Thomas Kuhn e a Revolução Psicodélica

Por Peter Webster
Uma palestra apresentada à
Sociedade Italiana de Estudo dos Estados de Consciência
Perinaldo, Itália, agosto de 2006

Traduzido da Psychedelic Library

 

 

Introdução

A descoberta, ou melhor dizendo, a redescoberta de drogas psicodélicas no meio do século 20 foi essencialmente uma descoberta científica; no entanto, pouca atenção tem sido dada ao contexto dessa descoberta em relação à história e filosofia da própria ciência. Uma grande quantidade de atenção foi, ao contrário, concentrada nas conexões entre o conhecimento moderno sobre psicodélicos e as tradições xamânicas, a longa história do uso religioso de plantas e preparações psicoativas e as possíveis extensões modernas dessas antigas tradições psicodélicas para fins médicos. É claro, de se esperar que esse seja o caso – foi o curso natural que a pesquisa psicodélica seguiu.

Mas, para entender mais plenamente certas peculiaridades que se seguiram à redescoberta psicodélica, podemos nos beneficiar de uma verificação de como essa descoberta se encaixa na história da tradição científica em si. Acredito que é SOMENTE a partir de tal observação que podemos entender nossa situação atual, onde parece que apenas pequenos grupos de pessoas, muitas vezes profissionalmente isolados, levam a sério o legado e as implicações da redescoberta psicodélica, onde a esmagadora maioria dos cientistas atualmente ativos não tem qualquer conhecimento preciso sobre drogas psicodélicas e, de fato, se opõe e rejeita ativamente a ideia de que as drogas servem para algo.

Para muitos, aparentemente, essa rejeição e repressão é algo incomum na ciência, algo que os pioneiros psicodélicos não mereciam. Para muitos, aparentemente, parece que quando verdades são reveladas pela pesquisa – mesmo quando são revolucionárias e talvez chocantes para muitos – essas verdades devem, pela natureza da ciência, serem aceitas e desenvolvidas pelo mainstream.

No entanto, um exame da história do avanço científico revela algo bem o oposto, e um estudo de como a ciência realmente opera na prática pode nos dar um pouco mais de coragem para persistir no que tantos outros consideram uma mera tolice.

 

Thomas Kuhn e a Revolução Psicodélica

Thomas Kunh

Pelo que posso dizer, Thomas Kuhn não tinha nada a dizer sobre drogas psicodélicas ou os vários usos que podem ser dados a elas. O título da minha palestra de hoje pode, portanto, parecer um tanto inadequado, não fosse o fato de que Kuhn TEVE MUITO A DIZER sobre revoluções – revoluções científicas, ou seja, o tipo de agitação geral dos conceitos fundamentais que ocorre em várias disciplinas científicas de tempos em tempos. Thomas Kuhn, como você pode saber, construiu toda uma teoria das revoluções científicas: o que elas são, como e por que ocorrem, quem as provoca – e, ao fazê-lo, redefiniu o que é a ciência de muitas maneiras.

O que conecta Kuhn aos psicodélicos é que a redescoberta dos psicodélicos no meio do século 20 prometeu mudanças revolucionárias em vários campos de investigação científica e medicina e, como afirmarei mais adiante, uma revolução no conceito de estudo científico em si. Refiro-me à redescoberta dos psicodélicos, é claro, porque como todos sabemos, o uso dessas substâncias é muito antigo, global e provavelmente remonta ao início da existência humana. Os psicodélicos tiveram que ser REDESCOBERTOS porque a civilização industrial moderna vem sendo uma das muito poucas sociedades humanas quase que totalmente inconscientes das plantas psicodélicas e sem qualquer uso geral delas para cura¹, iniciação, práticas religiosas e heurísticas, e assim por diante. (Nota do tradutor ¹: da data do texto para cá, inúmeros estudos médicos vem sendo testados e aplicados por instituições como Berkeley, Johns Hopkins e MAPS)

As potenciais mudanças revolucionárias que essa redescoberta deveria ter trazido teriam sido bem descritas e sua gênese e crescimento bem previstos pela teoria de Kuhn se não fosse pelo fato de que praticamente todas essas promessas revolucionárias ainda permanecem não cumpridas, sufocadas por uma longa reação antipsicodélica. Essa reação foi provocada pela primeira vez no final da década de 1960 por forças sociais e governamentais nos EUA, perpetuando uma longa e sombria tendência puritana nos Estados Unidos que trouxe ao mundo a grande loucura das políticas proibitivas modernas. Mas logo depois, o próprio establishment científico pareceu ser infectado com essa situação semelhante a uma doença, de modo que hoje é raro o cientista que tem qualquer indício de que a redescoberta de drogas psicodélicas pode ser algo não apenas interessante, mas extremamente importante e potencialmente revolucionário. Apesar da verdade do assunto, tão óbvia para aqueles que sabem, dizer que a redescoberta psicodélica foi um dos desenvolvimentos sociais e científicos mais importantes do século XX seria algo ridicularizado pela grande maioria dos cientistas vivos hoje.

Essa resistência reacionária à revolução científica, embora seja uma grande decepção e, em geral, um descrédito aparente à legitimidade do chamado progresso científico, é, no entanto, o estado normal das coisas, como mostram as descobertas de Kuhn. Quando examinado de perto da perspectiva de Kuhn sobre a história da ciência, o empreendimento científico é visto como quase arrogantemente conservador — uma história repleta de repressão de ideias novas e revolucionárias. Todos nós estamos familiarizados com exemplos de repressão como a cruzada do Vaticano contra Galileu, mas Kuhn mostra como a própria comunidade científica tem sido frequentemente tão repressiva da inovação científica quanto qualquer grupo religioso ou social.

Não há melhor professor do que Thomas Kuhn, portanto, para nos instruir sobre como e por que a revolução psicodélica foi paralisada por tanto tempo, aparentemente um fracasso e sem influência significativa em mais de quatro décadas de avanço científico e intelectual. A teoria geral da revolução científica de Kuhn pode até nos ajudar a entender como finalmente trazer uma pesquisa psicodélica significativa para o mainstream científico, onde ela certamente merece estar. Refiro-me aqui à pesquisa científica “significativa” porque também é óbvio para aqueles que conhecem, que limitar a pesquisa ao uso de psicodélicos como medicamentos para o tratamento de condições de doença e anormalidade rejeita a maior parte de seu potencial. Claro, a entrada da pesquisa psicodélica no “mainstream científico” alteraria necessariamente a própria natureza da ciência, talvez levando a um abandono dos piores aspectos de seu reducionismo convencido por uma maneira mais pragmática de estudar e entender os fenômenos mais complexos do universo, entre os quais, o próprio cientista. E todos nós somos, até certo ponto, cientistas. Quem foi Thomas Kuhn, então? Ele foi professor emérito de filosofia e linguística no Instituto de Tecnologia de Massachusetts até sua morte em 1996, e foi talvez o maior historiador da ciência dos últimos tempos. Sua obra seminal, The Structure of Scientific Revolutions, mesmo em virtude das longas e acaloradas críticas que recebeu desde sua primeira publicação em 1962, deve ser classificada como talvez o livro mais importante sobre o assunto já publicado.

“The Structure of Scientific Revolutions” é importante não apenas para historiadores ou filósofos, mas para todas as pessoas que se acreditam capazes de investigação científica ou pensamento analítico, mesmo em nível amador. Muito foi escrito e ensinado até mesmo em nossas escolas secundárias e universitárias sobre o método científico, sobre como os cientistas conduzem pesquisas e praticam seu ofício. Mas Thomas Kuhn, com um tratado magnífico, revolucionou o próprio conceito do que é uma ciência e como ela procede. Kuhn até questiona a noção amplamente difundida de que o conhecimento científico faz algum tipo de progresso cumulativo em direção à compreensão final.

A Estrutura das Revoluções Científicas não é longa nem difícil por si só, mas contém ideias tão novas e radicalmente brilhantes que leva algum tempo e várias leituras para ser absorvida completamente. Muitos escritores, incluindo o próprio Kuhn, tentaram compor um resumo conciso da teoria que o livro apresenta, mas em vista do debate animado e às vezes acalorado a favor e contra suas ideias, deve ser óbvio que nenhum tratamento superficial pode fazer justiça a ele. Esta cautela deve incluir minha própria apresentação hoje, e os aspectos de sua teoria que discutirei não são de forma alguma tudo o que há na teoria de Kuhn. Eu apenas escolhi algumas características-chave da teoria com as quais podemos entender melhor o tópico em questão, a redescoberta científica de drogas psicodélicas.

Talvez o mais procurado ao tentar resumir Kuhn seja uma definição precisa daquela famosa palavra que ele introduziu na filosofia da ciência, aquela palavra que se tornou tão frequentemente ouvida em referência a conceitos ou ideias fundamentais, o paradigma. O próprio Kuhn define um paradigma como “uma ou mais conquistas científicas passadas que alguma comunidade científica particular reconhece por um tempo como fornecendo a base para sua prática futura”. Mas como uma aproximação próxima que podemos entender mais facilmente no contexto, podemos pensar em um paradigma como um conjunto inter-relacionado de conceitos, valores, crenças e técnicas fundamentais que definem uma maneira obrigatória de abordar problemas científicos em um determinado momento e em uma determinada disciplina. O paradigma é o palco no qual o jogo da investigação científica acontece – uma plataforma que define o cenário, o contexto, as limitações e os limites para a agenda de pesquisa. Embora o paradigma possa ser pensado como uma descrição precisa de um aspecto da realidade, na verdade o paradigma é mais como um mapa ou modelo, uma aproximação ou estrutura para organizar dados atualmente disponíveis e definir pesquisas permitidas.

Pode parecer estranho falar sobre “pesquisa permitida” na ciência, pois a imagem que podemos ter da ciência e dos cientistas é de liberdade de investigação — a ideia de que pelo menos alguns cientistas exploram a realidade sem barreiras, onde quer que sua busca pela verdade os leve. Mas Kuhn mostra que isso é um mito. Operando dentro da estrutura de um determinado paradigma científico, a situação real é bem diferente do mito. Kuhn escreve:

“Um paradigma suprime a inovação, pode até isolar a comunidade daqueles problemas socialmente importantes que não são redutíveis à forma de quebra-cabeça típica da ciência normal, porque não podem ser declarados em termos das ferramentas conceituais e instrumentais que o paradigma fornece.”

Nesta citação, Kuhn se refere à “ciência normal”, e agora devemos considerar este e outros dois conceitos-chave.

Ciência normal é o que praticamente todos os cientistas fazem o tempo todo quando nenhuma revolução científica é iminente, e na descrição pode soar um tanto banal para os não iniciados: consiste essencialmente em uma operação de “limpeza” onde os detalhes de um determinado paradigma e suas aplicações permitidas são elaborados com mais e mais. Parece, como diz Kuhn,

“… uma tentativa de forçar a natureza na caixa pré-formada e relativamente inflexível que o paradigma fornece. Nenhuma parte do objetivo da ciência normal é evocar novos tipos de fenômenos; na verdade, aqueles que não se encaixam na caixa geralmente não são vistos. Nem os cientistas normalmente visam inventar novas teorias, e eles geralmente são intolerantes com aquelas inventadas por outros. Em vez disso, a pesquisa científica normal é direcionada à articulação desses fenômenos e teorias que o paradigma já fornece.”

Pelo que acabamos de aprender sobre ciência e seus paradigmas, já podemos ver claramente a ameaça à ciência normal que a redescoberta de psicodélicos e estados alterados de consciência forneceu. Foi uma ameaça direta a várias disciplinas científicas e médicas, uma inovação destruidora de paradigmas que estava destinada a ser reprimida por um longo tempo.

Dois outros conceitos importantes da teoria de Kuhn são a mudança de paradigma e a revolução científica. Resumidamente, todos os paradigmas científicos eventualmente enfrentam problemas, quando descobertas experimentais anômalas se acumulam a ponto de esse paradigma começar a mostrar suas falhas. Se os problemas persistirem e não puderem ser resolvidos sob os ditames do paradigma existente, uma mudança de paradigma deve então eventualmente ocorrer, onde um novo paradigma, definindo de uma nova maneira os conceitos fundamentais e a agenda de pesquisa a serem seguidos, então substitui o antigo paradigma. Como esse processo tem precedência sobre a continuação da ciência normal, diz-se que uma revolução científica está ocorrendo.

Para entender na prática o que Kuhn quer dizer com paradigma e o que é uma mudança de paradigma, nos ajuda observar o que os termos significam em relação a uma revolução científica específica. O exemplo mais usado de uma revolução científica e sua mudança de paradigma associada foi a revolução copernicana na astronomia.

Nicolau Copérnico

Copérnico, como você certamente sabe, foi o primeiro a promover a ideia herética de que o Sol, e não a Terra, era o centro do nosso sistema planetário. A astronomia centrada na Terra de Ptolomeu, que existia desde a época de Cristo, funcionou admiravelmente bem por um longo tempo, sendo capaz de prever as posições de estrelas e planetas com uma precisão que foi suficiente até o século XVI. Mas com a invenção e o aprimoramento do telescópio e a melhoria das habilidades científicas dos astrônomos, anomalias experimentais começaram a aparecer, especialmente para entender e prever o movimento dos planetas.

Dois pontos importantes a serem observados neste exemplo são:

  1. Os conceitos de paradigma e mudança de paradigma são claramente ilustrados. A revolução copernicana teve como raiz a mudança de paradigma do conceito de um sistema planetário geocêntrico para um heliocêntrico. Mas, ao examinarmos mais exemplos de revoluções científicas, descobriremos que um paradigma científico pode ser um pouco mais complexo, envolvendo um grupo ou conjunto de conceitos fundamentais intimamente relacionados ou realizações científicas passadas.
  2. O segundo ponto-chave no exemplo copernicano é o surgimento de resultados experimentais cada vez mais importantes em conflito com a teoria e a expectativa aceitas – este é o sinal de uma crise iminente, mudança de paradigma e revolução científica.

Outra observação que podemos fazer com base neste exemplo é que, enquanto uma ciência parece estar funcionando, fazendo previsões satisfatoriamente precisas e fornecendo perguntas suficientes para os cientistas trabalharem durante um período de ciência normal, pouco importa se o paradigma pode ser baseado em uma ideia completamente falsa, derivada não da ciência, mas neste caso de ditames religiosos, a saber, que a Terra era o centro do universo. Podemos sentir que hoje a ciência é muito mais imune a esse erro, mas o exemplo da repressão científica dos resultados da pesquisa psicodélica argumenta o contrário.

Vou apenas mencionar brevemente mais alguns exemplos de revoluções científicas e suas mudanças de paradigma associadas para que você tenha uma ideia melhor do que está envolvido, e então continuaremos a considerar como a redescoberta dos psicodélicos deve se qualificar como o iniciador de várias revoluções científicas ainda a se concretizarem.

Na geologia, temos uma das revoluções científicas mais recentes a ter ocorrido. Este exemplo também envolve uma mudança de paradigma fácil de entender, consistindo na transformação de um único conceito. Antes de meados do século XX, os continentes da Terra eram considerados estacionários, em um sentido travados em suas posições para a crosta da Terra. Esta era a crença fundamental ou paradigmática ensinada a todos os estudantes de geologia. Na realidade, o conceito nem precisava ser ensinado, pois parecia ser completamente autoevidente. A acumulação de anomalias experimentais na evolução, geografia, paleoantropologia e outros campos, no entanto, rapidamente levou à teoria da tectônica de placas, na qual os continentes eram entendidos como flutuando em um interior global líquido e, portanto, livres para derivar, colidir uns com os outros e assim por diante. Este novo paradigma expandiu a agenda de pesquisa e, portanto, permitiu a explicação de muitos fenômenos geológicos, evolutivos e geográficos observados que permaneceram misteriosos e inexplicáveis, e em grande parte ignorados, durante o reinado do paradigma do continente estacionário.

Na física, é claro, temos uma das mais importantes revoluções científicas que já ocorreram, da física lógica de bola de bilhar de Newton à paradoxal, complicada de entender e quase impossível de visualizar a física relativística e quântica de Einstein, Heisenberg, Bohr e seus contemporâneos. Neste exemplo, é claro, a mudança de paradigma envolveu um conjunto complexo de princípios e conceitos fundamentais inter-relacionados, incluindo a natureza da luz e da radiação, do espaço-tempo, da própria matéria.

Na química, a teoria sobre o processo de combustão, a queima que os homens observavam tão de perto desde a domesticação do fogo em tempos pré-históricos, passou por uma mudança de paradigma com a descoberta do oxigênio por Lavoisier. Até então, e provavelmente devido à longa observação do que o fogo parecia ser, a queima era considerada um processo pelo qual algo era liberado do objeto em questão. Afinal, as chamas que emanavam de um objeto em chamas devem ter levado, desde tempos imemoriais, a uma ideia fixa de que algo estava saindo da substância. Até meados do século XVIII, uma teoria cada vez mais complexa da queima foi elaborada, uma teoria que postulava uma substância chamada flogisto como o transportador de calor e, portanto, a substância que era liberada de um objeto em chamas. À medida que os balanços químicos se tornavam mais precisos, no entanto, anomalias experimentais começaram a aumentar: descobriu-se que pelo menos algumas substâncias sob combustão pareciam ficar mais pesadas, em vez de mais leves, se o flogisto realmente emanasse delas. Em um último esforço para salvar a teoria do flogisto, alguns cientistas eminentes até propuseram que o flogisto deve ter massa negativa! Com a descoberta do oxigênio por Lavoisier, no entanto, a teoria da oxidação da combustão logo colocou o flogisto em seu túmulo, fosse de massa negativa ou não!

Acho que a partir desses poucos exemplos você pode agora entender a natureza básica de uma revolução científica e sua mudança de paradigma subjacente. Você também pode ter notado que em cada um desses casos a mudança de paradigma envolveu uma mudança de visão geral do que poderia ser pensado como uma ideia arcaica para uma esotérica, onde uma percepção geral e antiga baseada em observação simples teve que ser substituída por conceitos que simplesmente não eram óbvios para o homem primitivo nem para o observador ingênuo. A ideia de que a Terra era o centro do universo, que as massas de terra eram fixas no lugar no globo, que os objetos físicos eram duros e sólidos, que as chamas indicavam que algo estava emanando de um objeto em chamas — tudo isso poderia ser derivado do que podemos pensar como simples observação primitiva ou ingênua. Essas ideias, os paradigmas de seu tempo, tiveram que ser substituídos por ideias anti-intuitivas e aparentemente paradoxais, e vemos isso em abundância quando se trata da redescoberta psicodélica. Não menos importante entre as crenças ingênuas que a redescoberta psicodélica desacreditou está a ideia de que o homem cientista poderia sempre e confiavelmente ser um observador independente e objetivo dos fenômenos, e é um delicioso paradoxo que suas próprias investigações científicas supostamente objetivas com psicodélicos tenham exigido essa conclusão. Também é interessante que as ideias ingênuas que precisavam ser substituídas não eram antigas e primitivas como nos outros casos que acabei de mencionar, mas sim a base da era da investigação científica.

 

Agora, vejamos alguns exemplos específicos de como a redescoberta psicodélica pode ter revolucionado alguns campos da ciência e da medicina.

Para começar, é apropriado considerar o campo da psiquiatria e da psicoterapia, pois foi aqui que a pesquisa com psicodélicos começou, em Saskatchewan, Canadá, sob a direção de Humphrey Osmond, Abram Hoffer e seus associados, e quase simultaneamente com Stanislav Grof e seus associados na República Tcheca

Stan Grof relata em seu livro “Beyond the Brain” o quão difícil foi para ele aceitar os dados de pesquisa que estavam inundando o trabalho de seu grupo com LSD. Grof tinha sido um psicanalista freudiano bastante rigoroso, como se poderia esperar de alguém treinado em medicina e psiquiatria no início dos anos 1950 — talvez o auge do movimento psicanalítico. No entanto, Grof descobriu que, um por um, os principais princípios da visão freudiana — poderíamos chamá-lo de paradigma freudiano — tiveram que ser abandonados como resultado de sua pesquisa sobre LSD. Nesse longo e árduo processo, um novo paradigma para pesquisa e compreensão no campo da saúde e doença mental humana, e na própria consciência humana começou a tomar forma. Em seu livro “Beyond the Brain”, Grof apresenta uma estrutura para esse novo paradigma e até dedica um capítulo introdutório à consideração da teoria da revolução científica de Kuhn como uma forma de mostrar ao leitor a natureza do processo de mudança que estava começando. Hoffer e Osmond no Canadá estavam ao mesmo tempo chegando a uma visão radicalmente nova do que a psicoterapia poderia ser — não uma cura médica análoga ao tratamento de uma infecção com um antibiótico, mas algo mais parecido com uma viagem de autodescoberta pessoal onde o uso de drogas psicodélicas agia como um complemento ou catalisador para a produção de uma mudança radical e rápida de personalidade. A mudança de personalidade tinha sido em tempos antigos muito mais associada à experiência religiosa e conversão do que à ciência ou medicina. Tal ideia era, naturalmente, outro teste severo para a teoria psicanalítica freudiana e para o próprio conceito médico de tratamento medicamentoso.

Um importante princípio organizador na pesquisa psicoterapêutica de Hoffer e Osmond foi derivado de sua observação do uso de peiote pelos nativos americanos em suas observâncias religiosas e do fato observado de alcoolismo muito reduzido em membros da Igreja Nativa Americana. Eles observaram repetidamente a iniciação de novos membros que antes eram severamente alcoólatras e que posteriormente foram curados de seus problemas com bebida com uma confiabilidade que superava em muito qualquer tratamento de alcoolismo que a medicina ocidental pudesse oferecer. Assim nasceu um projeto ambicioso e bem-sucedido de usar tanto mescalina quanto LSD, não como uma clássica “cura medicamentosa” para o alcoolismo, mas como uma forma de catalisar a mudança de personalidade em seus pacientes ou clientes, o que levou essas pessoas a “se curarem”, por assim dizer — a aceitarem suas vidas de maneiras que não poderiam ter alcançado antes. Claro, os métodos desenvolvidos por Hoffer e Osmond foram, em alguns aspectos, um retrocesso ao paradigma xamânico de cura, onde o médico não é um cientista independente e objetivo usando medicamentos específicos para doenças que funcionam apenas com base em suas propriedades farmacêuticas. O xamã faz uma jornada de autodescoberta psicológica e espiritual junto com seu cliente para que ambos possam experimentar a fonte dos problemas e, assim, efetuar uma cura.

Foi observado, que na medicina ocidental é o paciente que toma os medicamentos, enquanto na tradição xamânica é o médico que toma a medicina. O trabalho de Hoffer e Osmond tratando alcoólatras dependia necessariamente de dar medicamentos psicodélicos aos próprios pacientes, mas é interessante notar que esses psiquiatras outrora tradicionais rapidamente chegaram à conclusão de que, para dar psicodélicos efetivamente aos pacientes, era indispensável que os médicos, e até mesmo os enfermeiros presentes, estivessem o mais familiarizados possível com os estados alterados de consciência produzidos pelos medicamentos. E havia apenas uma maneira eficaz de fazer isso: como na tradição xamânica, os médicos tomavam os medicamentos, muitas vezes.

