, envolvendo um grupo ou conjunto de conceitos fundamentais intimamente relacionados ou realizações científicas passadas.
  2. O segundo ponto-chave no exemplo copernicano é o surgimento de resultados experimentais cada vez mais importantes em conflito com a teoria e a expectativa aceitas – este é o sinal de uma crise iminente, mudança de paradigma e revolução científica.

Outra observação que podemos fazer com base neste exemplo é que, enquanto uma ciência parece estar funcionando, fazendo previsões satisfatoriamente precisas e fornecendo perguntas suficientes para os cientistas trabalharem durante um período de ciência normal, pouco importa se o paradigma pode ser baseado em uma ideia completamente falsa, derivada não da ciência, mas neste caso de ditames religiosos, a saber, que a Terra era o centro do universo. Podemos sentir que hoje a ciência é muito mais imune a esse erro, mas o exemplo da repressão científica dos resultados da pesquisa psicodélica argumenta o contrário.

Vou apenas mencionar brevemente mais alguns exemplos de revoluções científicas e suas mudanças de paradigma associadas para que você tenha uma ideia melhor do que está envolvido, e então continuaremos a considerar como a redescoberta dos psicodélicos deve se qualificar como o iniciador de várias revoluções científicas ainda a se concretizarem.

Na geologia, temos uma das revoluções científicas mais recentes a ter ocorrido. Este exemplo também envolve uma mudança de paradigma fácil de entender, consistindo na transformação de um único conceito. Antes de meados do século XX, os continentes da Terra eram considerados estacionários, em um sentido travados em suas posições para a crosta da Terra. Esta era a crença fundamental ou paradigmática ensinada a todos os estudantes de geologia. Na realidade, o conceito nem precisava ser ensinado, pois parecia ser completamente autoevidente. A acumulação de anomalias experimentais na evolução, geografia, paleoantropologia e outros campos, no entanto, rapidamente levou à teoria da tectônica de placas, na qual os continentes eram entendidos como flutuando em um interior global líquido e, portanto, livres para derivar, colidir uns com os outros e assim por diante. Este novo paradigma expandiu a agenda de pesquisa e, portanto, permitiu a explicação de muitos fenômenos geológicos, evolutivos e geográficos observados que permaneceram misteriosos e inexplicáveis, e em grande parte ignorados, durante o reinado do paradigma do continente estacionário.

Na física, é claro, temos uma das mais importantes revoluções científicas que já ocorreram, da física lógica de bola de bilhar de Newton à paradoxal, complicada de entender e quase impossível de visualizar a física relativística e quântica de Einstein, Heisenberg, Bohr e seus contemporâneos. Neste exemplo, é claro, a mudança de paradigma envolveu um conjunto complexo de princípios e conceitos fundamentais inter-relacionados, incluindo a natureza da luz e da radiação, do espaço-tempo, da própria matéria.

Na química, a teoria sobre o processo de combustão, a queima que os homens observavam tão de perto desde a domesticação do fogo em tempos pré-históricos, passou por uma mudança de paradigma com a descoberta do oxigênio por Lavoisier. Até então, e provavelmente devido à longa observação do que o fogo parecia ser, a queima era considerada um processo pelo qual algo era liberado do objeto em questão. Afinal, as chamas que emanavam de um objeto em chamas devem ter levado, desde tempos imemoriais, a uma ideia fixa de que algo estava saindo da substância. Até meados do século XVIII, uma teoria cada vez mais complexa da queima foi elaborada, uma teoria que postulava uma substância chamada flogisto como o transportador de calor e, portanto, a substância que era liberada de um objeto em chamas. À medida que os balanços químicos se tornavam mais precisos, no entanto, anomalias experimentais começaram a aumentar: descobriu-se que pelo menos algumas substâncias sob combustão pareciam ficar mais pesadas, em vez de mais leves, se o flogisto realmente emanasse delas. Em um último esforço para salvar a teoria do flogisto, alguns cientistas eminentes até propuseram que o flogisto deve ter massa negativa! Com a descoberta do oxigênio por Lavoisier, no entanto, a teoria da oxidação da combustão logo colocou o flogisto em seu túmulo, fosse de massa negativa ou não!

Acho que a partir desses poucos exemplos você pode agora entender a natureza básica de uma revolução científica e sua mudança de paradigma subjacente. Você também pode ter notado que em cada um desses casos a mudança de paradigma envolveu uma mudança de visão geral do que poderia ser pensado como uma ideia arcaica para uma esotérica, onde uma percepção geral e antiga baseada em observação simples teve que ser substituída por conceitos que simplesmente não eram óbvios para o homem primitivo nem para o observador ingênuo. A ideia de que a Terra era o centro do universo, que as massas de terra eram fixas no lugar no globo, que os objetos físicos eram duros e sólidos, que as chamas indicavam que algo estava emanando de um objeto em chamas — tudo isso poderia ser derivado do que podemos pensar como simples observação primitiva ou ingênua. Essas ideias, os paradigmas de seu tempo, tiveram que ser substituídos por ideias anti-intuitivas e aparentemente paradoxais, e vemos isso em abundância quando se trata da redescoberta psicodélica. Não menos importante entre as crenças ingênuas que a redescoberta psicodélica desacreditou está a ideia de que o homem cientista poderia sempre e confiavelmente ser um observador independente e objetivo dos fenômenos, e é um delicioso paradoxo que suas próprias investigações científicas supostamente objetivas com psicodélicos tenham exigido essa conclusão. Também é interessante que as ideias ingênuas que precisavam ser substituídas não eram antigas e primitivas como nos outros casos que acabei de mencionar, mas sim a base da era da investigação científica.

 

Agora, vejamos alguns exemplos específicos de como a redescoberta psicodélica pode ter revolucionado alguns campos da ciência e da medicina.

Para começar, é apropriado considerar o campo da psiquiatria e da psicoterapia, pois foi aqui que a pesquisa com psicodélicos começou, em Saskatchewan, Canadá, sob a direção de Humphrey Osmond, Abram Hoffer e seus associados, e quase simultaneamente com Stanislav Grof e seus associados na República Tcheca

Stan Grof relata em seu livro “Beyond the Brain” o quão difícil foi para ele aceitar os dados de pesquisa que estavam inundando o trabalho de seu grupo com LSD. Grof tinha sido um psicanalista freudiano bastante rigoroso, como se poderia esperar de alguém treinado em medicina e psiquiatria no início dos anos 1950 — talvez o auge do movimento psicanalítico. No entanto, Grof descobriu que, um por um, os principais princípios da visão freudiana — poderíamos chamá-lo de paradigma freudiano — tiveram que ser abandonados como resultado de sua pesquisa sobre LSD. Nesse longo e árduo processo, um novo paradigma para pesquisa e compreensão no campo da saúde e doença mental humana, e na própria consciência humana começou a tomar forma. Em seu livro “Beyond the Brain”, Grof apresenta uma estrutura para esse novo paradigma e até dedica um capítulo introdutório à consideração da teoria da revolução científica de Kuhn como uma forma de mostrar ao leitor a natureza do processo de mudança que estava começando. Hoffer e Osmond no Canadá estavam ao mesmo tempo chegando a uma visão radicalmente nova do que a psicoterapia poderia ser — não uma cura médica análoga ao tratamento de uma infecção com um antibiótico, mas algo mais parecido com uma viagem de autodescoberta pessoal onde o uso de drogas psicodélicas agia como um complemento ou catalisador para a produção de uma mudança radical e rápida de personalidade. A mudança de personalidade tinha sido em tempos antigos muito mais associada à experiência religiosa e conversão do que à ciência ou medicina. Tal ideia era, naturalmente, outro teste severo para a teoria psicanalítica freudiana e para o próprio conceito médico de tratamento medicamentoso.

Um importante princípio organizador na pesquisa psicoterapêutica de Hoffer e Osmond foi derivado de sua observação do uso de peiote pelos nativos americanos em suas observâncias religiosas e do fato observado de alcoolismo muito reduzido em membros da Igreja Nativa Americana. Eles observaram repetidamente a iniciação de novos membros que antes eram severamente alcoólatras e que posteriormente foram curados de seus problemas com bebida com uma confiabilidade que superava em muito qualquer tratamento de alcoolismo que a medicina ocidental pudesse oferecer. Assim nasceu um projeto ambicioso e bem-sucedido de usar tanto mescalina quanto LSD, não como uma clássica “cura medicamentosa” para o alcoolismo, mas como uma forma de catalisar a mudança de personalidade em seus pacientes ou clientes, o que levou essas pessoas a “se curarem”, por assim dizer — a aceitarem suas vidas de maneiras que não poderiam ter alcançado antes. Claro, os métodos desenvolvidos por Hoffer e Osmond foram, em alguns aspectos, um retrocesso ao paradigma xamânico de cura, onde o médico não é um cientista independente e objetivo usando medicamentos específicos para doenças que funcionam apenas com base em suas propriedades farmacêuticas. O xamã faz uma jornada de autodescoberta psicológica e espiritual junto com seu cliente para que ambos possam experimentar a fonte dos problemas e, assim, efetuar uma cura.

Foi observado, que na medicina ocidental é o paciente que toma os medicamentos, enquanto na tradição xamânica é o médico que toma a medicina. O trabalho de Hoffer e Osmond tratando alcoólatras dependia necessariamente de dar medicamentos psicodélicos aos próprios pacientes, mas é interessante notar que esses psiquiatras outrora tradicionais rapidamente chegaram à conclusão de que, para dar psicodélicos efetivamente aos pacientes, era indispensável que os médicos, e até mesmo os enfermeiros presentes, estivessem o mais familiarizados possível com os estados alterados de consciência produzidos pelos medicamentos. E havia apenas uma maneira eficaz de fazer isso: como na tradição xamânica, os médicos tomavam os medicamentos, muitas vezes.

Lenta, mas seguramente, um novo paradigma para a psiquiatria e a psicoterapia estava tomando forma, mas a resistência do establishment científico e médico era esperada, como Kuhn mostra ser o estado normal das coisas. Críticas à terapia com LSD — especialmente depois que o uso de psicodélicos por estudantes universitários se tornou um escândalo nos EUA (Tim Leary e Richard Alpert em Harvard)— se tornaram outro tipo de escândalo, um escândalo científico de grandes dimensões. Em uma análise particularmente convincente da situação em seu livro “The Hallucinogens”, Hoffer e Osmond demolem habilmente seus críticos no espaço de algumas páginas. No entanto, completamente de acordo com as previsões de Thomas Kuhn, aqueles que introduziriam um novo paradigma enfrentam não apenas uma batalha difícil, mas consequências muito mais sérias, não importa quão necessária a nova perspectiva possa ser baseada no fracasso revelado do antigo paradigma.

Hoffer e Osmond estavam cientes do trabalho de Thomas Kuhn e das previsões de grande hostilidade à sua pesquisa? Eles não deixam pista, mas citam o filósofo Michael Polanyi, que em seu artigo de 1956 na The Lancet, parece ter pressagiado alguns dos principais pontos de Thomas Kuhn. Polanyi escreve,

“Na medida em que a descoberta muda nossa estrutura interpretativa, é logicamente impossível chegar a ela pela aplicação contínua de nossa estrutura interpretativa anterior. Em outras palavras, a descoberta é criativa… no sentido de que não deve ser alcançada pela aplicação diligente de nenhum procedimento previamente conhecido e especificável…”

Vemos aqui que Polanyi está, em termos kuhnianos, falando sobre o tipo de descoberta que representa descobertas anômalas que levam o descobridor a propor um novo paradigma. Quando Polanyi diz que a descoberta revolucionária não pode ser alcançada por procedimentos previamente existentes, ele está dizendo a mesma coisa que Kuhn, que o processo da ciência normal não pode levar por si só à mudança de paradigma e à revolução científica. O próprio Kuhn afirmou com bastante firmeza que “Paradigmas não são corrigíveis pela ciência normal de forma alguma”.

Michael Polanyi continua,

“Agora podemos ver a grande dificuldade que pode surgir na tentativa de persuadir outros a aceitar uma nova ideia na ciência. Na medida em que representa uma nova maneira de raciocínio, não podemos convencer os outros por meio de argumentos formais, pois enquanto argumentarmos dentro de sua estrutura, nunca poderemos induzi-los a abandoná-la. A demonstração deve ser suplementada, portanto, por formas de persuasão que possam induzir uma conversão. A recusa em entrar na maneira de argumentar do oponente deve ser justificada fazendo-a parecer completamente irracional.

“Tal rejeição abrangente não pode deixar de desacreditar o oponente. Ele será feito parecer completamente iludido, o que no calor da batalha facilmente implicará que ele era um tolo, um excêntrico ou uma fraude… Em um choque de paixões intelectuais, cada lado deve inevitavelmente atacar a pessoa do oponente.”

E foi exatamente isso que aconteceu com muitos pesquisadores que trabalharam com drogas psicodélicas. Hoje, a comunidade científica convencional rotineiramente e ignorantemente classifica toda a fraternidade de pioneiros psicodélicos na mesma categoria de Tim Leary, ou pior.

Obviamente, nenhuma revolução científica ocorreu ainda na psiquiatria e psicoterapia tradicionais, mas os experimentos anômalos e os contornos de um novo paradigma permanecem na literatura científica e nas mentes de alguns cientistas e médicos.

Como teria sido uma revolução na psicoterapia? Isso é algo difícil de prever, como qualquer mudança revolucionária deve necessariamente ser. Mas certamente seria amplamente reconhecido agora que Hoffer e Osmond estavam certos em insistir que a experiência pessoal de estados de consciência alterados psicodélicos é indispensável e “absolutamente essencial” para a compreensão não apenas dos pacientes, mas para a compreensão da própria consciência. Treinado em estados alterados de consciência, um psiquiatra ou psicoterapeuta se torna um paralelo muito mais próximo dos curandeiros xamânicos do passado distante, algo desejável, pelo seguinte motivo: a ciência reducionista funciona bem com coisas inanimadas, plantas e até mesmo com animais primitivos, mas com humanos, que nunca podem ser considerados “apenas” como objetos, a ciência objetiva deve permanecer para sempre incompleta.

No campo da ciência da computação e tecnologia, uma revolução parece ter ocorrido, e a princípio podemos ser tentados a atribuir isso às alegações frequentemente ouvidas de que muitos dos inventores pioneiros do computador moderno não só estavam familiarizados com drogas psicodélicas, mas as usaram como um caminho para a criatividade que levou às suas invenções. Seja como for, teríamos que dizer com mais precisão que a revolução não estava, portanto, nos computadores em si, mas no uso de drogas psicodélicas como uma ferramenta psicológica, como uma forma de aumentar a criatividade. A chamada revolução dos computadores não se qualifica como uma revolução científica, primeiro porque estamos lidando mais com uma tecnologia do que com uma ciência, e segundo porque não passamos por uma mudança de paradigma. Os princípios fundamentais da computação digital permaneceram os mesmos por muito tempo.

No entanto, a ideia de que as drogas poderiam aumentar a criatividade era certamente revolucionária e ameaçadora de paradigma. É uma ideia que vai contra as convicções gerais, embora não científicas, de que as drogas são exclusivamente substâncias usadas na medicina para restaurar a normalidade; é uma ideia que desacredita a convicção de que a consciência normal é o summum bonum² (Nota do tradutor²: ‘sumo bem’ ou ‘bem maior, em latim) é uma expressão latina usada na filosofia — particularmente, em Aristóteles,[1] na filosofia medieval e na filosofia de Immanuel Kant — para descrever o bem maior que o ser humano deve buscar), o melhor, mais eficiente e desejável estado da consciência humana e que sua alteração não pode levar a nenhum bom fim; é uma ideia que mostra o absurdo da noção de que a consciência drogada DEVE ser um estado degradado e delirante, abaixo da dignidade de qualquer pessoa civilizada, que o uso aborígene de drogas para qualquer propósito meramente ilustra o atraso e a natureza primitiva de tais povos. Essas observações ingênuas, assim como as observações ingênuas do universo centrado na Terra, chegam até nós como “verdades” pouco questionadas de eras passadas. No caso das drogas, tais ideias representam um paradigma muito antigo da psicologia humana ocidental cuja origem remonta à Santa Inquisição, quando as potências europeias assumiram a responsabilidade de perseguir os habitantes das Américas, supostamente para salvar suas almas, mas, mais realisticamente, para confiscar todo o hemisfério. Os inquisidores tomaram o uso nativo de drogas que alteram a consciência como um sinal claro de que eles deveriam ser considerados subumanos e indignos da propriedade de suas terras. Esse legado chegou até nós pouco alterado, de modo que hoje parece uma opinião automática sobre os usuários de drogas que eles são de alguma forma degradados, não estão em seu perfeito juízo e precisam de correção e tratamento. Propor que as drogas podem ser capazes não apenas de alterar benignamente as capacidades humanas, mas de realmente melhorá-las é obviamente uma heresia, uma ameaça à atitude colonial e paternalista que tipifica a visão da ciência moderna sobre os povos antigos e seus costumes.

As sementes da revolução neste ramo da psicologia certamente já haviam sido plantadas em 1964, quando Frank Barron apresentou um artigo em um simpósio na Califórnia intitulado “O processo criativo e a experiência psicodélica“. A pesquisa de Willis Harman e James Fadiman logo começou a documentar as provas experimentais da conexão, e seu artigo “Agentes psicodélicos na resolução criativa de problemas: um estudo piloto” provavelmente teria sido um ponto de virada revolucionário no estudo psicológico da criatividade se sua pesquisa não tivesse sido interrompida no meio do caminho por decreto do governo. Se você simplesmente fizer uma pesquisa no Google por Harman e Fadiman, poderá encontrar facilmente seus artigos de pesquisa, que valem a pena ler. O título do artigo deles no livro de Aaronson e Osmond, Psychedelics, é ainda mais indicativo de uma mudança revolucionária de paradigma: “Aprimoramento seletivo de capacidades específicas por meio do treinamento psicodélico”. Desde o final da década de 1960, nenhuma pesquisa foi permitida nesse sentido, e mais uma potencial revolução científica foi suprimida.

 

Embora as mudanças notáveis ​​na tecnologia de computadores não se qualifiquem estritamente como uma revolução kuhniana, um resultado primário de avanços em computadores pode ainda ilustrar para nós outra potencial e genuína revolução científica que foi suprimida. Desde os primeiros experimentos neurológicos em que os nervos que levam aos músculos da perna de um sapo foram estimulados eletricamente, levando à contração muscular, o paradigma da computação digital no sistema nervoso se consolidou, lenta mas seguramente.

Devido à grande demanda por computadores cada vez mais avançados para empreendimentos de alta tecnologia, como aeronáutica, exploração espacial, modelagem de sistemas complexos — sem mencionar aplicações militares e hardware — tem havido dinheiro de pesquisa praticamente ilimitado disponível para aqueles que estudam computação digital e para aqueles que se esforçam para descrever as propriedades e operações de vários sistemas físicos e biológicos em termos de computação digital. A neurociência e a ciência cognitiva têm sido grandes beneficiárias desse dinheiro de pesquisa, e a corrente principal dessas ciências aceita quase sem questionamentos ou análises profundas que os processos digitais são responsáveis ​​pelo que o cérebro faz. Afinal, as bolsas de pesquisa dependem da adoção desse paradigma.

A maneira mais fácil de ver o “paradigma digital” da operação cerebral é talvez por meio da consideração da visão da operação dos neurônios que temos e o que essas atividades dos neurônios significam. Embora as propriedades e ações dos receptores químicos de um neurônio e do espaço sináptico entre os neurônios tenham se mostrado incrivelmente complexas, quando tudo é dito e feito, o que acontece no neurônio é um simples pulso elétrico liga-desliga que transmite o chamado “sinal” pelo eixo do neurônio, ou axônio, em direção à próxima sinapse e neurônio na linha. Um simples pulso liga-desliga, tudo ou nada, só pode ser interpretado em termos digitais, não importa quantas camadas de complexidade alguém tente carregar em cima deste mais simples dos processos.

Enquanto isso, é bem conhecido por que o cérebro não pode ser um computador digital. Primeiro, ele não é rápido o suficiente. Nem complexo o suficiente, apesar da grande multidão de neurônios que contém. Uma tarefa como reconhecimento facial, que uma pessoa equipada com um cérebro pode fazer quase instantaneamente e sem qualquer sensação de ter concluído uma tarefa difícil, não pode ser alcançada de forma tão confiável com os computadores mais poderosos operando em velocidades de processador de vários Gigahertz e com velocidades de transferência de dados se aproximando da velocidade da luz. O cérebro opera a alguns hertz e com “taxas de transferência de dados” muito letárgicas. Outros exemplos semelhantes são fáceis de encontrar. Claramente, o paradigma de “transferência digital de bits de dados” da operação cerebral, como eu o chamo, com o potencial de ação do neurônio representando a unidade fundamental de “informação”, deve ser um paradigma aguardando um funeral bem merecido, se ao menos um novo paradigma pudesse ser criado primeiro para ampliar a agenda de pesquisa. Como Kuhn deixa claro em seu livro, não importa quais problemas um paradigma possa enfrentar, ele nunca é abandonado até que um novo paradigma esteja pronto para tomar seu lugar. Mesmo assim, muitos defensores do antigo paradigma continuam como os cientistas eminentes que atribuíram uma massa negativa ao flogisto, defendendo o que muitas vezes é o trabalho de suas vidas até o amargo fim — suas próprias mortes.

Um novo paradigma para a neurociência está de fato esperando nos bastidores há algum tempo. Algumas das ideias básicas do paradigma foram propostas pela primeira vez em parte por Karl Lashley já em 1942. Dando continuidade ao trabalho de Lashley após uma associação de uma década com ele, Karl Pribram publicou vários artigos sobre sua nova visão da operação cerebral e, finalmente, uma obra-prima de um livro sobre o assunto intitulado “Brain and Perception: Holonomy and Structure in Figural Processing”. As visões de Pribram, popularizadas em um livro de 1982 intitulado “The Holographic Paradigm and Other Paradoxes”, editado por Ken Wilber, realmente representam um paradigma inteiramente novo e revolucionário para a neurociência e a neurociência cognitiva. A agenda de pesquisa ampliada que o paradigma justificaria pode muito bem ser capaz de esclarecer muitos dos mistérios atuais da mente, como a forma como a recuperação instantânea da memória associativa pode funcionar, ou como todos os processos modulares do cérebro, como os múltiplos aspectos da visão, audição, olfato, todos parecem se combinar em uma experiência unitária, o chamado “problema de ligação” que os pesquisadores da consciência têm arrancado os cabelos tentando explicar.

Não tenho tempo hoje para contar os detalhes dessa nova abordagem ao cérebro e à consciência, mas, novamente, você deve conseguir encontrar artigos e livros interessantes na internet seguindo os links para “Karl Pribram”.

É interessante notar, e é isso que conecta essa mudança de paradigma particular aos psicodélicos, que Karl Pribram era muito próximo de outros cientistas e pesquisadores interessados ​​em psicodélicos e se inspirou em muitas dessas pessoas. O trabalho de Pribram tem todas as características de ter surgido por meio, pelo menos, da potencialização indireta da criatividade excepcional derivada do treinamento psicodélico, conforme o trabalho de Harman e Fadiman. Essa pode muito bem ser uma das principais razões pelas quais seu trabalho é amplamente ignorado pela corrente principal da neurociência e criticado ignorantemente até mesmo por grandes figuras científicas como Francis Crick.

 

Alguém poderia facilmente propor que a redescoberta psicodélica teria efeitos revolucionários ainda maiores em outras disciplinas científicas, como antropologia e paleoantropologia, como propus em minha palestra aqui há dois anos, ou mesmo economia, … poucas ciências permaneceriam intocadas se a resistência indesejada não tivesse suprimido a própria revolução psicodélica.

Os psicodélicos e suas descobertas associadas possivelmente exigem revoluções científicas não apenas em vários campos científicos, mas no próprio conceito de exploração e descoberta científica. É por essa razão talvez que essas revoluções tenham sido tão longa e tão efetivamente reprimidas. Ter uma revolução científica em um determinado período da história já é um empreendimento difícil e às vezes há muito reprimido. Mas ter múltiplas revoluções em campos científicos até mesmo díspares exigiria uma grande convulsão científica E social, especialmente dada a maneira como a ciência é financiada hoje por grandes organizações corporativas e governamentais. E a revolução não pararia por aí: uma reorganização tão imensa na ciência levaria inevitavelmente a uma revolução nos costumes sociais, atitudes e, finalmente, na própria civilização e na política pela qual ela é dirigida. Se uma revolução tão multifacetada pode ser realizada é talvez o maior teste da humanidade desde o que ocorreu há tanto tempo, quando ele teve que decidir o que fazer com aquela primeira experiência do fruto proibido psicodélico no Jardim do Éden.

FAQ da Crise Psicodélica

Ajudando alguém através de uma bad trip, de uma crise psíquica ou de uma crise espiritual.

:!: Este FAQ não é mantido nem atualizado regularmente. Pode incluir informação defasada. Por favor verifique a data da versão para ver quando ela foi mais recentemente revisada. Para dados atuais, veja no sumário sobre a substância no site Erowid.

ÍNDICE
(se sublinhado, clique para ir)​
  1. Isenção de Responsabilidade
  2. Créditos
    • Histórico de Revisões
  3. Introdução
  4. Avaliação
  5. Situações que requerem Ajuda Profissional
  6. Situação Crítica ou de Ameaça à Vida
  7. Situação de Crise (Emocional, Mental, Espiritual)
    • Lista Rápida
    • Armadilhas a evitar
    • O que fazer
    • Resumo
  8. Apêndices

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1. Isenção de Responsabilidade
Este FAQ é trazido apenas para fins informativos. Não defendemos quaisquer tipo de atividades ilegais. No entanto, nós realmente acreditamos no direito ao livre acesso a informações e ideias. Por fim, recomendamos enfaticamente que se informe sobre a legislação aplicável a você sobre o assunto. Este FAQ pode ser redistribuída desde que o texto não seja alterado e sejam mantidos os créditos. Se você criar cópias deste FAQ na internet, por favor tente mantê-lo atualizado com a última versão.

2. Créditos
A informação contida neste FAQ foi retirada de diversas fontes. A coleção, organização, formatação e escrita da informação para este documento foram feitas pelo Erowid.

Histórico de Revisões

0.5 – 09/10/97 – Confeccionados e-mails e enviados para comentários.
1.0 – 05/03/98 – Criado o HTML básico do FAQ.
1.1 – 11/07/98 – Adicionado índex, isenção de responsabilidade, créditos e melhorada de forma significativa a organização.
1.2 – 12/18/99 – Atualizada a seção de antídotos.
2.0 – 08/22/01 – Reorganizado para uma perspectiva de uso em tempo real. Adicionada a seção de Avaliação.
2.1 – 08/01/05 – Alterada referência para RCP/Respiração de Resgate na sessão de “Situação Crítica ou de Ameaça à Vida”.
2.2 – 02/17/14 – Adicionado link para o site Tripsit.​
3. Introdução
Há muitas situações diferentes nas quais uma pessoa pode precisar de ajuda enquanto estiver sob efeito de psicoativos. Decidir o que fazer em uma situação particular requer calma, pensamento claro e a habilidade de tomar decisões. Este FAQ é voltado a fornecer ideias do que alguém pode fazer para ajudar. Qual(is) método(s) em particular deve(m) ser usado(s) será algo único para cada tipo de situação. Lembre-se, apesar de não ser fácil nas situações mais extremas, a coisa mais importante que você pode fazer para ajudar alguém em crise psicodélica é permanecer calmo e com a maior lucidez possível.4. Avaliação
A ajuda a alguém em situação de crise deve ser dividida em dois estágios: avaliação e ação. O primeiro passo é avaliar a situação e tentar determinar o tipo de ação que precisa ser tomada.5. Tipo de Situação

  • Existe perigo físico imediato ou potencial? [Crítico] A pessoa está consciente? A respiração está reduzida ou acelerada? Ritmo cardíaco? Há qualquer descoloração da pele? Se inconsciente, há resposta apropriada à dor?
  • A pessoa é um perigo para si mesma ou para os outros? [Crítico] Ela está violenta e agindo de forma ameaçadora contra terceiros? Quais são as chances de que ela ataque alguém? E de se machucar sem querer? Entrar num carro e dirigir? Tentar se matar?
  • A pessoa está tendo uma crise espiritual, mental ou emocional? [Crise] Ela lhe parece excessivamente assustada, deprimida ou irritada? Mudanças de humor? Agindo como louca? Acordada mas não responde?

6. Informação Útil
A seguinte informação pode ser útil em determinar qual ação deve ser tomada. Tente não deixar a pessoa sozinha enquanto estiver coletando os dados. Em casos de crises espiritual e/ou emocional, é com frequência melhor perguntar a amigos ou pessoas próximas do que tentar obter tais informações diretamente da pessoa em crise.

  • Qual foi a substância utilizada? Se possível, aprenda qual(ais) substância(s) a pessoa tomou e por qual meio (oral, fumado, injetado). O quanto ela tomou? Quando tomou? Estará ela fazendo uso de outros medicamentos ou suplementos?
  • Quem é essa pessoa? Possui amigos por perto? Onde mora? Possui um histórico prévio deste tipo de problema ou similar?

Descubra tudo o que puder. Sem uma boa avaliação do que está ocorrendo, é mais provável a incidência de erros críticos ao lidar com a situação (bombear desnecessariamente alguém cheio de benzodiazepínicos, falhar em ligar pra emergência a tempo, etc.). Com o máximo destas informações quanto possível em mãos, decida sobre a gravidade da crise e aja de acordo com o tipo de situação:

  • Crítica – perigo físico imediato ou potencial da pessoa a si mesma ou a outros, possivelmente requerendo atenção médica;
  • de Crise – favorável para comportamento psicótico extremo, repetições de pensamentos negativos, ataques de pânico.

7. Situações que Requerem Ajuda Profissional

1) Se você sentir que vidas estão em risco.2) Se você sentir que a situação está fora de controle e que ninguém mais deseja assumir a responsabilidade pela pessoa.​


8. Situação Crítica ou de Ameaça à Vida

  1. Quem está disponível para ajudá-lo? Ache alguém com experiência médica em emergências. Quanto mais, melhor, mas alguém com treinamento na Cruz Vermelha é bem melhor do que alguém sem noção de primeiros socorros.
  2. Se a pessoa está tendo convulsões. Afrouxe as roupas, coloque uma almofada e posicione o corpo dela de forma a prevenir ferimentos e sufocamento. Convulsões podem ser muito, muito sérias; são mais arriscadas quanto mais frequentes e mais longas forem, e podem causar dano cerebral permanente nos piores casos.
  3. Se a pessoa está consciente. Olhe para sinais reveladores do que ela tomou: tensão forte na mandíbula é normalmente associada a MDMA ou outros estimulantes. Observe se está nistagma (olhos agitados), também sinal de uso de estimulantes. Procure por suor – que é um bom sinal neste momento. Atente para calafrios, cubra-a com um cobertor se aparentar estar com tremores.
  4. Se a pessoa está inconsciente. Tente acordá-la gentilmente. Balance-a com jeito, dirija-lhe a palavra com voz firme (“Você está bem? Devo chamar um médico?”). Se estiver vomitando, vire-a de lado para que o vômito possa fluir pra fora da boca (e assim ela não irá se sufocar). Tente determinar se a pessoa está em coma ou em um estado dissociado [veja abaixo – definição de coma].
  5. Se a pessoa não estiver respirando, tente fazê-la voltar a respirar. Afrouxe as roupas. Sacuda-a com gentileza. Desobstrua as vias aéreas, especialmente se houve vômitos. A respiração de resgate pode ser realizada por alguém certificado para tanto.
    • Nota da tradução: no Brasil, a respiração de resgate pode ser executada por qualquer pessoa enquanto os profissionais de emergência não chegarem ao local.
  6. Se o coração da pessoa não está batendo. A reanimação cardiopulmonar (RCP) pode ser realizada por alguém certificado para tanto.
    • Nota da tradução: no Brasil, a reanimação cardiopulmonar pode ser executada por qualquer pessoa enquanto os profissionais de emergência não chegarem ao local.
  7. Ligue para a Emergência – SAMU (192), Bombeiros (193) ou outro número com socorro médico em sua localidade. Lembre-se que irá demorar um pouco para o assistente responder às perguntas, e esteja pronto para a chegada dos veículos de emergência e dos possíveis policiais. Limpe o caminho para o pessoal da emergência até a pessoa. Se você estiver em uma festa, desligue a música e faça um anúncio para localizar amigos… se algum ainda estiver disponível.
  • Esta pode ser uma decisão difícil em muitas situações, mas neste momento estamos falando de eventos com perigo de vida. As consequências de chamar ajuda externa serão bem menos severas do que as consequências da perda de uma vida.
  • Nota da tradução: no original, a ligação é para o 911 dos Estados Unidos, que une emergência médica e polícia, enquanto no Brasil estes números são separados. Contudo, a depender da situação encontrada, poderá a equipe de emergência que chegar ao local acionar a polícia. De qualquer forma, e nunca será demais repetir: em primeiro lugar a vida, sempre.

9. Situação de Crise (Emocional, Mental, Espiritual)
Situações de crise podem se manifestar de múltiplas maneiras, desde explosões beligerantes potencialmente violentas, até a completa supressão de estímulos externos, bem como paranoia ou medo debilitantes, ou ainda comportamentos psicóticos ou compulsivos relativamente inofensivos. Como alguém lida com esta situação depende muito dos sintomas que a pessoa está experimentando.

Na maioria das situações, você não está tentando forçar nenhuma ação ou reação em particular da parte da pessoa em crise. A questão não é de “acalmá-la” com palavras, uma vez que isto normalmente só piora as coisas. Tenha certeza de que ela saiba que tudo no mundo externo está em perfeita ordem… Você está com ela, cuidando dela. Garanta que ela não se machuque nem a outros, e se as coisas saírem de controle, chame por ajuda. Seja lá o que você decida fazer, atente para as reações dela. Se o que você está fazendo parece piorar as coisas, parta para outra solução.

Muitos guias e conselheiros que possuem experiência com este tipo de crise emocional/espiritual aguda dizem que a melhor coisa a se fazer é dizer para deixar fluir e relaxar nos sentimentos. O mantra “respire, relaxe, deixe fluir” foi desenvolvido nas décadas de 1960 e 1970 para terapias psicodélicas e argumenta-se que muito da dissonância emocional e do estresse mental advém de lutar e resistir contra processos internos desconfortáveis. Guias sugerem que normalmente o medo é a força dominante a precipitar uma crise e o papel principal de um gerenciador de crise é ajudar a criar um espaço no qual a pessoa possa se sentir segura.

Lista Rápida
Tente ter noção do “quão longe” a pessoa está. Ela pensa estar no mesmo lugar em que você? Ela sabe que horas são, ou como se chama? Ela sabe que ingeriu um psicoativo?

  • Tranquilize-a, em tom de voz calmo e prosaico, de que você está com ela e cuidando dela.
  • Lembre-lhe de que este é um estado mental induzido por substância, de que irá acabar.
  • Lembre-lhe de respirar e relaxar.
  • Deixe-a saber que crises espirituais são normais.
  • Permaneça tão calmo quanto possível enquanto estiver falando com a pessoa, e use um tom de voz normal mesmo que você esteja ansioso.
  • Se possível, traga-lhe um pouco de água ou um pedaço de pão. Pergunte-lhe se gostaria de um gole ou de uma mordida.
  • Sente e converse. Passe o tempo com ela.
  • Se você sabe o nome dela, use-o algumas vezes: “Hey, Fulano(a), como você está?”
  • Se apresente, diga seu nome e como você chegou até ali.
  • Olhe para coisas bonitas.
  • Cante (qualquer coisa, mas especialmente músicas infantis).
  • Cuide de um animal, ou brinque com um.
  • Vá caminhar.
  • Recorde boas memórias (praia, crianças, etc.).
  • Dance.
  • Deem as mãos.

Armadilhas a Evitar

  • Não tente demais trazer a pessoa em crise “de volta à Terra”. Isto frequentemente piora as coisas.
  • Não a confunda com perguntas repetidas sobre questões que não pode responder.
  • Não a faça se sentir ainda mais isolada agindo de foma preocupada e nervosa perto dela.
  • Evite qualquer atividade física complexa, como tentar fechar o zíper de uma jaqueta, ou concertar o som, ou ainda acender a luz piloto do fogão.
  • Respeite suas necessidades e fronteiras:
    • Não toque nela se não quiser ser tocada.
    • Dê espaço à pessoa se ela aparentar que o deseja.

O Que Fazer

  1. Se uma pessoa parece estar passando por um momento difícil, gentilmente lhe pergunte se tem alguém que ela gostaria que estivesse junto para ajudar. Se ela parecer perturbada com a ideia de ter outrem ao lado de si, tenha alguém por perto para ficar discretamente de olho nela.
  2. Relacione-se com a pessoa no espaço em que ela se encontra. Muitas vezes, o que a isola e cria um senso de paranoia ou perda é que ela está tão além da consciência normal que as pessoas tentam excessivamente trazê-la de volta. Parta para, ao contrário, estar ali por ela e mais nada. Tente ver o mundo através dos olhos dela.
  3. De quais formas diferentes você pode mudar o cenário/setting (nível de ruído, temperatura, exterior contra interior, etc.)? Um cenário do tipo festa-rave ou concerto pode agravar o estado mental da pessoa. Considere encontrar um local o mais quieto possível se isto parecer ajudar (depende das pistas dadas pela pessoa em crise), e peça aos demais presentes para não se amontoarem à volta. Reassegure-a de que a situação está sob controle, anotando quem oferecer ajuda caso esta seja necessária depois.
  4. Como você pode reduzir o risco de prejuízo emocional ou físico? Lembre-se de que a sua preocupação deve ser com os sentimentos da pessoa em crise, e não com a situação em si (como em “ah, Jesus, Maria, José! Nós temos que fazer alguma coisa”).
  5. Paranoia: se a pessoa não quer ninguém por perto, retroceda, vire-se de forma que não a encare; mas a mantenha sob sua vista da forma mais discreta possível. Pense em como seria estar em um estado de paranoia, tendo ainda um estranho (irrelevante se você o é de fato ou não) te seguindo e vigiando.
  6. Que tipo de objetos, atividades e/ou distrações ajudarão a pessoa a superar um momento difícil (brinquedos, animais, música, etc.)?
  7. Sem pressão: apenas esteja com ela. A menos que haja risco de lesão corporal, tão-somente deixe claro que você está ali no caso dela precisar de alguma coisa.
  8. Toque. O toque pode ser muito poderoso, mas também pode ser muito violador. Em regra, não toque a menos que a pessoa diga que pode, ou que lhe toque primeiro. Se parecer que ela precisa de um abraço, pergunte-lhe. Se ela está além da comunicação verbal, tente ser sensível a qualquer reação negativa ao toque. Tente evitar ser arrastado para qualquer contato sexual. Frequentemente, dar as mãos é um meio muito efetivo e não ameaçador de deixar que uma pessoa saiba que você está ali para ajudá-la se for preciso.
  9. A intensidade pode vir em ciclos ou ondas. Também pode funcionar como um sistema – um movimento através de espaços transpessoais que pode ter um começo, um meio e um fim. Não tente forçar demais para movê-lo.
  10. Vai acabar: se a pessoa está conectada o suficiente para se preocupar com a própria sanidade, assegure-lhe de que está em estado alterado devido a um psicoativo e que depois de um tempo retornará ao seu estado mental “normal”.
  11. Indução normal por drogas: conte à pessoa em crise que ela está experimentando os efeitos agudos de um psicoativo (se você souber qual, diga-lhe), que é normal (apesar de incomum) passar por crises espirituais e que ela (assim como outros milhares que a antecederam) estará bem se relaxar e deixar a substância seguir seu curso.
  12. Respiração: respire com a pessoa. Se ela estiver conectada o suficiente para colaborar com sua assistência, faça-a se juntar a você em respirações profundas, longas e cheias. Se estiver dócil a este ponto ou se estiver realmente distante e surtando, colocar uma mão na barriga dela e dizer “respire por aqui por baixo”, “apenas continue respirando, você pegou o jeito”, pode ajudar.
  13. Relaxamento: pode ser muito difícil relaxar enquanto se morre ou se é despedaçado por demônios, mas lhe diga que você está ali para garantir que nada ocorra com seu corpo físico. Uma das coisas mais importantes durante processos internos realmente difíceis é aprender a estar bem com a ocorrência destes, para “relaxar” da tentativa de frear a experiência e apenas a deixar acontecer.
  14. Ficando meditativo: sugerir-lhe gentilmente que feche os olhos e se foque no próprio interior pode, às vezes, mudar o curso da experiência em andamento.
  15. Descalço no chão: uma das coisas que mais centraliza e traz de volta à Terra é tirar os tênis e meias e deixar seu pé tocar diretamente no chão duro. Tenha cuidado ao fazer isso em locais com riscos de danos aos dedos.
  16. Contato visual: se a pessoa não está agindo de forma paranoica ou com medo de você, tenha certeza de adicionar bastante contato visual.
  17. Tudo está bem comigo: deixe claro que o mundo pode desabar para ela, mas que está tudo bem com você.
  18. Processo saudável: crises são uma parte normal dos processos psicológicos humanos, e uma forma de aproveitá-las melhor é tomá-las como um método de cura, não como um “problema” a ser concertado. Veja Grof, Bill Richards, et al.

Pode ser extremamente difícil conversar, se relacionar, ou sequer estar totalmente ciente da presença de outras pessoas durante o pico de experiências intensas. Se você está cuidando de uma pessoa que está nesta situação, ouça o que ela diz e (se parecer apropriado ou útil) poderá fazer-lhe indagações bem simples sobre suas experiências: “que cor é esta?”, “você está triste?”, “qual a sua idade?”, etc.

É provável que as respostas sejam metafóricas e vagas: “todas as cores”, “sou mais velho que o rio”, etc. Não espere conseguir travar uma conversação normal.

A coisa mais confortadora que algumas pessoas reportaram ter ajudado durante uma experiência aguda foi um cobertor enrolado em torno delas. Não podemos recomendar o suficiente que se tenha um cobertor pesado e espesso para emergências.

Resumo
Apesar de que lidar com uma crise psicodélica possa ser igualmente enervante para os participantes, cuidadores/sitters e observadores, a maioria dos eventos são gerenciáveis através de uma avaliação cuidadosa seguida de uma resposta calma e decisiva. Para a pessoa que estava em crise, integrar a experiência uma vez que a fase aguda tenha passado é tão importante quanto encarar a própria crise.

Apêndices

Antídotos
Esta seção é para discussão de substâncias que são usadas no tratamento de crises psicodélicas. A droga mais usada por profissionais de emergência é a Clorpromazina (Amplictil), apesar de que seu uso foi reduzido em parte porque parece ser psicologicamente extremamente árduo para quem o toma.

A maioria das crises agudas que terminam em atendimento de um profissional de emergência são resultado de extrema ansiedade. Psicodélicos podem e de fato precipitam sentimentos incontroláveis de paranoia, ansiedade, medo e outros estados agitados. De acordo com profissionais médicos que possuem experiência em lidar com psicodélicos, os fármacos principais usados para tratar destes estados agitados agudos são os benzodiazepínicos como Rivotril, Diazepan, Lexotam e outros.