Lenta, mas seguramente, um novo paradigma para a psiquiatria e a psicoterapia estava tomando forma, mas a resistência do establishment científico e médico era esperada, como Kuhn mostra ser o estado normal das coisas. Críticas à terapia com LSD — especialmente depois que o uso de psicodélicos por estudantes universitários se tornou um escândalo nos EUA (Tim Leary e Richard Alpert em Harvard)— se tornaram outro tipo de escândalo, um escândalo científico de grandes dimensões. Em uma análise particularmente convincente da situação em seu livro “The Hallucinogens”, Hoffer e Osmond demolem habilmente seus críticos no espaço de algumas páginas. No entanto, completamente de acordo com as previsões de Thomas Kuhn, aqueles que introduziriam um novo paradigma enfrentam não apenas uma batalha difícil, mas consequências muito mais sérias, não importa quão necessária a nova perspectiva possa ser baseada no fracasso revelado do antigo paradigma.

Hoffer e Osmond estavam cientes do trabalho de Thomas Kuhn e das previsões de grande hostilidade à sua pesquisa? Eles não deixam pista, mas citam o filósofo Michael Polanyi, que em seu artigo de 1956 na The Lancet, parece ter pressagiado alguns dos principais pontos de Thomas Kuhn. Polanyi escreve,

“Na medida em que a descoberta muda nossa estrutura interpretativa, é logicamente impossível chegar a ela pela aplicação contínua de nossa estrutura interpretativa anterior. Em outras palavras, a descoberta é criativa… no sentido de que não deve ser alcançada pela aplicação diligente de nenhum procedimento previamente conhecido e especificável…”

Vemos aqui que Polanyi está, em termos kuhnianos, falando sobre o tipo de descoberta que representa descobertas anômalas que levam o descobridor a propor um novo paradigma. Quando Polanyi diz que a descoberta revolucionária não pode ser alcançada por procedimentos previamente existentes, ele está dizendo a mesma coisa que Kuhn, que o processo da ciência normal não pode levar por si só à mudança de paradigma e à revolução científica. O próprio Kuhn afirmou com bastante firmeza que “Paradigmas não são corrigíveis pela ciência normal de forma alguma”.

Michael Polanyi continua,

“Agora podemos ver a grande dificuldade que pode surgir na tentativa de persuadir outros a aceitar uma nova ideia na ciência. Na medida em que representa uma nova maneira de raciocínio, não podemos convencer os outros por meio de argumentos formais, pois enquanto argumentarmos dentro de sua estrutura, nunca poderemos induzi-los a abandoná-la. A demonstração deve ser suplementada, portanto, por formas de persuasão que possam induzir uma conversão. A recusa em entrar na maneira de argumentar do oponente deve ser justificada fazendo-a parecer completamente irracional.

“Tal rejeição abrangente não pode deixar de desacreditar o oponente. Ele será feito parecer completamente iludido, o que no calor da batalha facilmente implicará que ele era um tolo, um excêntrico ou uma fraude… Em um choque de paixões intelectuais, cada lado deve inevitavelmente atacar a pessoa do oponente.”

E foi exatamente isso que aconteceu com muitos pesquisadores que trabalharam com drogas psicodélicas. Hoje, a comunidade científica convencional rotineiramente e ignorantemente classifica toda a fraternidade de pioneiros psicodélicos na mesma categoria de Tim Leary, ou pior.

Obviamente, nenhuma revolução científica ocorreu ainda na psiquiatria e psicoterapia tradicionais, mas os experimentos anômalos e os contornos de um novo paradigma permanecem na literatura científica e nas mentes de alguns cientistas e médicos.

Como teria sido uma revolução na psicoterapia? Isso é algo difícil de prever, como qualquer mudança revolucionária deve necessariamente ser. Mas certamente seria amplamente reconhecido agora que Hoffer e Osmond estavam certos em insistir que a experiência pessoal de estados de consciência alterados psicodélicos é indispensável e “absolutamente essencial” para a compreensão não apenas dos pacientes, mas para a compreensão da própria consciência. Treinado em estados alterados de consciência, um psiquiatra ou psicoterapeuta se torna um paralelo muito mais próximo dos curandeiros xamânicos do passado distante, algo desejável, pelo seguinte motivo: a ciência reducionista funciona bem com coisas inanimadas, plantas e até mesmo com animais primitivos, mas com humanos, que nunca podem ser considerados “apenas” como objetos, a ciência objetiva deve permanecer para sempre incompleta.

No campo da ciência da computação e tecnologia, uma revolução parece ter ocorrido, e a princípio podemos ser tentados a atribuir isso às alegações frequentemente ouvidas de que muitos dos inventores pioneiros do computador moderno não só estavam familiarizados com drogas psicodélicas, mas as usaram como um caminho para a criatividade que levou às suas invenções. Seja como for, teríamos que dizer com mais precisão que a revolução não estava, portanto, nos computadores em si, mas no uso de drogas psicodélicas como uma ferramenta psicológica, como uma forma de aumentar a criatividade. A chamada revolução dos computadores não se qualifica como uma revolução científica, primeiro porque estamos lidando mais com uma tecnologia do que com uma ciência, e segundo porque não passamos por uma mudança de paradigma. Os princípios fundamentais da computação digital permaneceram os mesmos por muito tempo.

No entanto, a ideia de que as drogas poderiam aumentar a criatividade era certamente revolucionária e ameaçadora de paradigma. É uma ideia que vai contra as convicções gerais, embora não científicas, de que as drogas são exclusivamente substâncias usadas na medicina para restaurar a normalidade; é uma ideia que desacredita a convicção de que a consciência normal é o summum bonum² (Nota do tradutor²: ‘sumo bem’ ou ‘bem maior, em latim) é uma expressão latina usada na filosofia — particularmente, em Aristóteles,[1] na filosofia medieval e na filosofia de Immanuel Kant — para descrever o bem maior que o ser humano deve buscar), o melhor, mais eficiente e desejável estado da consciência humana e que sua alteração não pode levar a nenhum bom fim; é uma ideia que mostra o absurdo da noção de que a consciência drogada DEVE ser um estado degradado e delirante, abaixo da dignidade de qualquer pessoa civilizada, que o uso aborígene de drogas para qualquer propósito meramente ilustra o atraso e a natureza primitiva de tais povos. Essas observações ingênuas, assim como as observações ingênuas do universo centrado na Terra, chegam até nós como “verdades” pouco questionadas de eras passadas. No caso das drogas, tais ideias representam um paradigma muito antigo da psicologia humana ocidental cuja origem remonta à Santa Inquisição, quando as potências europeias assumiram a responsabilidade de perseguir os habitantes das Américas, supostamente para salvar suas almas, mas, mais realisticamente, para confiscar todo o hemisfério. Os inquisidores tomaram o uso nativo de drogas que alteram a consciência como um sinal claro de que eles deveriam ser considerados subumanos e indignos da propriedade de suas terras. Esse legado chegou até nós pouco alterado, de modo que hoje parece uma opinião automática sobre os usuários de drogas que eles são de alguma forma degradados, não estão em seu perfeito juízo e precisam de correção e tratamento. Propor que as drogas podem ser capazes não apenas de alterar benignamente as capacidades humanas, mas de realmente melhorá-las é obviamente uma heresia, uma ameaça à atitude colonial e paternalista que tipifica a visão da ciência moderna sobre os povos antigos e seus costumes.

As sementes da revolução neste ramo da psicologia certamente já haviam sido plantadas em 1964, quando Frank Barron apresentou um artigo em um simpósio na Califórnia intitulado “O processo criativo e a experiência psicodélica“. A pesquisa de Willis Harman e James Fadiman logo começou a documentar as provas experimentais da conexão, e seu artigo “Agentes psicodélicos na resolução criativa de problemas: um estudo piloto” provavelmente teria sido um ponto de virada revolucionário no estudo psicológico da criatividade se sua pesquisa não tivesse sido interrompida no meio do caminho por decreto do governo. Se você simplesmente fizer uma pesquisa no Google por Harman e Fadiman, poderá encontrar facilmente seus artigos de pesquisa, que valem a pena ler. O título do artigo deles no livro de Aaronson e Osmond, Psychedelics, é ainda mais indicativo de uma mudança revolucionária de paradigma: “Aprimoramento seletivo de capacidades específicas por meio do treinamento psicodélico”. Desde o final da década de 1960, nenhuma pesquisa foi permitida nesse sentido, e mais uma potencial revolução científica foi suprimida.

 

Embora as mudanças notáveis ​​na tecnologia de computadores não se qualifiquem estritamente como uma revolução kuhniana, um resultado primário de avanços em computadores pode ainda ilustrar para nós outra potencial e genuína revolução científica que foi suprimida. Desde os primeiros experimentos neurológicos em que os nervos que levam aos músculos da perna de um sapo foram estimulados eletricamente, levando à contração muscular, o paradigma da computação digital no sistema nervoso se consolidou, lenta mas seguramente.

Devido à grande demanda por computadores cada vez mais avançados para empreendimentos de alta tecnologia, como aeronáutica, exploração espacial, modelagem de sistemas complexos — sem mencionar aplicações militares e hardware — tem havido dinheiro de pesquisa praticamente ilimitado disponível para aqueles que estudam computação digital e para aqueles que se esforçam para descrever as propriedades e operações de vários sistemas físicos e biológicos em termos de computação digital. A neurociência e a ciência cognitiva têm sido grandes beneficiárias desse dinheiro de pesquisa, e a corrente principal dessas ciências aceita quase sem questionamentos ou análises profundas que os processos digitais são responsáveis ​​pelo que o cérebro faz. Afinal, as bolsas de pesquisa dependem da adoção desse paradigma.

A maneira mais fácil de ver o “paradigma digital” da operação cerebral é talvez por meio da consideração da visão da operação dos neurônios que temos e o que essas atividades dos neurônios significam. Embora as propriedades e ações dos receptores químicos de um neurônio e do espaço sináptico entre os neurônios tenham se mostrado incrivelmente complexas, quando tudo é dito e feito, o que acontece no neurônio é um simples pulso elétrico liga-desliga que transmite o chamado “sinal” pelo eixo do neurônio, ou axônio, em direção à próxima sinapse e neurônio na linha. Um simples pulso liga-desliga, tudo ou nada, só pode ser interpretado em termos digitais, não importa quantas camadas de complexidade alguém tente carregar em cima deste mais simples dos processos.

Enquanto isso, é bem conhecido por que o cérebro não pode ser um computador digital. Primeiro, ele não é rápido o suficiente. Nem complexo o suficiente, apesar da grande multidão de neurônios que contém. Uma tarefa como reconhecimento facial, que uma pessoa equipada com um cérebro pode fazer quase instantaneamente e sem qualquer sensação de ter concluído uma tarefa difícil, não pode ser alcançada de forma tão confiável com os computadores mais poderosos operando em velocidades de processador de vários Gigahertz e com velocidades de transferência de dados se aproximando da velocidade da luz. O cérebro opera a alguns hertz e com “taxas de transferência de dados” muito letárgicas. Outros exemplos semelhantes são fáceis de encontrar. Claramente, o paradigma de “transferência digital de bits de dados” da operação cerebral, como eu o chamo, com o potencial de ação do neurônio representando a unidade fundamental de “informação”, deve ser um paradigma aguardando um funeral bem merecido, se ao menos um novo paradigma pudesse ser criado primeiro para ampliar a agenda de pesquisa. Como Kuhn deixa claro em seu livro, não importa quais problemas um paradigma possa enfrentar, ele nunca é abandonado até que um novo paradigma esteja pronto para tomar seu lugar. Mesmo assim, muitos defensores do antigo paradigma continuam como os cientistas eminentes que atribuíram uma massa negativa ao flogisto, defendendo o que muitas vezes é o trabalho de suas vidas até o amargo fim — suas próprias mortes.

Um novo paradigma para a neurociência está de fato esperando nos bastidores há algum tempo. Algumas das ideias básicas do paradigma foram propostas pela primeira vez em parte por Karl Lashley já em 1942. Dando continuidade ao trabalho de Lashley após uma associação de uma década com ele, Karl Pribram publicou vários artigos sobre sua nova visão da operação cerebral e, finalmente, uma obra-prima de um livro sobre o assunto intitulado “Brain and Perception: Holonomy and Structure in Figural Processing”. As visões de Pribram, popularizadas em um livro de 1982 intitulado “The Holographic Paradigm and Other Paradoxes”, editado por Ken Wilber, realmente representam um paradigma inteiramente novo e revolucionário para a neurociência e a neurociência cognitiva. A agenda de pesquisa ampliada que o paradigma justificaria pode muito bem ser capaz de esclarecer muitos dos mistérios atuais da mente, como a forma como a recuperação instantânea da memória associativa pode funcionar, ou como todos os processos modulares do cérebro, como os múltiplos aspectos da visão, audição, olfato, todos parecem se combinar em uma experiência unitária, o chamado “problema de ligação” que os pesquisadores da consciência têm arrancado os cabelos tentando explicar.

Não tenho tempo hoje para contar os detalhes dessa nova abordagem ao cérebro e à consciência, mas, novamente, você deve conseguir encontrar artigos e livros interessantes na internet seguindo os links para “Karl Pribram”.

É interessante notar, e é isso que conecta essa mudança de paradigma particular aos psicodélicos, que Karl Pribram era muito próximo de outros cientistas e pesquisadores interessados ​​em psicodélicos e se inspirou em muitas dessas pessoas. O trabalho de Pribram tem todas as características de ter surgido por meio, pelo menos, da potencialização indireta da criatividade excepcional derivada do treinamento psicodélico, conforme o trabalho de Harman e Fadiman. Essa pode muito bem ser uma das principais razões pelas quais seu trabalho é amplamente ignorado pela corrente principal da neurociência e criticado ignorantemente até mesmo por grandes figuras científicas como Francis Crick.

 

Alguém poderia facilmente propor que a redescoberta psicodélica teria efeitos revolucionários ainda maiores em outras disciplinas científicas, como antropologia e paleoantropologia, como propus em minha palestra aqui há dois anos, ou mesmo economia, … poucas ciências permaneceriam intocadas se a resistência indesejada não tivesse suprimido a própria revolução psicodélica.

Os psicodélicos e suas descobertas associadas possivelmente exigem revoluções científicas não apenas em vários campos científicos, mas no próprio conceito de exploração e descoberta científica. É por essa razão talvez que essas revoluções tenham sido tão longa e tão efetivamente reprimidas. Ter uma revolução científica em um determinado período da história já é um empreendimento difícil e às vezes há muito reprimido. Mas ter múltiplas revoluções em campos científicos até mesmo díspares exigiria uma grande convulsão científica E social, especialmente dada a maneira como a ciência é financiada hoje por grandes organizações corporativas e governamentais. E a revolução não pararia por aí: uma reorganização tão imensa na ciência levaria inevitavelmente a uma revolução nos costumes sociais, atitudes e, finalmente, na própria civilização e na política pela qual ela é dirigida. Se uma revolução tão multifacetada pode ser realizada é talvez o maior teste da humanidade desde o que ocorreu há tanto tempo, quando ele teve que decidir o que fazer com aquela primeira experiência do fruto proibido psicodélico no Jardim do Éden.

A psilocibina pode ser um divisor de águas na psiquiatria

Dois estudos randomizados controlados semelhantes, envolvendo pacientes com câncer em estágio terminal sugerem que uma única dose alta da droga psicodélica psilocibina tem efeitos rápidos, clinicamente significativos e duradouros no humor e na ansiedade. Estes resultados podem ser um divisor de águas do tratamento psiquiátrico.

Essas novas descobertas têm o potencial de transformar o atendimento dos pacientes com câncer e sofrimento psicológico e existencial, mas além disso, de oferecer um modelo inteiramente novo para a psiquiatria, o de um medicamento que age rapidamente tanto como antidepressivo quanto como ansiolítico, e cujos benefícios se mantêm durante meses, disse ao Medscape o Dr. Stephen Ross, médico, diretor do Serviço de Dependência Química do Departamento de Psiquiatria da New York University (NYU), Langone Medical Center.

“Isso pode fazer a terra tremer e trazer para a psiquiatria uma grande mudança de paradigma”, disse.

Os resultados foram publicados on-line em 1º de dezembro no periódico Journal of Psychopharmacology.

Entusiasmo dos especialistas

Os especialistas da área, incluindo os ex-presidentes da American Psychiatric Association (APA) e os chefes dos grandes serviços de psiquiatria universitários, descreveram os resultados como “notáveis”, “muito promissores”, e como sendo um “avanço crítico” que “podem inaugurar uma nova era” no tratamento da dependência química na psiquiatria.

De acordo com estes especialistas, cujos comentários foram publicados junto com os dois estudos em uma edição especial da revista, as novas descobertas justificam a realização de estudos mais abrangentes para replicar os resultados em várias populações. Alguns especialistas instam maior consideração das questões legais, éticas e regulatórias singulares ao uso clínico da psilocibina e drogas afins.

A psilocibina, princípio ativo dos cogumelos alucinógenos, é uma droga serotonérgica que atua como agonista do receptor 2A da 5-hidroxitriptamina (5-HT 2A).

Foi sintetizada pela primeira vez em 1958, tendo sido usada na pesquisa psiquiátrica até 1970, quando o uso generalizado como entorpecente recreativo e sua associação à agitação cultural e política da época resultaram em sua reclassificação nos Estados Unidos, junto com outras drogas psicodélicas, como droga da Classe I. No entanto, nas últimas décadas, tem havido um interesse renovado pela psilocibina.

De acordo com um comentário feito pelo Dr. Alasdair Breckenridge, do Departamento de Farmacologia e Terapêutica da University of Liverpool (Reino Unido), e pelo Dr. Diederick E. Grobbee, do Julius Center for Health Sciences and Primary Caredo University Medical Center, em Utrecht (Holanda), recentes trabalhos mostraram que esta droga pode ser administrada com segurança a pacientes com depressão refratária ao tratamento e sofrimento psicológico associado a doenças terminais, bem como às pessoas com dependência de álcool ou de tabaco e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).

A pesquisa também sugere que a substância não é viciante, não causa dependência e tem toxicidade extremamente baixa, observam os Drs. Breckenridge e Grobbee.

Esses resultados encorajadores abriram a porta para os ensaios clínicos que estão surgindo agora.

Os dois novos estudos utilizaram um desenho duplo-cego e cruzado, e foram realizados em um ambiente supervisionado. Cada um utilizou várias ferramentas psicológicas validadas para analisar uma série de efeitos e para avaliar a segurança.

Os desfechos primários dos dois estudos foram a depressão e a ansiedade – quadros clínicos altamente prevalentes entre os pacientes com câncer, cujas doenças costumam ser resistentes aos antidepressivos e ansiolíticos, ou à psicoterapia.

Os desfechos secundários foram a avaliação da espiritualidade, do sofrimento existencial, do medo da morte e das experiências místicas. Por exemplo, alguns pacientes descreveram sentir um intenso sentido de unidade, transcendência de tempo e espaço, ou humor profundamente positivo e melhora da qualidade de vida.

A principal diferença entre os dois estudos foi no que diz respeito aos medicamentos de controle utilizados. Um estudo usou a niacina, que mimetiza a psilocibina; o outro utilizou uma dose baixa da própria psilocibina.

Experiência terapêutica importante

O estudo realizado pelos pesquisadores da New York University recrutou 29 pessoas, das quais quase dois terços tinham câncer de estágio III ou IV. Todos os pacientes haviam sido diagnosticados com algum transtorno relacionado com a ansiedade. A maioria preencheu os critérios diagnósticos de transtorno da adaptação, e os demais preencheram os critérios de transtorno da ansiedade generalizada. Quase dois terços já tinham sido tratados com antidepressivos ou ansiolíticos, mas nenhum participante estava tomando medicamentos no momento do estudo.

A média de idade dos participantes foi de 56 anos. Cerca de 55% já tinham tomado alguma droga psicodélica pelo menos uma vez na vida, o que os pesquisadores consideraram não ser surpreendente.

Durante os anos 60 e 70, dezenas de milhões de pessoas usaram drogas psicodélicas. Era muito comum experimentar pelo menos uma vez o LSD (Lysergsäurediethylamid, ácido lisérgico em alemão) ou a maconha (Cannabis sativa), disse o Dr. Ross.

Os pacientes neste estudo tomaram psilocibina (0,3 mg/kg, ou aproximadamente 21 mg/70 kg) ou niacina (250 mg), ou vice-versa após sete semanas. Ambos grupos fizeram psicoterapia com elementos de apoio psicodinâmicos e existenciais. Os pacientes tomaram a droga em um ambiente recriando uma atmosfera familiar, disse o Dr. Ross. Os pacientes e os terapeutas deram as mãos formando um círculo, e os pacientes verbalizaram as suas intenções para a sessão. Depois de tomar o comprimido, cada paciente recebeu livros de arte, músicas pré-escolhidas e máscaras para os olhos e foi convidado a direcionar a sua atenção internamente. Os terapeutas, todos experientes, checaram regularmente os pacientes.

A escala de ansiedade Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS) e o registro Beck Depression Inventory (BDI) foram utilizados para capturar os relatos dos pacientes. O estudo mostrou que a psilocibina produziu uma resposta ansiolítica e antidepressiva imediata e mantida.

Com relação à pontuação no Beck Depression Inventory, no grupo que usou psilocibina na primeira sessão, cerca de 83% dos participantes preencheram os critérios de resposta antidepressiva sete semanas depois de receber a primeira dose. No grupo que usou niacina na primeira sessão, 14% preencheram os critérios de resposta antidepressiva. Com relação à pontuação na Hospital Anxiety and Depression Scale, no grupo que usou psilocibina na primeira sessão, 58% preencheram os critérios de resposta ansiolítica sete semanas depois de receber a primeira dose; no grupo que usou niacina na primeira sessão, 14% preencheram os critérios de resposta ansiolítica.

Em 6,5 meses de acompanhamento, os índices de resposta antidepressiva ou ansiolítica ficaram na faixa de 60% a 80%, dependendo do instrumento de medida utilizado.

O estudo do Dr. Ross também mostrou que a psilocibina foi associada à melhora da qualidade de vida e ao bem-estar espiritual, bem como a menor sofrimento existencial. As experiências místicas, medidas pelo Mystical Experiences Questionnaire, tiveram alta correlação com as respostas clínicas.

“Definitivamente, existe algo relacionado com a intensidade da experiência mística que é a maior causa de melhora dos pacientes”, disse o Dr. Ross.

Cerca de 70% dos pacientes classificaram a experiência com a psilocibina como “singular, ou entre as cinco melhores experiências de sua vida. Foram as mais instrutivas, memoráveis e importantes experiências terapêuticas das quais as pessoas se lembravam e sobre as quais nos falaram”, disse o pesquisador.

Não houve diferença de resposta entre os pacientes que tinham usado alucinógenos no passado e aqueles que não o tinham. Também não fez diferença se os pacientes tinham ou não alguma fé religiosa.

Resultados coerentes

O segundo estudo http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675513, realizado por pesquisadores da Johns Hopkins University, em Baltimore, Maryland, recrutou 51 pacientes com câncer. Destes, 65% tinham doença recidivante ou metastática. Todos os participantes corresponderam aos critérios diagnósticos de transtorno de adaptação crônico com ansiedade, transtorno de adaptação crônico com ansiedade e humor deprimido, transtorno distímico, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno depressivo maior ou diagnóstico duplo de transtorno de ansiedade generalizada e transtorno depressivo maior pelo DSM-IV (4ª Edição do Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais).

Os pacientes tomaram uma dose alta de psilocibina (22 mg/kg), seguida, cinco semanas mais tarde, por uma dose muito baixa (3 mg/70 kg, reduzida para 1 mg/70 kg durante o estudo, e que mimetizava o placebo), ou receberam uma dose baixa seguida pela dose alta cinco semanas mais tarde.