“Se todas as abordagens psicológicas falharem e se tranquilizantes tiverem de ser usados, é muito melhor começar com Librium (30-60 mg) ou Valium (10-30 mg), o que parece aliviar emoções dolorosas sem interferir no curso da sessão. O quanto antes, o paciente deve retomar uma posição reclinada com tapa-olhos e fones de ouvido, para continuar com a abordagem introspectiva da experiência”.
– Stan Grof, LSD Psychotherapy

Haloperidol – Uma droga antipsicótica usada para tratar psicoses agudas e crônicas e que é considerada “particularmente efetiva no gerenciamento de hiperatividade, agitação e mania”.
[mentalhealth.com]

Risperdal (risperidine / risperidone) – Antipsicótico relativamente novo frequentemente considerado como a primeira opção entre os antipsicóticos para tratamento de episódios psicóticos agudos e extremos induzidos por alucinógenos por conta de sua afinidade com receptores 5HT2a. Antipsicóticos não costumam ser usados para tratar reações de pânico e outras crises psicodélicas que não envolvam atitudes externas.
[TraumaSurvival.org]

Amplictil (clorpromazina) – Um antipsicótico com um grande rol de efeitos colaterais desagradáveis, é uma distante terceira ou quarta opção no tratamento da maioria das psicoses e ansiedade. “Amplictil e Melleril são agentes antipsicóticos de uma classe chamada fenotiazinas. Eles são excluídos do uso em idosos porque não possuem um perfil favorável de efeitos colaterais. Se um agente tiver a necessidade de controlar episódios agudos de comportamentos ameaçadores ou de agressões, antipsicóticos mais recentes como Risperdal ou Haldol são preferíveis”.
[Geriatric Drug Review]

Amplictil e outros tranquilizantes principais não são neutralizadores específicos de efeitos do LSD. Usados em altas dosagens, tais medicamentos têm um efeito geral inibidor que suprime e mascara a ação psicodélica do LSD. Uma análise detalhada em retrospectiva desta situação normalmente mostra que o paciente experimenta a ação de ambas drogas simultaneamente, e que o efeito combinado é bem desagradável”.
– Stan Grof, LSD Psychotherapy

O tratamento de uma crise psicodélica com Amplictil deve ser evitado e é considerado uma forma de tortura mental extrema, além de ser conhecido por resultar em semanas ou meses de trauma psicológico para a pessoa tratada por meio desta “camisa de força mental” durante o ocorrência de uma crise psicodélica.
[Thorazine Vault]

Valium (diazepam) – Usado no tratamento de ansiedade e de espasmos musculares, tanto quanto em geral para acalmar as pessoas. A dosagem usada é entre 2 a 10 mg para baixa ansiedade, e de 10 a 30 mg para ataques agudos ou extremos. O Valium é substância controlada nos EUA porque algumas pessoas acreditam que os efeitos sejam agradáveis o suficiente para o uso recreativo. Valium, Xanax e outros equivalente benzodiazepínicos são considerados pela comunidade psicodélica como o melhor tratamento químico para crises psicodélicas extremas.
[Valium Vault]

Xanax (alprazolam) – Mais um benzodiazepínico (como o Valium) usado para tratar ansiedade, espasmos musculares e para acalmar as pessoas. O Xanax faz efeito mais rapidamente do que o Valium e é considerado mais útil para tratar episódios agudos. Pílulas de Xanax são às vezes mastigadas para acelerar os efeitos, apesar de que o gosto pode ser desagradável; e refrigerante, água ou fruta podem ser necessários para reduzir o amargor. A dosagem para Xanax é de 0,25 a 1 mg para baixa ansiedade, e de 1 a 3 mg para ataques extremos e agudos. Veja Valium, acima. Xanax pode ser um pouco mais sedativo do que Valium.
[Xanax Vault]

Definições
Coma – Considera-se “coma” a ocorrência simultânea de inconsciência e baixa ou nenhuma reação a estímulos, e é algo que deve ser levado muito a sério. Comas são uma reação normal a overdoses de GHB, opiáceos, quetamina e DXM; sendo que já se ouviu falar também de sua ocorrência com outras substâncias (2C-T-7, DMT, 5-MeO-DMT e possivelmente outras) e algumas combinações; mas é extremamente incomum com a vasta maioria dos enteógenos/psicodélicos. Se a pessoa estiver inconsciente, diga seu nome, tente despertá-la de forma gentil e pergunte-lhe se está dormindo. Verifique seu pulso e sinta sua testa para ver a temperatura. Cheque a resposta à dor – aperte o músculo ao longo da clavícula e o torça ou belisque com força na base de uma unha; olhe a resposta física a isto (no mínimo as pupilas irão dilatar temporariamente). Se você não tiver resposta pra nada disto, então parece ser um coma. Estados dissociativos fortes podem se assemelhar a um coma, mas assim como alguém que desmaia com álcool, a maioria dos estados dissociados irão incluir algum tipo de movimentação, alguma resposta a estímulos (você a belisca e ela diz “ai”, ou tenta afastar a sua mão, ou rola).


FONTE EROWID 

Agradecemos imensamente a tradução feita pelo colaborador ExPoro.
Seja você também um colaborador, entre em contato:

equipemundocogumelo@gmail.com

FAQ da Experiência Psicodélica

ÍNDICE

 

 

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1. Isenção de responsabilidade
Esse FAQ é trazido apenas para fins informativos. Não defendemos qualquer tipo de atividade ilegal. No entanto, nós realmente acreditamos no direito ao livre acesso a informações e ideias. Por fim, recomendamos enfaticamente que se informe sobre a legislação aplicável a você sobre o assunto.

2. Introdução
Muito se escreveu sobre as variedades de experiência psicodélica, e há alguns materiais excelentes pela internet, como a tradução de 200K do Psychedelic Experience, mencionada abaixo. Em tempo, não há arquivo que prepare o psiconauta de primeira viagem ou cubra a experiência de um ponto de vista compreensível para pessoas que não viajaram anteriormente. Esse FAQ é uma tentativa de criar esse tipo de compilação.

Esse arquivo originalmente veio da FAQ sobre Psilocybe Mushroom, que incluía uma série de informações que se tornaram aplicáveis para todas as substâncias psicodélicas, não apenas cogumelos. Além disso, nós separamos os pedaços aplicáveis e os expandimos quando necessário nesse texto. Como antes, “nós” e “eu” alternam ao acaso entre os autores e seus assistentes.

Esse arquivo é dividido em 5 partes principais. As partes 3 a 5 (Antes, Durante e Depois) descrevem a preparação para a viagem, a viagem em si mesma e os efeitos posteriores ao fim dela. A parte 6 traz conselhos extras para o psiconauta de primeira viagem. A parte 7 dá mais orientações para o guia de primeira viagem.

Um Suplemento para Doses Altas [HDS do Inglês High Dose Supplement] a esta FAQ será publicado em data posterior, com o propósito de dar informações adicionais aos exploradores de doses altas.

Comentários e críticas são bem-vindos, como sempre. Curta o seu voo.

3. Antes
Todos os aspectos da preparação pra viagem, mental ou não.

3a. Escolha da substância
De longe, as drogas psicodélicas mais populares são LSD e cogumelos. Cannabis, apesar de psicodélica em algum sentido, não o é na mesma magnitude dos reais alucinógenos, ao menos em doses normais. Isso de fato é um caminho para demonstrar ao usuário de álcool/nicotina/café que nem todas as drogas botam a pessoa pra baixo. MDMA é uma classe própria, mas muito do que está escrito aqui é aplicável. No entanto, ao menos do jeito que é comumente usado, tende a não ser uma experiência de expansão da mente, e sim de êxtase físico (o trocadilho é proposital). Existem também, é claro, DMT, 2C-B e outras substâncias famosas; mas a pessoa mediana não costuma chegar nelas. Mais informação sobre elas no HDS.

Para o iniciante sortudo o suficiente para ter uma escolha, eu recomendo cogumelos. Uma viagem de cogumelo dura cerca de 6 horas, enquanto o LSD pode durar por até 12 horas; e essas 6 horas extras são normalmente tempo demais, principalmente para psiconautas estreantes. No entanto, algumas pessoas pensam que LSD é um psicodélico mais “positivo” ou “pra cima” que o cogumelo, mas isso depende do seu humor. Pessoalmente, eu acho que a curta duração é mais importante, até porque primeiras viagens ruins são extremamente raras.

Deve-se visar uma dosagem baixa. Afinal, você sempre pode aumentar a dosagem na próxima vez, mas não pode diminuir uma bad trip. No mercado negro é mais difícil estimar a força da dose, então ter um viajante experiente para experimentar o que será usado é uma boa ideia. Veja as FAQs de dosagem para informação mais precisa. Especialmente com LSD, não caia na armadilha que “nada está acontecendo, acho que tenho que tomar mais”, depois de ingerir a primeira dose. Espere pelo menos uma hora com psilocibina (cogumelo) e pelo menos duas horas com LSD antes de tomar mais para aumentar o efeito.

Entretanto, nas palavras de Dave Gross:

Mas também não muito pouco. A primeira viagem é importante, e parece ter mais potencial quando no primeiro encontro com o reino da psicodelia. Na minha opinião, pode ser bom que a primeira viagem seja poderosa (ou seja, mergulhar ao invés de andar sobre as águas). Existem duas considerações: reduza a possibilidade e severidade de uma potencial bad trip, e aumente o poder e a intensidade desconcertante de uma good trip. Ambos são importantes. Se segurança fosse a preocupação principal, a pessoa não estaria considerando usar uma substância eventualmente ilegal e que joga com sua mente em primeiro lugar. Existe a necessidade de uma balança entre conservadorismo seguro (“como viajar com segurança”) e entusiasmo (“como ver Deus, ser Deus e fazer Deus obsoleto enquanto ouço Pink Floyd”).

3b. Escolha da companhia
As dinâmicas do grupo escolhido para a viagem são cruciais. Vamos considerar alguns aspectos, um por vez:

Tipos de Amigos
Para citar um texto anônimo que descreve a escolha de companhias de viagem de forma brilhante:

“Escolha alguém com disposição para ouvir você cantando a mesma canção repetidamente e repetidamente, desafinado e com a letra errada. Alguém com quem você não se incomode de te ver, e que também não se incomode de te ver engraçado, rindo, chorando, se mijando de medo, falando com Deus, etc. Alguém que irá segurar as suas mãos enquanto você faz cocô para evitar que você caia na privada e desça pela descarga. Alguém, talvez, um pouco mais forte fisicamente que você.

Definitivamente, alguém que já viajou antes, mais de uma vez. Alguém que tem histórias pra contar, e outras que jamais contaria. Alguém que leve isso a sério, mas ainda tenha senso de humor.

Definitivamente alguém com algum grau de compaixão e, com certeza, sabedoria.

Definitivamente, alguém que não vai deixá-lo sozinho, nem por um segundo.

Se você escolher alguém com quem possa transar, tenha certeza de que ele(ela/s) vai aceitar um amante desajeitado e cheio de risadinhas; e que ele(ela/s) não ficará ofendido(a) se você não conseguir manter uma performance ou esquecer totalmente da transa! Alguém que possa ficar calmo e te manter calmo se você ficar mandão.

Se você achar alguém que cumpra todos esses critérios, considere um casamento. Tente ser merecedor”.

Tamanho do Grupo
Viajar sozinho, especialmente para o iniciante, é de certa forma tolice. Existem dois fatores em selecionar o tamanho do grupo. Primeiro, para pessoas inexperientes, ter vários amigos presentes vai reduzir a chance de alguém entrar em pânico. No entanto, enquanto o tamanho do grupo aumenta geometricamente, as tensões e conflitos dentro dele aumentam exponencialmente, gerando uma atmosfera tensa e aumentando a possibilidade de bad trips. Números pares também são preferíveis, pois se/quando o grupo se partir em pares não deixará ninguém de fora, o que seria chato.

Assim, recomendamos o tamanho total do grupo da seguinte forma:
Todos são inexperientes: 3-4
Uma pessoa inexperiente: 2-3
Todos são experientes : 2

Um guia experiente, como um terapeuta ou xamã, pode às vezes trabalhar com um grupo maior, como 8 a 16 pessoas. Mas normalmente todos os envolvidos têm pelo menos alguma experiência.

Confiança no Grupo
Essa é provavelmente a característica mais importante. Se você confia nas pessoas com quem está viajando junto, você se sentirá à vontade com elas durante a viagem e pode usar o tempo de forma mais produtiva, ao invés de ficar se perguntando com os motivos ocultos das pessoas presentes. Ser capaz de confiar no julgamento do guia é especialmente importante, então.
Problemas de Gênero
Viajar com membros do sexo apropriado presentes é divertido, mas também traz o problema da tensão sexual. Sentimentos podem emergir durante a viagem, mas também é possível se ler errado os sinais dos outros, e você pode fazer algo que lhe deixe sem graça depois. Também merece nota que pessoas com relacionamentos conturbados (que acabaram de terminar, ou que sempre brigam, etc.) não devem viajar juntos, ou a viagem será focada nesses aspectos negativos.

O problema central é, novamente, confiança. Se todos os membros do grupo desejam confiar um nos outros, não deverá haver problemas. Discussões de todos os problemas que possam surgir e exercícios do tipo share-water-grow-closer, como meditação em grupo, são úteis. Considere também uma experiência de apenas MDMA juntos, talvez como um facilitador.

Um dos nossos companheiros de viagem teve problemas com isso. Por vários meses havia uma atmosfera extremamente desconfortável de falta de confiança e paranoia entre três membros do grupo. Eventualmente a situação ficou intolerável, foi confrontada diretamente e, por meio de discussão franca, o problema foi resolvido antes de explodir em nossas caras.

A moral é a seguinte: não deixe isso acontecer com o seu grupo. Discutir problemas como esses diretamente pode ir contra a etiqueta e ser um pouco embaraçante, mas é muito melhor do que ter que lidar com uma atmosfera constantemente incerta e venenosa.

Tomada de decisões
Conflitos de interesses podem surgir quando viajando com grupos maiores. Um conjunto de instruções:

  • Sempre pergunte a todos os presentes se está tudo bem ou não em mudar de música, alterar a luz, etc.
  • Cada membro do grupo deve ter um poder de veto absoluto. Ou seja, se todos os demais querem Z, mas um único membro não o quer de forma veemente, então o grupo não fará Z.
  • O guia é o árbitro final em quaisquer disputas.
Doses no Grupo
O guia deve tomar uma dose também para melhorar a comunicações com os outros e pra fazer as 6 a 12 horas de babysitting mais interessantes. No entanto, sua dose não deve ser alta a ponto de perder contato com a realidade. Nível 2 ou por aí é provavelmente o melhor. Exceto talvez o guia, todos os presentes devem estar sob influência do psicodélico, senão os não viajantes irão se sobrepor e trazer todo mundo pra baixo, de volta à realidade.

3c. Escolha do local
O local ideal pra viajar é, ao mesmo tempo:

  • Isolado, de forma que você não encontrará com nenhum amigo, parente ou vizinho durante a viagem;
  • No campo, de forma que você possa se afastar da afobação e dos barulhos da cidade grande, e curtir a natureza;
  • Familiar, de forma que você se sinta seguro e confortável;
  • Confortável, ou seja, com camas e colchões para todos.

Infelizmente, achar um local que cumpra todos esses requisitos não é possível pra maioria das pessoas, então você terá que se contentar com menos. Se você mora sozinho, ótimo, só tenha certeza que irá tirar tudo que te liga ao mundo externo durante a viagem (desligue telefones e campainhas, diga aos seus amigos e parentes para não te visitarem). Se você ainda mora com os pais, escolha um momento quando estará absolutamente, completamente e totalmente certo que eles não chegarão implodindo sua viagem na metade. Considere alugar uma cabana na floresta pro fim de semana ou talvez apenas um quarto de motel – há algumas opções bem baratas de hospedagem, e em grupo é possível pagar com baixo custo lugares mais caros. Aqui na Finlândia há milhares de casas de campo pro verão, quase sempre localizadas perto de lagos e florestas, que preenchem os critérios de um local perfeito para viajar.

Nas primeiras viagens eu recomendo permanecer dentro de quatro paredes, pelo menos no pico, com talvez uma excursão eventual no parque do bairro quando os efeitos estiverem passando. Outra escolha é entre viajar de dia ou de noite. De noite, você pode ver melhor as alucinações e o crepúsculo melhora a viajibilidade das coisas, e sair é mais fácil porque há menos pessoas à volta. Viajar à noite também oferece a vantagem de se poder dormir logo após o fim da viagem, de forma que você acorda renovado de manhã. Por outro lado, de noite as coisas podem também parecer um pouco estranhas demais, e ser roubado durante a onda não será agradável.

Uma vez que você tenha mais experiência e consiga interagir com pessoas que não estão viajando, seja aventureiro e vá acampar na floresta, tente a praia, um parque de diversões, uma rave… Uma vez, Leary disse (eu acho) que a maior razão das pessoas enjoarem de psicodélicos é que elas sempre fazem as mesmas coisas enquanto estão viajando, ao invés de tentarem coisas novas.

3d. Preparação
Comece a preparação uns dias antes da viagem. Carregue seu equipamento (cérebro) com tudo que você ache que seja útil. Pessoalmente, eu gosto de documentários sobre a natureza, pois são fáceis de absorver (vídeo ou TV). Livros são bons mas mais devagar pra carregar na mente. Andar na natureza, quieto e em paz, bem como meditações asseguram que eu terei energia mental e felicidade suficientemente longas. Tente quebrar o ciclo normal de trabalho e, se você está estressado, demore uns dias a mais longe de tudo antes de ir pra viagem.

Considere o que você come no prazo de umas 8-12 h antes da viagem. Você deve querer armazenar energia pra sua viagem, então uma pequena refeição de carboidratos e proteína cerca de 3-4 h antes da viagem pode ser útil, especialmente para a viagem mais longa do LSD. Por outro lado, jejuar ou só tomar sucos no dia da viagem pode lhe dar leveza de qualidade, que é boa para uma jornada mais religiosa ou de xamanismo. Se você tiver uma refeição cerca de 1-2 h antes de ingerir o material, ele será absorvido mais lentamente (a menos que seja LSD e absorvido debaixo da língua), e pode aumentar a náusea e o desconforto intestinal aos que tem tendência pra tanto. Você deve evitar alimentos com alto nível de gordura no dia da viagem, apesar de que um pouco de chocolate é uma tradição mexicana com os cogumelos.

Evite situações desagradáveis logo antes da viagem. Se você vir muitos filmes de terror ou tiver uma discussão de 2 horas com alguém, essa bagagem emocional negativa provavelmente irá ressurgir durante a viagem.

3e. Música
Um dos fatores mais importantes da preparação é a música – especialmente em ambientes urbanos a música pode ser necessária pra camuflar e mudar o fundo sonoro do dia-a-dia. Música pode atingir a sua imaginação e uma miríade de diferentes jeitos. Música pode te levar embora, confortar ou te fazer sentir inacreditavelmente bem. Também pode te deixar triste, saltitante ou nervoso. Por isso, é muito importante fazer a escolha certa da música. Existe música de viagem e música de viagem – dependendo do resultado desejado. Eu vou me focar no lado mais profundo; música para viagens xamânicas, viagens espaciais e viagens intensas de cogumelos mágicos.

Eu falo pela minha própria experiência, então pode ser que o material citado não se encaixe totalmente pra você. Eu sempre fui céptico sobre isso, mas os resultados são com frequência incríveis e surpreendentes. Músicas que você gosta em seu estado normal de consciência não são o ideal – talvez sirvam para antes e depois da viagem. Para uma viagem tente achar uma música que seja calma, nem muito agitada ou rápida, não muito estruturada, e que possa ficar bem como música de fundo se desejado.

Uma típica programação de música pra viajar ficaria assim:

Primeira hora
Otimista, relaxante, talvez não muito profunda. Adventures Beyond the Ultraworld (da Orb) é uma favorita, Little Fluffy Clouds é garantia de te colocar no clima certo.
Segunda e terceira horas
É quando o pico vai ocorrer, então a seleção musical deve ser feita cuidadosamente. Escolha algo bem quieto e calmante, há várias sugestões disponíveis.
Quarta até sexta horas
Mais do mesmo ou talvez absolutamente nada. A esta altura, a música está somente no fundo e sua seleção não importará muito.

Esses tempos são para psilocibina, multiplique por dois para LSD.

E agora os tipos comuns de músicas para viajar:

Ambiente
Um monte de música entra nesta categoria hoje em dia, e pode ser muito difícil achar algo realmente ambiente no meio de todas essas novas ambiente-techno/dub. As minhas favoritas e de muitos outros incluem Ashra Temple, John Cage, Cluster, Brian Eno, Robert Fripp, Steve Hillage, Daniel Lanois, Pink Floyd, David Toop & Max Eastley, Tangerine Dream e Tuu. Todas essas se movem em tangentes mais sérias – vale a pena checar. Muitas lojas de música trazem-nas sob o nome comum de New Age, próximas das músicas crystal-healing. Para um lado mais techno da música ambiente, tente Aphex Twin, James Bernard, FFWD, FSOL, PEte Namlook, The Orb (especialmente os lançamentos mais recentes), William Orbit, Seafeel, Sun Electric ou Terre Thaemlitz, por exemplo.

Ethno
Músicas de culturas diferentes ao redor do mundo, especialmente músicas de xamãs ou músicas que visam experiências religiosas ou espirituais – bateria xamânica, australian dijetidoo sounds ou cantos gregorianos ou de monges budistas, por exemplo. Compilações de Músicas para Meditação podem ser excelentes! Há uma enorme quantidade deste tipo de música ao redor do mundo.

Minimalista
Especialmente Terry Riley, Steve Reich, Philip Glass e Lamonte Young todos fizeram psychoacoustic music. Riley é especialista: beyond words – algo inacreditável. Pra quem conhece do assunto.

Silêncio
Silêncio completo ou “Música da Mãe Natureza” – melhor som pra viajar desde que existem humanos viajando. O padrão de gotas de chuva caindo ultrapassa qualquer música que possa ser criada. Algo que deve ser tentado. Perfeito.

Outras
Algumas pessoas ouvem, por exemplo, industrial ou rap. Enquanto ambos são ótimos de se ouvir turbinado, também tendem a apresentar desagradáveis e desanimadores temas assustadores que é melhor evitar enquanto não se for muito familiar com o mundo psicodélico. Às vezes, um techno mais encorpado (trance, acid, progressive) é excelente – pessoalmente, eu acho Orbital 2 brilhante. Mas, normalmente, muita percussão (batida) não é uma coisa boa. Muitas pessoas também gostam de música clássica. Basicamente, tente a música que você normalmente gosta, mas com um pouco de cuidado.

De qualquer forma, pra uma viagem real eu digo: depois de tomar, desligue as luzes, ligue o volume no limite do subliminal, relaxe e sintonize-se com a vibração da Terra.

3f. Acessórios de viagem (triptoys)
Acessórios de viagem só devem ser usados depois do pico ter claramente terminado e seu grupo ter entrado na fase em que se tem novamente alguma energia ao invés de só se voar no hiperespaço. Claro, algumas pessoas continuam com a música ou buscas mais espirituais. Em ordem alfabética (no original em Inglês):

  • Livros são um gosto adquirido. A maioria das pessoas acham difícil ler, enquanto outros precisam estar viajando pra entender determinados textos, por exemplo, Joyce;
  • Frutas cítricas, especialmente laranjas. Uma combinação poderosa de cheiro, textura e sabor. Suco é um substituto decente;
  • Lápis ou tintas para desenho;
  • Tocar percussões pode prover uma experiência de indução ao transe interessante, seja um tocando por todos ou o grupo se revezando no instrumento;
  • Comidas gelatinosas. Por exemplo, gelatina, pudim de chocolate, jujubas…
  • Qualquer coisa que brilhe no escuro, preferencialmente que não sejam caveiras ou esqueletos, por razões óbvias;
  • Qualquer coisa fluorescente;
  • Flores frescas parecem lindas e cheiram maravilhosamente bem;
  • Comida é uma categoria por si mesma. Além das comidas preferidas de sempre, tente sorvete, comida de neném (do tipo fruta), refrigerantes… Apenas pequenas porções são necessárias, contudo: durante a viagem você não pode realmente comer, apenas sentir o sabor;
  • Incenso, especialmente quando está escuro e você pode balançá-lo e criar rastros no ar, ou olhar a fumaça à deriva com uma lanterna. O cheiro também dá um bom tom à atmosfera;
  • Fluffies (aquelas bolas com pelos elásticos), quanto maior e mais colorido melhor, são muito positivos;
  • Espelhos podem ser interessantes, mas também arriscados. A menos que tenha alta auto-estima, e a maioria das pessoas não tem, é comum ver seu rosto coberto com cabelos/insetos/espinhas/seja lá o que for, quando você olhar pro espelho. Mas, muitas pessoas adoram espelhos quando viajam, e há casos de autoestimas melhorando depois de um longo tempo de sessões olhando pro espelho;
  • Filmes quase merecem sua própria seção. Desde que todos tem seus favoritos, vou apenas listar os populares: The Mind’s Eye e Beyond the Mind’s Eye, ambos animações de computador, são clássicos. Também são o Fantasia e Alice in Wonderland, da Disney. Koyaanisquatsi é outro favorito. Evite filmes “ferra mentes” como os trabalhos de David Lynch: Natural Born Killers, Tetsuo, etc.; são muito assustadores e difíceis de acompanhar sob influência;
  • Instrumentos musicais, especialmente violões e guitarras, são divertidos de serem tocados;
  • A natureza é o maior e mais inigualável acessório de viagem, ponto final. Eu realmente recomendo sair, especialmente à noite. Estou realmente convencido que a floresta à noite durante a viagem é a coisa mais irada do universo. Neste mesmo pé, está a praia quando se está de dia; o lago durante o pôr do sol; e um campo coberto de neve na luz da lua; e……..
  • Estroboscópios regulados a 20-30 Hz são ótimos. Cuidado: luzes estroboscópicas podem causar crises em pessoas com epilepsia não diagnosticada, teste-as antes de usar;
  • Bichos de pelúcia são demais: eles são uma ligação familiar com a realidade e, mais importante, são divertidos de abraçar, brincar ou jogar por aí;
  • Televisão é algo ambivalente. Algumas pessoas gostam, outras não conseguem imaginar algo que queiram fazer menos sob influência. Se quiser tentar a TV, desenhos (especialmente Reboot) são provavelmente o melhor;
  • Jogos com a voz. Jogar apenas com sons de vogais ou fazer uma língua usando vogais e consonantes pode ser muito interessante, seja o grupo todo junto ou alternando com um membro de cada vez;
  • Água: você pode beber, pode espirrar, se tiver suficiente ainda pode andar sobre ou ainda submergir totalmente. Eu não recomendo nadar de verdade durante uma viagem, especialmente em águas desconhecidas.

Também experimente as coisas à sua volta. A natureza provê um monte de coisas legais. Até seixos podem lhe dar horas de diversão.

3g. Interações com outras drogas
A maioria das drogas, prescrições e outras, misturam mal com psicodélicos, então as evite. Claro, coisas como aspirina não vão influir tanto, mas você não quer mesmo ter uma dor de cabeça enquanto viaja. Mas, por exemplo, antidepressivos tem todo tipo de reações imprevisíveis. Alguns (como Prozac) reduzem o efeito, mas outros (como Lithium) o aumentam demais. O Erowid tem um arquivo separado de interações entre antidepressivos e psicodélicos. Consulte para mais informações.

Há três exceções bem conhecidas para a regra acima:

  • Maconha, se fumada durante a viagem, tem normalmente três efeitos. Se fumada antes ou durante a ingestão, normalmente alivia o mal estar. Se fumada durante o pico, fará a viagem ser mais forte. Se fumada depois do pico, vai fazer a viagem voltar por um tempo. Note que esses são apenas efeitos comuns, podendo variar individualmente;
  • MDMA (extasy) combina bem tanto com LSD quanto com a psilocibina. Misturar MDMA com LSD é chamado de candyflipping, enquanto MDMA com cogumelos é chamado de MX-missile (mushrooms = M, extasy = X);
  • Óxido nitroso (N2O) irá normalmente levar a viagem até o nível 4 ou 5 por alguns minutos. Não se esqueça de tomar fôlego vez em quando sempre que usar isso.

3h. Outras considerações
A roupa deve ser solta e fácil de colocar ou tirar. Sua temperatura corporal deverá aumentar alguns graus, então vista-se levemente.

Traga algo para beber (preferencialmente água, apesar de refrigerante ser um ótimo acessório de viagem) e um lanche leve para comer depois.

Mantenha as luzes apagadas ou enfraquecidas. Evite luzes vermelhas, ter sua visão avermelhada durante a viagem é comum e você não quer piorar isso.

Muitas pessoas se preparam pra viagem com alguma forma de trabalho corporal, especialmente massagem ou yoga. Principalmente se combinadas com jejum ou comidas leves, elas podem estabelecer uma sintonia espiritual para a viagem e reduzir os “ruídos” durante a mesma. Meditação/visualização guiada bem no começo da onda também é popular.

Enquanto na viagem, você não interpreta os sinais do seu corpo do mesmo jeito que normalmente faz. Por exemplo, se está com fome ou sede ou quente ou com frio ou precisando ir ao banheiro, essa impressão pode ser atrasada ou mudada no caminho até a sua consciência alterada. Se em algum ponto da viagem você se sentir agitado, insatisfeito ou irritado e não pode dizer exatamente porque:

  • Mude a música, se houver alguma tocando;
  • Mude a iluminação;
  • Vá ao banheiro;
  • Tome um copo de água.

3i. Intenções da viagem
Citação direta de _The Psychedelic Experience_:

Qual o objetivo? O Hinduísmo clássico sugere quatro possibilidades:

  1. Aumentar o poder pessoal, entendimento intelectual, compreensões mais aguçadas de si e da cultura, melhoria da situação de vida, aprendizado acelerado, crescimento profissional;
  2. Dever, ajuda aos outros, prover cuidado, reabilitação, renascer para pessoas companheiras;
  3. Diversão, aproveitamento sensual, prazer estético, aproximação interpessoal, pura experimentação;
  4. Transcendência, liberação do ego e dos limites do espaço-tempo, realização da união mística.

Na experiência transcendental extrovertida, o eu é extaticamente fundido com objetos externos (como flores ou outras pessoas). Na experiência transcendental introvertida, o eu é extaticamente fundido com processos da vida interior (luzes, ondas de energia, eventos corporais, formas biológicas, etc.). Nenhum dos dois estados é mais negativo que positivo, dependendo das preparações da viagem. Para a experiência mística extrovertida, alguém deve trazer à sessão velas, pinturas, livros, incensos, músicas, ou passagens gravadas para guiar a atenção na direção desejada. Uma experiência introvertida requer a eliminação de todo estímulo: sem luz, sem som, sem cheiro, sem movimento.

[…e agora uma seção de outra parte do guia: ]

Pessoas naturalmente tendem a impor perspectivas pessoais e sociais em uma nova situação. Por exemplo, alguns sujeitos ill-prepared inconscientemente impõe um modelo médico na experiência. Eles procuram por sintomas, interpretam cada nova sensação em termo de doença/saúde, e, se a ansiedade se desenvolve, pedem tranquilizantes. Ocasionalmente, sessões ill-planned terminam com o sujeito pedindo para ver um médico.

Revolta contra as convenções pode motivar alguém a usar a droga. A ideia inocente de fazer algo longe ou vagamente impertinente pode nublar a experiência.

[Psicodélicos] oferecem vasta possibilidades de aprendizagem acelerada e pesquisa científica, mas para sessões iniciais, reações intelectuais podem virar armadilhas. Desligue a sua mente é o melhor conselho para novatos. Depois que você aprender a como mover sua consciência – para a perda do ego a de volta ao ego, à sua própria vontade – então exercícios intelectuais podem ser incorporados na experiência psicodélica. O objetivo é te libertar da sua mente verbal o máximo possível.

Expectativas religiosas merecem o mesmo conselho. Novamente, o sujeito nas primeiras sessões é melhor aconselhado a se deixar levar pela correnteza e permanecer firme o máximo possível, e adiar interpretações teológicas.

Expectativas recreacionais e estéticas são naturais. A experiência psicodélica provê momentos de êxtase que esmagam qualquer jogo pessoal ou cultural. Pura sensação pode capturar a atenção. Intimidade interpessoal alcança as alturas do Himalaia. Prazeres estéticos – música, artes, botânica, natureza – são aumentados ao milhão. Mas reações de jogo do ego (“Eu estou tendo esse êxtase. Como sou sortudo!”) podem prejudicar o sujeito de atingir uma pura perda do ego.

Em outras palavras, é uma boa ideia decidir de antemão qual seu objetivo na viagem, e checar com seus companheiros se é possível sincronizar suas atividades, músicas, etc. Tentar atingir o nirvana através de meditação za-zen é um pouco difícil quando a pessoa com que você está viajando junto só quer saber como é delirar (rave) com um techno hardcore de 300 bpm arrancado a 100 dB.

A contrapartida disso é que você deve evitar definir a natureza da sua experiência antes dela com precisão demais. No fim, você só pode influir no caminho que a viagem tomará, não controlá-la. E não ser capaz de alcançar um objetivo muito rigidamente estabelecido vai frustá-lo à toa. Como dito acima, desligue a sua mente.

4. Durante
O que irá acontecer durante a viagem e o que fazer sobre isso.

4a. Conselho geral
Uma vez sob efeito, é relativamente fácil esquecer que você pode alterar o curso da viagem. Visuais e pensamentos vem e vão, e tudo segue um padrão estranho e desconhecido, mas divino. No entanto mudar o padrão é fácil – desde que você não se esqueça de que é possível. Sempre decida e pondere o que você quer ver e onde você quer ir antes da experiência. Uma viagem xamânica para o submundo é interessante, assim como prever o futuro. Normalmente, cada psiconauta cria seu próprio caminho pra estabelecer um padrão – seja isso pro bem ou pro mal. Qualquer coisa é possível!

Mas se lembre das palavras imortais do Hitchhiker’s Guide to the Galaxy (O Guia do Mochileiro da Galáxia):

     _____     _    _  .  .   ___   __    . .  . .   _   ___    _____
    /     \   | \  / \ |\ | /  |   |  |  /| |\ | |  / \  \ /   /     \
   |  | |  |  |  )(   )| \|    |   |--' /-| | \| | (      V   |  | |  |
   | \___/ |  | /  \_/ |  |    |   |   /  | |  | |  \_/   o   | \___/ |
    \_____/   *******************  ********************  ***   \_____/

[ NÃO ENTRE EM PÂNICO!!! ]

4b. Interferência física
Além da possível náusea do começo, que invariavelmente some depois que chegam as alucinações, os cogumelos podem causar interferências físicas ou psicossomáticas. Você se sentirá estranho, e talvez sensações físicas assustadoras como pele líquida ou proporções corporais distorcidas apareçam. Talvez sinta que tem problemas para respirar; que acabou de mijar ou cagar nas calças; que está afundando no chão ou em si mesmo. Se realmente começar a se preocupar com isso, talvez você comece a sentir como se vermes estivessem rastejando no seu estômago, que o teto está pra cair sobre você, que o colchão que você está em cima está tentando te devorar…

Sim, você adivinhou, isso é uma bad trip chegando. Não entre em pânico! Isso é normal, e nada realmente aconteceu ou está acontecendo, é só sua mente exagerando e criando coisas. Mas o mais importante: VOCÊ AINDA PODE PARAR ISSO. Aprenda a distrair seus pensamentos em outras direções nesses momentos. Não é fácil, mas é uma habilidade muito importante para viagens em altas doses.

Um dos benefícios de viajar com um grupo bem selecionado é que em um momento como esse, você pode chegar até alguém, tocá-lo e convencer a si mesmo que você ainda está são. E se você tem um bom guia, ele irá notar que você está num momento crítico e virá te ajudar, te confortar, mudar a música e te tirar dessa bad trip.

4c. Plano de vôo
[ Comments about the timing for LSD welcome, I have no personal experience with the stuff… -G ]

VÔO MINUTOS DEPOIS DA INGESTÃO
Fase LSD Psilocybin
IGNIÇÃO 0 0
Normalmente os primeiros efeitos da droga são percebidos depois de 10 ou 20 minutos. Coisas estranhas e engraçadas podem surgir na sua mente. Pode se sentir muito relaxado ou querendo pular. Depois você pode sentir que está decolando pras estrelas, e avante.
ACELERAÇÃO 45 20
Aqui batem os efeitos físicos que eventualmente ocorram. Você pode evitar ou reduzir a náusea não comendo muito antes da viagem ou não se movendo muito durante essa fase. Vomitar é incomum mas já foi relatado; ter uma sacola pra vomitar nas primeiras viagens é uma boa ideia. Se você achar que seu corpo realmente não gosta de cogumelos, uma pilula contra enjôo antecipadamente deve ajudar. Mas não se importe muito com isso, mesmo que se sinta enjoado a náusea irá acabar rapidinho.
DECOLANDO 60 40
Começa o reino da experiência psicodélica; normalmente os primeiros sinais reais são simples alucinações com olhos fechados ou no escuro, pequenos pixels coloridos voando à volta, etc. Se alguém precisa ir ao banheiro, deve ser agora.
EM ÓRBITA 90 70
Nessa hora os efeitos mais poderosos estão começando a aparecer. O corpo se sentirá pesado e sonolento.
PICO 180 120
O pico da experiência. Normalmente bem incrível.
DESACELERAÇÃO 300 240
Nesse momento a pessoa irá começar a se relembrar dos conceitos da realidade normal e vai querer pegar algo pra beber e comer, ou conversar e se mover um pouco.
ATERRIZAGEM 10 h 360
A maioria dos efeitos desapareceram e é possível dormir.
REALIDADE 16 h 12 h
Se você viajou de noite e dormiu após o fim da viagem, esse é o momento quando você se levanta… e as chances são de que você se sinta INCRÍÍÍÍÍÍÍÍVEL!

É sempre uma boa ideia ficar junto com seu grupo, ou pelo menos parte dele, e trocar experiências. No dia seguinte e no posterior as pessoas vão tender a ficar mais interiormente focadas, ainda analisando o que elas acharam durante a viagem e a importância disso para elas. Mas após esse estágio inicial de análise, comparar experiências é bem útil.

4d. Diferenças entre Psilocibina e LSD
LSD e psilocibina, apesar de similares, não são iguais. Aqui vai um bom artigo de Ellis Dee (an188749 – at – anon.penet.fi) resumindo as diferenças:

“Aqui vai uma lista parcial das diferenças entre os efeitos do LSD e da psilocibina, na forma como os vejo: —
(key — P: Psilocibina; L: LSD)

  • Duração
    P: início: 30 minutos; pico 90 minutos; duração: 6 horas;
    L: início: 60 minutos; pico 2-3 horas; duração: 10 horas.
  • Estimulação
    P: pequeno efeito estimulante, às vezes induz leve sonolência;L: pronunciado efeito estimulante, similar à feniletilamina.
  • Percepção
    • Escopo do Efeito
      P: primariamente visual [Eds: nós discordamos disso.];
      L: todos as áreas dos sentidos – visual, auditivo, tátil, sinestesia.
    • Integração Perceptiva P: sinestesia limitada, até em doses altas;
      L: sinestesia profunda em doses altas, especialmente percepção visual de estímulos auditivos.
    • visual
      • Especificidade
        P: um pouco específico, com formas recorrentes;
        L: geral, amplo espectro de possíveis efeitos.
      • Estética
        P: visões de beleza sublime são comuns;
        L: neutra, visuais indo de banais a sublimes.
      • CPr
        • Matiz
          P: cores quentes compostas de terra;
          L: cores primárias e espectrais.
        • Associação Cor-Objeto, Mobilidade
          P: concreto: cores fundidas aos objetos;
          L: abstrato: cores se movendo e mudando livremente.
        • Outras qualidades
          P: rico, lustroso;
          L: transparente, neutro.
      • ○ Padrões
        • Detalhes
          P: pouca ênfase em detalhes;
          L: fino detalhe, qualidade fractal.
        • Forma
          P: amplas regiões interligadas contendo diferentes cores unidas por bordas curvadas e evidentes;
          L: grande variedade de formas; pequenas linhas, estruturas elucidadas por facetas.
    • Consciência, Geral
      • Dissolução do Ego
        P: suave despersonalização acompanhando a experiência da beleza interior e empatia com outros seres ou fenômenos;
        L: despersonalização profunda acompanhando a experiência de unidade subjacente e ligação com tudo.
      • Expansividade
        P: suavemente expansivo;
        L: muito expansivo, multiplicidade de pensamentos e emoções, senso de ligação.
      • Cognição e Percepção
        P: percepção é pouco afetada pela cognição;
        L: cognição e percepção estão intimamente associados, com a percepção parecendo ser amplamente direcionada por processos cognitivos.
      • Continuidade
        P: pouca continuidade, uma vez que uma sensação intensa substitui a outra;
        L: alto grau de continuidade possibilitada (aparentemente) pela mediação da percepção pela cognição.

Algumas das diferenças são exageradas um pouco para fins de clareza.<”

4e. Alucinações
Descrever alucinações e efeitos visuais não é possível; não apenas são indescritíveis como são diferentes em cada pessoa. Mas, que seja, vamos tentar o impossível e prover uma lista curta de alguns tipos mais clássicos de alucinações com que nos deparamos, em ordem aproximada de quão alto deve ser a dose para que surjam.

CEV = Closed Eye Visual (Visualização de Olhos Fechados)
OEV = Open Eye Visual (Visualização de Olhos Abertos)

  • Pontos vermelho/verde/azul (CEV ou OEV)
    Possibly the most common type of hallucination, this usually occurs at the onset. The basic idea is that a layer of red, green, and blue blips – kind of like looking at a TV set from real close – is superimposed on everything. Most visible in darkness.
  • Pixalização (OEV)
    O secundo estágio do efeito acima é a pixalização, ou seja, tudo parece ter sido separado em pequenos pixels, como os da tela de um computador. Esse efeito é difícil de descrever, e só posso lhe dizer que saberá quando o vir. Pessoas que não são ligadas em computadores descrevem o efeito como uma fina malha ou rede colocada sobre seu campo de visão.
  • Traçadores (OEV)
    Deixa traços coloridos mover objetos que contrastam bastante com o fundo (como o incenso aceso numa sala escura, bola voando com o céu azul, etc.).
  • Desvio pro Vermelho (OEV)
    Tudo parece como se estivesse olhando por trás de lentes coloridas de vermelho. Agora você sabe porque hippies amam tanto óculos de sol vermelhos…
  • Respiração (OEV)
    Um efeito muito comum em doses mais altas. O objeto em questão começa a pulsar pra cá e pra lá, borbulhar, mudar, se dividir em várias camadas, transformar-se até ficar totalmente irreconhecível… Normalmente visível em objetos maiores, como areia da praia, nuvens, paredes e carpetes com texturas, etc.
  • Derretimento (OEV)
    Corolário direto do Respiração, melhor visto em plantas e árvores. O objeto em questão começa a agir como se fosse de plástico e alguém o estivesse esquentando. Ele se distorce, flui para baixo, talvez meneie um pouco em uma dança cósmica. Sombras podem exibir uma forma especial de derretimento: elas se movem por si mesmas.
  • Aurificação (OEV) [descrito por James Kent]
    Normalmente meus visuais de cogumelos começam como aurificação de cores enevoadas de arco-íris de qualquer coisa que eu olhe. Então, enquanto a viagem se intensifica, eu tenho o que posso chamar de kodakização ou polaroidização – as auras em volta dos objetos mundanos 3-D começam a se alterar em instantâneos – normalmente de membros da família ou de experiências recordadas de diferentes perspectivas;Os instantâneos tem um tipo de “efeito cascata infinito” em volta das beiradas, como se estivesse evaporando no tempo… Isso não é muito acurado, mas não sei como descrever melhor. Talvez assim: eles são fractalizados nas beiradas. Eu estudei esse efeito por algum tempo e acredito que essa alucinação se dá devido a uma mudança na velocidade na qual eu percebo a luz. As beiradas fractalizadas tendem a pulsar e piscar e regredir ao infinito. Quanto mais próximo eu analiso as bordas, mais complexas elas ficam – ao infinito. Boa música, boa erva, ou uma combinação dos dois irá animar os instantâneos – fazê-los se transformarem e escorrerem em diferentes cenas mais rapidamente. Chamo a isso de graxa da animação.
  • Visão de Raio-X (OEV) [descrita por James Kent]
    Me lembro de estar num ônibus com meu amigo com uma dose mediana de cogumelo mais ayahuasca (1,5 cogu mais 1 cápsula). Quando eu olhei seu rosto, podia ver a rede de veias pulsando sangue por sua cabeça e cérebro. Pude ver através de sua pele e enxergar seu crânio. Foi realmente estranho, mas também muito legal. Eu comecei a rir tanto que tive que botar minha mão no rosto para reduzir o barulho. Em outra viagem (dose similar – meu usual), eu estava olhando uma árvore e subitamente eu podia ver cada veia na árvore e a seiva correndo ali dentro de forma lenta mas constante. Também pude ver ciscos como pequenas formigas percorrendo tudo, inclusive meu corpo. Eles voavam através do espaço em padrões orgânicos – da árvore, para o deck, para minhas pernas, etc. Eu não sei o que esses ciscos eram. Primeiro assumi que eram algum tipo de inseto, mas eram muito pequenos pra isso. Ninguém comigo (viajando ou sóbrio) podia vê-los, então os coloquei como ilusão de viajante. No entanto, certa vez em uma caminhada (e viajando), eu sentei numa pedra e notei a MESMA COISA. Dessa vez eu busquei e vi que eram na verdade pequenos insetos nas pedras.Eles eram menores que as pequeniníssimas partículas de poeira sobre a rocha, mas estavam definitivamente se movendo em padrões de insetos. Eu os mostrei ao meu amigo, que também estava viajando, e ele não os pode ver. Então eu disse, “não, eles são realmente pequenos, como átomos”, e subitamente ele também os viu. Nós dois quase enlouquecemos. Eu ainda não sei o que eram – ácaros, bactérias, etc. – mas eles existiam e estavam lá. Eles estavam comendo e excretando algum tipo de líquen que estava espalhado por todas as pedras e árvores na área. Era maravilhoso. Eu estive caminhando na mesma área sóbrio muitas vezes e nunca as vi. Quando eu voltei uma vez sóbrio, poderia vê-los se olhasse realmente de perto, mas somente na área pequena que eu olhasse, e realmente forçando a vista. Sob efeito, eu os via em todo lugar (como milhões de rastros de formigas). Falo sobre acuidade visual!
  • O Guardião (CEV ou OEV)
    Poucas pessoas, inclusive eu, são sortudas o suficiente para ter uma alucinação constante que dura toda a viagem e até depois. Castaneda menciona-os em seus livros como “guias” ou “guardiões”. Duas formas incluem uma malha azul e vermelha de flashes, e uma estrela vermelha brilhante. Podem ocorrer ou não em diferentes viagem e também retornar em flash back após o fim da viagem.
  • Padrões Geométricos (CEV)
    Um tipo de alucinação é o padrão geométrico. Há muito subtipos destes: mandelbrot, espirais, padrões de interferência em ondas, etc. O aspecto unificador é que tendem a ser em cores prismáticas e com natureza fractal, ou seja, o mesmo padrão é repetido continuamente. Costumam ser bidimensionais em baixas doses, mas ficam 3D em altas doses. _Psychedelic Experience_ chama a isso de _The Internal Flow of Archetypal Processes_ (O Fluxo Interno de Processos Arquétipos).
  • “O Fluxo de Fogo da Unidade Interna” (CEV)
    Outro tipo pego de _Psychedelic Experience_. Esse envolve mais um *sentimento* de algo do que *visualização*, apesar de haver alucinações indescritíveis acompanhando os sentimentos. A diferença básica pro último acima é que os visuais não são geométricas ou separadas, mas amorfas, formas obscurecidas diretamente ligadas a emoções que estão sendo experimentadas, que podem ser positivas (bem-aventurança, amor, paz) ou negativas (isolamento, ausência, tristeza).
  • Padrões Tradicionais (CEV)
    São bem comuns visuais contendo imagens Aztecas, Maias, de Nativo Americanos, Indianos, culturas Africanas. Variam desde ver uma clara pintura/estátua de um Deus nativo até a visões vagas de escrituras e templos ou até mesmo a ideia geral de que as alucinações estão num determinado estilo.
  • Alucinações (CEV, raramente OEV)
    Alucinações de verdade – ou seja, objetos que são reconhecidos e aparentam ser reais mas não estão ali – podem ocorrer com viagens de dose alta. Se sortudo, o viajante talvez possa até ser transportado a um mundo do tipo País das Maravilhas literal, não apenas figurativo. Isso não seria apenas um simples sentimento como “Eu me senti como um satélite” ou “Eu fui transportado pela música”. Com alucinações reais, os visuais são equivalentes a um filme 3-D numa tela de 360 graus.
  • Entidades (CEV, raramente OEV)
    Encontros com outros seres são fato recorrente em altas doses. Não vou tratar das questões filosóficas complexas sobre o que eles são (se são algo), como chegaram ali, o que significam; tudo que sei é que eles existem. Alguns tipos comuns:

    • O louva-a-deus, uma criatura mistura de alien com cabeça de inseto que costuma parecer extremamente inteligente, consciente e neutra/negativa em relação ao viajante. Pode ser verde ou branco acinzentado;
    • O tão conhecido elfo do DMT, uma entidade parecida com um gnomo brincalhão, engraçado e normalmente amigo;
    • Pequenas pessoas felizes que dançam e aparecem em grupos grandes;
    • Massas de protoplasma do hiperespaço que, apesar de não terem forma, são conscientes.

    Tem outras, mas essas são as mais comuns.

  • Luz Límpida da Realidade (CEV or OEV)
    Nirvana, perda do ego, êxtase sem jogos, iluminação, verdade final, “a mente infalível do estado místico puro”, etc. Uma coisa é certa: você vai saber quando chegar lá. =) Novamente, se por um lado qualquer viagem decente irá seriamente reduzir a dominação do ego e te deixar ver muita coisa que normalmente não repararia, por outro lado a perda do ego a ponto da “Luz Límpida” é bem rara e até viajantes mais experientes consideram-se com sorte de terem tido essa experiência, considerada de “nível 5”.

Essa está longe de ser uma lista completa. Apesar do listado acima, você vai notar que tudo, especialmente a natureza, simplesmente parece *diferente*: novo, fresco e de alguma forma estranho e familiar ao mesmo tempo. Os detalhes vão se sobressaltar e os contrastes entre as cores serão enaltecidos. Eu acho essa habilidade de ver o mundo diferentemente como um dos aspectos mais recompensadores dos psicodélicos.

4f. Níveis psicodélicos
Para discussões com outros psiconautas, uma escala para ranquear o nível psicodélico de uma viagem é necessário. O padrão ao menos na internet é a escala de Graeme Carl, de 0 a 5, que se provou mais detalhada e trabalhável do que o sistema de “3 a mais” de Shulgin. Aqui vai o que o próprio Graeme (an43543@anon.penet.fi) diz sobre isso:

“[…] Em apenas sete anos eu viajei”” cerca de 60 vezes. Durante esse período eu prestei bastante atenção nos efeitos de várias dosagens e cheguei à conclusão que a curva de dosagem-resposta não é linear, tanto para LSD quanto para psilocibina (cogumelos). Essa não linearidade é diferente de uma pessoa pra outra, mas a forma essencial do gráfico é consistente. O seguinte diagrama em ascii é uma tentativa de retratar essa informação:

  5 I                                 ooooooooo
    I
  4 I                          ooooooo
N   I
I 3 I                   ooooooo
V   I
E 2 I            ooooooo
L   I
  1 I     ooooooo
    I
    Iooooo______________________________________
   0      2      3      5      13     20
40
             D O S A G E M  (em cogumelos frescos)

[…] A ideia essencial do gráfico é o que eu quero deixar valendo, uma vez que as dosagens individuais variam de pessoa a pessoa, em até mesmo uma proporção de 2x.

[ Notas:

A figura de dosagens passada acima aplica-se apenas ao obscuro cogumelo Psilocybe subaeruginosa Australian, então ignore-as. A ideia básica da escala funciona bem o suficiente para qualquer psicodélico. Como referência, uma parceira minha precisa de 1 g pra ter o mesmo efeito que eu com 3 g]

Nível 1:
Esse nível produz um nível suave de efeito, com enaltecimento visual (p.e., cores mais brilhantes, etc.). Ligeiras anomalias na memória de curto prazo. Hemisférios cerebrais mudam a forma de se comunicar, fazendo a música soar mais expressiva;
Nível 2:
Cores brilhantes e visuais (p.e., as coisas começam a se mover e respirar), alguns padrões bidimensionais ficam aparentes fechando os olhos. Pensamentos confusos e reminiscentes. Mudança no padrão da memória de curto prazo leva a contínuos padrões de pensamentos distrativos. Muito aumento de criatividade fica aparente uma vez que o filtro natural do cérebro é ignorado. (*)
Nível 3:
Visuais muito óbvios, tudo parecendo curvado e/ou deformado e caleidoscópios são vistos em paredes, faces, etc. Algumas alucinações mais suaves como rios fluindo em madeira granulada ou superfícies peroladas. Alucinações de olhos fechados ficam em 3-D. Há uma confusão dos sentidos (por exemplo, vendo sons como cores, etc.). Distorção do tempo e momentos eternos. O movimento às vezes fica extremamente difícil – muito esforço requerido.
Nível 4:
Alucinações fortes, p.e., objetos se tornam em outros objetos. Destruição ou multiplicação do ego. (P.e., ou as coisas começam a falar com você, ou você sente coisas contraditórias ao mesmo tempo). Alguma perda da realidade. O tempo perde o significado. Experiências fora do corpo e espirituais são comuns. Mistura dos sentidos.
Nível 5:
Total perda de conexão visual com a realidade. Os sentidos param de funcionar da forma normal. Total perda do ego. Fusão com o espaço, outros objetos ou com o Universo. A perda de realidade fica tão aguda que desafia qualquer explicação. Os níveis mais baixos são relativamente fáceis de explicar em termos de mudanças mensuráveis na percepção e padrões de pensamento. Esse nível é diferente do universo em que as coisas são normalmente percebidas – isso deixa de existir. Nirvana total (**).

Notas:

* Para que a humanidade sobrevivesse, tivemos de aprender nos primórdios como fechar e filtrar as informações que chegam ao cérebro. Esse processo de filtragem nos permite ficar centrados e com um só pensamento. Imagine-se completamente consciente de todos os sinais vindo do seu corpo num só momento, de cada centímetro da sua pele e como a sente; eternamente consciente da sua língua na sua boca, daquela coceira no final do seu nariz ou do som do ar condicionando assobiando suave ao fundo. Eu acho que viajar traz de volta essa consciência geral que foi fechada desde que nós éramos árvores.
Você já notou crianças num shopping center? Se notar, elas parecem estar viajando: olham estupefatas todas as maravilhosas cores, andando e olhando o teto ou a si mesmas nas superfícies espelhadas. Enquanto as crianças envelhecem, gradualmente aprendem a fechar essa arremetida de informações, e não mais parecem notar o mundo como quando eram novos. Quando se chega à fase adulta, essas sensações são até mesmo perdidas na memória. Talvez isso explique porque tantos iniciantes parecem sentir uma estranha familiaridade, uma sensação de que a viagem é de alguma forma mais real do que a estrita realidade.

** Iluminação Satori (Satori enlightenment), Zen instantâneo, Nirvana, etc. Você vai achar muitos desses termos orientais usados junto às drogas psicodélicas. Em minha (humilde) opinião, verdadeira iluminação Satori só é alcançada quando o ego foi totalmente superado; somente quando o “boi” foi rastreado, domado e trazido de volta à cidade. Isso, infelizmente, não pode ser alcançado na realidade alterada do universo psicodélico. Os lapsos de Satori que podem ser experimentados durante uma viagem são percebidos como um momento de absoluta paz e calma; período em que, por um curto tempo, o ego está tão difuso que a mente não é escravizada por muitas das paixões que normalmente a dominam.

A não-linearidade da escala é debatível, e especialmente nos níveis mais baixos (0-2) é bem nublada. Pessoalmente, eu acho que uma característica distinguidora extra entre os níveis 2 e 3 é que no nível 2 você pode controlar os OEVs, ou seja, só aparecem se você olhar; enquanto no nível 3 eles aparecem em todo lugar sem qualquer esforço. Igualmente, o nível 5 é uma classe por si mesmo, e você não alcançará o Nirvana só por tomar uma dose cavalar.

O texto completo dos Níveis Psidocélicos, o que inclui uma série de vários exemplos de níveis, está disponível no Erowid.

5. Depois
O que vem depois, fisicamente e mentalment.

5a. Visão geral
Rebotes da experiência persistirão desde alguns poucos dias até várias semanas. O que você aprendeu deverá mudar a sua vida. Ocasionalmente esse ensinamento será negativo e você ficará depressivo um tempo enquanto assimila que estava errado sobre algo a sua vida inteira. Mas a depressão nunca é extrema e – receoso como pode soar – você será uma pessoa melhor depois disso.

5b. Efeitos pós-viagem
Todos os efeitos posteriores possuem uma característica em comum: a frequência e/ou intensidade diminuem com o tempo. Retornando 100% ao normal costuma tomar cerca de um mês, apesar de que a maioria desaparece em uma semana. Aqui está uma lista, categorizada pela frequência de ocorrência e por ordem alfabética:

Efeitos Comuns

[a maioria das pessoas os vivenciam]

 

Alienação
Soa um pouco desagradável, e de fato seja o efeito colateral mais desagradável. Em resumo, depois da destruição do ego e de ver através dos jogos que as pessoas fazem na vida (veja The Psychedelic Experience), normalmente se começa a sentir alienado dos não-viajantes, simplesmente porque eles não podem ver através dos jogos que jogam, e há coisas mais importantes na vida do que correr atrás de pedaços de papel com fotos de presidentes mortos neles. Também, como psicodélicos são ilegais, a pessoa deve se manter de guarda levantada sobre o que falará aos não iluminados. “O que será se meus pais/vizinhos/professores/chefes descobrirem que uso drogas?”. Até com bons amigos não-viajantes, o fato de eles não terem vivenciado a impressionante experiência psicodélica é de certa forma uma barreira. Não há cura pra isso, além de tempo e desenvolvimento de um cinismo; além, é claro, de “converter” seus amigos.
Desorientação
Sua mente, após encarar a tarefa de lidar com todo o imenso fluxo de informações durante a viagem, poderá se sentir lenta por um dia ou dois. Se concentrar e evitar que a mente saia para assuntos mais interessantes fica difícil. Talvez você experimente flashes de consciência onde, nos momentos mais aleatórios, você começará a ponderar o “significado da vida”, ou pior, “quem eu sou?”, “o que eu sou?”, “por que eu sou?” Essa a razão de se sugerir um dia de descanso após a viagem, se possível.
Euforia
“A VIDA É BELA!!!” Esse é um pós efeito que ninguém reclama, infelizmente costuma durar apenas um dia ou dois. Poderá durar meses, anos ou até pra sempre uma forma mais suave de euforia, que eu chamaria de “apreciação da beleza geral das coisas” e consiste na capacidade de curtir vistas como um céu azul até nas manhãs de segunda.
Percepções (insights)
O corolário da mente para impulsos aleatórios (veja abaixo), que incluem observações brilhantes como “carros são máquinas!”, “pessoas são objetos tridimensionais!” e “a lama é legal!”. Não ria: essas são coisas que nunca teria pensado sem passar pela lubrificação mental da psicodelia. E alguns, ou a maioria, desses insights costumam se provar extremamente úteis na sua vida vida pessoal ou filosófica.
Impulsos Aleatórios
Durante a semana da viagem ou pouco mais, são normais desejos e impulsos totalmente aleatórios de fazer algo estranho. Formas tópicas (que podem variar enormemente) incluem “eu preciso pular naquela pedra e quicar sobre ela!” ou “Uvas! Eu preciso comer um monte de cacho de uvas!”. Os impulsos são sempre inofensivos (por exemplo, não será “preciso pular de um precipício”), mesmo que outras pessoas possam te estranhar fazendo o que te deu vontade. Seguir esses desejos é uma boa ideia, porque é DIVERTIDO!

Raros

[acontece de vez em quando]

 

Síndrome Bipolar (“montanha-russa emocional”)
Uma forma de depressão. Como o nome indica, a síndrome consiste em alternância entre mania (felicidade) e depressão (tristeza), sem razão aparecente para se ir de um estado ao outro. O período dos ciclos varia de minutos a dias, com a amplitude desse pós efeito acabando em no máximo umas duas semanas. Infelizmente, não há muito o que se fazer nesse caso, exceto esperar e curtir as partes divertidas; mas talvez ter consciência de que a depressão é induzida quimicamente e irá acabar logo seja uma ajuda. Mais estranhamente, ao contrário dos demais efeitos colaterais, este não parece ter relação com a proporção da dose tomada e poderá aparecer até mesmo com uma viagem não-espetacular em baixa dose.
Experiências de Conversão
Uma completa e súbita reorientação do sistema de valores de alguém, em oposição à re-estruturação de prioridades mais ou menos intensa que os psicodélicos tendem a ocasionar. “Tudo que você sabe está errado, mas você pode ser curado”.
Depressão
Provavelmente o menos raro dos efeitos raros, normalmente ativado por uma viagem ruim, especialmente uma em que se aprende algo desagradável sobre si ou sobre os outros; mas algo aparece sem razão evidente. Como a síndrome bipolar, normalmente passa em torno de uma semana.
‘Flashbacks’
O pós-efeito mais famoso, e também o mais exagerado. “Flashbacks patológicos” plenos, em que você revive totalmente parte da onda e que é o propagandeado pela mídia, pertencem à categoria “extremamente raros”. O mais comum é algo que te lembra da sua viagem, e por um momento você experimenta um fenômeno específico da viagem: normalmente uma alucinação simples ou aqueles sentimento cósmico de flutuação. Isso é um quase sempre divertido e provoca uma sensação de “uau!”. Viajantes frequentes se referem a isso como “brindes”. Em termos de computação, flashbacks não são falhas (bugs), mas recursos (features).
Episódios psicóticos de 48 h ou mais
Em outros termos, um episódios sério de insanidade que não termina com a viagem. Este é muito raro, 0,08% (8 a cada 10.000 pessoas) de acordo com um estudo sobre usuários de LSD. E até nesses casos raros, o paciente quase sempre tinha um histórico de doença mental anterior, apesar de haver exceções. Até um episódio psicótico sério não quer dizer que você vai enlouquecer pra sempre.

Muito raros

[menos de 1% de todos os usuários]

 

Transtorno perceptivo persistente por alucinógenos (no inglês, HPPD)
Após sua primeira viagem, quase todo mundo acha que os visuais que obtém com os olhos fechados (sem drogas!) são mais claros ou mudam, quase sempre permanentemente. Isso é normalmente atribuído a ser capaz de notar coisas que você não podia ver antes. Mas muito, muito raramente, uma forma extrema disto surge:

“Com HPPD, pessoas podem experimentar uma desordem perceptiva que descrevem como viver em uma bolha debaixo da água. Também descrevem trilhas de luz e imagens seguindo o movimento de suas mãos… Essa desordem na percepção é agravada pelo uso de qualquer substância psicoativa…”

“Com HPPD, a pessoa normalmente sofre de ansiedade e até pânico, e fica fóbico e deprimido. Com vítimas de HPPD, nossa experiência tem sido a de que os indivíduos não têm um histórico psiquiátrico perturbado antes do início do uso de drogas psicodélicas…”

“Para HPPD, recuperação sem uso de drogas e com aconselhamento de apoio tem se mostrado um tratamento adequado, apesar de que a recuperação pode levar vários meses. Medicação contra ansiedade pode ser necessária para tratar os distúrbios secundários de ansiedade e pânico que normalmente se desenvolve quando alguém sente que sofreu um dano cerebral irreversível…”

(David Smith et al, /Psychiatric Annals/ 24:3 March 1994 p. 145)

Suicídio
Obviamente não causado diretamente pela droga, mas indiretamente através de ataques de grave depressão, experiências de conversão negativas e várias formas de doenças mentais. Também raro ao extremo.

5c. A síndrome do Eraserhead
Os cogumelos podem ser divertidos. Alguém pode querer comê-los diariamente. A – não é legal, B – não é bom. Uma tolerância física/psíquica surge bem rapidamente: normalmente 3 a 4 vezes em um intervalo de 7 dias causa um efeito menor e uma viagem notavelmente menos divina. Eu recomendaria visitar o mundo espiritual de 4 a 10 vezes ao ano, pelo frescor e divindade nisso. A maioria de nós conhece um usuário abusador de drogas (acid-head, pot-head, etc.). Eu chamo de Eraserheads (já viram o filme?) de ácido ou cogumelo, uma vez que ficam um pouco paranoicos, maníaco-depressivos e teimosos. É fácil extrair más vibrações de psicodélicos – apenas os use da mesma forma de toma álcool – sem qualquer respeito ou cuidado. Então, lembre-se do que o prefácio diz e use a consciência do cérebro símio-turbinado que todos temos. E se você só quer ferrar com seu cérebro, há substâncias melhores para isso por aí pelo mundo.

6. PARA O VIAJANTE
Essa seção é dedicada à quem está se preparando para a primeira viagem no mundo da psicodelia.

6a. Preâmbulo
A primeira viagem é um evento inesquecível que poucas coisas, como casamento ou nascimento de um filho, podem vencer em termos de intensidade emocional, e pro seu próprio bem é melhor tratá-la com seriedade. Para citar Andrei Foldes, “você nasce sozinho, morre sozinho, e viaja sozinho”. DROGAS PSICODÉLICAS NÃO SÃO BRINQUEDOS.

6b. Estado mental
Se você está deprimido, perturbado no trabalho, doente, ou só buscando um bom momento não use drogas psicodélicas. LSD e psilocibina são lupas mentais e, se você já se sente um lixo, você irá tão somente perder a viagem afundando na sua própria insignificância e se sentindo ainda pior. O viajante habilidoso é capaz de usar essa lupa em sua vantagem e resolver o problema durante a viagem, mas não é algo prazeroso e nem recomendado para iniciantes.

Por outro lado, se você está saudável, feliz e olhando para a viagem como uma ida a uma terra distante que você sempre quis visitar – então você está em boa forma. A felicidade é aumentada da mesma forma que raiva e medo também o são.

6c. Não se preocupe, seja feliz (Don’t worry, be happy)
Agora, você provavelmente está assustado e convencido que a experiência é uma provação terrível onde até um pequeno detalhe indo mal poderá levar a 12 h de inferno. Essa visão, felizmente, é falha. Este FAQ tem a infeliz tendência de salientar o lado negativo das coisas. Com baixas doses, apenas faça o básico da preparação, e tudo irá perfeitamente bem. Apenas com doses mais altas é que há risco real de uma bad trip, e até nem a preparação mais cuidadosa, autoanálise intrépida e companhias bem selecionadas podem garantir um risco zero. (Se está planejando uma jornada de alta dosagem, veja o FAQ de High Dose).

Mas me deixe te contar uma história. Minha primeira viagem foi uma dose mediana de Psilocybe Semilanceata, e mais tarde eu a classifiquei como nível 2 ou 3 de 5. Às 22 h de um dia qualquer, um amigo me ligou e me chamou, que íamos viajar agora.

Tínhamos planejado em geral por um tempo, mas uma oportunidade inesperada surgiu e decidimos usar. Então, lá estava eu, com uma hora pra me preparar, nunca tendo usado qualquer outra droga além de álcool até então na minha vida, indo viajar num apartamento não-familiar, sem acessórios de viagem, sem fundo musical próprio, e no geral totalmente despreparado para o que ia ocorrer.

Então, nós usamos. E eu levei uma pancada. Minha visão do mundo se partiu. Seis horas de êxtase, pairando nos limites da sanidade. E, apesar da falta de preparação, foi uma experiência realmente incrível e quase totalmente positiva.

Tudo que posso dizer é: não se preocupe. Apenas aborde a viagem com a mente aberta e tudo ficará bem.