Como no estudo da New York University, os pacientes estavam em um ambiente controlado. Eles também foram estimulados a deitar em um sofá, usar uma máscara nos olhos para bloquear as distrações visuais externas, e ouvir música. Eles também foram incentivados a concentrar a atenção em suas experiências interiores durante toda a sessão.

Neste estudo, os pacientes receberam instruções que ajudaram a minimizar suas expectativas. Eles foram informados de que a psilocibina seria administrada nas duas sessões, que as doses da psilocibina poderiam variar de muito baixas para altas, e que as doses nas duas sessões poderiam ser ou não as mesmas.

“Maximizamos as expectativas tanto da parte dos voluntários como dos monitores”, disse o pesquisador responsável Dr. Roland R. Griffiths, médico e professor do Departamento de Psiquiatria e Neurociências da Johns Hopkins University, em Baltimore, Maryland, para o Medscape. “As instruções foram: ‘Nós não sabemos a dose, de modo que tentem obter o máximo que puderem desta experiência’.”

Embora este grupo não tenha feito psicoterapia formal como os pacientes no estudo da New York University, eles receberam um grande apoio da equipe do estudo.

Os resultados deste estudo “são perfeitamente coerentes” com os resultados do estudo da New York University, disse o Dr. Griffiths

A análise mostrou que a alta dose de psilocibina teve uma grande repercussão nas duas medidas dos desfechos primários avaliados pelo médico, que foram a depressão, avaliada usando a GRID-HAMD-17 (GRID-Hamilton Depression Rating Scale); e a ansiedade, avaliada usando a Hospital Anxiety and Depression Scale. Também foram observadas grandes repercussões na maioria dos desfechos secundários.

A resposta clinicamente significativa foi definida como redução de 50% ou mais em relação à pontuação inicial na GRID-HAMD-17. Ao fim de cinco semanas após a primeira sessão, 92% dos participantes que tomaram a dose elevada na primeira sessão exibiram resposta clinicamente significativa. No grupo que recebeu a dose baixa na primeira sessão, 32% exibiram resposta clinicamente significativa.

Aos seis meses, a média da resposta clínica foi de 78% para a depressão e 83% para a ansiedade. “Assim, cerca de 80% das pessoas apresentaram resposta clínica”, disse o Dr. Griffiths.

A taxa de remissão aos seis meses foi de 65% para a depressão e 57% para a ansiedade.

A ausência de psicoterapeutas treinados não interferiu nos resultados. Na verdade, o tamanho do efeito aos seis meses foi um pouco maior neste estudo, em comparação ao estudo da New York University.

“Pode ter havido outras diferenças entre os centros dos estudos, passíveis de promover a eficácia”, disse o Dr. Griffiths. “Acreditamos que ainda temos de trabalhar para obter a formação ideal, mas eu diria que tivemos excelentes clínicos.”

Experiências místicas

Os participantes que tomaram a dose alta referiram mudanças positivas em suas atitudes em relação à vida, a si mesmo, no humor, nos relacionamentos e na espiritualidade. Este estudo comportou avaliações de membros da comunidade, que também mostraram significativas mudanças positivas nas atitudes e nos comportamentos dos participantes.

Os relatórios dos avaliadores da comunidade são “os mais reveladores,” disse o Dr. Griffiths. “Se o seu cônjuge diz que você melhorou muito, isso é muito eloquente.”

Como o estudo da New York University, este estudo mostrou efeitos significativos das experiências do tipo místico em vários resultados, como significado espiritual, satisfação com a vida e significado existencial.

Foi difícil recrutar pacientes com câncer para este estudo porque muitos compreensivelmente têm medo de usar drogas psicodélicas, devido à reputação dessas substâncias e, possivelmente, por terem tido alguma experiência pessoal ruim com elas, observou o Dr. Griffiths.

O pesquisador disse que “não estava 100% confiante” de que a intervenção teria efeitos importantes, porque os pacientes eram “muito vulneráveis”. Todos estavam lidando com um quadro de câncer terminal, depressão ou ansiedade e, em alguns casos, as perspectivas dos pacientes eram “iminentemente sombrias”.

“Eu achava que havia uma possibilidade de eles saírem da experiência com mais medo ou mais prejudicados ou traumatizados”, disse o Dr. Griffiths. “Por isso, a coisa mais incrível para mim foi isso ter funcionado exatamente como para os voluntários saudáveis ​​que tinham participado de um estudo anterior.

O tipo de experiência mística que alguns pacientes experimentam com a psilocibina “permitiu a eles seguirem em frente, não se sentirem deprimidos, não se sentirem ansiosos, mas com otimismo, e eu diria até mesmo com alegria”, disse o Dr. Griffiths.

Muitos tiveram uma “compreensão maior de que a vida e a morte estão misturadas de algum modo profundo que fala com a própria natureza da consciência humana”, algo que é “intensamente terapêutico”.

A pesquisa não identificou novas questões de segurança. Em ambos estudos, houve poucos eventos adversos, como aumentos previstos da pressão arterial e do pulso, náuseas e vômitos, e ansiedade transitória ou ocasionais sintomas psicóticos. Estes últimos aparentemente tiveram remissão rápida.

Quem é quem na psiquiatria

No editorial acompanhando o estudo, o Dr. David Nutt, PhD, do Imperial College London, disse que os estudos são “divisores de água” e os “estudos controlados mais rigorosos até hoje” feitos com psilocibina. Quando solicitados a tecer comentários sobre esses estudos, os especialistas nas áreas da psiquiatria, desenhos de estudo e atendimento a pacientes terminais, todos, concordaram em fazê-lo apesar do curto prazo. Este, disse o Dr. Nutt, “é um testemunho do interesse que os dois trabalhos despertaram”.

A lista das pessoas que comentaram parece um “who’s who” da psiquiatria norte-americana e europeia, e “deve assegurar aos indecisos que esta utilização da psilocibina está em conformidade com o âmbito aceito pela psiquiatria moderna”, disse o Dr. Nutt.

Os comentaristas, de maneira geral, elogiaram os estudos, chamando-os de “bem elaborados” e “metodologicamente rigorosos”. Eles concordaram que esta é uma nova e emocionante era da psicofarmacologia psicodélica. Vários destacaram que a replicação sistemática dos principais resultados nos dois centros contribuiu para a confiança na solidez dos resultados.

No entanto, alguns analistas destacaram que, embora os estudos tenham tentado cegar os participantes e a equipe para a designação do braço de tratamento, não está claro o quão eficazes foram estes procedimentos.

“A resposta ao placebo e as expectativas são, naturalmente, questões complexas de isolar”, escreve em seu cometário o Dr. Paul Summergrad médico da Tufts University School of Medicine, em Boston, Massachusetts.

“Isto é especialmente verdade nos estudos que incluíram um percentual significativo de participantes que já tinham utilizado drogas psicodélicas e que estavam enfrentando problemas clínicos e existenciais graves. No entanto, a taxa e a velocidade de resposta a uma droga ativa, sua intensidade e duração são decididamente mais significativas do que as observadas nas respostas ao placebo entre os pacientes com depressão moderada, mesmo com grupos de pesquisa mais comprometidos e engajados”.

John D. McCorvy e colaboradores, da Divisão de Biologia Química e Química Medicinal, do Departamento de Farmacologia da University of North Carolina, em Chapel Hill, e do Psychoactive Drug Screening Program, National Institute of Mental Health, observaram que o efeito placebo é “um importante fator confusor no desenvolvimento dos novos antidepressivos, visto que o placebo pode produzir efeitos antidepressivos em 30% a 40% dos participantes”.

Em seu comentário, o Dr. Richard C. Shelton, do Departamento de Psiquiatria e Neurobiologia Comportamental, e Peter S. Hendricks, do Departamento de Saúde Comportamental da School of Public Health, ambos da University of Alabama, em Birmingham, assinalaram que os estudos não usaram uma avaliação direta da integridade dos procedimentos de cegamento.

“Nem pediram diretamente aos participantes para estimar os tratamentos aos quais foram submetidos. Seria prudente obter esta informação nos futuros estudos”.

No entanto, eles observaram que a “relevância” dos efeitos da psilocibina pode inviabilizar o cegamento completo, como costuma acontecer nos estudos com drogas psicoativas e intervenções comportamentais.

O Dr. David Spiegel, do Departamento de Psiquiatria e Ciências do Comportamento da Stanford University School of Medicine, na Califórnia, destacou que no estudo realizado por Dr. Griffiths e colaboradores, apenas 10% das pessoas inicialmente triadas ​​participaram do estudo, a maioria por não atender aos critérios de inclusão. “Então, desde o início essas pessoas estavam inclinadas a acreditar que uma droga psicodélica poderia ajudá-las neste momento da vida.”

Os especialistas que comentaram os estudos identificaram o desenho com cruzamento como uma limitação, na medida em que restringe a interpretação após o cruzamento; só os resultados antes do cruzamento podem ser considerados confiáveis como resultado do uso da droga.

No estudo do Dr. Griffiths e colaboradores, a dose baixa pode ter tido alguma atividade e, portanto, poderia ter influenciado a avaliação duplo-cego da eficácia da dose mais alta, de acordo com o Dr. Craig D. Blinderman, médico do Serviço de Cuidados Paliativos para Adultos do Departamento de Medicina do Columbia University Medical Center/New York Presbyterian Hospital, em Nova York. No estudo realizado pelo Dr. Ross e colaboradores, disse o Dr. Blinderman, o uso de um controle cego limitado pode ter contribuído para algum viés dos resultados.

Resultados generalizáveis?

De acordo com o Dr. Blinderman, os critérios de exclusão psiquiátricos limitaram os achados aos pacientes com transtorno de depressão e transtorno de ansiedade, mas não aqueles com história pessoal ou familiar de outros transtornos psiquiátricos, como esquizofrenia e transtorno bipolar.

Além disso, o tamanho relativamente pequeno da amostra, composta por uma população de maioria branca e escolarizada, impede a generalização.

Usar medidas subjetivas nos estudos é compreensível, mas “é uma fraqueza particular de qualquer estudo no qual o cegamento é inadequado”, observou o Dr. Guy M. Goodwin, do Departamento de Psiquiatria do University of Oxford Warneford Hospital, no Reino Unido.

“Qualquer sugestão que torne os participantes de um estudo experimental cientes do que o experimentador espera encontrar ou de como participantes devem se comportar é denominada de característica de demanda. Estes estudos têm características de demanda inquestionáveis”.

Avaliar o valor do tratamento com base apenas nos sintomas também é uma limitação, disse o Dr. Goodwin.

“Medidas mais objetivas de atividade, simplesmente motora ou econômica, os custos do seu tratamento do câncer, e assim por diante, também devem fazer parte do quadro das futuras pesquisas nesta área.”

O Dr. Goodwin também acredita que seria “útil” considerar os estudos com alucinógenos como estudos de tratamento psicológico, em vez de estudos farmacológicos.

“Caso os pacientes apresentem melhora duradoura decorrente da compreensão ou da reformulação da própria vida por causa da doença terminal, esta abordagem representa, na verdade, uma psicoterapia, embora conte com auxílio farmacológico.”

Quanto às experiências místicas que alguns pacientes descreveram, não está claro se estas são “a causa, a consequência ou o corolário do efeito ansiolítico ou da cognição irrestrita”, comentou o Dr. Benjamin Kelmendi, médico do Departamento de Neurociência Aplicada do National Center for PTSD, em West Haven, Connecticut e colaboradores.

“A relação entre uma experiência mística induzida por drogas psicodélicas e o desfecho terapêutico exige maior exploração, como sua indução em condições ideais e em um ambiente controlado, fornecendo assim uma intervenção terapêutica valiosa para transtornos que, de outro modo, são difíceis de tratar”, escrevem.

Mecanismo obscuro

A falta de conhecimento sobre o mecanismo pelo qual a psilocibina produz a alteração do estado de consciência com qualidades espirituais é uma questão maior, de acordo com o Dr. Jeffrey A. Lieberman, do Departamento de Psiquiatria da Columbia University, em New York e seu colega, o Dr. Daniel Shalev.

“Não podemos afirmar que os efeitos ansiolíticos e antidepressivos das drogas sejam resultados diretos de seus efeitos serotoninérgicos ou secundários ao estado alterado de consciência mística que produzem. Como outros agonistas serotoninérgicos (por exemplo, a lisurida) não produzem esta experiência psicodélica, foi sugerido que as drogas psicodélicas devem ligar-se aos receptores 5-HT2A de um modo especial, ou exibem seletividade funcional, ou de polarização do receptor”.

Alguns dos especialistas que comentaram os estudos questionaram se os benefícios observados seriam sustentados quando aplicados nas condições da “vida real”, fora das condições rigorosamente controladas destes dois estudos.

Apesar destas várias questões, os comentaristas concluíram em geral que os novos resultados justificam progredir para os ensaios clínicos de fase 3. Se confirmados em grandes estudos, com poder estatístico e população diversificada, a classificação atual da psilocibina como droga de Classe I “deve ser questionada”, escreve o Dr. Blinderman, “pois isso representaria uma modalidade de tratamento diferente de tudo que existe na psiquiatria”.

O Dr. Ross salientou que muitos dos profissionais que comentaram os estudos representam “a psiquiatria organizacional” – o mesmo tipo de liderança neste campo que ajudou a banir as drogas psicodélicas em 1970. “Então a psiquiatria organizacional voltou a aceitar isso.”

Ele advertiu que estes novos resultados não devem sugerir aos pacientes que o consumo de cogumelos alucinógenos ilícitos possa ajudá-los.

“A psilocibina deve ser restrita aos hospitais”, disse o Dr. Ross. “Isso não deve incentivar o uso recreativo; deve incentivar mais pesquisas em circunstâncias rigorosamente controladas.”

Tanto o estudo do Dr. Ross quanto o estudo do Dr. Griffiths foram financiados principalmente pelo Heffter Research Institute, organização sem fins lucrativos fundada por cientistas na década de 1990 para analisar e financiar pesquisas com a psilocibina e outras drogas psicodélicas.

Expectativas superadas

O Dr. George Greer, psiquiatra e diretor médico do Heffter Research Institute, disse ao Medscape estar “encantado” com os novos resultados, que são “melhores do que esperávamos”.

O Heffter Research Institute tem financiado estudos-piloto realizados com psilocibina, e estes novos ensaios clínicos são os maiores realizados até agora, disse ele.

“O importante é que trata-se de um novo modelo para o tratamento da ansiedade e da depressão, no qual o tratamento consiste numa única dose da droga e os benefícios são profundos e duram meses.”

“De modo que trata-se de um novo paradigma na psiquiatria. Não há nada parecido em toda a psiquiatria”.

O Heffter Research Institute está subsidiando a pesquisa do uso da psilocibina na dependência química. Existem dois grandes ensaios clínicos sobre tabagismo (na Johns Hopkins) e álcool (na New York University), e um estudo piloto na University of Alabama, em Birmingham, investigando o uso da psilocibina na dependência de cocaína, disse o Dr. Greer.

O instituto também está considerando propostas de uso da psilocibina no tratamento de depressão refratária, do transtorno obsessivo-compulsivo e possivelmente dos transtornos alimentares, disse ele.

“A psilocibina é tão singular, comparada a todos os medicamentos aprovados. É uma ferramenta com potencial de muitas coisas, e queremos explorar esses potenciais”.

O Heffter Research Institute também está apoiando a pesquisa animal sobre o impacto de uma droga semelhante à psilocibina na inflamação. Estudos em camundongos descobriram que pequenas doses da droga reduziram a inflamação e abriram as vias respiratórias. “Estamos muito animados com as possíveis implicações para a asma e a aterosclerose, mas ainda é muito cedo”, disse o Dr. Greer.

O Dr. Griffiths faz parte do conselho de administração do Heffter Research Institute. O Dr. Summergrad recebe honorários de CME Outfitters, Pharmasquire e de universidades e associações para fazer palestras não promocionais; royalties da Harvard University Press, Springer e American Psychiatric Press; e honorários de consultoria de Owl, Inc, e Quartet Health Inc, todos fora do escopo do trabalho apresentado. O Dr. Goodwin é pesquisador sênior do National Institute for Health Research (NIHR); as opiniões expressas são próprias e não necessariamente as do National Health Service, o NIHR, ou o Department of Health. Ele recebe uma bolsa do Wellcome Trust, têm ações de PIVital, e nos últimos três anos prestou consultoria, assessoria, ou foi palestrante para AstraZeneca, Merck, Cephalon/Teva, Eli Lilly, Lundbeck, Medscape, Otsuka, PIVital, Pfizer, Servier, Sunovion e Takeda. Os outros autores informaram não possuir conflitos de interesse relevantes ao tema.

J Psychopharmacol. Publicado on-line em 1º de dezembro de 2016. Ross et al, Artigo http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675512; Griffiths et al, Artigo http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675513

por Pauline Anderson
FONTE http://www.medscape.com/viewarticle/872504

A Psiquiatria está pronta para o paradigma da cura psicodélica?

Como o uso de plantas de poder e psicodélicos podem ajudar a aliviar o sofrimento humano? Quais são as barreiras para as chamadas medicinas da floresta, como a Ayahuasca, se tornarem parte da Psiquiatria convencional? Como se projeta e conduz pesquisas sobre o uso terapêutico de tais plantas de uma maneira ética e significativa? Como irá aparentar o tratamento de transtornos mentais com estas plantas? Estas são algumas das perguntas básicas as quais eu vim lidando no decorrer dos últimos três anos, enquanto completava residência em Psiquiatria e tentava iniciar uma carreira na ciência psicodélica e sua forma de cura.

Neste breve texto, tentarei esboçar algumas respostas introdutórias para as perguntas acima, bem como discutir os desafios em integrar diferentes áreas do conhecimento com o modelo biológico atual da Psiquiatria. Eu acredito que a adoção de uma perspectiva multidimensional complexa do sofrimento humano e o aproveitamento delicado de maneiras diferentes de entender plantas psicodélicas são fatores-chave para o paradigma emergente de cura psicodélica.

 

 

Diferentes perspectivas sobre as Plantas Psicodélicas


Plantas psicoativas e fungos tem se relacionado com humanos por milhares de anos, tendo diferentes e vários papéis na sociedade, na cultura, religião e na medicina. Como resultado dessa complexa e histórica relação, existem inúmeras formas pelas quais podemos entender e falar sobre estas plantas.

A Ayahuasca como um exemplo, uma perspectiva indígena ou antropológica pode ver a bebida como não apenas sagrada, mas como uma “planta de espírito” ou “professora”, com a qual uma pessoa ou um xamã interage para produzir o efeito desejado. Essa compreensão contrasta totalmente com uma visão biomédica da Ayahuasca como uma coleção de alcaloides e outros compostos químicos, principalmente um agonista (quando uma substância química se liga em um receptor e o ativa) do receptor da serotonina 2A e um inibidor da MAO (monoamina oxidase), que alteram a conectividade da rede cerebral e a neuroplasticidade. Talvez entre essas visões existam as perspectivas psicológicas do chá como um “psicodélico”, capaz de provocar estados não-ordinários de consciência que podem trazer o insight psicológico e a mudança.

À medida em que o uso da Ayahuasca se torna mais difundido, existem várias outras maneiras de conceituá-la ou explicá-la. Perspectivas espirituais ou religiosas podem classificar o chá como “enteógeno” ou “sacramento”, capaz de catalisar profundas experiências espirituais ou místicas. Discursos mais recentes consideram a Ayahuasca como uma “ferramenta cognitiva”, ou “ferramenta evolutiva” que pode intensificar a criatividade e ajudar nossa espécie a evoluir ou viver mais harmoniosamente. Finalmente, a Ayahuasca e outras plantas psicodélicas são, muitas vezes, chamadas carinhosamente de medicinas da floresta por usuários da contemporaneidade que desejam destacar seus efeitos de cura profunda.

 

A Planta Medicinal na Era da Psiquiatria Biológica

Enquanto meu treinamento na psiquiatria enfatizou uma abordagem “biopsicossocial” para diagnóstico e tratamento, parece claro que o campo da psiquiatria como um todo tem, nas últimas décadas, priorizado a compreensão biológica do sofrimento mental. De acordo com este paradigma, doenças mentais como depressão e esquizofrenia, bem como dependências, são consideradas doenças cerebrais resultantes de circuitos neurais aberrantes e desequilíbrios químicos. Essa perspectiva visava servir a múltiplos propósitos: 1) ajudar a psiquiatria a tomar o seu lugar no meio de outras especialidades da medicina fundamentadas nas ciências biológicas; 2) desestigmatizar a doença mental e as dependências, retratando-os como doenças crônicas tratáveis, como diabetes ou algum tipo de doença cardíaca, e não como falhas morais ou resultantes de um caráter fraco; e 3) como o público crítico argumentaria, para ajudar a promover os produtos farmacêuticos como o principal meio de abordar a doença mental e aliviar o sofrimento cotidiano.

Embora não negue que este paradigma levou a avanços no nosso entendimento sobre certas doenças mentais e que pode ser utilizado como uma lente explicativa poderosa para certos pacientes, gostaria de salientar que uma compreensão estritamente biológica da doença mental é inconsistente com a minha compreensão sobre como plantas psicodélicas funcionam para trazer cura.
O paradigma biológico coloca a pessoa em situação de sofrimento como uma vítima relativamente impotente de um cérebro doente, obscurecendo as causas sociais, psicológicas e espirituais mais profundas do sofrimento e prescreve a adesão passiva à medicação como o modo primário de cura.

Em contraste, acredito que a experiência com plantas psicodélicas nos confronta poderosamente com a realidade que existimos como seres multidimensionais complexos, com mentes cerebrais, corpos, corações e espíritos, todos conectados uns aos outros e com nossos seres naturais e sociais. A partir dessa perspectiva, a fonte do sofrimento não é apenas do cérebro; o sofrimento pode surgir da doença em qualquer uma dessas camadas de existência e ser propagado através delas de formas complexas. Isso explicaria, por exemplo, como o stress social é internalizado como sintoma psicológico ou físicos.

O Desafio de Integrar o Conhecimento


A principal implicação de cunho terapêutico em ver o sofrimento mental nesta maneira multidimensional é que os tratamentos adequados devem agora ser capazes de intervir nas múltiplas camadas da existência. O principal argumento que eu gostaria de enfatizar é que esse tipo de cura multidimensional a) requer um engajamento ativo da pessoa em situação de sofrimento (bem como em psicoterapia), e b) pode ser alcançado através do uso de plantas psicodélicas medicinais utilizando as diferentes visões conceituais descritas acima. Assim, como pesquisador clínico e acadêmico, vejo o principal desafio do campo emergente da ciência psicodélica como sendo a integração de modos de conhecimento e abordagens para a cura que, anteriormente, se encontravam desconectados e conflitantes.

Dada a predominância dos quadros biológicos dentro da Psiquiatria acadêmica, desafios significativos relacionados a essa integração manifestam-se tanto ao transmitir tais ideias a colegas e agências financiadoras, quanto ao tentar traduzir essas ideias em ensaios clínicos e protocolos de tratamento. Como estudamos e utilizamos um medicamento com múltiplos ingredientes ativos que funciona de modo complexo, multidimensional e idiossincrática quando a ciência moderna é inerentemente reducionista, ao procurar moléculas únicas que têm mecanismos biológicos de ação específicos para explicar seus efeitos terapêuticos sobre os processos patológicos que podem ser vistos, reconhecidos e medidos? Como a ciência pode explicar a interação entre as propriedades físicas de uma medicina como a Ayahuasca e seus componentes metafísicos de cura que são complementares ao seu uso, como música, dieta, oração e outros aspectos do Xamanismo? Acredito que superar esses desafios de integração representa uma grande oportunidade para o campo da ciência psicodélica e, caso bem-sucedida, pode revolucionar a maneira como pensamos e tratamos a doença mental.