6d. Viajando apenas por diversão
A maioria dos guias sobre experiência psicodélica, incluído este, são voltados para o sabor místico de alto nível das viagens. Ainda, se você estimar sua dose corretamente, para a primeira vez sua viagem provavelmente não será maior que o nível 3, e nada realmente cósmico deverá ocorrer, pelo menos por si mesmo. Há, portanto, dois jeitos de lidar com isso.

Primeiro, você pode tentar direcionar a viagem a uma direção mística. Isso requer escuridão, falta de estímulos sensoriais, companhias muito bem cuidadosamente selecionadas e uma preparação (setting) silenciosa. Ainda assim, você só chegará a alguma lugar se meditar, ou mais precisamente, apenas ficar sem se mover com olhos fechados durante o pico da viagem – ainda haverá 3-4 horas de viagem sobrando. Daí, a resposta lógica é:

Segundo, esquecer sobre os aspectos místicos, apenas se acostume com o estado alterado, e acima de tudo DIVIRTA-SE! Lá em cima, nós listamos uma série de acessórios de viagem – teste-os! Ande pelo seu apartamento, saia lá fora (talvez até na luz do dia?), visite um bom parque… não tenha medo de sorrir e dar risadinhas. A expressão tolo viajante (tripping fool), apesar de estranho pro não-iniciado, é uma descrição perfeita do estado em que você deverá estar durante a viagem. Você fará muitas coisas infantis e/ou bobas, brincando com pedras legais ou plantas ou seja lá o que for, olhando boquiaberto como as árvores parecem incríveis. E você estará totalmente consciente do quão não adulto está sendo seu comportamento, mas isso não importará nem um pouco porque por essas poucas horas de psicodelia, você será capaz de redescobrir como é se sentir criança novamente, largar todos aqueles jogos do ego sem sentidos, e experimentar o mundo novamente pela primeira vez.

6e. Viewpoint by Jake
Estava lendo este FAQ e pensando que grande trabalho ele é. Mas me veio à cabeça que ele somente representa um “estilo” de viagem – o tipo que eu e meus amigos costumamos fazer – que é bem cerebral, espiritual, calma, ou até “saudável”, pode-se dizer. É o tipo de abordagem que a maioria neste grupo parece querer também, o tipo de abordagem necessária para para levar as coisas como com o DMT.

Mas isso me fez pensar em outros estilos nos quais estive em contato (e participei), o estilo das pessoas que provavelmente não estão muito interessadas em um grupo de emails, nas dimensões espirituais da viagem, ou sequer na importância de se manter a cabeça de alguém inteira. Estou apenas curioso sobre outras abordagens que as pessoas encontraram. Eu acho que isso vai no mesmo sentido das minhas mensagens anteriores.

Pegue alguns dos meus amigos do segundo grau, por exemplo. A terminologia usada aqui é ficar mal. Quando você toma ácido ou cogumelo você está “doidão”, você ficou de cara torta, você está chapando. Psicodélicos são tratados como uma versão mais forte de álcool. E tem a mesma autodestruição do “machão” anexa a isso. Todos vocês sabem disso; o quanto você pode tomar, o quanto você pode arrebentar, quantos/as taças/baseados/baldes/pílulas pode ingerir antes de desmaiar ou vomitar sangue (sim, eu sei de gente que já vomitou sangue tomando baldo de óleo, seja lá por qual razão). Quando falei lá em casa sobre DXM (psicoativo do xarope), vários deles correram, conseguiram 3 caixas cada (mais o THC fumado em grande quantidade) e então morreram algumas vezes. Um cara apenas sentou no seu apartamento por uma semana usando DXM e eventualmente tentou pagar outro amigo meu 20 dólares para que fosse pegar mais xarope pra ele.

Uma noite na vida aqui é cerca de 6-8 doses de um bom LSD, sentado num apartamento escuro e enfumaçado, incapaz de se mover, com Pantera, Machine Head, White Zombie, Fear Factory, Sepultura e outros mestres trash/death no volume máximo. Sem Brian Eno ou batida do mundo na estante de CDs deles, desconfio.

Eles se orgulham de conseguirem segurar a onda juntos. Eles vão tentar assustar uns aos outros, fazer coisas que colocarão suas mentes no limite o máximo possível. Se alguém começar a ficar um pouco irritado eles o levam até o limite.

Atividades divertidas são dirigir rápido em ruas escuras, quebrar telas de TV com os punhos, lutando. Pensar é proibido, claro; a experiência toda é apenas uma dose, uma sensação, um show do tipo caleidoscópico, uma chance de enlouquecer.

Para outros que conheço, umas poucas doses ou poucas gramas significam que é hora de ir pro bar, ou beber um engradado de cerveja. (Sim, uma grade; pros poucos que não sabem, você sequer sente. Bem, imagino que seu fígado sinta).

Talvez esse seja apenas a ponta mais extrema da mentalidade de festa e drogas.

6f. Conselho geral
Outros pontos para se ter em mente:

– O único sinal externamente visível que você está viajando é a pupila dilatada. Coloque óculos escuros quando sair.
– Você já leu o FAQ sobre LSD ou Cogumelos Psilocybe?

6g. Palavras finais de sabedoria
Palavras finais de sabedoria
* Deixe ir, deixe fluir…
* São apenas as drogas,
* Tudo está bem.

7. Para o Guia
Essa sessão é voltada para a pessoa que quer introduzir os amigos no mundo da psicodelia da forma mais agradável possível.

7a. Preâmbulo
Ser guia não é uma tarefa a ser cumprida facilmente. Como guia, seu papel é guiar os outros, pra ter certeza que não sofrerão danos e que tudo está bem. Isso também significa que você deve ser capaz de suprimir seu desejo de se divertir e de controlar as ações alheias para que se acomodem a você. Essa não é uma tarefa fácil.

7b. Requerimentos
Os requerimentos mínimos de um guia bem sucedido são experiência com psicodélicos (não precisa ser enorme, mas alguma, quanto mais melhor) e a habilidade de lidar com o que quer que aconteça. Um bom guia é também capaz de “sair dessa” e interagir com a realidade até no meio de uma viagem pesada, ao invés de entrar em pânico ou se retirar para dentro de si mesmo. Um guia com experiência suficiente pode até se abster de tomar qualquer droga e apenas colocar-se no mesmo estado que os outros viajantes; isso, contudo, é mais fácil de falar do que fazer.

7c. Papel
O bom guia é comumente comparado com um mestre Zen benevolente. Em outras palavras, o papel do guia não é tagarelar sem parar e tentar controlar tudo o que o viajante faz. Ao guia se supõe guiar: ajudar o viajante através dos locais mais difíceis, talvez sugerir atividades, mas acima de tudo, deve saber quando simplesmente se calar e deixar o viajante livre por si mesmo. O guia deve monitorar o viajante, mas sem ser indiscreto. Não pergunte a cada 5 minutos se estão bem, o que só irá deixá-los nervosos. Se eles não estão bem e você estiver prestando atenção, você notará.

Um pequeno esboço do que um guia deve fazer:

  • A fase de começo da viagem é a mais importante, uma vez que ela normalmente determina como o pico será. Durante esse estágio, faça o melhor pra ter certeza de que o viajante está se erguendo bem. Ambas partes serão capazes de se comunicar pelo menos no começo, então verifique o viajante regularmente.
  • Quando o pico da onda chegar, estará mais ou menos claro como o viajante está indo. Se está bem, sem problemas, apenas fique na sua mantendo um olhar discreto no viajante e fazendo coisas mundanas como mudar CDs ou o que for necessário. Se o viajante não estiver indo bem, veja a próxima seção.
  • Eventualmente, o pico irá acabar e o viajante provavelmente vai começar a vagar ou brincar com os acessórios de viagem que você trouxe (você realmente trouxe alguns, não trouxe?). Entre na diversão! Estar em volta de alguém viajando irá lhe induzir ao mesmo estado mental também.

Tenha certeza absoluta que o(a) viajante entende de antemão que você está ali apenas para ajudá-lo(a), e que não importa o que perguntarem, não irão lhe incomodar e você estará grato em ajudar. Encoraje-os a se comunicarem durante a viagem, especialmente se as coisas estão indo mal ou se não gostarem de algo. Isso é fácil de dizer, mas difícil de se por em prática.

7d. Lidando com situações difíceis
Pessoas reagem de formas diferentes ao desprazer, mas a forma mais comum de reação é ficar em posição fetal e parecer em dor. (Mas, muitas pessoas ficam em estado fetal quando se sentem muito bem… então verifique a expressão facial antes de intervir e discuta isso de antemão com os viajantes). Se o viajante não está num bom momento, mude a música para algo feliz e familiar, mude a localização ou saia para uma caminhada (com o viajante, claro). Se estão assustados, tente segurar as mãos e tranquilizá-los de que tudo está bem. Se eles expressarem medo (“Isso nunca vai parar? Estou enlouquecendo? Estou morrendo?”), combata especificamente aquele medo, lembrando-os de que estão sob efeito de drogas, que a viagem vai acabar e que você cuidará para que nada de ruim aconteça. Se eles estão tristes, um abraço será bem útil na maioria das vezes. Isso é senso comum amplo, mas se lembre de que não deve ter medo de intervir se houver necessidade. Constantemente, os sentimentos negativos vão “paralisar” o viajante e eles não serão capaz de fazer nada – nem mesmo dizer que a viagem está indo mal – então a iniciativa é do guia.

Pra qualquer tipo de bad trip, é importante enfatizar ao viajante que o medo é causado pelo ego tentando se manter unido, e que o único remédio é deixar rolar. Resistência não é apenas inútil mas também contraprodutiva. Apesar de ter certeza de que Winston Churchill não disse isso nesse sentido, a única coisa que o viajante com um guia deve temer é o medo em si mesmo.

Se isso não parecer funcionar – e talvez não funcione – a outra ferramente no arsenal do guia é mudar o cenário (setting). Sim, estou me repetindo, mas isso é importante. O viajante com frequência resistirá à ideia de mudar de lugar, mas se você gentilmente forçá-lo a fazer tal mudança, a melhora pode ser dramática. Tenha em mira contrastes; p.e., se está num lugar fechado, vá pra um aberto e vice-versa, o que fará o viajante apagar as más vibrações anteriores e começar com uma “lousa em branco”.

7f. Resumo de um contribuidor anônimo
Eu realmente não gosto do termo guia. Eu não presumiria guiar ninguém. De fato, tentar ativamente forçar alguém em uma direção é uma armadilha ao guia. O guia perde a oportunidade de aprender com as experiências dos viajantes. Vamos chamar o guia de ajudante.

Essas são as vantagens de se ter um ajudante:

  1. A presença do ajudante torna possível ao viajante encarar o que vier de negativo de forma mais corajosa. A presente reconfortante do ajudante habilita o viajante a ir para experiências difíceis e atravessar pro outro lado. Ao invés de recuar, a pessoa pode realmente explorar a escuridão e derramar um pouco de luz sobre ela e sobre si mesma.
  2. O ajudante pode ajudar com medos de perda da sanidade. Tais medos são normais em face às modificações extremas no sentido de passagem de tempo (“socorro, não acaba!”). O ajudante deve deixá-lo saber em que estágio você está, o quanto demorou até agora, o quanto demorará até acabar. O aspecto útil da experiência de parada do tempo permanece, mas o medo vai embora.
  3. O ajudante pode ajudá-lo a lembrar-se do que você queria explorar durante a viagem. Alguém pode querer explorar uma certa percepção ou tema imporante, e então se distrair totalmente. O ajudante pode lembrá-lo em um momento predeterminado.
  4. A memória pode ficar incompleta depois da experiência. O ajudante pode tomar algumas notas para refrescar a sua memória e capacitá-lo a lembrar da sequência corretamente. Isso pode ser bem fácil de aprender com as suas sessões.
  5. Quando as coisas realmente ficarem ruins, o ajudante pode intervir mudando os cenários (setting). Eles podem mudar a música, dirigir sua atenção a outro lugar, levá-lo a outra sala, etc. Mais tarde, você pode retornar à área do problema quando o envolvimento emocional estiver menor.

O que quase nunca é enfatizado é a fantástica oportunidade ao ajudante. Por ver como as sessões dos outros se desenvolvem, ele(a) pode aprender muito sobre as próprias experiências. Também, não há nada como ver alguém cujos sentidos estão abertos, absorvendo a beleza de coisas simples como uma folha ou uma pedra polida, para lembrá-lo de prestar atenção ao prazer das percepções do dia-a-dia. O ajudante tem uma oportunidade maravilhosa de aprender sobre a mente humana. Pense sobre todos os psicólogos que tiveram essa ferramenta retirada deles na década de 60: eu aposto que muitos deles dariam tudo para continuar com suas pesquisas!

7g. Nota de rodapé
O _The Psychedelic Experience_ fala um pouco sobre esse assunto. Ao invés de citar tudo (que está bem condensado acima, mas não totalmente), nós recomendamos que você pegue uma cópia do livro para um ponto de vista alternativo. Tenha em mente que o livro _The Psychedelic Experience_ é voltado para grupos grandes de 10+ pessoas e seus guias, enquanto nós nos focamos nos grupos mais típicos de 2 a 4 pessoas.

A tempo, algumas pessoas não gostam do _The Psychedelic Experience_ porque acham que fazem do papel do guia muito ativo, e também tem um tom negativo em relação a ele. P.e., “a menos que você faça X, Y e Z, você irá apodrecer num inferno psicodélico”. Pessoalmente, eu acho que grande parte dos conselhos continua válida, apesar disso.

8. Conclusão
Por favor, apertem seus cintos de segurança, apaguem seus cigarros e apreciem a viagem

(K) Kopyleft Brahman Industries 1995. All rites reversed.


FONTE EROWID

Agradecemos imensamente a tradução feita pelo colaborador ExPoro.
Seja você também um colaborador, entre em contato:

equipemundocogumelo@gmail.com

10 filmes psicodélicos para viajar a fundo na mente humana

Não há algo que sabemos que não é a partir da percepção dos sentidos, a compreensão da alma e da compreensão da mente.

— Aristóteles


A mente humana sempre foi um enigma para nossa espécie, não importa o tempo ou lugar que vivemos. É que se trata da forma como cada pessoa percebe o mundo, onde o todo define  o seu próprio todo. Mas como funciona a percepção? Até onde pode chegar a mente? Há algo mais da nossa consciência que não conseguimos alcançar? Essas são perguntas básicas que direcionam o movimento que hoje conhecemos como psicodelia.

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É normal que sintamos curiosidade pela forma como  funciona o que há dentro de nós, e essa mesma curiosidade é o que tem nos levado através dos tempos, a experimentar substâncias diferentes que criam vivências que nos ajudam a compreender melhor. Justamente como normalmente não atingem a apreciação da complexidade das coisas, sempre existiu as pessoas que experimentam o que todos não se atrevem, e dentro deles, há aqueles que foram dadas a tarefa de expor ao mundo o que viram , desde pintores e escritores a músicos e cineastas, tudo para a esperança de que outras pessoas também consigam ver um pouco  de sua experiência; assim impulsionando mais o movimento psicodélico.

Sem dúvida, esses artistas deixaram um legado psicodélico para o público que aprecia, tanto que muitas de suas obras foram consideradas genialidades, ou se tornaram cults, como é o caso do idolatrado  “The Wall” do Pink Floyd. Houve muitas coisas para nos conduzir a uma contemplação mais profunda do ser humano, e felizmente para muitos, você pode alcançá-lo através de imagens e sons, mesmo tendo a imaginação só como um motor; não é preciso ingerir qualquer substância para entender , e os filmes a seguir são um bom exemplo.


“A Montanha Sagrada” (1973)

Alejandro Jodorowsky

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O estilo de Jorowsky se destaca por sempre romper padrões e por transgredir a barreira entre o comum e o bizarro e saber encaminhar o espectador para um estado de contemplação elevado. E  reafirmou essa características após o seu filme de maior sucesso A Montanha Sagrada, que alavancou sua fama e foi considerado uma das melhores produções cinematográficas do seu tempo, e se tornou referência para o cinema exotérico. Protagonizado por um personagem incomum, o “vagabundo”, A Montanha Sagrada pode ser considerada uma viagem interplanetária direto para os confins da consciência humana.


“Planeta Fantástico” (La planete sauvage) (1973)

René Laloux

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Sendo um filme de origem francesas,não te supreederá muito a extravância e inovação que é o Planeta Fantástico, que foi uma animação de sucesso para o seu tempo; e que ultrapassou a barreira impostas por décadas  de que desenho é algo estritamente para crianças. Pode ser que este filme também não seja compreendido por adultos, tendo em vista que trata de assuntos que são de difícil contemplação para muitos: a cimeira experiência do não vivo.


“Viagem Alucinante”( Enter the Void) (2009)

Gaspar Noé

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Um traficante de drogas, um disparo e uma experiência extra corporal: essas são as três palavras que resumem  o filme de Gaspar Noé. Este filme francês foi filmado com uma perspectiva de visão subjetiva, assim é bem fácil entrar na viagem mental do protagonista e sentir totalmente identificado com ele: Vai querer experimentar?


“Across The Universe” (2007)

Julie Taymor

across-universeAcompanhada por músicas dos Beatles, se você quer saber o que é ter uma experiência com substâncias alucinógenas em uma estória de amor típica adolescente, sem dúvida Across The Universe é para você. Com propostas visuais bastantes agradáveis e interessantes, este musical irá mostrar o hippie experimentador que há em você.


“Alice” (1988)

Jan Svankmajer

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Jan Svankmajer é um dos cineastas mais subvalorizados da sua época, e que deveria ser conhecido pelo público não só pelo seu incrível talento para adaptar todas as suas ideias para stop motion, mas também pelas suas ideias incríveis. Estas versão checa de Alice no País das Maravilhas, sem dúvida te dará algo para pensar… ou viajar.

 


“The Fall. O Sonho de Alexandria” (The Fall. El sueño de Alexandria) (2006)

Tarsem Singh

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Com mais corantes surrealistas do que uma droga pscicodélica, este filme de Singh não é aqueles que você deve passar, embora esse filme seja pouco conhecido. Com passagens extraídas da imaginação do braço de uma menina é ferido, enquanto  não tem nada para fazer enquanto se recuperava no hospital, “O sonho de Alexandria” transporta para um universo que seduz e encoraja o expectador a  utilizar o recurso mais bonito da mente humana: a imaginação.

 


“Pink Floyd — The Wall” (1982)

Alan Parker

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Aparentemente, essa produção cinematográfica puramente psicodélica é a mais conhecida de todas. Este filme com ideias de Roger Waters convida o público a “explodir o muro” e atrever-se a ver as coisas como são, sem tapujos ou eufemismo. Apesar de que é necessário uma grande capacidade de interpretação inferência devido a quantidade de analogias visuais, é necessário  você empurrar os limites da vida cotidiana, pois ele vai abrir muitas portas para a realidade do mundo que nos rodeia. Além disso, se a mente pode viajar apenas com músicas do Pink Floyd, imagine isso em conjunto com elementos visuais.


“Viagens Alucinantes” ( Altered States) (1980)

Ken Rusell

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William Blake escreveu uma vez:  “Se as portas da percepção estivessem abertas, tudo apareceria ao homem como realmente é: infinito. Para o homem fechou-se para ver todas as coisas através de fendas estreitas de sua caverna. ” Esta frase inspirou Aldous Huxley, e  faz alusão ao mito da caverna mencionado nos diálogos de Platão, e é perfeitamente para descrever esse filme, que é um reflexo do que acontece quando alguém se atreve a explorar o impossível: tempo através da memória genética.


“A Cela” ( The Cell) (2000)

Tarsem Singh

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Estrelado por Jennifer Lopez, este filme é, sem dúvida, uma obra-prima no campo da trillers psicológicos e problemas que podem  “explodir a mente” para ninguém. Basicamente, a história aborda uma realidade onde a ciência está tão avançada que pode causar uma pessoa a entrar na cabeça de outro para ver como sua mente, consciente e inconscientemente funciona, mas o ponto interessante sobre o filme é a pessoa em cuja cabeça  se entra  é o protagonista: um assassino sádico.


“Isso não é um Filme” (2010)

Olallo Rubio
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Este é um filme pouco usual, não só porque ele se chama ” Isso Não é um Filme”, e sim porque verdadeiramente rompe com os estereótipos do que um filme ( roteiro) deveria ser. Este filme centra-se exclusivamente a denunciar o “sistema”, uma espécie de “Big Brother” monstruosa a que pertencemos e que não sabemos, no entanto, dirige a vida de todos.


“Paprika” (2006)

Satoshi Kon

paprika

 

Dizem que essa animação japonesa foi a  inspiração para o filme, quatro anos depois, estrelou Leonardo DiCaprio, dando fama ao conceito de inclusão de sonhos e influenciar a mente de cada espectador: “Inception”. Bem … assim como é este filme americano, também “Paprika”: complexa, intrigante, com realidades alternativas sobrepostas uma em cima de outras . Simplesmente, um must- see para quem curte filmes psicodélicos.

 

Alguns dizem que o psicodélico é uma válvula de escape, mas … do quê? Muitas vezes precisamos de um “escape” porque a mente exige que nos afastamos um pouco do mundo exterior para se conectar com o interior, e que o “eu” sempre tem coisas mais interessantes a dizer.


Não importa o quanto queremos nos  entender através dos outros, a verdade é que cada mente é  uma  aquisição de uma maneira diferente de processar o mundo, e isso depende em grande parte do que ele absorve. Por mais variedades que tenhamos em nossa mente, por isso é sempre bom ampliar nossos horizontes, por isso é importante  tomar do mundo  o que se é possível, e claro, ter um bom filtro interno. Você tem coragem de experimentar esses filmes?

Cogumelos tem resultados sem precedentes para o alívio do sofrimento relacionado com o câncer

O tratamento com psilocibina, o princípio ativo dos cogumelos alucinógenos, promove um alívio rápido e duradouro da ansiedade e da depressão entre a maioria dos pacientes com câncer, inclusive aqueles com doença avançada, de acordo com dois estudos com desenhos semelhantes publicados on-line em 1º de dezembro no periódico Journal of Psychopharmacology.

A eficácia descrita não tem precedentes na psiquiatria e na psico-oncologia, disse Roland Griffiths, neurocientista e pesquisador responsável de um estudo com 51 pacientes realizado na Johns Hopkins University, em Baltimore, Maryland.