 

 

Integração de conhecimento: passado e presente


Felizmente, o processo de integrar diferentes tipos de conhecimento sobre as plantas psicodélicas já foi iniciado. Populações indígenas ao redor do mundo possuem séculos de conhecimento relacionados ao uso de plantas psicoativas para fins espirituais, religiosos e de cura. Relatos antropológicos e interdisciplinares e o engajamento direto entre cientistas, usuários ou praticantes dos rituais e povos indígenas (por exemplo, a Conferência Mundial de Ayahuasca) trazem as partes interessadas com diferentes perspectivas e tipos de conhecimento ao diálogo uns com os outros. No Ocidente, existem modelos “psicodélicos” e “psicolíticos” de uso de substâncias psicodélicas ao lado da psicoterapia para tratar transtornos de humor e dependência de substâncias que remontam aos anos 1950. Esses modelos serviram de base para ensaios clínicos recentes e podem ser modificados e atualizados à medida que se ganha mais conhecimento e que este vá sendo integrado.

A onda atual de pesquisa psicodélica tem sido caracterizada por trazer avançadas ferramentas científicas e métodos para suportar o estudo de substâncias psicodélicas, incluindo a neuroimagem e farmacologia molecular, bem como uma metodologia robusta de ensaio clínico utilizando o controle do placebo duplo-cego. Ao crédito destes investigadores, essa pesquisa não só trouxe novos entendimentos sobre como os psicodélicos afetam o cérebro, mas também começaram a elucidar como tais mudanças biológicas podem ser correlacionadas com a experiência psicológica e espiritual. Por exemplo, Robin Carhart-Harris demonstrou como as mudanças psicodélicas induzidas na conectividade cerebral se correlacionam com experiências específicas de tipo místico e subjetivo. Submetendo-se a tais experiências do tipo místico, tem se mostrado correlacionado com o benefício terapêutico em estudos recentes com psilocibina, o ingrediente ativo dos “cogumelos mágicos”.
O estudo de medicamentos complementares e alternativos seguiu uma trajetória similar. Nos últimos anos, estudos cada vez mais sofisticados começaram a esclarecer como práticas e modalidades que costumavam ser entendidas como espirituais ou energéticas, como meditação e acupuntura, têm efeitos biológicos e psicológicos que contribuem para seu potencial terapêutico.

Rumo à “Integração de Paradigmas Críticos”

Embora esses desenvolvimentos recentes sejam um bom sinal para o futuro da pesquisa e do tratamento com psicodélicos, eu gostaria de concluir argumentando para defender o foco sustentado entre pesquisadores e profissionais neste campo sobre integração do conhecimento, colaboração multidisciplinar e abordagens de tratamento multimodal – o que eu chamo de “integração de paradigmas críticos”.

Os atuais determinantes políticos, econômicos e filosóficos continuarão a puxar a pesquisa e o tratamento com psicodélicos em uma direção biológica. Portanto, é crítico neste tempo ressurgente para a ciência psicodélica que os pesquisadores visam integrar diferentes tipos de conhecimento e planejem protocolos de tratamento que refletem entendimentos multidimensionais complexos de como as plantas psicoativas produzem cura. Este último é crucial pois as diretrizes de tratamento são geralmente baseadas em evidências produzidas por ensaios clínicos. Assim, os modelos que nós construímos e estudamos agora estão aperfeiçoando como as plantas medicinais serão usadas na Medicina nas próximas décadas.

Vamos tratar plantas psicodélicas medicinais como qualquer outra classe de psicofármacos, tomados de modo passivo por pacientes enquanto o medicamento re-conecta com seus cérebros? Procuraremos criar formulações que minimizem seus “efeitos colaterais” psicoativos e somáticos ou purgativos, bem como foi feito com o uso psiquiátrico da ketamina? Ou esses tratamentos, de uma natureza radicalmente diferente, interagindo com nossos corpos-mente-cérebro-espírito de uma forma complexa que requer um engajamento ativo, não só durante o tempo de administração da droga, mas o antes e depois? Acredito que o entusiasmo popular por trás da cura psicodélica e os benefícios terapêuticos profundos e duradouros relatados até agora em ensaios clínicos argumentam para este último. Se a psiquiatria tradicional e as instituições sociais relacionadas irão abraçar este novo paradigma, isto ainda está para ser descoberto.

 

O autor gostaria de reconhecer as contribuições intelectuais de Jeffrey Guss M.D., Ryan Wallace M.D., e Alexander Belser M.Phil., No desenvolvimento das idéias apresentadas aqui.

FONTE


Agradecemos imensamente a tradução feita pela colaboradora Mirella Mochiutti.
Seja você também um colaborador, entre em contato:

equipemundocogumelo@gmail.com


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Terapia com psicodélicos pode estar disponível em uma década

Matthew Johnson na sala de terapia
Matthew Johnson na sala de terapia

Matthew Johnson faz parte da equipe da Universidade Johns Hopkins, que realiza pesquisa com psilocibina em um número crescente de áreas, que vão desde experiências místicas para o tratamento da ansiedade de fim de vida ao tratamento de vícios. O foco pessoal de Matthew encontra-se em tratamento da dependência, e seu mais recente artigo científico descreveu sua pesquisa usando a psilocibina para o abandono do vício do cigarro. Ele falou com a OPEN Foundation sobre seus estudos e para o futuro da ciência psicodélica.

Traduzido do original de Olivier Taymans

Open – Como você veio parar na pesquisa psicodélica? Este foi um antigo sonho seu, ou foi uma oportunidade única?

MJ – Bem, foi tanto um sonho antigo quanto um acontecimento fortuito. Cerca de 15 anos atrás, quando eu estava na faculdade, eu esperava fazer pesquisas com compostos psicodélicos, embora eu tivesse previsto que levaria muitas décadas antes de alcançar isso. Mas então eu tive a sorte de descobrir que o meu mentor de pós-doutorado, Roland Griffiths, tinha começado a pesquisa com psilocibina. Eu descobri isso bem na minha entrevista de pós-doutorado, então eu me infiltrei tanto quanto eu podia. Estou aqui na faculdade por muitos anos desde então.

Open – O que te interessou em primeiro lugar?

MJ – Bem, as perguntas que envolvem estes psicodélicos, estas interessantes questões muito abrangentes e filosóficas, foi o que realmente me intrigou. Quando eu tinha uns 19-20 anos, fiquei muito interessado em muitas das leituras sobre psicodélicos e sobre as pesquisas mais antigas com essas substâncias, as questões de conexões mente-corpo, a natureza da mente … não temos quaisquer respostas definitivas a essas perguntas, mas os psicodélicos parecem ser um bom ponto de partida quando você está interessado nelas.

Open – Você tem alguma dica para aqueles que gostariam de abraçar a mesma carreira?

MJ – O maior conselho que posso dar é para receber treinamento em algum tipo de disciplina que lhe permitirá realizar pesquisas: ou receber um diploma (MD ou PhD) para se tornar um pesquisador em alguma área da neurociência ou psicologia. Eu sugiro escolher uma área que se encaixa muito bem com os interesses mais em voga. Um pesquisador não encontrará uma posição onde ele possa se concentrar exclusivamente em psicodélicos. Eu, por exemplo, estudo o vício em geral, os efeitos agudos das drogas, a natureza do vício e tratamentos de dependência, e isso se encaixa muito bem com o meu interesse em psicodélicos no tratamento da dependência química. Dessa forma, essa outra área de trabalho é capaz de sustentar a minha posição, uma vez que o foco em psicodélicos não seria capaz de fazer isso por si só. Então entre em um assunto mais procurado que pode cruzar com o seu interesse em psicodélicos.

Open – Sobre à pesquisa que você conduziu, o seu mais recente artigo era sobre o seu estudo de abandono do tabagismo usando psilocibina em combinação com a terapia cognitivo-comportamental. Os resultados parecem muito promissores, como o artigo relata, uma taxa de sucesso 80% na amostra limitada do estudo. O que poderia ser o mecanismo de ação que ajuda as pessoas a chutar seu vício quando tratados com psicodélicos?

MJ – Até o momento, as evidências sugerem que há mecanismos psicológicos de ação em jogo. Por exemplo, as pessoas endossam que após as sessões de psilocibina, era mais fácil para elas para tomar decisões que estavam de melhor acordo com seu interesse de longo prazo, e eram menos propensas a tomar decisões com base em curto prazo ou desejos hedonistas. Elas também relataram um aumento da sua auto-eficácia, a sua confiança na sua capacidade de permanecer sem cigarro. Muitos dos participantes tiveram o que eles consideraram experiências espirituais ou de muito significado. Todos estes aspectos psicológicos são consistentes com as terapias de dependência. Certamente, há uma longa história de pessoas que informam que experiências ou conhecimentos espirituais os levaram a superar um vício. Acreditamos que também existem mecanismos biológicos os quais nós não exploramos ainda, nós estamos apenas começando esta próxima fase do estudo. Em última análise, eu acredito que a resposta vai cobrir muitos aspectos e revelar ambos os mecanismos psicológicos e biológicos.

Matthew em apresentação no PsychedelicScience2013
Matthew em apresentação no PsychedelicScience2013

OpenE sobre as três pessoas (de 15) que não foram capazes de parar de fumar? Você tem uma idéia do porquê?

MJ – Elas tendiam a ter experiências menos significativas em suas sessões de psilocibina. Nossa amostra é relativamente pequena, por isso, estamos cautelosos em exagerar as nossas conclusões, mas parece que a tendência é que as pessoas que tiveram experiências de sessões menos pessoal ou espiritualmente significativas estavam menos propensas a ter sucesso no longo prazo. E isso é consistente com outros dados coletados em outros estudos de psilocibina. A natureza da experiência, particularmente uma experiencia de natureza positiva e mística, parece ser o que está gerando uma mudança positiva na personalidade e nas atribuições de longo prazo dos benefícios.

Open – Se estes resultados interessantes puderem ser confirmados em uma escala maior, você acha que esse tipo de terapia pode se tornar disponível à população, e em caso afirmativo, quanto tempo pode demorar?

MJ – Sim, eu acredito que sim. Eu acho que seria pelo menos dez anos, eu estou esperançoso de que não seria muito mais tempo do que isso. A pesquisa com psilocibina nos Estados Unidos avançou muito relacionada ao tratamento da ansiedade e da depressão nos casos de câncer. Seria de se esperar, a aprovação inicial do FDA para a psilocibina como um medicamento prescrito provavelmente para a aflição relacionada ao câncer. Mas gostaríamos de antecipar, se os dados continuarem a se mostrar promissores, que uma prescrição para os vícios poderia vir logo depois disso. Eu acho que é absolutamente possível, e essa é a nossa esperança, que isso irá além da pesquisa, para o uso prescrito e aprovado. Acreditamos que as experiências seriam conduzidas em clínicas, de uma maneira semelhante à cirurgia ambulatória. Por isso, não seria como, “tome dois destes e apareça aqui pela manhã“, e mandaríamos o paciente para casa com a psilocibina para usar por conta própria. Envolveria uma preparação, assim como o que está acontecendo em nossa pesquisa. Triagem, seguida de algumas reuniões preparatórias com a equipe profissional, e, em seguida, uma ou algumas experiências de um dia inteiro em que a pessoa viria na parte da manhã e sairia às 5 ou 6h. Eles seriam entregue aos cuidados de um amigo ou um ente querido, de forma muito semelhante aos procedimentos que a cirurgia ambulatória é realizada.

Open – Os médicos precisam de uma licença especial para este tipo de prática?

MJ – Sim, eles podem precisar de algum treinamento especializado, algum certificado nos fundamentos da condução desses tipos de sessões. Os procedimentos que estão operando nas pesquisas atuais com psilocibina são muito eficazes, por isso seria, essencialmente, semelhante a estes, com mecanismos de segurança semelhantes.

Open – Você também já realizou uma pesquisa sobre experiências místicas, em outro estudo. Tudo parece indicar que essas experiências induzidas por drogas psicodélicas não podem ser diferenciadas das experiências místicas espontâneas ou que ocorrem naturalmente. Quais são as implicações disto, e o que isso significa para a pesquisa científica?

MJ – Eu acho que abre muitos caminhos. Haverá ainda um longo tempo antes que percebamos plenamente – talvez nunca – todo este potencial. A coisa mais interessante, talvez, é o que pode nos dizer sobre a biologia das experiências que ocorrem naturalmente. Mesmo aquelas que ocorrem sem o estímulo de uma substância externa, é possível que esteja algo muito semelhante acontecendo de forma endógena. Uma especulação que o Dr. Rick Strassman pôs diante é que a dimetiltriptamina (DMT), que ocorre naturalmente no cérebro, poderia ser responsável por experiências espontâneas extraordinárias deste tipo. Nós realmente não sabemos se é esse o caso, embora ele certamente pareça plausível neste momento. Mas eu acho que se encontrarmos uma base biológica semelhante ao que ocorre naturalmente nas experiências espirituais ou místicas e nas experiências veiculadas pelos psicodelicos, isto teria profundas implicações filosóficas na forma como vemos a experiência humana em geral, a idéia de que não há essa divisão dualista entre biologia e experiência subjetiva. Sugere que são sempre dois lados da mesma moeda.

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Open – O que você acha que poderíamos ganhar ou aprender com as experiências místicas? Elas poderiam ser úteis para a sociedade como um todo?

MJ – Tem sido especulado que o mundo seria um lugar melhor, em muitos aspectos, se mais pessoas tivessem tais experiências. Talvez seja uma ilusão pensar que estas experiências, por si só, salvariam o mundo. Mas faz sentido que, se mais pessoas têm verdadeiras experiências de abertura e de ligação com o resto da humanidade, que isso só pode ajudar – quer seja a partir de psicodélicos ou experiências que ocorrem espontaneamente, ou através do uso de outras técnicas. Eu me interesso na especulação de que essas experiências podem levar a um comportamento pró-social, o que pode ser bom para o mundo em geral, embora eu seja um pouco cauteloso. Eu certamente não diria que os psicodélicos são uma panaceia que, sozinha, vai salvar o mundo. Mas talvez, se usados com cautela, sob certas circunstâncias, eles poderiam ser parte e contribuir para um maior nível global de consciência. Em última análise, todos nós somos completamente dependentes uns dos outros, estamos neste planeta juntos, tentando descobrir como sobreviver e prosperar, e eu acho que essas experiências místicas profundas, mesmo induzidas, talvez possam ajudar a nos colocar na direção certa.

Open – Várias fontes, incluindo os próprios artigos científicos, pareciam sugerir que os indivíduos dos estudos sobre as experiências místicas eram altamente escolarizados, de alta função, e propensos a prática espiritual. Não existe um viés aqui que poderia impedir a prescrição para a população em geral?

MJ – Essa é uma questão interessante e um bom ponto. Através do grande número de estudos que temos realizado, nos tornamos menos específicos em nossa população-alvo. No primeiro estudo que Roland realizou, havia apenas pessoas que já tinham um interesse intenso e uma prática espiritual em curso de algum tipo. Em estudos posteriores, afrouxaram as nossas exigências dessa natureza, e agora está ficando mais perto de uma população geral. No início do estudo, antes que as pessoas entrassem no estudo, coletamos medidas de sua experiência de vida de efeitos do tipo místico, utilizando a escala de misticismo de Hood. Descobrimos que as pessoas em nossos estudos posteriores tinham uma pontuação muito mais baixa do que no estudo inicial. Em meu estudo do cigarro de 15 pessoas, eram pessoas muito “normais” a esse respeito. Alguns tinham interesse em espiritualidade, mas a maioria deles não tinha qualquer interesse particularmente forte. Em relação à escolaridade e especialização, eram sujeitos geralmente muito ativos, embora tendessem a serem um pouco mais da norma. Neste estudo de tabagismo, tivemos um professor de escola primária, tivemos um carpinteiro que conserta móveis, uma babá, bem como um advogado, por exemplo. Assim, embora alguns tivessem, nem todos eles tinham ocupações intelectuais. Além disso, não notamos qualquer diferença real em experiências entre indivíduos altamente intelectuais, ou pessoas com alto nível socioeconômico e as pessoas mais na linha da normatividade.

Open – Existem diferenças significativas de uma substância para outra, ou tudo gira em torno de ter a experiência psicodélica em si e por si, qualquer que seja a substância que provoca isso?

MJ – Nós não sabemos ainda. Muito do recente ressurgimento de interesse em psicodélicos foi na pesquisa feita com psilocibina. Nossa presunção com muitas dessas questões de investigação é que resultados semelhantes seriam obtidos com LSD, mescalina e os outros psicodélicos clássicos. Mas isso é apenas uma suposição. Nós sabemos que eles têm caminhos biológicos comuns. Eu acho que há potencial para ambas as possibilidades. Quando comparamos a nossa investigação com a pesquisa mais antiga com LSD, e quando você compara essas experiencias com psilocibina às ocorrências naturais, às experiências misticas não ocasionadas por drogas, você vê semelhança substancial. Mas, ao mesmo tempo, sabemos que estas várias drogas psicodélicas têm tons diferentes de efeitos, mesmo que os psicodélicos clássicos tenham todos efeito no mesmo receptor 2A de serotonina. Sabemos também que eles diferem em seus efeitos em uma variedade de outros locais do receptor, e é provável que representem algumas das diferenças mais sutis em efeitos subjetivos que as pessoas vão relatar. Às vezes, os efeitos podem ser específicos para o individuo: algumas pessoas relatam que por exemplo, psilocibina é psicologicamente mais suave, e que o LSD é mais intenso, e as outras pessoas vão relatar exatamente o oposto. Tudo isso está informando do uso anedótico ou recreativo. Todas essas perguntas devem ser examinadas em laboratório sob condições duplo-cegos para realmente validá-los. Existe uma grande quantidade de excitação que, se houver qualquer investigação da psilocibina ou um ou alguns destes compostos psicodélicos, temos toda uma biblioteca de centenas de compostos à espera, muito do trabalho que Sasha Shulgin e David Nichols e outros que trabalharam para criar dezenas de compostos que são derivados da triptamina ou da estrutura da feniletilamina. Vai ser realmente emocionante acompanhar essa pesquisa inicial com psilocibina com uma grande variedade de compostos. Pode ser que eles generalizem muito, mas – Estou apenas especulando aqui – talvez uma dessas outras triptaminas substitutas podem ser tão eficazes para a ansiedade relacionada ao câncer como a psilocibina, mas talvez tenha menor chance de difíceis experiências intensas , ou talvez seja de duração mais curta ou mais longa, de uma forma que se torne mais ideal para o tratamento. Eu acho que há um grande potencial, e nós estamos em nossa infância em examinar essas coisas, por isso há um monte de coisas interessantes para vir à frente.

Magic Mushroom
Psilocybe cubensis

Open – Você tem uma idéia por que a psilocibina é tão proeminente agora?

MJ – Sim, para o nosso grupo na Universidade Johns Hopkins e para uma série de outros pesquisadores que reiniciaram a pesquisa na última década, eu acho que havia um senso que politicamente queriamos ficar longe do LSD. Em virtude das pessoas que ficariam de cabelo em pé e reagiriam de forma sensacionalista ao ouvir sobre a pesquisa, o LSD poderia ter um mau começo, porque iria levantar todas as preocupações sobre Tim Leary e sobre a contracultura dos anos sessenta. Em certo sentido, a psilocibina foi um pouco mais segura politicamente porque não era um psicodélico proeminentemente utilizado para fins recreativos na década de 60 – que era principalmente o LSD. Sabemos também que, ao lado do LSD e da mescalina, a psilocibina é um dos psicodélicos clássicos que receberam a maior parte das pesquisas, na era das investigações psicodélicas, a partir dos anos 50 até os anos 70, por isso não havia um bom background sobre a toxicologia e farmacologia básicas. Se estivéssemos começando com um novo composto de marca que nunca foi administrado aos seres humanos, haveria muitos estudos básicos de segurança que precisariam ser feitos em animais e em estudos iniciais com seres humanos. Então a psilocibina coube na conta muito bem, e também, o seu curso de tempo passa a ser bastante conveniente: cinco a seis horas. Ela se encaixa em um dia de trabalho terapêutico um pouco mais fácil do que as experiências 10-12 horas podemos ter com LSD ou mescalina.

Open – Houve algumas campanhas recentes para uma mudança legislativa sobre os psicodélicos ( Nature Reviews Neuroscience em junho de 2013, a Scientific American, em fevereiro de 2014). Existem esforços concretos feitos para baixas essas substâncias de categoria de riscos, a fim de facilitar a pesquisa?

MJ – O esforço mais concreto seria avançar para a fase 3 do estudo para a ansiedade e depressão relacionada ao câncer. Isso é algo que um certo número de grupos de pesquisa nos EUA têm falado, e estamos nos preparando para entrar na fase 3 de investigação após o nosso estudo de fase 2 e um estudo na Universidade de NY (NYU) estarem concluídos. Nós já completamos todos as etapas, então vai ser em breve. Se a fase 3 for bem sucedida em termos de segurança e eficácia, conduzirá à possibilidade de uma mudança de programação. Isso seria um caminho dentro do sistema atual para chegar a uma mudança de programação, muito especificamente para um composto e uma indicação. No momento, um monte dos editoriais que você já citou, também estão levantando preocupações de forma mais ampla, indiferentes à fase 3 da pesquisa que solicita o reavaliação de um composto particular. Existe a preocupação de que a colocação de muitos desses compostos na Categoria I, e as pesadas restrições que temos para tal categoria, pode limitar seu potencial de desenvolvimento clínico. Um aspecto disso é que não há empresas farmacêuticas interessadas em desenvolver estes compostos, e uma das razões para isso é porque eles estão na Categoria 2, de modo que é uma aposta muito ruim para investir milhões de dólares em um composto terapeutico se ele já está no mais alto nível de restrição e se não parece haver esperança de que isso vai mudar. Isso também torna a pesquisa muito mais difícil por ter uma substância de Categoria I em face a outras categorias. É irônico que possa ser muito mais difícil fazer a pesquisa com psilocibina ou com cannabis, que são drogas de Categoria I, nos EUA, do que com a cocaína, metanfetamina e muitos dos opióides, porque estes são de Categoria II ou de categorias menos restritivas. Assim, mesmo que um determinado composto não tenha passado por todas as etapas para merecer aprovação clínica, ainda há essa noção – e eu concordo com ela – que o nível de regulação é demasiadamente pesado, e que o sistema não está incentivando o bastante a exploração científica cuidadosa destes compostos diferentes. Há uma noção geral em toda a psiquiatria que em algum grau atingimos o nosso limite em muitos dos métodos de tratamento convencionais, e por isso temos de ser mais abertos, e ter um sistema mais flexível para a realização de pesquisas seguras com alguns destes compostos atualmente muito restrito.

Minha experiência como guia no projeto de pesquisa de psilocibina da Johns Hopkins

Universidade Johns Hopkins

Por Mary Cosimano

A universidade Johns Hopkins iniciou seus estudos psilocibina no ano de 2000. Desde então, eu tenho estado amplamente envolvida com a investigação e componentes clínicos de todos os seis estudos sobrepsilocibina e outros alucinógenos que estiveram em pauta por lá. Eu também tenho orientadopessoalmente mais de 300 sessões de estudo e tenho participado de mais de 1.000 encontrospreparatórios e de integração.