Quando os pacientes do estudo receberam uma única dose alta de psilocibina sintética, o índice geral de resposta clínica aos seis meses para os desfechos primários de depressão e ansiedade foi de 78% e 83%, respectivamente, e o índice geral de remissão completa dos sintomas foi de 65% e 57%, respectivamente.

A psilocibina pode representar uma mudança de paradigma no tratamento dos pacientes com sofrimentos psicológicos relacionados ao câncer, acrescentou Griffiths em uma coletiva de imprensa.

CITACAO

“A psilocibina pode representar uma mudança de paradigma.”
Dr. Roland Griffiths

Os atuais tratamentos farmacológicos da ansiedade e da depressão relacionada com o câncer “tendem a não funcionar melhor do que o placebo” e demonstraram um índice de resposta de aproximadamente 40% em meta-análises, disse o Dr. Steven Ross, psiquiatra e pesquisador responsável do segundo estudo com 29 pacientes realizado na New York University (NYU), na cidade de Nova York.

O sofrimento psíquico relacionado com o câncer é especialmente difícil de tratar, sugeriu o pesquisador, observando que os medicamentos convencionais, como a fluoxetina (Prozac, Eli Lilly), têm mais eficácia no tratamento do sofrimento psíquico dos pacientes com outras doenças graves, como a aids e o acidente vascular encefálico.

No estudo da NYU, em 6,5 meses de acompanhamento, uma única dose moderada de psilocibina sintética foi associada a efeitos duradouros, visto que cerca de 60% a 80% (dependendo do instrumento de avaliação) dos participantes apresentaram redução clinicamente significativa da depressão ou da ansiedade, informaram o Dr. Ross e seus colaboradores.

Estes resultados podem ser um divisor de águas no campo da psiquiatria, já que recentemente a psilocibina também foi administrada com segurança em pacientes com depressão refratária ao tratamento e sofrimento psíquico associado a outras doenças com risco de vida, bem como à dependência de álcool ou tabaco e ao transtorno obsessivo-compulsivo, como já informou o Medscape.

Os pacientes que participaram nos dois novos estudos, que são até o momento os maiores estudos randomizados controlados com psilocibina para a depressão e a ansiedade em pacientes com câncer, também falaram na coletiva de imprensa.

Dinah Bazer, 69 anos, do Brooklyn, em Nova York, foi diagnosticada com câncer de ovário em 2010 e passou por uma cirurgia bem-sucedida e quimioterapia, mas apresenta sofrimento psíquico constante.

“Eu estava absoluta e inteiramente consumida pela ansiedade e pelo medo da recidiva, disse Dinah, que participou do estudo da NYU. “Durante a minha experiência com a psilocibina, visualizei meu medo como uma massa física no meu corpo. Fiquei louca de raiva e gritei para ele ‘some daqui!’, e ele se foi. Eu, então, entrei em um estado difícil de descrever como ateia… banhada no amor de Deus. Isso durou horas. Quando a experiência terminou, meu medo e minha ansiedade tinham desaparecido”, segundo ela.

“Esta droga salvou a minha vida, e mudou a minha vida”, disse Dinah.

A administração de “drogas psicodélicas” como a psilocibina foi estudada no passado nos Estados Unidos para uma série de doenças, observa o Dr. Craig Blinderman, no comentário que acompanha o artigo(http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675761). O Dr. Blinderman é especialista em cuidados paliativos no Columbia University Medical Center/New York-Presbyterian Hospital, em Nova York.

Essas pesquisas foram suspensas quando o presidente Richard Nixon assinou a Lei de Substâncias Controladas de 1970, colocando as drogas psicodélicos na Classe I, que corresponde às “drogas sem uso médico aceito na época e com grande potencial de abuso”.

O Dr. Blinderman afirma que os pacientes com câncer têm uma prevalência de ansiedade e depressão de 30% a 40%, que é muito mais elevada do que os 7% a 10% encontrados na população geral.

Muitas vezes, os pacientes oncológicos que sofrem de ansiedade ou depressão têm desfechos piores, até mesmo maior utilização dos serviços de saúde, mais dor, pior qualidade de vida e menor sobrevida, escreve o pesquisador, citando vários estudos.

Esses novos estudos são “inovadores” e apresentam resultados muito empolgantes, disse o Dr. Blinderman, que também participou da entrevista com os jornalistas.

Uma das batalhas travadas no atendimento de pacientes com câncer, especialmente aqueles com doença avançada, é idar com a “angústia existencial” que, de acordo com o Dr. Blinderman, é uma síndrome caracterizada por falta de esperança e desamparo diante da perda de propósito e significado na vida.

O desafio clínico de abordar e tratar essa angústia existencial é exacerbado pelos problemas correlatos, continuou o pesquisador. “As limitações na cobertura da saúde mental e a escassez de profissionais experientes em psico-oncologia disponíveis representa outro obstáculo para os pacientes com câncer… no sentido de colaborar para o bem-estar deles”, disse o médico.

O “mais interessante” para o Dr. Blinderman sobre os novos estudos, foi que os dois encontraram uma correlação entre os pacientes tendo alguma “experiência mística” e extensão da melhora da ansiedade e da depressão.

Por exemplo, no estudo da NYU, os autores informaram que a intensidade da experiência mística subjetiva, classificada de acordo com o Questionário de Experiência Mística (Mystical Experience Questionnaire – MEQ 30) e relatada pelo próprio participante, “mediou” significativamente a diminuição dos sintomas de ansiedade e depressão em médio prazo (por exemplo, seis semanas após a primeira dose).

CITACAO
“Trata-se de um resultado profundo”
Dr. Craig Blinderman

“Trata-se de um resultado profundo”, disse o Dr. Blinderman sobre a correlação entre a experiência mística relatada pelos participantes e os resultados positivos.

Essas observações também lançaram uma nova luz sobre “o aumento do interesse na morte com assistência médica” nos Estados Unidos, disse ele. A incapacidade terapêutica de aplacar o sofrimento existencial dos pacientes é o “principal motivo” que os leva a optar pela morte com assistência médica, disse o Dr. Blinderman.

“Não dispomos de nenhum bom tratamento para a angústia existencial”, observou. Antes de abraçar a opção de terminar a vida, comentou o pesquisador, parece apropriado tentar explorar métodos terapêuticos como a psilocibina, que poderiam aliviar o sofrimento que originou o desejo do suicídio assistido.

Detalhes do estudo

Na Johns Hopkins, todos os 51 participantes tiveram diagnóstico de câncer potencialmente fatal, em 65% dos casos sendo recidiva da doença ou metástase. Os tipos de câncer foram: mama (n = 13), cavidade oral, laringe, faringe e esôfago (n = 7), gastrointestinal (n = 4), geniturinário (n = 18), hematológico (n = 8) e outros (n = 1). Todos os pacientes haviam tido diagnóstico psiquiátrico formal, como transtorno da ansiedade ou transtorno depressivo.

Em termos de dados demográficos dos pacientes, a média da idade foi de 56 anos, metade dos pacientes eram do sexo feminino e a maioria (92%) era branca.

O estudo teve desenho duplo-cego, cruzado, com duas sessões (marcadas com cinco semanas de intervalo), comparando os efeitos de uma dose alta a uma dose baixa de psilocibina, administradas em cápsulas. A dose baixa serviu, na prática, como placebo, pois era baixa demais para produzir algum efeito.

Na segunda sessão, os participantes receberam uma cápsula com a dose alta.

Para minimizar os efeitos da “expectativa”, os participantes e os membros da equipe que supervisionaram as sessões foram informados que os participantes receberiam psilocibina nas duas sessões, mas as doses não foram informadas.

Durante cada sessão, dois monitores ajudaram os participantes, que foram incentivados a deitar, usar máscara nos olhos e ouvir música com fones de ouvido, em um ambiente “domiciliar”. Os monitores não davam orientações, davam apoio, disseram os autores, e estimulavam os participantes a confiar, deixar acontecer e se abrir à experiência.

Os pesquisadores avaliaram o humor de cada participante, a atitude em relação à vida, seus comportamentos e sua espiritualidade por meio de questionários e entrevistas estruturadas antes da primeira sessão, sete horas depois de tomar a psilocibina, cinco semanas após cada sessão e seis meses após a segunda sessão.

Os instrumentos de medida dos desfechos primários da depressão e da ansiedade foram a Hamilton Depression Rating Scale, a Hamilton Anxiety Rating Scale, o Beck Depression Inventory e o State-Trait Anxiety Inventory.

A psilocibina produziu efeitos importantes e duradouros nas duas medidas de desfecho primário, assim como na maioria das medidas secundárias avaliadas no início do estudo, cinco semanas após cada sessão e aos seis meses de acompanhamento.

Das 17 medidas avaliadas, 16 revelaram efeitos significativos (ou seja, diferença entre os grupos na avaliação após a primeira sessão e/ou diferença entre as avaliações depois da primeira e da segunda sessões para o grupo da dose baixa na primeira sessão).

Os autores resumiram os destaques assim: “A dose alta de psilocibina promoveu grande redução das medidas clínicas e da avaliação do próprio paciente do humor deprimido e da ansiedade, assim como melhora em termos de qualidade de vida, significado da vida e otimismo, e diminuiu a ansiedade em relação à morte.”

Os eventos adversos foram mínimos e nenhum foi grave. Cerca de 15% dos participantes referiram náuseas ou vomitaram, e 33% sentiram algum desconforto psicológico, como ansiedade ou paranoia, depois de tomar a dose mais alta. Um terço dos participantes apresentou aumento transitório da pressão arterial.

Na New York University, o desenho também foi duplo-cego, cruzado, controlado com placebo, mas em uma das sessões o placebo foi niacina. Os desfechos primários foram ansiedade e depressão avaliados entre os grupos antes do cruzamento na sétima semana.

Quase dois terços dos participantes (62%) tinham doença em estágio avançado (III ou IV). Os tipos de câncer foram: mama ou aparelho reprodutivo (59%), gastrointestinal (17%), hematológico (14%) e outros (10%).

A maioria dos participantes do estudo era branca (90%) e de mulheres (62%). A média de idade foi de 56,3 anos.

Todos os 29 participantes tinham diagnósticos relacionados com ansiedade. Quase dois terços (59%) já tinham sido tratados anteriormente com antidepressivos ou ansiolíticos.

As medidas clínicas dos desfechos (ansiedade e depressão) foram avaliadas pelos seguintes instrumentos de medição: a Hospital Anxiety and Depression Scale, o Beck Depression Inventory informado pelo próprio paciente e o Spielberger State-Trait Anxiety Inventory.

Como no estudo da Johns Hopkins, os desfechos secundários englobaram a angústia existencial relacionada com o câncer.

A equipe da NYU informou que o grupo da psilocibina (em comparação com o grupo de controle ativo) demonstrou “melhora clínica imediata, significativa e sustentada” (por até sete semanas após a dose) em termos de redução dos sintomas da ansiedade e da depressão.

Eles descreveram a magnitude das diferenças entre os grupos da psilocibina e de controle como “grande” entre as medidas de desfecho primário, avaliadas no primeiro dia/duas semanas/seis semanas, e sete semanas após a primeira dose.

Não houve eventos adversos graves. Os mais comuns foram aumentos da pressão arterial e da frequência cardíaca (76%), cefaleias/migrâneas (28%) e náuseas (14%), todos sem significado clínico. Os eventos adversos psiquiátricos mais comuns foram ansiedade transitória (17%) e sintomas do tipo psicótico transitórios (7%).

O estudo da Johns Hopkins recebeu apoio financeiro de: Heffter Research Institute, Riverstyx Foundation, William Linton, Betsy Gordon Foundation, McCormick Family, Fetzer Institute, George Goldsmith e Ekaterina Malievskaia. Griffiths declarou fazer parte do Conselho de Direção do Heffter Research Institute. O estudo da NYU recebeu financiamento de: Heffter Research Institute, RiverStyx Foundation, New York University-Health, Hospitals Corporation Clinical and Translational Science Institute, assim como subvenções de indivíduos, inclusive Carey e Claudia Turnbull, William Linton, Robert Barnhart, Arthur Altschul, Kelly Fitzsimmons, George Goldsmith e Ekaterina Malievskaia. Os autores do estudo e o Dr. Blinderman informaram não possuir conflitos de interesse relevantes ao tema.

J Psychopharmacol. Publicado on-line em 1º de dezembro de 2016. Ross et al, artigo; Griffiths et al, artigo; http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675513

fonte
http://portugues.medscape.com/verartigo/6500757

A psilocibina pode ser um divisor de águas na psiquiatria

Dois estudos randomizados controlados semelhantes, envolvendo pacientes com câncer em estágio terminal sugerem que uma única dose alta da droga psicodélica psilocibina tem efeitos rápidos, clinicamente significativos e duradouros no humor e na ansiedade. Estes resultados podem ser um divisor de águas do tratamento psiquiátrico.

Essas novas descobertas têm o potencial de transformar o atendimento dos pacientes com câncer e sofrimento psicológico e existencial, mas além disso, de oferecer um modelo inteiramente novo para a psiquiatria, o de um medicamento que age rapidamente tanto como antidepressivo quanto como ansiolítico, e cujos benefícios se mantêm durante meses, disse ao Medscape o Dr. Stephen Ross, médico, diretor do Serviço de Dependência Química do Departamento de Psiquiatria da New York University (NYU), Langone Medical Center.

“Isso pode fazer a terra tremer e trazer para a psiquiatria uma grande mudança de paradigma”, disse.

Os resultados foram publicados on-line em 1º de dezembro no periódico Journal of Psychopharmacology.

Entusiasmo dos especialistas

Os especialistas da área, incluindo os ex-presidentes da American Psychiatric Association (APA) e os chefes dos grandes serviços de psiquiatria universitários, descreveram os resultados como “notáveis”, “muito promissores”, e como sendo um “avanço crítico” que “podem inaugurar uma nova era” no tratamento da dependência química na psiquiatria.

De acordo com estes especialistas, cujos comentários foram publicados junto com os dois estudos em uma edição especial da revista, as novas descobertas justificam a realização de estudos mais abrangentes para replicar os resultados em várias populações. Alguns especialistas instam maior consideração das questões legais, éticas e regulatórias singulares ao uso clínico da psilocibina e drogas afins.

A psilocibina, princípio ativo dos cogumelos alucinógenos, é uma droga serotonérgica que atua como agonista do receptor 2A da 5-hidroxitriptamina (5-HT 2A).

Foi sintetizada pela primeira vez em 1958, tendo sido usada na pesquisa psiquiátrica até 1970, quando o uso generalizado como entorpecente recreativo e sua associação à agitação cultural e política da época resultaram em sua reclassificação nos Estados Unidos, junto com outras drogas psicodélicas, como droga da Classe I. No entanto, nas últimas décadas, tem havido um interesse renovado pela psilocibina.

De acordo com um comentário feito pelo Dr. Alasdair Breckenridge, do Departamento de Farmacologia e Terapêutica da University of Liverpool (Reino Unido), e pelo Dr. Diederick E. Grobbee, do Julius Center for Health Sciences and Primary Caredo University Medical Center, em Utrecht (Holanda), recentes trabalhos mostraram que esta droga pode ser administrada com segurança a pacientes com depressão refratária ao tratamento e sofrimento psicológico associado a doenças terminais, bem como às pessoas com dependência de álcool ou de tabaco e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).

A pesquisa também sugere que a substância não é viciante, não causa dependência e tem toxicidade extremamente baixa, observam os Drs. Breckenridge e Grobbee.

Esses resultados encorajadores abriram a porta para os ensaios clínicos que estão surgindo agora.

Os dois novos estudos utilizaram um desenho duplo-cego e cruzado, e foram realizados em um ambiente supervisionado. Cada um utilizou várias ferramentas psicológicas validadas para analisar uma série de efeitos e para avaliar a segurança.

Os desfechos primários dos dois estudos foram a depressão e a ansiedade – quadros clínicos altamente prevalentes entre os pacientes com câncer, cujas doenças costumam ser resistentes aos antidepressivos e ansiolíticos, ou à psicoterapia.

Os desfechos secundários foram a avaliação da espiritualidade, do sofrimento existencial, do medo da morte e das experiências místicas. Por exemplo, alguns pacientes descreveram sentir um intenso sentido de unidade, transcendência de tempo e espaço, ou humor profundamente positivo e melhora da qualidade de vida.

A principal diferença entre os dois estudos foi no que diz respeito aos medicamentos de controle utilizados. Um estudo usou a niacina, que mimetiza a psilocibina; o outro utilizou uma dose baixa da própria psilocibina.

Experiência terapêutica importante

O estudo realizado pelos pesquisadores da New York University recrutou 29 pessoas, das quais quase dois terços tinham câncer de estágio III ou IV. Todos os pacientes haviam sido diagnosticados com algum transtorno relacionado com a ansiedade. A maioria preencheu os critérios diagnósticos de transtorno da adaptação, e os demais preencheram os critérios de transtorno da ansiedade generalizada. Quase dois terços já tinham sido tratados com antidepressivos ou ansiolíticos, mas nenhum participante estava tomando medicamentos no momento do estudo.

A média de idade dos participantes foi de 56 anos. Cerca de 55% já tinham tomado alguma droga psicodélica pelo menos uma vez na vida, o que os pesquisadores consideraram não ser surpreendente.

Durante os anos 60 e 70, dezenas de milhões de pessoas usaram drogas psicodélicas. Era muito comum experimentar pelo menos uma vez o LSD (Lysergsäurediethylamid, ácido lisérgico em alemão) ou a maconha (Cannabis sativa), disse o Dr. Ross.

Os pacientes neste estudo tomaram psilocibina (0,3 mg/kg, ou aproximadamente 21 mg/70 kg) ou niacina (250 mg), ou vice-versa após sete semanas. Ambos grupos fizeram psicoterapia com elementos de apoio psicodinâmicos e existenciais. Os pacientes tomaram a droga em um ambiente recriando uma atmosfera familiar, disse o Dr. Ross. Os pacientes e os terapeutas deram as mãos formando um círculo, e os pacientes verbalizaram as suas intenções para a sessão. Depois de tomar o comprimido, cada paciente recebeu livros de arte, músicas pré-escolhidas e máscaras para os olhos e foi convidado a direcionar a sua atenção internamente. Os terapeutas, todos experientes, checaram regularmente os pacientes.

A escala de ansiedade Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS) e o registro Beck Depression Inventory (BDI) foram utilizados para capturar os relatos dos pacientes. O estudo mostrou que a psilocibina produziu uma resposta ansiolítica e antidepressiva imediata e mantida.

Com relação à pontuação no Beck Depression Inventory, no grupo que usou psilocibina na primeira sessão, cerca de 83% dos participantes preencheram os critérios de resposta antidepressiva sete semanas depois de receber a primeira dose. No grupo que usou niacina na primeira sessão, 14% preencheram os critérios de resposta antidepressiva. Com relação à pontuação na Hospital Anxiety and Depression Scale, no grupo que usou psilocibina na primeira sessão, 58% preencheram os critérios de resposta ansiolítica sete semanas depois de receber a primeira dose; no grupo que usou niacina na primeira sessão, 14% preencheram os critérios de resposta ansiolítica.

Em 6,5 meses de acompanhamento, os índices de resposta antidepressiva ou ansiolítica ficaram na faixa de 60% a 80%, dependendo do instrumento de medida utilizado.

O estudo do Dr. Ross também mostrou que a psilocibina foi associada à melhora da qualidade de vida e ao bem-estar espiritual, bem como a menor sofrimento existencial. As experiências místicas, medidas pelo Mystical Experiences Questionnaire, tiveram alta correlação com as respostas clínicas.

“Definitivamente, existe algo relacionado com a intensidade da experiência mística que é a maior causa de melhora dos pacientes”, disse o Dr. Ross.

Cerca de 70% dos pacientes classificaram a experiência com a psilocibina como “singular, ou entre as cinco melhores experiências de sua vida. Foram as mais instrutivas, memoráveis e importantes experiências terapêuticas das quais as pessoas se lembravam e sobre as quais nos falaram”, disse o pesquisador.

Não houve diferença de resposta entre os pacientes que tinham usado alucinógenos no passado e aqueles que não o tinham. Também não fez diferença se os pacientes tinham ou não alguma fé religiosa.

Resultados coerentes

O segundo estudo http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675513, realizado por pesquisadores da Johns Hopkins University, em Baltimore, Maryland, recrutou 51 pacientes com câncer. Destes, 65% tinham doença recidivante ou metastática. Todos os participantes corresponderam aos critérios diagnósticos de transtorno de adaptação crônico com ansiedade, transtorno de adaptação crônico com ansiedade e humor deprimido, transtorno distímico, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno depressivo maior ou diagnóstico duplo de transtorno de ansiedade generalizada e transtorno depressivo maior pelo DSM-IV (4ª Edição do Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais).

Os pacientes tomaram uma dose alta de psilocibina (22 mg/kg), seguida, cinco semanas mais tarde, por uma dose muito baixa (3 mg/70 kg, reduzida para 1 mg/70 kg durante o estudo, e que mimetizava o placebo), ou receberam uma dose baixa seguida pela dose alta cinco semanas mais tarde.

Como no estudo da New York University, os pacientes estavam em um ambiente controlado. Eles também foram estimulados a deitar em um sofá, usar uma máscara nos olhos para bloquear as distrações visuais externas, e ouvir música. Eles também foram incentivados a concentrar a atenção em suas experiências interiores durante toda a sessão.

Neste estudo, os pacientes receberam instruções que ajudaram a minimizar suas expectativas. Eles foram informados de que a psilocibina seria administrada nas duas sessões, que as doses da psilocibina poderiam variar de muito baixas para altas, e que as doses nas duas sessões poderiam ser ou não as mesmas.

“Maximizamos as expectativas tanto da parte dos voluntários como dos monitores”, disse o pesquisador responsável Dr. Roland R. Griffiths, médico e professor do Departamento de Psiquiatria e Neurociências da Johns Hopkins University, em Baltimore, Maryland, para o Medscape. “As instruções foram: ‘Nós não sabemos a dose, de modo que tentem obter o máximo que puderem desta experiência’.”

Embora este grupo não tenha feito psicoterapia formal como os pacientes no estudo da New York University, eles receberam um grande apoio da equipe do estudo.

Os resultados deste estudo “são perfeitamente coerentes” com os resultados do estudo da New York University, disse o Dr. Griffiths

A análise mostrou que a alta dose de psilocibina teve uma grande repercussão nas duas medidas dos desfechos primários avaliados pelo médico, que foram a depressão, avaliada usando a GRID-HAMD-17 (GRID-Hamilton Depression Rating Scale); e a ansiedade, avaliada usando a Hospital Anxiety and Depression Scale. Também foram observadas grandes repercussões na maioria dos desfechos secundários.

A resposta clinicamente significativa foi definida como redução de 50% ou mais em relação à pontuação inicial na GRID-HAMD-17. Ao fim de cinco semanas após a primeira sessão, 92% dos participantes que tomaram a dose elevada na primeira sessão exibiram resposta clinicamente significativa. No grupo que recebeu a dose baixa na primeira sessão, 32% exibiram resposta clinicamente significativa.

Aos seis meses, a média da resposta clínica foi de 78% para a depressão e 83% para a ansiedade. “Assim, cerca de 80% das pessoas apresentaram resposta clínica”, disse o Dr. Griffiths.

A taxa de remissão aos seis meses foi de 65% para a depressão e 57% para a ansiedade.

A ausência de psicoterapeutas treinados não interferiu nos resultados. Na verdade, o tamanho do efeito aos seis meses foi um pouco maior neste estudo, em comparação ao estudo da New York University.

“Pode ter havido outras diferenças entre os centros dos estudos, passíveis de promover a eficácia”, disse o Dr. Griffiths. “Acreditamos que ainda temos de trabalhar para obter a formação ideal, mas eu diria que tivemos excelentes clínicos.”

Experiências místicas

Os participantes que tomaram a dose alta referiram mudanças positivas em suas atitudes em relação à vida, a si mesmo, no humor, nos relacionamentos e na espiritualidade. Este estudo comportou avaliações de membros da comunidade, que também mostraram significativas mudanças positivas nas atitudes e nos comportamentos dos participantes.

Os relatórios dos avaliadores da comunidade são “os mais reveladores,” disse o Dr. Griffiths. “Se o seu cônjuge diz que você melhorou muito, isso é muito eloquente.”

Como o estudo da New York University, este estudo mostrou efeitos significativos das experiências do tipo místico em vários resultados, como significado espiritual, satisfação com a vida e significado existencial.

Foi difícil recrutar pacientes com câncer para este estudo porque muitos compreensivelmente têm medo de usar drogas psicodélicas, devido à reputação dessas substâncias e, possivelmente, por terem tido alguma experiência pessoal ruim com elas, observou o Dr. Griffiths.

O pesquisador disse que “não estava 100% confiante” de que a intervenção teria efeitos importantes, porque os pacientes eram “muito vulneráveis”. Todos estavam lidando com um quadro de câncer terminal, depressão ou ansiedade e, em alguns casos, as perspectivas dos pacientes eram “iminentemente sombrias”.

“Eu achava que havia uma possibilidade de eles saírem da experiência com mais medo ou mais prejudicados ou traumatizados”, disse o Dr. Griffiths. “Por isso, a coisa mais incrível para mim foi isso ter funcionado exatamente como para os voluntários saudáveis ​​que tinham participado de um estudo anterior.

O tipo de experiência mística que alguns pacientes experimentam com a psilocibina “permitiu a eles seguirem em frente, não se sentirem deprimidos, não se sentirem ansiosos, mas com otimismo, e eu diria até mesmo com alegria”, disse o Dr. Griffiths.

Muitos tiveram uma “compreensão maior de que a vida e a morte estão misturadas de algum modo profundo que fala com a própria natureza da consciência humana”, algo que é “intensamente terapêutico”.

A pesquisa não identificou novas questões de segurança. Em ambos estudos, houve poucos eventos adversos, como aumentos previstos da pressão arterial e do pulso, náuseas e vômitos, e ansiedade transitória ou ocasionais sintomas psicóticos. Estes últimos aparentemente tiveram remissão rápida.

Quem é quem na psiquiatria

No editorial acompanhando o estudo, o Dr. David Nutt, PhD, do Imperial College London, disse que os estudos são “divisores de água” e os “estudos controlados mais rigorosos até hoje” feitos com psilocibina. Quando solicitados a tecer comentários sobre esses estudos, os especialistas nas áreas da psiquiatria, desenhos de estudo e atendimento a pacientes terminais, todos, concordaram em fazê-lo apesar do curto prazo. Este, disse o Dr. Nutt, “é um testemunho do interesse que os dois trabalhos despertaram”.

A lista das pessoas que comentaram parece um “who’s who” da psiquiatria norte-americana e europeia, e “deve assegurar aos indecisos que esta utilização da psilocibina está em conformidade com o âmbito aceito pela psiquiatria moderna”, disse o Dr. Nutt.

Os comentaristas, de maneira geral, elogiaram os estudos, chamando-os de “bem elaborados” e “metodologicamente rigorosos”. Eles concordaram que esta é uma nova e emocionante era da psicofarmacologia psicodélica. Vários destacaram que a replicação sistemática dos principais resultados nos dois centros contribuiu para a confiança na solidez dos resultados.

No entanto, alguns analistas destacaram que, embora os estudos tenham tentado cegar os participantes e a equipe para a designação do braço de tratamento, não está claro o quão eficazes foram estes procedimentos.

“A resposta ao placebo e as expectativas são, naturalmente, questões complexas de isolar”, escreve em seu cometário o Dr. Paul Summergrad médico da Tufts University School of Medicine, em Boston, Massachusetts.

“Isto é especialmente verdade nos estudos que incluíram um percentual significativo de participantes que já tinham utilizado drogas psicodélicas e que estavam enfrentando problemas clínicos e existenciais graves. No entanto, a taxa e a velocidade de resposta a uma droga ativa, sua intensidade e duração são decididamente mais significativas do que as observadas nas respostas ao placebo entre os pacientes com depressão moderada, mesmo com grupos de pesquisa mais comprometidos e engajados”.

John D. McCorvy e colaboradores, da Divisão de Biologia Química e Química Medicinal, do Departamento de Farmacologia da University of North Carolina, em Chapel Hill, e do Psychoactive Drug Screening Program, National Institute of Mental Health, observaram que o efeito placebo é “um importante fator confusor no desenvolvimento dos novos antidepressivos, visto que o placebo pode produzir efeitos antidepressivos em 30% a 40% dos participantes”.

Em seu comentário, o Dr. Richard C. Shelton, do Departamento de Psiquiatria e Neurobiologia Comportamental, e Peter S. Hendricks, do Departamento de Saúde Comportamental da School of Public Health, ambos da University of Alabama, em Birmingham, assinalaram que os estudos não usaram uma avaliação direta da integridade dos procedimentos de cegamento.

“Nem pediram diretamente aos participantes para estimar os tratamentos aos quais foram submetidos. Seria prudente obter esta informação nos futuros estudos”.

No entanto, eles observaram que a “relevância” dos efeitos da psilocibina pode inviabilizar o cegamento completo, como costuma acontecer nos estudos com drogas psicoativas e intervenções comportamentais.

O Dr. David Spiegel, do Departamento de Psiquiatria e Ciências do Comportamento da Stanford University School of Medicine, na Califórnia, destacou que no estudo realizado por Dr. Griffiths e colaboradores, apenas 10% das pessoas inicialmente triadas ​​participaram do estudo, a maioria por não atender aos critérios de inclusão. “Então, desde o início essas pessoas estavam inclinadas a acreditar que uma droga psicodélica poderia ajudá-las neste momento da vida.”

Os especialistas que comentaram os estudos identificaram o desenho com cruzamento como uma limitação, na medida em que restringe a interpretação após o cruzamento; só os resultados antes do cruzamento podem ser considerados confiáveis como resultado do uso da droga.

No estudo do Dr. Griffiths e colaboradores, a dose baixa pode ter tido alguma atividade e, portanto, poderia ter influenciado a avaliação duplo-cego da eficácia da dose mais alta, de acordo com o Dr. Craig D. Blinderman, médico do Serviço de Cuidados Paliativos para Adultos do Departamento de Medicina do Columbia University Medical Center/New York Presbyterian Hospital, em Nova York. No estudo realizado pelo Dr. Ross e colaboradores, disse o Dr. Blinderman, o uso de um controle cego limitado pode ter contribuído para algum viés dos resultados.

Resultados generalizáveis?

De acordo com o Dr. Blinderman, os critérios de exclusão psiquiátricos limitaram os achados aos pacientes com transtorno de depressão e transtorno de ansiedade, mas não aqueles com história pessoal ou familiar de outros transtornos psiquiátricos, como esquizofrenia e transtorno bipolar.

Além disso, o tamanho relativamente pequeno da amostra, composta por uma população de maioria branca e escolarizada, impede a generalização.

Usar medidas subjetivas nos estudos é compreensível, mas “é uma fraqueza particular de qualquer estudo no qual o cegamento é inadequado”, observou o Dr. Guy M. Goodwin, do Departamento de Psiquiatria do University of Oxford Warneford Hospital, no Reino Unido.

“Qualquer sugestão que torne os participantes de um estudo experimental cientes do que o experimentador espera encontrar ou de como participantes devem se comportar é denominada de característica de demanda. Estes estudos têm características de demanda inquestionáveis”.

Avaliar o valor do tratamento com base apenas nos sintomas também é uma limitação, disse o Dr. Goodwin.

“Medidas mais objetivas de atividade, simplesmente motora ou econômica, os custos do seu tratamento do câncer, e assim por diante, também devem fazer parte do quadro das futuras pesquisas nesta área.”

O Dr. Goodwin também acredita que seria “útil” considerar os estudos com alucinógenos como estudos de tratamento psicológico, em vez de estudos farmacológicos.

“Caso os pacientes apresentem melhora duradoura decorrente da compreensão ou da reformulação da própria vida por causa da doença terminal, esta abordagem representa, na verdade, uma psicoterapia, embora conte com auxílio farmacológico.”

Quanto às experiências místicas que alguns pacientes descreveram, não está claro se estas são “a causa, a consequência ou o corolário do efeito ansiolítico ou da cognição irrestrita”, comentou o Dr. Benjamin Kelmendi, médico do Departamento de Neurociência Aplicada do National Center for PTSD, em West Haven, Connecticut e colaboradores.

“A relação entre uma experiência mística induzida por drogas psicodélicas e o desfecho terapêutico exige maior exploração, como sua indução em condições ideais e em um ambiente controlado, fornecendo assim uma intervenção terapêutica valiosa para transtornos que, de outro modo, são difíceis de tratar”, escrevem.

Mecanismo obscuro

A falta de conhecimento sobre o mecanismo pelo qual a psilocibina produz a alteração do estado de consciência com qualidades espirituais é uma questão maior, de acordo com o Dr. Jeffrey A. Lieberman, do Departamento de Psiquiatria da Columbia University, em New York e seu colega, o Dr. Daniel Shalev.

“Não podemos afirmar que os efeitos ansiolíticos e antidepressivos das drogas sejam resultados diretos de seus efeitos serotoninérgicos ou secundários ao estado alterado de consciência mística que produzem. Como outros agonistas serotoninérgicos (por exemplo, a lisurida) não produzem esta experiência psicodélica, foi sugerido que as drogas psicodélicas devem ligar-se aos receptores 5-HT2A de um modo especial, ou exibem seletividade funcional, ou de polarização do receptor”.

Alguns dos especialistas que comentaram os estudos questionaram se os benefícios observados seriam sustentados quando aplicados nas condições da “vida real”, fora das condições rigorosamente controladas destes dois estudos.

Apesar destas várias questões, os comentaristas concluíram em geral que os novos resultados justificam progredir para os ensaios clínicos de fase 3. Se confirmados em grandes estudos, com poder estatístico e população diversificada, a classificação atual da psilocibina como droga de Classe I “deve ser questionada”, escreve o Dr. Blinderman, “pois isso representaria uma modalidade de tratamento diferente de tudo que existe na psiquiatria”.

O Dr. Ross salientou que muitos dos profissionais que comentaram os estudos representam “a psiquiatria organizacional” – o mesmo tipo de liderança neste campo que ajudou a banir as drogas psicodélicas em 1970. “Então a psiquiatria organizacional voltou a aceitar isso.”

Ele advertiu que estes novos resultados não devem sugerir aos pacientes que o consumo de cogumelos alucinógenos ilícitos possa ajudá-los.

“A psilocibina deve ser restrita aos hospitais”, disse o Dr. Ross. “Isso não deve incentivar o uso recreativo; deve incentivar mais pesquisas em circunstâncias rigorosamente controladas.”

Tanto o estudo do Dr. Ross quanto o estudo do Dr. Griffiths foram financiados principalmente pelo Heffter Research Institute, organização sem fins lucrativos fundada por cientistas na década de 1990 para analisar e financiar pesquisas com a psilocibina e outras drogas psicodélicas.

Expectativas superadas

O Dr. George Greer, psiquiatra e diretor médico do Heffter Research Institute, disse ao Medscape estar “encantado” com os novos resultados, que são “melhores do que esperávamos”.

O Heffter Research Institute tem financiado estudos-piloto realizados com psilocibina, e estes novos ensaios clínicos são os maiores realizados até agora, disse ele.

“O importante é que trata-se de um novo modelo para o tratamento da ansiedade e da depressão, no qual o tratamento consiste numa única dose da droga e os benefícios são profundos e duram meses.”

“De modo que trata-se de um novo paradigma na psiquiatria. Não há nada parecido em toda a psiquiatria”.

O Heffter Research Institute está subsidiando a pesquisa do uso da psilocibina na dependência química. Existem dois grandes ensaios clínicos sobre tabagismo (na Johns Hopkins) e álcool (na New York University), e um estudo piloto na University of Alabama, em Birmingham, investigando o uso da psilocibina na dependência de cocaína, disse o Dr. Greer.

O instituto também está considerando propostas de uso da psilocibina no tratamento de depressão refratária, do transtorno obsessivo-compulsivo e possivelmente dos transtornos alimentares, disse ele.

“A psilocibina é tão singular, comparada a todos os medicamentos aprovados. É uma ferramenta com potencial de muitas coisas, e queremos explorar esses potenciais”.

O Heffter Research Institute também está apoiando a pesquisa animal sobre o impacto de uma droga semelhante à psilocibina na inflamação. Estudos em camundongos descobriram que pequenas doses da droga reduziram a inflamação e abriram as vias respiratórias. “Estamos muito animados com as possíveis implicações para a asma e a aterosclerose, mas ainda é muito cedo”, disse o Dr. Greer.

O Dr. Griffiths faz parte do conselho de administração do Heffter Research Institute. O Dr. Summergrad recebe honorários de CME Outfitters, Pharmasquire e de universidades e associações para fazer palestras não promocionais; royalties da Harvard University Press, Springer e American Psychiatric Press; e honorários de consultoria de Owl, Inc, e Quartet Health Inc, todos fora do escopo do trabalho apresentado. O Dr. Goodwin é pesquisador sênior do National Institute for Health Research (NIHR); as opiniões expressas são próprias e não necessariamente as do National Health Service, o NIHR, ou o Department of Health. Ele recebe uma bolsa do Wellcome Trust, têm ações de PIVital, e nos últimos três anos prestou consultoria, assessoria, ou foi palestrante para AstraZeneca, Merck, Cephalon/Teva, Eli Lilly, Lundbeck, Medscape, Otsuka, PIVital, Pfizer, Servier, Sunovion e Takeda. Os outros autores informaram não possuir conflitos de interesse relevantes ao tema.

J Psychopharmacol. Publicado on-line em 1º de dezembro de 2016. Ross et al, Artigo http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675512; Griffiths et al, Artigo http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675513

por Pauline Anderson
FONTE http://www.medscape.com/viewarticle/872504

Ex-fuzileiro naval tem sintomas dramaticamente reduzidos depois de terapia com droga de festas

Nigel McCourry não conseguia dormir, e quando dormia, era acordado pelos pesadelos do que havia feito no Iraque.

McCourry, que foi ao Iraque como um arvorado (cabo) em um pelotão de armas do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA (U.S. Marine Corps), ficava parado na janela de seu apartamento em Asheville, Carolina do Norte, até 4 ou 5 da manhã, convencido de que alguém estava vindo para pegá-lo.

Nigel McCourry toca guitarra em sua nova casa em Asheville, Carolina do Norte em uma Quinta-Feira, 21 de Maio de 2015. McCourry, um ex-fuzileiro naval, sofreu de problemas de sono e ansiedade aguda provocados pelo Transtorno do Estresse Pós-Traumático, mas participou de um estudo clínico na Carolina do Sul combinando terapia e a droga MDMA, e reduziu dramaticamente seus sintomas.

Multidões o aterrorizavam. Em outras ocasiões, ele tinha a estranha sensação de viver sua vida numa perspectiva de terceira pessoa, como se estivesse assistindo um filme sobre si mesmo. E poderia facilmente tornar-se num filme de terror, especialmente quando relembrava aquele momento de 2004, durante um tiroteio ao sul de Bagdá, em que ele e um artilheiro abriram fogo num caminhão que se recusava a parar enquanto aproximava-se de seu pelotão.

Nigel McCourry senta-se para um retrato em seu antigo apatamento enquanto se muda para Asheville, Carolina do Norte.

Duas pequenas meninas, não mais que 4 e 6 anos de idade, estavam no caminhão junto ao pai. Este sobreviveu, mas as filhas não, e McCourry não conseguiu tirar de sua mente as imagens encharcadas de sangue consequentes daquele dia.

Nigel McCourry limpa e arruma seu antigo apartamente em Asheville.

Diagnóstico de TEPT (Transtorno do Estresse Pós-Traumático)

Levou sete longos anos para receber um diagnóstico da Administração de Veteranos (Veteran Administration, VA) de que ele sofria de transtorno do estresse pós-traumático. Nessa altura, em 2011, ele estava afastado da maioria de sua família e amigos e havia se isolado cada vez mais. Ele estava bebendo muito, o que “amenizava” mas não abordava a culpa, raiva e medo subjacente que ele sentia.

A VA prescreveu terapia e uma série de medicamentos — antidepressivos, antipsicóticos e ansiolíticos — que pareciam causar mais problemas do que resolvê-los.

Então sua irmão ouviu falar sobre um estudo em que um par de psicólogos estavam dando terapia intensiva a veteranos em conjunção a uma droga chamada MDMA, também conhecida como ecstasy.

McCourry havia tomado metade de um ecstasy certa vez antes, durante seu último ano de escola em um clube de dança com amigos.

“Eu não posso dizer com certeza se era MDMA, mas não foi uma noite desagradável,” disse ele.

Nigel McCourry deixa sua nova casa em Asheville.

Acontece que o estudo estava sendo conduzido na Carolina do Sul, não distante da Universidade Furman (Furman University) em Greenville, onde McCourry estava estudando bioquímica. Ele se inscreveu, e em maio de 2012 teve sua primeira sessão, que envolveu engolir uma dose de MDMA e passar as próximas seis horas conversando com dois psicoterapeutas sobre suas experiências no Iraque.

“Foi extraordinário,” McCourry disse. “Meus problemas de sono melhoraram depois da primeira sessão. Três anos depois, eu ainda tenho a garrafa de Ambien de pílulas de dormir que a VA me deu. Eu não precisei usá-las.”

McCourry fez mais quatro das sessões de seis horas de psicoterapia assistida com MDMA nos cinco meses sequentes.

“As sessões eram muito cansativas e muito desafiadoras,” ele disse. “Eu confrontei alguns de meus maiores medos subjacentes e problemas psicológicos. Depois, eu me senti exausto.”

Olhando para trás, disse McCourry, “eu não me sinto curado do TEPT, mas agora eu consigo manejar meus sintomas de uma maneira muito melhor. Agora minhas ações não causam grandes interrupções no trabalho, na escola ou com família e amigos. … Agora, eu posso ter uma namorada. Antes, eu terminava depois de duas semanas.”

McCourry agora trabalha para uma pequena empresa farmacêutica em Asheville. Ele acredita que o MDMA lhe deu uma maior compreensão de seus problemas, mas também que a droga funciona por “balancear a química do cérebro”.

“[O MDMA] prepara o cérebro para ter uma experiência de cura,” ele disse. “Quando eu estava sob o efeito do MDMA, eu senti pela primeira vez que era capaz de ver claramente os componentes individuais que trabalhavam juntos para criar o TEPT. Antes, parecia apenas um amontoado bagunçado de lixo psicológico do qual eu não conseguia trabalhar. Foi como se o MDMA me deu uma vista aérea do terreno.”

Estudo mostra bons resultados

McCourry não estava sozinho. A pesquisa da Carolina do Sul, liderada pelo psiquiatra Michael Mithoefer, descobriu que 80% dos 20 pacientes do estudo não tinham sintomas de TEPT dois meses depois da conclusão do tratamento, comparado com 25% dos que tomaram uma pílula placebo.

Estudos complementares têm mostrado sucesso a longo prazo, então a Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies, MAPS), que financiou a pesquisa, planeja mais pesquisas extensivas que irão eventualmente enlistar centenas de pacientes em todo país.

O projeto está sendo observado de perto por oficiais federais, que lutam contra uma explosão de pacientes de TEPT. Em 2013, 535.000 veteranos, incluindo 141.000 das guerras do Iraque e Afeganistão, buscaram tratamento de TEPT da VA. Muitos deles não responderam bem às drogas e terapias convencionais.

“Esta não é uma área onde já temos ótimos tratamentos,” disse o Dr. Thomas Insel, diretor da Instituto Nacional de Saúde Mental (National Institute of Mental Health). “Nós precisamos de algo diferente. Precisamos de algo novo.”

A Dr. Paula Schnurr, diretora executiva do Centro Nacional para PTSD (National Center for PTSD), um braço do Departamento de Interesses dos Veteranos dos EUA (U.S. Department of Veterans Affairs), citou estudos mostrando que 60 a 80% dos pacientes “mostravam melhoras clínicas significativas” com tratamentos existentes. Mas ela diz que os estudos da MAPS com terapia abastecida com ecstasy têm produzido descobertas que sugerem “a importância de mais pesquisas.”

A ideia básica é que, no contexto da psicoterapia, a droga de alguma forma lhe ajuda a aprender coisas ou sentir coisas que de outra maneira você não conseguiria,” disse ela. “Então eu consigo ver como as pessoas sentiriam isto como uma experiência transformadora.”
Don Lattin é um escritor aposentado do San Francisco Chronicle e o autor de cinco livros, incluindo “The Harvard Psychedelic Club.” Para mais informação sobre seu trabalho, acesse www.donlattin.com.

Nigel McCourry deixa sua nova casa em Asheville.

texto por Don Lattin publicado originalmente em sfgate.

fotos por Mike Belleme

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Agradecemos imensamente a tradução feita pelos colaborador Helcio Júnior.
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