Com base na minha perspectiva clínica, eu gostaria de compartilhar o que eu pessoalmente acredito serum dos resultados mais importantes deste trabalho: a de que a psilocibina pode oferecer um meio de se reconectar à nossa verdadeira natureza, ao nosso autêntico self, e assim, ajudar a encontrar sentido nasnossas vidas. As experiências contadas para mim pelos participantes do estudo, bem como minhajornada pessoal, juntamente com os nossos resultados do estudo, representam uma grande massa dedados a partir da qual eu derivam minhas conclusões.

Quando eu tenho dificuldade em me expressar, eu lembro do que Ernest Hemingway escreveu em “Paris é uma festa” sobre o que ele fez quando teve tempos difícieis no início de sua carreira como escritor. Tudo o que você tem a fazer é escrever uma frase verdadeira. Escreva a frase mais verdadeira que você conhece.

O que vem a mim, agora é uma frase muito curta – na verdade, não uma frase, mas uma palavra: amor. Eu acredito que o que os humanos realmente querem é receber e dar amor.Eu acredito que o amor é o que nos liga uns aos outros e que tal ligação é provocada por sermos íntimos com os outros,através da partilha de nós mesmos com os outros. Eu acredito que a natureza do nosso eu verdadeiro é o amor.

Eu acredito que este tema, o amor, a necessidade de se reconectar com o nosso verdadeiro eu, abriga os resultadossubjacentes de nossos estudos com a psilocibina. No entanto, muitas vezes, temos medo de nos abrir para essa conexão e então colocamos barreiras e usamos máscaras. Se somos capazes de remover as barreiras, para baixar nossas defesas, podemos começar a conhecer e aceitar a nós mesmos, permitindo-nos assim receber e dar amor.

Em seu TED Talk sobre “O Poder da Vulnerabilidade, Brene Brown, Ph.D., nos ajuda a entender o quão importante é esse senso de conexão em um nível profundo. Em resumo, ela afirma que essa conexão é o motivo por estarmos aqui. É o que dá propósito e significado para as nossas vidas. A maneira de se conectar é ser vulnerável, o que significa ter a coragem de enfrentar nossos medos/temores de quepoderíamos falhar, medo que os outros vão perceber que não somos perfeitos, os temores de que somos de alguma forma indigna dessa conexão. Por acharmos que esta honestidade poderia pôr em risco uma conexão, nos fechamos, encobrimos, oufakeamos’.  A resposta da Dra. Brown para superar esses medos é a coragem. Ela ressalta que a coragem vem da palavra latina cor (coração), e que o significado original de coragem era para contar a sua história com todo o seu coração.

Como podemos ajudar os participantes do estudo psilocibina a alcançarem um estado de espírito em queé possível para eles se reconectar com seu verdadeiro eu e enfrentar os seus medos? Eu acredito que éuma combinação de nossas reuniões preparatórias com os efeitos da própria psilocibina.

Em nossas reuniões preparatórias, pretendemos criar um espaço onde os participantes se sintam seguros e protegidos. Acreditamos que este ambiente positivo e de paz é necessário para que eles tenham a coragem de contar a história de quem eles são. Trabalhamos para criar um profundo sentimento deconfiança, para que os participantes se sintam confortáveis para compartilhar tudo e qualquer coisa, os seus medos, alegrias, decepções e vergonhas, sem medo de ser rejeitado. Uma conversa íntima é uma das práticas mais importantes para ajudar a esta auto-revelação, e alguns dos nossos participantescompartilharam que suas sessões foram a primeira vez em que eles sentiram totalmente visualizados.Uma vez que eles se abriram e se compartilham, estão agora muito mais propensos a deixar as coisas fluirem e progredirem em suas experiências com psilocibina, gerenciando os momentos difíceis com mais facilidade, e eventualmente, restaurando a sua conexão profunda e intrínseca com seu verdadeiro eu.

Sala de tratamento para os estudos com psilocibina da Universidade Johns Hopkins

Depois de sua história ter sido contada e a confiança estabelecida, a sessão de psilocibina seguiu. A fim de alcançar o máximo benefício dessas sessões epara acessar estes estados de um profundo sentimento de amor e conexão, eu acredito que é necessárioestar relaxado tanto no corpo quanto namente. Quando estamos estressados, ansiosos ou com medo, nóspermanecemos tensos em nossos corpos. Estes estados de espírito e essas posturas nos impedem de ser capaz de relaxar e expandir nossa consciência. A fim de relaxar, um ambiente seguro e de confiança é necessário. Dessa forma, nossasreuniões de preparação têem permitindo os participantes relaxarem em uma experiência mais profunda eexpansiva. Esta expansividade muitas vezes leva a um profundo sentimento de amor e conexão consigo e com todos; tanto esta expansividade e este senso de conexão são temas recorrentes nas experiênciaspsilocibina.

Após uma sessão, um participante escreveu: “Eu estava me deleitando com os sentimentos inegáveis doamor infinito. Eu disse [a mim mesmo]: ‘Eu sou o amor, e tudo que eu sempre quero ser é o amor. Eu repeti isso várias vezes e estava sobrecarregado com a intensidade do amor. Eu estava ciente das lágrimas que inundavam meus olhos naquele momento. Todos os outros objetivos na vida pareciam completamente estúpidos.

Barbara Fredrickson, Ph.D., escreveu: “O amor é muito mais onipresente do que você jamais imaginou ser possível pelo simples fato que esse amor é conexão.

Outro participante disse: “Em certo momento eu estava passando pela escuridão, eu comecei a sentir um sentimento crescente de paz e união um intenso sentimento de amor e alegria emanava de todo o meu corpo e eu não podia imaginar como me sentir mais feliz. Eu sabia que as preocupações da vida cotidiananão tinham nenhum sentido e que “tudo o que importava eram as minhas conexões com as pessoas maravilhosas que são minha família e amigos.

Os dois primeiros estudos realizados psilocibina na Universidade Johns Hopkins (2008 Griffiths et al., 2011) mostraram que psilocibina, ocasionalmente, conduz a experiências místicas pessoal e espiritualmente significativos que produzem mudanças positivas nas atitudes, temperamento, altruísmo, comportamento e satisfação com a vida. Uma análise mais aprofundada (MacLean et al. 2011)encontraram aumentos significativos na abertura após uma alta dose de psilocibina em participantes que tiveram experiências místicas.

Acredito que esses resultados sugerem que o aumento do significado pessoal, um senso de significado espiritual, e um aumento na abertura são os fatores que permitem que os seres humanos se conectem aoseu verdadeiro eu que é, em sua essência, o amor.

Observei como os participantes de nosso estudo assistido com psilocibina para a ansiedade do câncermuitas vezes vinham para a sessão se sentindo “desconectados“, não apenas sobre o seu lugar nomundo, mas também, mais importante, desconectados de si mesmos, devido ao fato de que suas vidastinham mudado dramaticamente desde o seu diagnóstico. Muitos estavam fracos demais para continuar a trabalhar, e muitos perderam seus empregos. As aparências também mudaram, uma vez que perdiam peso, tônus muscular, e muitas vezes seus cabelos. Seus pensamentos e sentimentos que uma vez os definiram, já não são mais precisos. O que uma vez deu propósito e significado para suas vidas parecia sem sentido.

Um participante disse: “Uma vez que você tenha um diagnóstico de câncer, você é como um mortos-vivo.“Outra participante nos disse que ela estava vivendo como se já tivesse morrido.

Nossas entrevistas psiquiátricas estruturadas incluem duas questões que têm como alvo esse sentimento de desconexão:

1. Houve alguma mudança repentina no seu senso de quem você é e onde você está indo?

2. Você ocasionalmente se sente vazio por dentro?

Entre os nossos participantes com câncer, houve uma alta taxa de resposta positiva a estas duasquestões, que eu acredito, foi devido a sua perda de um senso de si próprio e de um significado em suas vidas. Nosso estudo de câncer, muitas vezes permite que os nossos participantes voltem a essa conexãocom seu verdadeiro eu, a acreditar que eles são dignos de amor e conexão. Um participante escreveu em seu relatório de seis meses que a depressão desapareceu completamente“, e que ela era “capaz de sairdo” mundo do câncer e voltar para si … e se sentiu capaz de se conectar com outras pessoas e cuidarmelhor de seu parceiro.

Duas citações adicionais de nossos voluntários resumem bem meus pensamentos sobre a importância da recuperação do amor, do verdadeiro self, e do significado durante e após as sessões:

“Tudo é varrido em uma epifania culminante do amor como a essência universal e como significado de todas as coisas. A jornada de espírito que vem de si mesmo, revelando a si mesmo seu próprio mistério interior, não é senão a auto-realização do amor.

“O objetivo de todos nós aqui juntos é servir constantemente de lembrete uns aos outrosde quem realmente somos.

É interessante refletir sobre as diferenças e semelhanças entre nossos estudos psilocibina da JohnsHopkins e estudos de psicoterapia assistida com MDMA, promovidos pelo MAPS. Os estudos JohnsHopkins têm caracterizado a fenomenologia da experiência psilocibina em voluntários saudáveis, e explorou o uso terapêutico da psilocibina no tratamento da ansiedade associada com o diagnóstico de câncer onde há risco de vida, e no tratamento de vício no cigarro. Embora os parâmetros terapêuticosdiferem entre os estudos da psilocibina (ansiedade do câncer e dependência) e do MDMA (transtorno de estresse pós-traumático ou PTSD), ambas as abordagens destacam a importância da confiança e relacionamento entre participante e seus guias/terapeutas. Uma diferença notável é que os estudos de psilocibina têm se caracterizado por experiências do tipo místico, e sugeriram que essas experiênciaspodem ser a base dos efeitos terapêuticos e outros efeitos positivos e duradouros. Seria produtivo evalioso determinar se mudanças semelhantes também ocorrem em resposta às sessões guiadas deMDMA.

Eu gostaria de reconhecer e agradecer a equipe de pesquisa com psilocibina da Johns Hopkins, os participantes do nosso estudo, e os nossos financiadores.

 

REFERÊNCIAS

Hemingway, Ernest; A Moveable Feast. Scribner Classics: New York, 1996.

Fredrickson, B. L. 2013. Love 2.0: How Our Supreme Emotion Affects Everything We Feel, Think, Do, and Become.

Brown, Brené 2010. TEDx talk: The Power of Vulnerability June 2010

Griffiths, R.R., Richards, W.A., Johnson, M.W., McCann, U.D., Jesse, R. 2008. “Mystical-type experiences occasioned by psilocybin mediate the attribution of personal meaning and spiritual significance 14 months later.”Journal of Psychopharmacology, 22(6), 621-632.

Johnson, M.W., Garcia-Romeu, A., Cosimano, M.P., and Griffiths R.R. 2014. “Pilot study of the 5-HT2AR agonist psilocybin in the treatment of tobacco addiction.” Journal of Psychopharmacology, 28(11), 983-92.

Griffiths, R.R., Johnson, M.W., McCann, U., Richards, W.A., Richards, B.D., and Jesse, R.. 2011. “Psilocybin occasioned mystical-type experiences: immediate and persisting dose-related effects.” Psychopharmacology, 218(4), 649-665.

MacLean, K.A., Johnson, M.W., and Griffiths, R.R. 2011. “Mystical experiences occasioned by the hallucinogen psilocybin lead to increases in the personality domain of openness.” Journal of Psychopharmacology, 25(11), 1453-1461.


Mary Cosimano, M.S.W., está atualmente com o Departamento de Psiquiatria e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins e serviu como guia de estudo e coordenadora de pesquisa para os estudos de psilocibina por 15 anos. Durante esse tempo, ela tem servido como guia de sessão para os seis estudospsilocibina e outros estudos alucinógenos e já realizou mais de 300sessões. Ela já trabalhou como clínica ensinando meditação individual e em grupo para pacientes com câncer de mama em pesquisa na Universidade Johns Hopkins, foi conselheira comportamental para perda de peso, e tem 15 anos de experiência com assistência direta aos pacientescomo voluntária em uma instituição de saúde mental

Uma Viagem de Cura: Como as Drogas Psicodélicas Podem Ajudar a Tratar a Depressão

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Voluntários em um estudo a ser realizado no ano que vem irão experimentar a euforia típica de sonhos, quando as cores, odores e sons forem sentidos de forma potencializada; a percepção do tempo for distorcida e a identificação com a própria persona começar a se dissolver. Foto: Fredrik Skold/Alamy

Se tudo correr como o previsto, doze pacientes com depressão clínica serão convidados a ir a um laboratório do Reino Unido onde receberão psilocibina – o ingrediente psicodélico encontrada nos cogumelos mágicos. Nas quatro ou cinco horas seguintes muitos desses voluntários vão experimentar a euforia típica de sonhos, quando as cores, odores e sons forem sentidos de forma potencializada, a percepção do tempo for distorcida e a identificação com a própria persona começar a se dissolver. Alguns poderão sentir uma onda de eletricidade através de seus corpos, uma súbita clareza de pensamento e alegria repentina. Outros poderão sentir ansiedade, confusão ou paranóia. Estes efeitos alucinógenos serão de curta duração, mas o impacto da droga sobre os voluntários pode ter uma duração bem mais longa.

Há evidências experimentais de que a psilocibina, junto com outras drogas psicodélicas, pode “redefinir” o funcionamento anormal do cérebro se dado de forma segura e controlada, como parte da terapia. Para quem foi criado com o dogma pós-década de 60, de que os cogumelos mágicos e LSD poderiam desencadear doenças mentais, flashbacks e causar alterações na personalidade, a idéia de que eles podem curar distúrbios do cérebro é, realmente, arrebatadora.

O estudo piloto envolverá pacientes que não responderam ao tratamento convencional e será comandado pelo professor David Nutt e pelo Dr. Robin Carhart-Harris, no Centro de Neuropsicofarmacologia do Imperial College, em Londres. Eles argumentam que as drogas psicodélicas podem ser benéficas para milhões de pessoas e que é hora de acabar com o estigma de 50 anos que impossibilita seu uso terapêutico. Nutt e Carhart-Harris já usaram ressonância magnética para estudar mudanças no cérebro de 15 voluntários, a quem foi dado psilocibina. Um estudo similar, com 20 voluntários que tomaram LSD, acaba de ser concluído.

“Como um não-médico, eu estava convencido só de ver, como a psilocibina afeta o cérebro”, diz Carhart-Harris. “Foi bastante flagrante como era semelhante aos tratamentos existentes para a depressão.” Os cientistas do Imperial College estão na vanguarda de um renascimento de pesquisa alucinógena e dizem que têm 50 anos de ciência para pôr em dia. Nos anos 50 e 60, mal se podia abrir uma revista psiquiátrica sem encontrar um trabalho sobre LSD. Em seguida, o LSD se tornou a última “substância da vez”, com potencial para tratar a depressão, vício e dores de cabeça. Entre o final da década de 1940 – quando foi disponibilizado para pesquisadores com o nome Delysid – e meados dos anos 60, haviam sido escritos mais de 1.000 trabalhos acadêmicos investigando seus efeitos em 40.000 pessoas.

Mas conforme a droga cresceu em popularidade entre os usuários recreativos – e tornou-se ligado à revolução contracultural e de protesto contra a guerra do Vietnã – a reação começou. No final dos anos 60, o LSD estava no centro de um completo pânico moral institucionalizado, e o governo dos EUA o reprimiu.

Nutt, que em 2009 foi controversamente demitido do cargo de presidente do Conselho Consultivo Sobre Má-utilização de Drogas do governo do Reino Unido por afirmar que a equitação era mais perigosa do que o Ecstasy (MDMA), afirma que a justificativa para a proibição de LSD e alucinógenos em geral era uma “mistura de mentiras” sobre o seu impactos na saúde, combinados com uma negação de seu potencial como ferramentas de pesquisa e como auxiliar em tratamentos.

“Foi, sem dúvida, uma das peças mais eficazes de desinformação na história da humanidade”, diz Nutt. “Isso fez com que um monte de pessoas acreditassem que essas drogas são mais prejudiciais do que de fato são. Elas não são drogas triviais, mas em comparação com as drogas que matam milhares de pessoas por ano, como o álcool, o tabaco e heroína, eles têm um histórico muito mais seguro e,até onde sabemos, ninguém morreu.”

Em 1971, entretanto, a convenção das Nações Unidas sobre substâncias psicotrópicas classificou o LSD e outros alucinógenos, e a maconha como uma droga de nível 1, ou seja: substâncias perigosas com nenhum benefício médico. Em contraste, a heroína – uma droga muito mais perigosa e que vicia – foi classificada como nível 2, menos restrito, porque a substância tem notórios efeitos analgésicos.

A fim de estudar uma droga nível 1, acadêmicos do Reino Unido precisam de uma licença especial para operar fora dos hospitais, que custa £ 3,000 e anos de preenchimento de formulários e burocracias. Eles também devem adquirir e fornecer suprimentos lícitos, e não podem adquirir quantidades da droga com valores elevados. A burocracia – e a necessidade de persuadir os céticos do comitê de ética da universidade – revelaram-se sufocantes para a pesquisa. “É um beco sem saída”, diz Carhart-Harris. “É difícil estudar o LSD e a psilocibina para ver se eles têm uso médico, porque eles são classificados como drogas de nível 1. E eles só são classificados como nível 1 porque são considerados como não tendo uso médico.”

Mas as coisas estão mudando. Os dois primeiros artigos sobre experiências de LSD desde os anos 1970 foram publicados este ano: um pela equipe do Imperial College; o outro por pesquisadores suíços, e que diz respeito a diminuir a ansiedade entre pacientes com câncer em estado terminal. No Reino Unido, o renascimento da pesquisa acadêmica entorno das drogas “recreativas” está sendo conduzido pelos cientistas do Imperial College em trabalho conjunto com a Fundação Beckley, uma instituição de caridade dirigida pela aristocrata inglesa Amanda Feilding, a Condessa de Wemyss. Depois de tomar LSD na década de 1960, ela tornou-se fascinada com o seu potencial para aumentar a criatividade e a mútua compreensão.

Sua Fundação apoia e promove pesquisas sobre substâncias psicoativas – incluindo o LSD, cogumelos mágicos e a cannabis, planta usada na medicina há milhares de anos. “Ao proibir a investigação sobre esta categoria de substância, por causa de um equívoco social, estão privando as pessoas doentes de um tratamento potencial que tem uma história muito longa”, diz ela. Os cientistas do Imperial College ressaltam que estão estudando drogas psicodélicas em ambientes seguros para reduzir o risco de experiências negativas. As drogas utilizadas são quimicamente puras e administradas em doses controladas.

“A automedicação é definitivamente algo desaconselhável, na minha perspectiva”, diz Carhart-Harris. “Essas drogas são poderosas e o modelo terapêutico que vamos aderir é bastante específico, e ele enfatiza que a droga deve ser tomada no ambiente certo e com o apoio certo. Temos psicoterapeutas profissionais lá que são treinados para compreender todas as eventualidades que poderiam acontecer, e por isso, eu acho que seria imprudente para as pessoas, tentar fazê-lo por si mesmos”.

LSD (dietilamida do ácido lisérgico)

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O químico suíço Albert Hoffman criou o LSD em 1938 a partir de uma substância no fungo parasita chamado de Ergot. Depois que suas propriedades alucinógenas foram descobertas por Hoffman em 1943, ele foi usado como uma ferramenta para modelagem de esquizofrenia em voluntários saudáveis e tomada por alguns psiquiatras para obter insights sobre essa doença mental. Até o início dos anos 60 ele estava sendo dada a pacientes que se tratavam com psicoterapia.

Muitos dos mais de 1.000 artigos acadêmicos escritos nesta época tratavam do uso da substância nos tratamentos contra a depressão. Mesmo assim, o Dr. Robin Carhart-Harris diz que a evidência da pesquisa histórica pode ser considerada fraca.

“A maior parte deste material era anedótico”, diz ele. “As sessões eram feitas sem um grupo de apoio e de controle e os resultados eram meio imprecisos”. Há evidências muito mais fortes de que o LSD pode tratar dependência química. Uma meta-análise feita em 2012, a partir de seis estudos controlados dos anos 50 e 60 demonstrou a eficiência clínica do LSD para o tratamento da dependência de álcool e revelou que a substância é tão eficaz quanto qualquer tratamento desenvolvido desde então. A substância mostrou-se eficiente também em ajudar os pacientes que estão em estado terminal a lidar melhor com a ideia de perecer. Os mecanismos do LSD, porém, ainda são pouco conhecidos. Ele parece imitar algumas ações da serotonina no cérebro, que está ligada à formação da memória, ao humor e a recompensa, porém não está claro ainda como ele desencadeia esses efeitos alterados tão poderosos. A pesquisa feita conjuntamente pela Imperial / Beckley com ressonância magnética mostrou que os cérebros dos voluntários sob os efeitos do LSD se tornam momentaneamente menos organizados e mais caóticos, enquanto partes do cérebro que normalmente não iriam se comunicar uns com os outros, acabam fazendo conexões. Neste estado de sonho desorganizado, o cérebro está aberto para novos saltos de criatividade e vôos de fantasia. O Dr. Carhart-Harris acredita que os alucinógenos podem temporariamente “afrouxar” as estruturas rígidas do cérebro, que se desenvolvem à medida que envelhecemos. Uma viagem de ácido é um pouco como sacudir um daqueles globos de neve comuns no natal norte-americano. Este afrouxamento poderia ajudar o cérebro a quebrar os ciclos da dependência e da depressão.

Há riscos envolvidos na utilização de LSD, é claro, mas o professor David Nutt diz que eles são muitas vezes exagerados. Os efeitos de tomar LSD são imprevisíveis: os usuários podem perder o senso de julgamento – e colocar-se em situações de risco. Uma minoria pode experimentar flashbacks algum tempo depois de utilizarem; em outros, a experiência pode desencadear problemas de saúde mental que já haviam passado despercebidos.

Cannabis

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A Cannabis foi usada medicinalmente durante milhares de anos. Foi usado no século 19 para tratar dores, espasmos, asma, distúrbio do sono, depressão e perda de apetite, e foi até recomendado pelo médico da rainha Victoria. Dois produtos químicos na cannabis atraem o interesse dos cientistas – o tetrahidrocanabinol (THC), principal composto psicoativo da planta, que tem algumas propriedades analgésicas, e o canabidiol (CBD), que parece conferir benefícios à saúde sem os efeitos psicoativos da droga.

Mais de 100 experimentos com a cannabis ou substâncias derivadas da maconha têm ocorrido desde os anos 1970. Um extrato da cannabis para pulverização via oral, comercializado com o nome de Sativex foi aprovado para uso no tratamento de esclerose múltipla em 2011 depois que um estudo demonstrou que a substância melhorava o sono, reduzia a espasticidade e o número de espasmos. Nos anos 1970 e 80, estudos mostraram que drogas derivadas da cannabis podem ajudar a atenuar náuseas em pacientes com câncer submetidos à quimioterapia. Na década de 1990, a pesquisa mostrou que poderia impedir a anorexia em pacientes com HIV. Há também evidências de que a maconha pode aliviar a dor crônica, quando tomado com outros medicamentos. Nos EUA, 20 estados permitem a posse e uso de cannabis por razões médicas, enquanto dois estados – Colorado e Washington – descriminalizaram a substância. Na Holanda, a maconha é legalizada para uso médico há mais de 25 anos.

Alguns pesquisadores acreditam que a cannabis tem potencial para tratar déficit de atenção e hiperatividade, estresse pós-traumático e insônia.

Uma das dificuldades com a pesquisa da cannabis é que a natureza da droga de rua mudou ao longo das últimas décadas – em parte em resposta à demanda dos usuários por um efeito, uma “onda”, mais forte. Estudos do Instituto de Psiquiatria do King College de Londres mostraram que o THC aumenta a ansiedade e sintomas psicóticos de curto prazo, enquanto a CBD – que parece ter a maior parte dos benefícios médicos – tem o efeito oposto. Variedades modernas de cannabis, ou skunk, que circulam nas ruas, são ricos em THC e apresentam níveis extremamente baixos de CBD.

Cogumelos Mágicos (Psilocibina)

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Como o LSD, cogumelos mágicos são alucinógenos. O composto ativo é a psilocibina e, como o LSD, pode ser útil no tratamento da depressão. Um estudo com 15 voluntários desenvolvido pelo Dr. Robin Carhart-Harris mostraram que o composto ajuda a suprimir a região do cérebro, muitas vezes hiperativa na depressão, chamada de córtex pré-frontal medial. Esta região está ligada à introspecção e ao pensamento obsessivo.

No entanto, ainda é muito cedo para dizer se os cogumelos mágicos podem tratar a depressão. Em 2013, os cientistas do Imperial College, foram premiados com uma bolsa do Conselho de Pesquisa Médica para estudar os efeitos da psilocibina em uma dúzia de pacientes com depressão. O estudo está sendo dificultado pela burocracia, mas deve começar no ano que vem.

A Psilocibina pode ser útil também no tratamento de dependência química. Um estudo financiado pela Fundação Beckley na Universidade Johns Hopkins deu a 15 pessoas que estavam tentando deixar de fumar, 2 a 3 rodadas da droga. Seis meses mais tarde, 12 permaneceram longe do cigarro – uma taxa de sucesso de 80%. Os melhores medicamentos para deixar de fumar são 35% eficazes. Embora promissor, é necessário um estudo muito maior. Alguns usuários de cogumelos mágicos afirmam que a psilocibina os ajuda a atenuar o transtorno obsessivo compulsivo. Até agora, houve apenas um ensaio clínico, envolvendo nove pessoas. Os resultados foram novamente promissores – mas são necessários estudos mais aprofundados.

Há também algumas evidências de que os cogumelos podem ajudar pacientes com câncer a aceitarem a sua condição. Segundo o professor David Nutt, os riscos associados ao uso de cogumelos mágicos são relativamente baixos em comparação com drogas como o álcool, tabaco ou heroína. Em uma escala de risco publicada no Lancet em 2010, cogumelos mágicos tinham risco inferior a 20 dos medicamentos mais comumente usados.

MDMA (Ecstasy)

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Primeiramente sintetizado há 100 anos, o MDMA foi usado na década de 1970 durante sessões de psicoterapia, mas explodiu na consciência pública, com a chegada da cultura da dança no final dos anos 1980.

Ele age aumentando a atividade de três neurotransmissores, ou mensageiros químicos, no cérebro: a serotonina, a dopamina e a noradrenalina. Os altos níveis de serotonina geram uma sensação de euforia,afeição e boa vontade.

Ele age aumentando a atividade de três neurotransmissores, ou mensageiros químicos, no cérebro: a serotonina, a dopamina e a noradrenalina. Os altos níveis de serotonina geram uma sensação de euforia,afeição e boa vontade.

Um pequeno estudo controlado feito nos EUA mostrou que 80% das pessoas com PTSD (Síndrome de Estresse Pós-Traumático) se beneficiaram com o uso de MDMA durante o tratamento terapêutico. O tratamento atual para a síndrome estimula os pacientes a revisitarem suas experiências estressantes e traumáticas. O MDMA parece funcionar, aumentando artificialmente o humor dos pacientes, e tornando mais fácil para elas se lembrar e discutir as experiências que causaram o PTSD. O Professor David Nutt diz que o MDMA também pode ter benefícios, como auxiliar nos tratamentos contra a ansiedade em pacientes terminais; e em terapia de casais. Ele também poderia ajudar a tratar a doença de Parkinson. Entretanto, mais pesquisas são necessárias sobre os riscos do uso do MDMA. Estudos em animais sugerem que a substância pode causar danos em longo prazo nos cérebros de ratos, mas a evidência nas pessoas é inconclusiva. Entre 1997 e 2012, 577 mortes foram ligadas ao ecstasy na Inglaterra e no País de Gales – principalmente de insolação, problemas cardíacos ou excesso de consumo de água.

Fonte: The Guardian

Uma Breve História da Psiquiatria Psicodélica

Cogumelos alucinógenos Liberty Caps, colhidos perto de Pulborough, West Sussex, no sudeste da Inglaterra. A psilocibina, o ingrediente psicoativo nestes e outros cogumelos ‘mágicos’, tem potencial terapêutico. Fotografia: Martin Bond / Alamy
Cogumelos alucinógenos Liberty Caps, colhidos perto de Pulborough, West Sussex, no sudeste da Inglaterra. A psilocibina, o ingrediente psicoativo nestes e outros cogumelos ‘mágicos’, tem potencial terapêutico. Fotografia: Martin Bond / Alamy

Em 05 de maio de 1953, o romancista Aldous Huxley dissolveu 0,4 g de mescalina em um copo de água, bebeu-o, e em seguida, sentou-se e esperou que a droga fizesse efeito. Huxley tomou a droga em sua casa na Califórnia, sob a supervisão direta do psiquiatra Humphry Osmond, a quem o próprio Huxley se ofereceu como “uma cobaia ávida e super interessada”.

Osmond fazia parte de um pequeno grupo de psiquiatras pioneiros que, no início da década de 50, começaram a usar LSD para tratar pacientes com alcoolismo e com diversos transtornos mentais. Foi Osmond que cunhou o termo “psicodélico”, que significa “mente manifestando-se” e, apesar de sua pesquisa sobre o potencial terapêutico do LSD ter produzido resultados iniciais promissores, ela foi interrompida durante a década de 1960, por razões sociais e políticas.

Nascido em Surrey em 1917, Osmond estudou medicina no Guy’s Hospital, em Londres. Ele serviu na Marinha como psiquiatra em um navio durante a Segunda Guerra Mundial, e depois trabalhou na unidade psiquiátrica do Hospital St. George, em Londres, onde se tornou um pesquisador sênior. Quando estava em St. George, Osmond e seu colega John Smythies ficaram sabendo sobre a descoberta de Albert Hoffman na Companhia Farmacêutica de Sandoz, em Bazel, Suíça, o LSD.

Osmond e Smythies começaram suas próprias investigações a respeito das propriedades dos alucinógenos e observaram que a mescalina produzia efeitos semelhantes aos sintomas da esquizofrenia, e que a sua estrutura química era muito semelhante a do hormônio e neurotransmissor, adrenalina. Isso os levou a postular que a esquizofrenia era causada por um desequilíbrio químico no cérebro, mas essas idéias não foram favoravelmente acolhidas por seus colegas.

Em 1951, Osmond assumiu o cargo de vice-diretor de psiquiatria no Hospital Psiquiátrico Weyburn em Saskatchewan, no Canadá e se mudou para este país com sua família. Dentro de um ano, ele começou a colaborar nas experiências com LSD lideradas por Abram Hoffer. Osmond experimentou LSD e concluiu que a droga pode produzir mudanças profundas na consciência. Osmond e Hoffer também recrutaram voluntários para tomar LSD e teorizaram que a droga seria capaz de induzir o usuário a um novo nível de autoconsciência e concluíram que a substância poderia ter um enorme potencial terapêutico.

Em 1953, eles começaram a dar LSD aos seus pacientes, começando com algumas pessoas diagnosticadas com alcoolismo. O primeiro estudo envolveu dois pacientes alcoólatras, a cada um dos quais, foi dada uma dose única de 200 microgramas da droga. Um deles parou de beber imediatamente após a experiência, ao passo que o outro, deixou o álcool seis meses mais tarde.

Vários anos depois, um colega deles chamado Colin Smith utilizou LSD para tratar mais 24 pacientes e, posteriormente, informou que 12 deles tinham ou “melhorado” ou “melhorado muito”, após se submeterem ao tratamento. “Nós temos a impressão de que estas substâncias são um complemento que podem ser muito úteis à psicoterapia”, escreveu Smith em um artigo de 1958, no qual apresenta seu estudo. “Os resultados parecem suficientemente encorajadores e merecem mais experimentações e pesquisas, mais extensas, e de preferência, controladas”.

Osmond e Hoffer estavam motivados com os resultados, e continuaram a administrar a droga para pacientes com alcoolismo. Até o final da década de 1960, eles haviam tratado cerca de 2.000 pacientes. Eles alegaram que os experimentos de Saskatchewan produziram de forma consistente, os mesmos resultados. Seus estudos pareciam mostrar que uma única dose grande, de LSD poderia ser considerada um tratamento eficaz para o alcoolismo, e relataram que entre 40 e 45% dos seus pacientes que receberam a droga, não tinham experimentado nenhuma recaída depois de um ano.

Humphry Osmond. Photo: Bettman/Corbis
Humphry Osmond. Photo: Bettman/Corbis

Por volta da mesma época, outro psiquiatra realizou experimentos similares no Reino Unido. Ronald Sandison nasceu em Shetland e ganhou uma bolsa para estudar medicina no King’s College Hospital. Em 1951, ele aceitou um cargo de consultor no Powick Hospital perto de Worcester, mas ao assumir o cargo percebeu que o estabelecimento encontrava-se superlotado e decrépito, com pacientes sendo submetidos a tratamentos invasivos e obsoletos hoje em dia, como o eletro-choque e a lobotomia.

Sandison introduziu o uso de psicoterapia, e outras formas de terapia inclusive envolvendo arte e música. Em 1952, ele visitou a Suíça, onde conheceu Albert Hoffman, e foi introduzido à idéia de usar LSD na clínica. Ele voltou para o Reino Unido com 100 frascos da droga – que a empresa farmacêutica Sandoz chamava de ‘Delysid “- e, depois de discutir o assunto com seus colegas, já no final de 1952, começou a tratar pacientes com a substância, como complemento da psicoterapia.

Sandison e seus colegas obtiveram resultados semelhantes aos dos Ensaios de Saskatchewan. Em 1954, eles relataram que “como resultado da terapia com LSD, 14 pacientes se recuperaram (após média de 10,4 sessões)… 1 apresentou melhora considerável (após 3 sessões), 6 apresentaram melhora moderada (após média de 2 sessões) e 2 não melhoraram (depois de 5 sessões).”

Estes resultados atraíram grande interesse da mídia internacional, e, como resultado, no ano seguinte, Sandison abriu a primeira clínica no mundo construída especificamente com o intuito de fazer tratamentos com LSD. A unidade, localizada no terreno do Powick Hospital, acomodava até cinco pacientes simultaneamente, que poderiam receber terapia de LSD. A cada paciente era dado um quarto próprio, equipado com uma cadeira, sofá e toca-discos. Os pacientes também se reuniam para discutir suas experiências em sessões de grupo diárias. (Mais tarde, o tiro saiu pela culatra já que, em 2002, o Serviço Nacional de Saúde concordou em pagar a 43 ex-pacientes de Sandison, um total de 195.000 libras em um acordo extrajudicial.)

Enquanto isso, no Canadá, o estilo de terapia com LSD de Osmond foi endossado pelo co-fundador do A.A. (Alcoólicos Anônimos) e diretor do Bureau de Saskatchewan sobre Alcoolismo. A Terapia com LSD atingiu o auge no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, e foi amplamente considerada como “a próxima grande novidade” em psiquiatria, que poderia substituir a terapia eletrocunvulsiva e a psico-cirurgia. Em certa altura, tratamentos com LSD foram populares entre estrelas de Hollywood, como Cary Grant.

Dois estilos de terapia com LSD se tornaram popular. Um deles, chamado terapia psicodélica, era baseado no trabalho de Osmond e de Hoffer, e envolvia uma única e elevada dose de LSD como complemento da psicoterapia convencional. Osmond e Hoffer acreditavam que os alucinógenos são benéficos terapeuticamente por causa de sua capacidade de fazer os pacientes verem a condição na qual se encontram por uma perspectiva totalmente nova.

O outro estilo, conhecido como terapia psicolítica, baseou-se no regime de Sandison, que utilizava várias doses menores, que iam gradualmente aumentando, mas também como complementação ao tratamento psicanalítico. As observações clínicas de Sandison o levaram a afirmar que o LSD pode ajudar a psicoterapia por induzir alucinações oníricas que refletem a mente inconsciente do paciente, permitindo-lhes reviver memórias perdidas há muito tempo, mas que continuam influenciando o comportamento do paciente.

Entre os anos de 1950 e 1965, cerca de 40.000 pacientes receberam prescrição para uma forma ou outra de terapia com LSD, para tratamento de neurose, esquizofrenia ou alguma outra psicopatia. O LSD chegou a ser prescrito para crianças com autismo. A investigação sobre os potenciais efeitos terapêuticos do LSD e outros alucinógenos produziu durante este período, mais de 1.000 artigos científicos e seis conferências internacionais. Entretanto, muitos destes estudos iniciais não foram particularmente robustos, e a alguns faltavam grupos de controle, por exemplo, e, outros foram acusados por pesquisadores de falharem no quesito isenção, já que dados negativos acabavam sendo excluídos das análises finais.

Mesmo assim, os resultados preliminares pareciam justificar uma investigação maior e mais detida sobre os benefícios terapêuticos das drogas alucinógenas. Porém, por motivações políticas, a pesquisa com alucinógenos logo sofreu uma interrupção abrupta. Em 1962, o Congresso dos EUA aprovou novas normas de segurança em relação às drogas, e a Food and Drug Administration, órgão que regula o setor de alimentos e drogas nos Estados Unidos, designou o LSD como uma droga experimental e começou a reprimir a pesquisa sobre seus efeitos. No ano seguinte, o LSD chegou às ruas em forma de líquido embebido em cubos de açúcar; sua popularidade cresceu rapidamente e no verão de 1967, a contracultura hippie estava no auge, alimentada pela substância.

Este artigo foi retirado de uma edição especial do periódico The Psychologist, dedicada às drogas alucinógenas.
Este artigo foi retirado de uma edição especial do periódico The Psychologist, dedicada às drogas alucinógenas.

Durante este período, o LSD cada vez mais passou a ser visto como uma droga de abuso. Passou ainda a ser associado às manifestações e motins estudantis contra a guerra do Vietnã e, portanto, foi proibida pelo governo federal dos Estados Unidos em 1968. Osmond e Hoffer responderam a esta nova legislação, comentando que “parece pertinente afirmar que agora há uma explosão de ressentimento contra alguns produtos químicos que podem lançar rapidamente um homem ao céu ou ao inferno.” Eles também criticaram a nova legislação, comparando-a com a reação Vitoriana aos anestésicos.

A década de 1990 testemunhou um renovado interesse pelos efeitos neurobiológicos e pelo potencial terapêutico das drogas alucinógenas. Agora compreendemos quantos deles funcionam a nível molecular, e vários grupos de pesquisa têm realizado experimentos com tomografia cerebral para tentar aprender mais sobre como as substâncias exercem seus efeitos. Uma série de ensaios clínicos também está sendo realizada para testar os benefícios potenciais da psilocibina, da cetamina e do MDMA para pacientes com depressão e outros transtornos do humor. No entanto, seu uso ainda é severamente restringido, o que leva muitas pessoas a criticar as leis antidrogas, argumentando que tais leis estão impedindo uma investigação que pode ser vital.

Huxley acreditava que as drogas alucinógenas produzem os seus efeitos característicos ao permitir a abertura de uma “válvula redutora” no cérebro que, em estados normais, limitariam a nossa percepção, e algumas pesquisas recentes parecem confirmar isso. Em 1963, em seu leito de morte, por conta de um câncer, Huxley pediu a sua esposa para injetar LSD nele. Também neste caso, parece que o autor de Admirável Mundo Novo foi profético: vários pequenos estudos sugerem que a cetamina alivia a depressão e a ansiedade em pacientes com câncer em estado terminal e, mais recentemente, o primeiro estudo americano a usar LSD em mais de 40 anos, concluiu que a substância, também, reduz a ansiedade em pacientes com outras doenças que ameaçam a vida.

Referências
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Este artigo aparece na edição de setembro de 2014  da revista The Psychologist e foi republicado aqui com permissão dos editores. A edição inteira é dedicada ao uso de drogas alucinógenas em terapias e pesquisas, e está disponível gratuitamente online. Fonte: The Guardian

Quando a Psiquiatria vai Abandonar a Guerra às Drogas e Abraçar a Pesquisa Psicodélica?

psiquiatria_1É evidente que o zeigeist cultural se voltou para o uso terapêutico de drogas psicodélicas. Artigos recentes no New York Times e na CNN estão lentamente informando o público da excitante pesquisa que os contribuidores do MAPS já sabiam por algum tempo – que alguns psicodélicos, mesmo com sua bagagem histórica, seu potencial de uso incorreto, e sua reputação manchada, possuem um dos potenciais terapêuticos mais promissores que já vimos na psicofarmacologia em uma geração.

Entretanto, quais são as atitudes desses médicos que estariam habilitados a prescrever essas substâncias, irá o FDA aprová-las como agentes seguros e efetivos, e irá o DEA reescrevê-las para possibilitar a prescrição legal?

Infelizmente, a discussão em torno das drogas nos Estados Unidos, por pelo menos nos últimos 50 anos, foi amplamente polarizada entre drogas que são terapêuticas e drogas que podem ser abusadas. Mesmo que alguns dos nossos agentes psicoterapêuticos (por exemplo, estimulantes e benzodiazepinas) são também alguns que possuem mais tendência a serem abusados, há um desconforto distinto que surge entre os médicos quando uma substância, que foi abusada historicamente, é sugerida para a terapia.

Talvez seja porque, como médicos, quando se trata de abuso de substâncias, nós vemos com frequência as casualidades, e essa perspectiva criou um viés que uma substância que pode ser abusada não pode nunca ter utilidade terapêutica (como testemunha, o uso de MDMA para o tratamento de Estresse Pós Traumático, ou a resposta dramática à ketamina de pacientes com depressão grave. Raramente nós escutamos sobre como uma droga mudou a vida de uma pessoa para melhor. Em alguns aspectos, quanto mais esotérica a substância, menos resistência reflexiva ela gera.

Foi interessante ver os participantes do Congresso de Psiquiatria e Saúde Mental em San Diego, nos EUA, pararem na subestimada cabine do MAPS no hall da convenção, onde ela compartilhava espaço com diversos painéis muito mais brilhantes dos medicamentos psiquiátricos convencionais. Muitas pessoas perguntavam, “O que é MDMA?” não associando o termo com a bagagem cultural associada ao “Ecstasy”. Cientistas que querem estudar componentes como a ibogaína ou a psilocibina provavelmente vão encontrar mais facilidade passando por cima dos preconceitos negativos que foram acrescidos contra as substâncias mais comumente usadas (e abusadas), tais como a cannabis e o LSD.

Eu proporia que as atitudes que a maioria das pessoas têm em relação aos psicodélicos caem em uma das quatro categorias a seguir:

(1) Eu experimentei eles e eles mudaram minha vida para melhor.
(2) Eu experimentei eles e não ocorreram mudanças, ou foi uma experiência ruim.
(3) Eu nunca experimentei eles mas tenho mente aberta em relação aos mesmos.
(4) Eu nunca experimentei eles e posso imaginá-los somente como mais perigosos do que auxiliadores.

Eu suspeito que existam mais de alguns médicos que encaixam na categoria 1, mas se sentem inconfortáveis compartilhando suas experiências por medo de comprometer suas reputações profissionais. Entretanto, eu acho que a maioria dos psiquiatras tradicionais, vendo os efeitos negativos de pacientes com histórico de abuso de substâncias e influenciados por mais de 45 anos de propaganda anti-drogas, se aliariam perfeitamente na categoria 4. Creio que a maioria das pessoas lendo esse artigo, se identificam com a categoria 1. Elas estão convertidas. Através de qualquer experiência que elas tenham tido, acreditam no poder dessas substâncias para servir de ferramentas para ajudar as pessoas a atingir uma saúde melhor e o equilíbrio emocional. Entretanto, a maioria dos psiquiatras não tiveram as mesmas experiências e são propensos a ver a indefinição com que aqueles na categoria 1 podem partilhar suas experiências com um certo grau de suspeita.

Por isso nós precisamos de dados para suportar as afirmações de que essas substâncias são terapêuticas. Nós precisamos ter a ciência que suporte as teorias de por que esses componentes podem causar os efeitos profundos característicos. Dados são a moeda da mudança de prática, e, sem eles, todos os relatos dos “convertidos” não são levados em conta, “dados anedóticos”-interessantes, mas nada que a maioria das pessoas em um ambiente profissional irá lidar para arriscar a ser submetido a sanções tais como perda da licença ou status profissional, ou a posição clínica/acadêmica. É por isso que o que o MAPS está fazendo é tão importante para mudar as atitudes em torno dessas substâncias e o papel que elas podem exercer na psiquiatria. Focando em condições tais como o Estresse Pós-Traumático, que sofre com a falta de tratamentos eficazes, e gerando descobertas baseadas em pesquisas robustas, seus estudos provêm tanto esperança para condições difíceis de tratar como dados para tratamentos efetivos.

Esperançosamente, serão apenas alguns anos antes que os dados gerados pelos estudos patrocinados pelo MAPS possam ser alavancados para fazer essas substâncias legais como prescrição médica. Quando esse dia chegar, o MAPS deverá tomar como lição das principais indústrias farmacêuticas e usar o marketing como um caminho para mudar as atitudes e encorajar o uso apropriado dessas substâncias.

A indústria farmacêutica gastou 27.7 bilhões de dólares em 2004 (1) em medicações de mercado porque esse investimento foi retornado diversas vezes nas vendas. O MAPS tem uma missão que é muito mais importante do que retornar fundos aos acionistas: fazer medicamentos efetivos disponíveis aos pacientes que necessitam e desenvolver uma atitude mais leve em relação aos psicodélicos. Armados com os dados desses estudos, os meios de propaganda podem mudar as atitudes dos médicos que irão prescrever essas medicações.

A estética dessas mensagens de marketing devem refletir o uso sóbrio e controlado desses componentes para propósitos terapêuticos. Imagens psicodélicas, por exemplo, podem apelar para aqueles que tiveram experiências positivas com esses componentes, mas também podem servir para alienar um estabelecimento médico mais conservador. Importante como o marketing, é o impacto que médicos de respeito têm nos padrões de prática de outros médicos. A indústria farmacêutica conhece isso há um bom tempo, e usa “opiniões chave de líderes” ou “líderes importantes” para distribuir nova propaganda sobre novas drogas. (2)

Médicos confiam em seus colegas mais do que em representante de vendas. Aqueles que são bem versados nos resultados das pesquisas e convencidos sobre os benefícios desses compostos podem engajar colegas em conversas interessantes sobre os benefícios dessas drogas. No final do dia, histórias envolvem, mas dados convencem.

Referências:

1. Gagnon M-A, Lexchin J (2008) The Cost of Pushing Pills: A New Estimate of Pharmaceutical Promotion Expenditures in the United States. PLoS Med 5(1): e1. doi:10.1371/journal.pmed.0050001

2. Carlat (2010) Unhinged: The Trouble with Psychiatry, Free Press, NY

Traduzido de: Alternet

Psilocibina: Possibilidades Terapêuticas do Psilocybe

Segue abaixo uma pesquisa sobre a Psilocibina realizada com o apoio do Departamento de Psicologia da Pontifícia Univercidade Católica (PUC) de Minas,  enviada ao micélio por Vinícius Ferraz e com a seguinte justificativa:

“Tendo em vista o complexo e intrigante fenômeno proporcionado pelos psicodélicos, ressalto a importância desta presente pesquisa, que ao investigar as possibilidades terapêuticas de uma destas substâncias, a Psilocibina, da margem a discussão sobre suas aplicações medicinais e propriedades curativas que podem vir a ser de grande préstimo a humanidade.

A pesquisa também contribuirá com o levantamento de material teórico, apresentando ao leitor o que houve de mais importante nos estudos desenvolvidos com psicodélicos na literatura e os modos de investigação e aplicação contemporâneos dessas substâncias, com ênfase na Psilocibina, que disponibilizará a pesquisadores e ao mundo científico informações adicionais para o estudo do tema. A importância deste estudo reside no crescente interesse científico que se apresenta no país com a investigação das mais diversas substâncias psicodélicas nos mais diferentes âmbitos.

Estudo este que é de grande relevância social levando em consideração tão antiga e intrínseca relação entre as substâncias psicodélicas e a humanidade no decorrer de sua história, sustentando a necessidade de elucidar e trazer a tona uma maior compreensão sobre o fenômeno para que a falta de esclarecimento sobre o tema não resulte na falta de critério e discernimento em seu uso e acabe por transformar uma possível ferramenta de pesquisa e terapia em um problema social.”

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Departamento de Psicologia
Psilocibina: Possibilidades terapêuticas do cogumelo psicodélico
Vinícius Ferraz
Caio de Azevedo
Belo Horizonte
2010

Psilocibina: Possibilidades terapêuticas do cogumelo psicodélico
Artigo Cientifico apresentado para o departamento de psicologia, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, unidade Coração Eucarístico.
Belo Horizonte

“Eu vejo a questão dos psicodélicos como uma parte da longa marcha em direção á liberdade humana, que tem certos marcos ao longo do caminho, como a abolição da escravatura, a conquista pelo direito de voto ás mulheres, a inclusão dos negros nos processos da sociedade democrática e agora, a necessidade do estabelecimento do direito universal das pessoas tomarem substâncias alteradoras de consciência.
Tudo se trata da marcha triunfante em direção á uma sociedade onde a dignidade do individuo é sempre o primeiro valor a ser honrado.
Não queremos ser governados pelos medos do fundamentalismo cristão, ou pela superficialidade do cientificismo, ou pelo sombrio vazio espiritual do materialismo.
Nós queremos nos conectar primeiro com nossos corpos, e através dos nossos corpos com o planeta É disso que os alucinógenos, as plantas psicoativas e as substancias psicodélicas se tratam.”
Terence McKenna

Psilocibina: Possibilidades terapêuticas do cogumelo psicodélico

1. Prefácio

As substâncias psicodélicas têm sido estudadas há pouco mais de um século, desde que a ciência ocidental descobriu os seus usos entre as culturas tradicionais. A partir desse período até nossos tempos de ciência contemporânea, diversos estudos foram realizados em campos diferentes de acordo com as décadas e com os interesses envolvidos no estudo dessas substâncias.

A psilocibina (alcalóide pertencente à família das triptaminas) é uma poderosa substância psicodélica encontrada naturalmente em uma diversidade de espécies de cogumelo dos gêneros Psilocybe, Stropharia, Conocybe e Panaeolus, das quais o Psilocybe cubensis e o Psilocybe mexicana são as mais conhecidas. Descoberta em 1953, pelo autor e pesquisador russo Gordon Wasson, a psilocibina é um psicodélico relativamente novo, em termos científicos, já que a sua entrada nos laboratórios foi posterior à descoberta de outras substâncias como a mescalina, 60 anos antes. Logo ganhou grande relevância científica, protagonizando uma série de estudos, principalmente relativos à prática psicoterápica auxiliada por psicodélicos, até cair no silêncio sufocante imposto pela política norte-americana da Guerra às Drogas.

Após um período de quase extinção como linha de pesquisa, o retorno ao interesse envolvido com o intrigante fenômeno proporcionado pelos psicodélicos ocorre no final do século XX (década de 90) e continua seu reflorescimento em pleno século XXI. Apesar dos milhares de estudos desenvolvidos até então, pouco se sabe e menos ainda é desenvolvido no Brasil, país que possui grande biodiversidade dessas substâncias e variabilidades em suas formas de uso social. A cultura de uso de psicodélicos no Brasil e na América em geral atrai os interesses de diversos grupos de pesquisas interessados nesse fenômeno, que têm gerado debates amplos nos campos da neurociência, da ciência cognitiva e das ciências sociais, principalmente da antropologia e etnologia.

A presente dissertação buscou apresentar ao leitor o que houve de mais importante nos estudos desenvolvidos com a psilocibina e o cogumelo psicodélico na literatura, contrastando os dois grandes momentos da psilocibina na ciência, de 1950 a 1960 e de 1990 a 2010, separados por um período marcado pela moratória científica arbitrariamente imposta pela política norte-americana de guerra as drogas. As pesquisas mais relevantes de cada um destes períodos, envolvendo a administração de psilocibina em seres humanos, foram levantadas e analisadas com intuito de investigar a natureza da alteração mental que a psilocibina induz no indivíduo e as possibilidades destas alterações produzirem efeitos terapêuticos. Foi apresentado também um breve histórico, onde se procurou situar historicamente o cogumelo psicodélico e sua relação com a vida e cultura humana.

Tendo em vista o complexo e intrigante fenômeno proporcionado pelos psicodélicos, ressalto a importância desta presente pesquisa, que ao investigar as possibilidades terapêuticas de uma destas substâncias, a Psilocibina, da margem a discussão sobre suas aplicações medicinais e propriedades curativas que podem vir a ser de grande préstimo a humanidade.

A pesquisa também contribuirá com o levantamento de material teórico, apresentando ao leitor o que houve de mais importante nos estudos desenvolvidos com a psilocibina na literatura e os modos de investigação e aplicação contemporâneos dessas substâncias, que disponibilizará a pesquisadores e ao mundo científico informações adicionais para o estudo do tema. A importância deste estudo reside no crescente interesse científico que se apresenta no país com a investigação das mais diversas substâncias psicodélicas nos mais diferentes âmbitos.

Estudo este que é de grande relevância social levando em consideração tão antiga e intrínseca relação entre as substâncias psicodélicas e a humanidade no decorrer de sua história, sustentando a necessidade de elucidar e trazer a tona uma maior compreensão sobre o fenômeno para que a falta de esclarecimento sobre o tema não resulte na falta de critério e discernimento em seu uso e acabe por transformar uma possível ferramenta de pesquisa e terapia em um problema social.

2. Os Cogumelos Psicodélicos e a Psilocibina

Figura 1. Cogumelo da espécie Psilocybe cubensis

2.1 Introdução

A prática humana de promover estados alterados, incomuns ou ampliados de consciência induzidos por substâncias psicoativas é bastante antiga, pré-data a história escrita e é atualmente empregada em várias culturas em diversos contextos socioculturais e ritualísticos (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001).

Diversas substâncias psicoativas conhecidas como alucinógenas verdadeiras, tais como psilocibina, ergotamina, DMT, mescalina, LSD, entre outras de mesma natureza química podem, de acordo com as diferentes descrições dos seus efeitos serem denominadas de substancias psicotomiméticas (substancias que mimetizam a psicose), de substâncias psicodélicas (substancias que manifestam a mente ou “aquele que manifesta o espírito”) ou enteógenos (substancias que induzem experiências de significado espiritual ou “aquele que desperta o divino interior”) (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001). Para os propósitos deste estudo utilizaremos o termo de substâncias psicodélicas, por ser a denominação mais utilizada nos artigos científicos de psicologia e que mais se enquadra nos objetivos desta investigação.

A psilocibina – alcalóide pertencente à família das triptaminas – é uma poderosa substância psicodélica encontrada naturalmente em uma diversidade de espécies de cogumelo dos gêneros Psilocybe, Stropharia, Conocybe e Panaeolus, das quais o Psilocybe cubensis e o Psilocybe mexicana são as mais conhecidas. Estas espécies são geralmente encontradas na América do Sul e na América Central, sendo endêmicos em países como o México e o Brasil, mas podem também ser verificados em outras regiões do globo, principalmente nas localizações equatoriais e tropicais (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001).

Alguns pesquisadores acreditam que a psilocibina abre uma porta para o subconsciente, permitindo que o mundo consciente seja encarado de uma perspectiva o de percepção sensorial ampliada: as cores se destacam, detalhes minúsculos dos objetos são revelados e estruturas coloridas cruzam o campo de visão. O efeito pode degenerar em desorientação, reações paranóicas, inabilidade para distinguir entre fantasia e realidade, pânico e depressão (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001).

2.2 Histórico

Os cogumelos psicodélicos tem sido parte integrante da história humana há muitos milênios e têm desempenhado papel importante em várias cerimônias religiosas. Os maias que habitavam a Guatemala há 3.500 anos utilizavam um fungo conhecido na língua nahuátl como Teonanácatl – a Carne de Deus. Esse Cogumelo provavelmente pertence ao Gênero Psilocybe, embora também possa ser relacionada a duas outras variedades: Conocybe ou Stropharia. O primeiro registro histórico do consumo do cogumelo Psilocybe data de 1502, durante a coroação do imperador Montezuma (Heim, 1972).

Com o início das grandes navegações e “descoberta” do novo continente surge o primeiro contato dos povos europeus com as culturas pré-colombianas que utilizavam o cogumelo em seus rituais. Despreparados e assustados pelos efeitos da droga, os conquistadores espanhóis tomaram a decisão de proibir a religião nativa e o uso dos fungos psicoativos, considerando estes cultos como “obra do diabo”. (Heim, 1972)

Não existe qualquer evidência do emprego cerimonial dos cogumelos ‘mágicos’ por culturas tradicionais na América do Sul, exceto achados arqueológicos no norte da Colômbia datando de 300-100 anos a.C., conquanto seu uso ritualístico ainda é observado em outras partes do continente americano, principalmente México e países vizinhos. Acredita-se que o ritual com cogumelos por povos indígenas no México exista há pelo menos 2.200 a 3000 anos, como demonstra a datação de achados arqueológicos de esculturas de pedra em forma de cogumelos (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001). Um estudo recente sugere que o uso de cogumelos ‘mágicos’, provavelmente Psilocybe cubensis, também tenha ocorrido na história do Egito antigo, utilizado ritualmente e descrito no Livro Egípcio dos Mortos (Berlant, 2005).

Não há dados na literatura acerca do uso de cogumelos no Brasil. A utilização contemporânea de cogumelos, na América do Sul e em diversas localidades do mundo, ocorre em sua maioria de maneira recreacional ou hedonística, devido à facilidade de comércio pela internet, inexistência de legislação reguladora (no caso do Brasil) e pela facilidade de serem encontrados em condições naturais (no estrume de bovinos).

O interesse dos cogumelos pela ciência aconteceu no início do século XX, quando o geógrafo alemão Carl Sapper descreveu em 1898 esculturas de pedra com formas de cogumelos (Figura 2), por ele interpretadas como representações fálicas, mais tarde evidenciadas por se tratarem dos cogumelos que há muito eram utilizados em rituais mágicos. O único conhecimento acerca do uso ritual de cogumelos consistia nas descrições de um guia de missionários de 1656 contra as idolatrias indígenas, incluindo a ingestão de cogumelos e recomendando sua extirpação (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001).

Figura 2. Deuses cogumelos de pedra. (A) Cogumelo de pedra Maya de El Salvador, período formativo em anos de 300 a.C. – 200 d.C. Altura de 33,5 cm. (Retirada de Schultes et al., 2001). (B) Cogumelos de pedra encontrados na Guatemala, datação em anos de 1000 a.C. – 500 d.C.

Figura 2. Deuses cogumelos de pedra. (A) Cogumelo de pedra Maya de El Salvador, período formativo em anos de 300 a.C. – 200 d.C. Altura de 33,5 cm. (Retirada de Schultes et al., 2001). (B) Cogumelos de pedra encontrados na Guatemala, datação em anos de 1000 a.C. – 500 d.C.

Outros documentos antigos que parecem citar o uso de cogumelos na antiguidade são o Rig Veda(Livro dos Hinos hindu) na Índia e o The Westcar Papyrus no Egito, também havendo possibilidade de os gregos terem utilizado (Berlant, 2005).

3. Estudos e pesquisas

3.1 Estudos e pesquisas de 1950 – 1960.

Os estudos científicos com os cogumelos Psilocybe têm origem na década de 50, através de expedições ao México com intuito de obter um maior conhecimento a cerca das culturas tradicionais da região, onde xamãs, através da ingestão de cogumelos psicodélicos em rituais sagrados extraordinários, induziam poderosas visões para curar e guiar o destino de seus povos.

Em 1953, o autor e pesquisador russo Gordon Wasson e sua esposa Valentina Pavlovna realizaram um estudo de expedição de campo para o México, para estudar o uso de cogumelos alucinógenos em rituais e cerimônias de cura. Esta expedição marca o inicio do estudo do cogumelo psicodélico pela ciência. Em 1955, eles se tornaram os primeiros estrangeiros a participar do ritual com cogumelos sagrados dos índios Mazatecas. Gordon Wasson fez muito para divulgar a sua descoberta, publicando o artigo sobre suas experiências em uma influente revista da época, a Life Magazine, em 1957 (Allen, 1987; Wasson, 1957).

O relato de Wasson sobre sua experiência com cogumelos provoca o interesse da comunidade cientifica sobre o fenômeno, descrevendo com fascinação seus efeitos:

“Tudo o que se vê naquela noite se banha na claridade da origem: a paisagem, as casas, os utensílios de uso diário, os animais, tudo é calmamente irradiado pela luz primordial; dir-se-ia que as coisas apenas acabam de serem produzidas pelo criador! Esta novidade total – a aurora da criação – o submerge e o envolve, o dissolve na sua beleza inexplicável (…) Seu espírito está livre, você vive uma eternidade numa noite, vê o infinito no grão de areia. O que você vê e escuta grava-se na sua memória, é gravado ali para sempre. Enfim, você conhece o inefável, sabe o que é o êxtase! (…) Uma simples planta abre as portas, libera o inefável, traz o êxtase. Não é a primeira vez na história da humanidade que as formas mais humildes de vida dão a luz ao divino. Por mais desconcertante que seja, a maravilha que anuncia merece ser ouvida pelos homens.” (Wasson, 1961, pag.8-12)

Auspiciado por Roger Heim, micologista e diretor do Museu Nacional de História Natural de Paris, Wasson desenvolve uma série de contribuições para os campos da botânica e antropologia realizando a identificação do cogumelo psicodélico através da colheita sistemática, cultura em laboratório e análise detalhada das diferentes espécies de cogumelos do gênero Psilocybe e seu uso ritualístico. Mais tarde Wasson e Heim se associam a Sandoz, uma empresa farmacêutica suíça, fornecendo amostras de cogumelos para uma pesquisa mais abrangente a cerca das propriedades químicas e farmacológicas (Forte, 1997; Heim, 1972).

Em 1958, cinco anos após a identificação por Wasson, o cientista suíço (e mais conhecido como o “pai” do LSD) Albert Hoffmann, investiga as propriedades químicas desse cogumelo e extrai a psilocibina e a psilocina, substância de propriedades psicotrópicas e alucinógenas que depois foram sintetizadas. A psilocibina é um psicodélico relativamente novo, em termos científicos, já que a sua entrada nos laboratórios foi posterior à descoberta de outras substâncias como a mescalina, 60 anos antes, e do LSD, anterior em uma década. Albert Hoffman foi o primeiro cientista a isolar o princípio ativo e a descrever sua estrutura molecular: o alcalóide de coloração azulada, na verdade eram dois deles e extremamente similares, foram batizados de Psilocibina e Psilocina, em alusão ao gênero Psilocybe: palavra de origem grega que significa cabeça (cybe) pelada (psilos). Os resultados, obtidos por Hoffman em colaboração com dois colegas (A. Brack e Dr. H. Kobel) e o professor Roger Heim, foram publicados, em março de 1958, em nota no jornal científico Experientia. Os mecanismos de ação, em fato, devem-se a um princípio único, visto que a psilocibina converte-se em psilocina dentro do próprio corpo através de um processo chamado desfoforilação, mas os dois compostos são naturalmente encontrados nos cogumelos, sendo o primeiro deles verificado em maior porcentagem (Hoffmann, Heim, Brack & Kobbel, 1958).

Posteriormente, em parceria com outros quatro colegas (A. J. Frey, H. Ott, T. Petrzilka e F. Troxler), Hoffman descobriu a síntese da psilocibina, cuja fórmula foi patenteada em 1963. Os resultados da pesquisa foram publicados em dezembro de 1958, também no jornal Experientia. A substância foi identificada como similar a outros químicos com o LSD, cujos intensos efeitos psíquicos denunciavam a urgência de novas frentes de pesquisa. A psilocibina entrou, decisivamente, para a família daqueles estranhos e misteriosos alcalóides que vinham desafiando a percepção sobre a natureza da mente humana. A partir da descoberta da sintetização, os laboratórios Sandoz, para o qual Hoffman trabalhava, passaram a disponibilizar a substância, assim como o LSD e outros psicodélicos, para as novas frentes de pesquisa que se disseminavam no início dos anos 60, principalmente norteados pelas vanguardas investigativas da Psiquiatria e Neurologia (Hoffmann, Frey, Ott, Petrzilka & Troxler, 1958).

Em 1959, a psilocibina já se tornava a protagonista de uma série de estudos científicos, principalmente relativos à prática psicoterápica auxiliada por psicodélicos. Uma pesquisa francesa intitulada Les Effets Psychiques de la Psilocybine et les Perspectives Thérapeutiques (Os Efeitos Psíquicos da Psilocibina e as Perspectivas Terapêuticas) liderada pelo médico Jean Delay, pioneiro da pesquisa sistemática da psilocibina nos domínios psiquiátricos, administrou a psilocibina em 13 pacientes saudáveis e em 30 pacientes diagnosticados com desordens mentais e concluiu que a substância, com efeito alucinógeno mais leve do que a mescalina e efeito despersonalizante menor do que o LSD, possuía um significativo potencial enquanto ferramenta terapêutica por sua capacidade de provocar melhor acessibilidade aos conteúdos do paciente, assim como desencadear efeito psicolítico, ou seja, liberar estes conteúdos na forma de revivências (geralmente da infância), estímulos da memória afetiva e eventos traumáticos (Delay, Pichot, Lempérière, Nicolas-Charles & Quétin, 1959). No mesmo ano, Delay, deu continuidade à investigação, publicando o artigo Premiers Essais de la Psilocybine en Psychiatrie (Primeiros Ensaios da Psilocibina na Psiquiatria) (Delay, Pichot & Nicolas-Charles, 1959).

Ainda em 1959, o psiquiatra alemão F. Gnirss desenvolveu uma pesquisa intitulada Untersuchungen mit Psilocybin, einem Phantastikum aus dem Mexikanischen Rauschpilz Psilocybe mexicana (Estudos com psilocibina, um psicodélico do cogumelo Psilocybe mexicana), através da qual administra o alcalóide em um grupo de 18 pacientes saudáveis, através deste estudo Gnirss identifica propriedades psicotrópicas na substância , que significa que a Psilocibina age no Sistema Nervoso Central (SNC) produzindo alterações de comportamento, humor e cognição, possuindo grande propriedade reforçadora sendo, portanto, passíveis de auto-administração. Conclui que a substância é de significativa importância teórica e possibilidade de utilização psicoterapêutica. (Gnirss, 1959).

Em 1960, outra pesquisa francesa, desenvolvida pelo psiquiatra A. M. Quétin, resultou em conclusões similares ao administrar o fármaco em um grupo de 32 pacientes saudáveis e 68 pacientes diagnosticados com quadros psicóticos com idades entre 16-66 (21 esquizofrênicos, 6 com delírios crônicos, 6 com psicoses maníaco-depressiva, 6 oligofrênicos, 29 com neuroses, incluindo 3 alcoólicos). Através da análise exaustiva Quétin afirmou que a droga é certamente de grande interesse para o diagnóstico e, provavelmente, também para a psicoterapia (Quétin, 1960).

Inspirado pelo artigo de Wasson na Life Magazine (Wasson, 1957), o psicólogo, neurocientista, escritor, Ph.D. e professor de Harvard, Timothy Leary, viajou para o México com o intuito de experimentar e pesquisar os cogumelos psicodélicos (Higgs, 2006). Em 1960, ao voltar para Harvard, os psicólogos Timothy Leary e Richard Alpert iniciaram o projeto intitulado de “Harvard Psilocybin Project”, do qual fizeram parte também o ensaísta filosófico e autor de Portas da Percepção Aldous Huxley, o Presidente da Associação Psiquiátrica Americana John Spiegel, o superior de Leary em Harvard David McClelland, o psicólogo e professor da Universidade da Califórnia Frank Barron e dois estudantes graduados que já haviam trabalhado em um projeto à cerca da mescalina. Durante o programa, que durou de 60 a 62, uma série de experimentos foi desenvolvida para investigar as implicações da psilocibina sobre a natureza dos distúrbios psicóticos, tratamento de desordens de personalidade e psicoterapia auxiliada pelo uso do químico. Este projeto fazia parte do programa de pesquisa psicodélica em Harvard (Harvard Psychedelic Drug Research Program) inaugurado em 1960 por 35 professores, instrutores e estudantes graduados que deram luz a várias pesquisas importantes com psicodélicos na época (Higgs, 2006; Leary, 1961).

Em 1961, foi conduzido um dos mais significativos estudos feitos pela Harvard Psilocybin Project intitulado de “Um novo programa de mudança de comportamento para infratores adultos usando psilocibina” (A New Behavior change program for adult offenders using psilocybin), mais conhecido como “A experiência da prisão de Concord”. O experimento foi realizado no período de 1961 a 1963 por uma equipe de pesquisadores da Universidade de Harvard, sob a direção de Timothy Leary, dentro dos muros da Prisão Estadual de Concord, uma prisão de segurança máxima para jovens delinqüentes. O estudo envolveu a administração de psilocibina para auxiliar a psicoterapia de grupo para 32 presos, em um esforço para reduzir as taxas de reincidência criminal. Os registros da Prisão Estadual de Concord sugeriam que 64% dos 32 indivíduos voltariam para a prisão no prazo de seis meses após a liberdade condicional. No entanto, após seis meses, apenas 25% das pessoas em liberdade condicional retornaram a prisão, seis por causa de violação da condicional e dois para novos crimes. Estes resultados são ainda mais dramáticos quando a literatura correcional é pesquisada, poucos projetos de curto prazo com prisioneiros têm sido eficazes até mesmo em menor grau. Além disso, testes de personalidade indicaram uma mensurável mudança positiva no comportamento dos presos depois da experiência com a psilocibina, em comparação com os mesmo antes da experiência (Leary, Metzner, Presnell, Weil, Schwitzgebel & S. Kinne, 1965). Esta é apenas uma de várias pesquisas produzidas pelo Harvard Psilocybin Project nesta época.

O desenvolvimento do projeto, no entanto, foi significativamente prejudicado pela desenvoltura um tanto quanto anti-acadêmica de Timothy Leary, que extremamente fascinado pelas experiências de consciência desencadeadas por tais alcalóides, abandonou gradativamente a figura do pesquisador para investir-se da figura quase mística de um profeta do alucinógeno. Em 1963, Timothy Leary foi expulso de Harvard depois de ter promovido uma experiência psicotrópica com uma turma inteira de estudantes de psicologia (com o consentimento destes, naturalmente) sem monitoramento laboratorial ou intuito de pesquisa. Aos poucos foi se desfazendo da característica científica para tornar-se, anos mais tarde, uma espécie de guru da cultura psicodélica que vinha incitando os fluxos intensos da contracultura. (Higgs, 2006; Leary, 1963) A popularização de enteógenos promovida por Robert Wasson, Timothy Leary, Terence McKenna, entre outros autores e pesquisadores, levou a uma explosão no uso de cogumelos contendo Psilocibina por todo o mundo.

Até o momento drástico em que os psicodélicos escaparam dos laboratórios e tornaram-se os protagonistas de uma batalha política e, em função da política norte-americana da Guerra às Drogas, foram terminantemente proibidos, inclusive no universo científico. Até o final dos anos 60 e início dos 70, quando os Estados Unidos responderam violentamente aos questionamentos da Contracultura, movimento do qual fazia parte expressiva a utilização destas drogas, os principais estudos concentravam-se em traçar paralelos entre as três principais substâncias do grupo – LSD, mescalina e psilocibina – e em examinar a potencialidade psicoterapêutica e possível relação entre os estados alterados de consciência provocados pela adição destes alcalóides e os distúrbios mentais. Com a medida que pôs fim às pesquisas, e através da qual o governo norte-americano arbitrariamente revogou toda e qualquer qualidade científica dos psicodélicos, a psilocibina foi, assim como os demais, silenciada, apenas voltando aos laboratórios após quase trinta anos de moratória (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001).

3.2 Estudos e pesquisas de 1990 – 2010.

De 1953 ao final dos anos 60 as substâncias psicodélicas, como a psilocibina, foram o centro de diversas pesquisas, já citadas anteriormente, até caírem no silêncio sufocante imposto pela política norte-americana da Guerra às Drogas. Aproximadamente três décadas após o período marcado pela moratória científica arbitrariamente fixada, os psicodélicos iniciaram um expressivo movimento de retorno aos domínios científicos (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001). Somente na década de 90 se reiniciaram seriamente as pesquisas com psicodélicos em humanos, principalmente devido aos esforços do Dr. Rick Strassman, da Universidade do Novo México, nos EUA, e do Dr. Franz Vollenweider, da Universidade Psiquiátrica Hospital Zürich, na Suíça (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001). A partir deste momento e até os dias de hoje, a psilocibina tornou-se novamente o centro de diversos estudos.

Em 2004, o psiquiatra norte-americano Charles Grob, da Universidade da Califórnia, desenvolveu a pesquisa intitulada “Pilot Study of Psilocybin Treatment for Anxiety in Patients With Advanced-Stage Cancer” (Estudo Piloto de Tratamento de psilocibina para ansiedade em pacientes com câncer em estágio avançado) que investigou a substância enquanto fator terapêutico em pacientes com câncer em estado terminal explorando a sua segurança e eficácia. O estudo incluiu a administração de uma pequena dose (0,2 mg/kg) de psilocibina em 12 pacientes adultos – dos quais 11 eram mulheres – com câncer em estágio avançado e ansiedade, que ficaram deitados, com os olhos vendados, e ouvindo música a seu gosto durante seis horas sob supervisão de terapeutas treinados. A freqüência cardíaca, a pressão arterial e a temperatura dos voluntários foram monitoradas ao longo de cada tratamento. Os investigadores também verificaram os níveis de depressão, ansiedade e humor em cada um deles. Duas semanas após a experiência com a psilocibina, os voluntários reportaram que se sentiam menos deprimidos e ansiosos. Seis meses depois, o nível de depressão tinha diminuído 30%, conforme os resultados publicados na Archives of General Psychiatry. Alguns voluntários relataram estados de consciência ligeiramente alterados após receber a psilocibina, mas os pesquisadores não notaram efeitos adversos fisiológicos, ainda não foram identificados possíveis efeitos maléficos na utilização de psilocibina. Ainda assim, outros testes são necessários para examinar a segurança e a eficácia do cogumelo. O estudo, que procurava a redução do estresse e dor, obteve resultados animadores no aumento da qualidade de vida dos pacientes e os dados revelaram um aspecto promissor na utilização terapêutica da substância (Grob, Danforth, Chopra, Hagerty, McKay, Halberstadt & Greer, 2010).

Em 2006, o psiquiatra Francisco Moreno, da Universidade do Arizona, iniciou uma pesquisa sobre o uso terapêutico da substância em pacientes diagnosticados com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) que resistiram a outros tipos de tratamento, assim como para fins de teste de segurança do alcalóide no organismo. Em uma clínica com ambiente controlado, a psilocibina foi usada com segurança em pacientes com TOC e foi associado a reduções agudas no TOC sintomas básicos em vários indivíduos. As conclusões reportaram que todos os pacientes, da amostra de nove, experienciaram melhorias nos quadros obsessivos compulsivos durante o período da experiência. Apesar de ser uma pequena pesquisa, com uma amostra e um alcance não tão significativos, Moreno reportou seu ânimo diante da potencialidade da substância: “O que vimos foi uma drástica diminuição dos sintomas durante um período de tempo. As pessoas diziam que não se sentiam tão bem há anos” (Moreno, Wiegand, Taitano & Delgado, 2006).

Em outro estudo, em 2006, o neurocientista Roland Griffiths, da Universidade Johns Hopkins, administrou psilocibina em 36 voluntários saudáveis, que participavam regularmente de atividades religiosas ou espirituais, com o objetivo de investigar os mecanismos da experiência mística/espiritual induzida pela psilocibina. Foram realizadas três sessões em intervalos de dois meses onde a psilocibina foi administrada via oral aos voluntários em doses altas (30 mg/70 kg). Nas sessões de 8 horas, realizadas individualmente, os voluntários eram encorajados a fechar os olhos e dirigir a sua atenção para seu interior. O comportamento dos voluntários foi monitorado e avaliado durante as sessões e questionários foram preenchidos imediatamente após e dois meses após as sessões, avaliando os efeitos da substancia e as características da experiência. Cerca de dois terços dos voluntários relatou haver vivenciado uma completa experiência mística, caracterizada por uma sensação de unidade com todo o universo. Entre os resultados foram relatados uma série de grandes alterações na percepção, experiência subjetiva e humor lábil – incluindo ansiedade – dos participantes. Em dois meses, os voluntários classificaram a experiência como possuidora de substancial sentido pessoal e significado espiritual, além de atribuírem a psilocibina as mudanças positivas em suas atitudes e comportamentos, coerentes com observações e avaliações cientificas (Griffiths, Richards, McCann & Jesse, 2006). Griffiths continuou monitorando os voluntários de sua pesquisa por quatorze meses após este estudo, através de entrevistas periódicas com intuito de avaliar os efeitos agudos e persistentes da administração das doses de psilocibina. Dentre os resultados obtidos pode se observar que os voluntários ainda atribuíam à experiência a causa de seus altos níveis de satisfação com a vida e a associaram ao crescente bem-estar que sentiam desde então. Foi relatado pela maioria dos participantes que seu humor, suas atitudes e comportamentos mudaram para melhor. Entrevistas estruturadas com familiares, amigos e colegas de trabalho em geral, confirmaram as observações dos sujeitos. Testes psicológicos e relatórios dos próprios sujeitos não mostraram nenhum dano aos participantes do estudo, embora alguns admitiram ansiedade extrema ou outros efeitos desagradáveis nas primeiras horas após a administração da psilocibina. Além disto, não foram observadas dependência física ou intoxicações proporcionadas pela substância. Griffiths conclui que sob condições bem definidas, com uma preparação cuidadosa, se pode gerar de forma segura e bastante confiável uma experiência mística que pode trazer mudanças positivas a uma pessoa. Afirma também que seu estudo é um passo inicial de uma série de trabalhos científicos com a psilocibina que acabará por ajudar pessoas (Griffiths, Richards, Johnson, McCann & Jesse, 2008).

Ainda em 2006, o psiquiatra John Halpern, da Universidade de Harvard, liderou um estudo com intuito de investigar os efeitos terapêuticos da psilocibina em pacientes diagnosticados com uma enxaqueca intensa conhecida como cefaléia em salvas. Considerada como a mais forte dor de cabeça que se conhece, a cefaléia em salvas é extremamente dolorosa e de ocorrência rara. É caracterizada por uma dor unilateral que atinge a zona ocular ou temporal, sua duração varia de 15 minutos a 3 horas podendo apresentar de uma até oito crises por dia, a dor é tão insuportável que muitos pensam em suicídio e alguns de fato o cometem. Com o objetivo de trazer alívio para suas excruciantes dores de cabeça, Bob Wold, depois de ter tomado sem eficácia mais de 75 medicamentos prescritos, em mais de 100 combinações diferentes e tendo como ultimo recurso quatro opções cirúrgicas, algumas de alto risco, e todas sem promessa de resultado definitivo, Wold conheceu dois médicos que sabiam que Albert Hofmann, quando sintetizou o LSD, procurava tratamentos para hemorragias durante o parto e para dores de cabeça. Devido à ilegalidade do LSD em todo o mundo e sua difícil síntese, os médicos e Wold decidiram tentar um tratamento com psilocibina. O resultado foi tão expressivo e marcante que Bob se viu, pela primeira vez em duas décadas, livre de suas dores. Bob Wold fundou uma organização, a Clusterbusters, para ajudar pacientes com a mesma condição e estudar os efeitos da psilocibina como tratamento, através da qual mantêm contato com cerca de 200 vitimas, de onde Wold pode levantar uma série imensa de informações – adquiridas em forma de questionários – que foram apresentadas à Harvard. A organização chamou atenção da universidade, que iniciou um estudo, onde seus autores entrevistaram 53 vítimas de cefaléia em salvas que experimentaram psilocibina ou LSD para tratar de sua condição. Vinte e dois dos 26 pacientes em que a psilocibina foi administrada reportaram diminuição dos ataques e alguns até mesmo a remissão por períodos extensos. A associação cresceu e hoje conta com apoio de pesquisadores em instituições formais de pesquisa, ajudando dezenas de pacientes na mesma condição (Sewell, Halpern & Pope, 2006).

As pesquisas atuais têm apontado, com dados promissores, que psicodélicos possuem uma potencialidade ainda pouco conhecida pelos cientistas e que jamais deveriam ter sido condenados a repressão durante longas décadas. Os novos estudos têm inspirado um honesto retorno de alcalóides como a psilocibina aos domínios da ciência e desmentindo a deturpada imagem pintada pelas políticas antidrogas norte-americanas nos anos 60.

4. Metodologia

O estudo foi realizado através de revisões bibliográficas de artigos científicos que tratam sobre o tema. As revisões estão divididas em duas partes: de 1950-1960 e de 1990-2010.

Coletamos os resultados de 8 pesquisas, 4 de cada época, de diversos pesquisadores que administraram psilocibina em humanos. Os resultados foram analisados e separados por tópicos de acordo com a natureza dos efeitos produzidos pela psilocibina (como humor, cognição e comportamento), buscando nestes efeitos as possibilidades do uso da substância em tratamentos, investigando sua eficácia, segurança e contra-indicações.

5. Resultados

1950-1960
1959 – Os Efeitos Psíquicos da Psilocibina e as Perspectivas Terapêuticas.
Autoria: Delay
Objetivo: Pesquisar sistemáticamente os efeitos psíquicos da psilocibina e suas perspectivas terapêuticas.
Metodologia: Administração de psilocibina em 13 indivíduos normais e 30 portadores de transtornos mentais.
Resultados:

  • Humor: Alteração no humor, com predominio de euforia e váriações para sentimentos de desconforto, apreensão ou ansiedade acentuada.
  • Cognição: Disturbios de atenção, ideação, alteração na noção subjetiva de tempo, afastamento da realidade ou isolamento do individuo, pensamentos delirantes.
  •  Comportamento: Excitação, com movimentos compulsivos e gargalhadas sem motivos aparentes, alternando para desânimo e indiferença.
  • Percepção: Alteração na intensidade das impressões sensoriais (predominantemente visuais, mas também acústicas e gustativas), ilusão, alucinação, distorção da imagem corporal, disturbios de propriocepção, despersonalização e interpretação antagonista do ambiente.
  • Memória: Estimulação da memoria da infância, incluindo experiencias traumáticas, acesso ao material esquecido e liberação de inibições (ab-reação emocional).

Conclusão: Para os autores o acesso ao material esquecido e a liberação de inibições (ab-reação emocional) poderia ter grande valor terapêutico e interesse para a psicologia e psiquiatria.
Referência: Delay, Pichot, Lempérière, Nicolas-Charles & Quétin, 1959

1959 – Estudos com psilocibina, um psicodélico do cogumelo Psilocybe mexicana.
Autoria: Gnirss
Objetivo: Verificar os efeitos da substância em populações humanas.
Metodologia: Administração de psilocibina em 18 pacientes saudáveis.
Resultados:

  • Humor: Alteração no humor, com predomínio de euforia.
  • Comportamento: Possui ação direta no Sistema Nervoso Central, produzindo alterações de comportamento, com efeitos iniciais de atividades reduzidas e variando para uma segunda fase com o aumento da atividade e excitação.
  • Percepção: Alterações da imagem corporal, sentimentos de despersonalização e distúrbios de percepção sensorial.
  • Efeitos somáticos: Foram relatadas alterações no funcionamento do sistema nervoso autônomo como bradicardia, aumento da pressão arterial, diminuição da freqüência respiratória e aumento do volume respiratório, dor de cabeça, vertigem e dessincronização do EEG.

Conclusão: O autor afirma que a psilocibina possui ação direta no Sistema Nervoso Central, produzindo alterações de comportamento, humor e cognição, possuindo grande propriedade reforçadora sendo, passíveis de auto-administração.
Referência: Gnirss,1959

1960 – A Psilocibina na psiquiatria e clínica experimental.
Autoria: Quétin
Objetivo:
Metodologia: Administração de psilocibina em 32 pessoas saudáveis, com idade entre 25-35 anos e 68 pacientes diagnosticados com quadros psicóticos.
Resultados:

  • Humor: Não houve mudança
  • Memória: Liberação de memórias reprimidas.
  • Efeitos somáticos: Produz bradicardia, hipoglicemia e uma pequena alteração na esfera psíquica.

Conclusão: O efeito da psilocibina é comparável à do LSD e mescalina, mas difere em manifestações somáticas e não há nenhuma mudança na contagem de leucócitos. O modo de ação é complexo e ainda não esclarecido. A droga é certamente de grande interesse para o diagnóstico e, provavelmente, também para a psicoterapia. A reação dos indivíduos saudáveis podem às vezes ser previsíveis se o tipo de personalidade é conhecido: estudos psicométricos devem ser feitos.
Referência: Quétin,1960

1965 – Um novo programa de mudança de comportamento para infratores adultos usando psilocibina.
Autoria: Leary
Objetivo: Reduzir as taxas de reincidência criminal.
Metodologia: Administração de psilocibina em 32 presos, para auxiliar a psicoterapia de grupo.
Resultados:

  • Comportamento: Houve uma mudança positiva no comportamento dos presos depois da experiência com a psilocibina, em comparação com os mesmos antes da experiência.

Conclusão: O estudo concluiu que o novo programa de psicoterapia de grupo, auxiliada pela administração de psilocibina, e programas de pós-libertação carcerária, reduziria significativamente os índices de reincidência criminal. Os registros da Prisão Estadual de Concord sugeriam que 64% dos 32 indivíduos voltariam para a prisão no prazo de seis meses após a liberdade condicional. No entanto, após seis meses, apenas 25% das pessoas em liberdade condicional retornaram a prisão, seis por causa de violação da condicional e dois por novos crimes.
Referência: Leary, Metzner, Presnell, Weil, Schwitzgebel & S. Kinne, 1965

1990-2010
2006 – Segurança, tolerância e eficácia da psilocibina em 9 pacientes com Transtorno Obsessivo-Compulsivo.
Autoria: Moreno
Objetivo: Uso terapêutico da psilocibina em pacientes diagnosticados com TOC, que resistiram a outros tipos de tratamentos.
Metodologia: Administração de psilocibina em 9 pacientes portadores de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
Resultados:

  • Comportamento: Foi observada uma diminuição acentuada dos sintomas de TOC em todos os pacientes. A diminuição dos sintomas em pacientes que sofrem de transtorno obsessivo-compulsivo durou após as primeiras 24 horas após a ingestão da psilocibina.
  • Efeitos somáticos: Um indivíduo apresentou hipertensão transitória.

Conclusão: As conclusões reportaram que a psilocibina foi usada com segurança em todos os pacientes, da amostra de nove, que experienciaram reduções agudas nos sintomas básicos do TOC e melhorias nos quadros obsessivos compulsivos durante o período da experiência.
Referência: Moreno, Wiegand, Taitano & Delgado, 2006

2006 – Reação da cefaléia em salvas à psilocibina e ao LSD.
Autoria: Halpern
Objetivo: Investigar os efeitos terapêuticos da psilocibina e do LSD em pacientes diagnosticados com uma enxaqueca intensa, conhecida como cefaléia em salvas.
Metodologia: Administração de psilocibina em 53 pacientes com cefaléia em salvas.
Conclusão: Foi confirmada a eficácia completa (definida como a causa da parada total dos ataques) ou a eficácia parcial (definida como diminuição da intensidade ou freqüência dos ataques, mas não a extinção dos mesmos) da psilocibina neste tratamento em 42% dos 53 indivíduos.
Referência: Sewell, Halpern & Pope, 2006

2006 – A psilocibina pode ocasionar experiências místicas possuindo substancial sentido pessoal e significado espiritual.
Autoria: Griffiths
Objetivo: Investigar os mecanismos da experiência mística/espiritual induzida pela psilocibina e avaliar os efeitos psicológicos, agudos e de longo prazo, proporcionados por uma dose alta de psilocibina.
Metodologia: Administração de psilocibina em 36 voluntarios adultos saudaveis, que participavam regularmente de atividades religiosas ou espirituais.
Resultados:

  • Humor: Humor lábil, com sentimentos de transcendência, tristeza, alegria, e/ou ansiedade. Redução de ansiedade de longo prazo após experiencia.
  • Cognição: Senso de significado e/ou idéias de referência. Sensação de bem estar ou satisfação com a vida.
  • Comportamento: Resultados mais elevados de estimulação/excitação e de atividade motora espontânea, sonolência muito baixa, agitação e maior contato físico com os monitores. Mudanças positivas duradouras nas atitudes e comportamentos dos sujeitos.
  • Percepção: Alteração perceptivas como pseudo-alucinações visual, ilusões, e sinestesias.

Conclusão: O estudo, constata que as modificações sofridas no humor, afeto e cognição dos sujeitos, após a expreriência com a psilocibina, são típicas desta substância e produzem uma série de grandes alterações na percepção, experiência subjetiva e humor lábil, incluindo ansiedade, dos participantes. Maiores elevações, a longo prazo, nos índices de atitudes positivas, bom humor, sociabilidade e comportamentos assertivos. Experiência classificada pelos sujeitos como estando dentre as cinco experiências mais significativas de sua vida, considerando-a como possuidora de substancial sentido pessoal e significado espiritual.
Referência: Griffiths, Richards, McCann & Jesse, 2006

2010 – Estudo Piloto de Tratamento de psilocibina para ansiedade em pacientes com câncer em estágio avançado.
Autoria: Grob
Objetivo: Investigar a segurança e eficácia terapêutica da psilocibina para pacientes com câncer terminal
Metodologia: Administração de psilocibina em 12 indivíduos adultos com câncer em estágio avançado e ansiedade.
Resultados:

  • Humor: Melhora de humor que atingiu significância de seis meses, com redução da ansiedade no tempo de até três meses após o tratamento.

Conclusão: O estudo, que procurava a redução do estresse e dor, obteve resultados animadores no aumento da qualidade de vida e melhora do humor e ansiedade dos pacientes e os dados revelaram um aspecto promissor na utilização terapêutica da substância, estabelecendo a viabilidade e segurança da administração de doses moderadas de psilocibina para pacientes.
Referência: Grob, Danforth, Chopra, Hagerty, McKay, Halberstadt & Greer, 2010.

6. Discussão e análise dos dados

A partir da análise dos resultados obtidos nestas 8 pesquisas realizadas através da administração de psilocibina, entre outros conhecimentos sobre o tema, podemos observar alguns aspectos que devem ser levados em consideração:

Em relação aos efeitos somáticos produzidos pela psilocibina, que são divulgados mais amplamente em 3 pesquisas, que consiste nas alterações no funcionamento do sistema nervoso autônomo como bradicardia, aumento da pressão arterial, diminuição da freqüência respiratória e aumento do volume respiratório, dor de cabeça, vertigem e hipoglicemia podem representar riscos para algumas pessoas, necessitando de acompanhamento médico. Outros efeitos somáticos observados como midríase, hipotensão, congestão facial, suor, astenia e sono são aparentemente os mesmos, tanto em pessoas com transtornos mentais quanto em pessoas normais. Andar ébrio e tremores acontecem paralelamente.

Em relação aos efeitos psíquicos, são caracterizados em primeiro lugar por perturbações do humor, como euforia e sensação de bem-estar, é interessante notar uma inversão do humor nos melancólicos. A agitação é freqüente, variando muitas vezes de um estado eufórico para sentimentos de desconforto, mal-estar geral, fadiga com apreensão, perplexidade e até mesmo ansiedade, nos mostrando o quão sensível para emoções a psilocibina deixa o paciente.

O comportamento é alterado, geralmente há uma grande excitação com o uso da substância, podendo ocorrer, por exemplo, movimentos compulsivos que se alternam para desânimo e indiferença. Porém a longo prazo pode ser constatado uma melhora significativa nos comportamentos e atitudes do sujeito.

A cognição é afetada por distúrbios de atenção, alteração na noção subjetiva de tempo, afastamento da realidade, isolamento do indivíduo e ocorre pensamento delirantes. Os fenômenos intelectuais apresentam déficit, como perturbações de concentração, às vezes são de um tipo onírico que pode ser ansioso, e até erótico.

A percepção é alterada, ocorrendo alteração na intensidade das impressões sensoriais, distorção da imagem corporal e podendo ocorrer ilusões e sinestesias. Os contatos com o mundo exterior traduzem modificações que levam, por exemplo, os melancólicos a sorrir, os catatônicos a procurar contato. Às vezes desaparece a timidez e um fenômeno nomeado por um dos autores como reticências, que diz da “omissão voluntária do que se poderia dizer”. Sentimentos de despersonalização não são raros.

A memória é afetada através da estimulação da memória da infância, da liberação de inibições (ab-reação emocional) e liberação de memórias reprimidas. As manifestações mais interessantes aplicam-se as evocações, permitindo aos pacientes reviver suas crises de angústia ou cenas que podem tê-los marcado. A supressão das inibições permanece também como um dos resultados mais dignos de atenção.

Podemos considerar, de um modo geral, que existe grande semelhança entre os efeitos da psilocibina nos sujeitos normais e nos doentes mentais.
A liberação de memórias reprimidas ocorre igualmente a ambos, entretanto, nas pessoas normais são recordações de infância geralmente não penosas, enquanto que nos doentes mentais são, mais freqüentemente, cenas traumatizantes.

Convém separar os efeitos da psilocibina conforme a condição psíquica do sujeito, se ele é psicótico ou neurótico. Nos esquizofrênicos crônicos, nos dementes, toda possibilidade de resposta afetiva parece abolida, os risos discordantes sem nenhum motivo ou razão são freqüentes. Nos paranóicos de evolução recente as reações são violentas, as vezes provocadas por poderosas recordações nas quais as testemunhas presentes podem ser identificadas a personagens ligadas a cenas do passado do doente, que as reencontra, sob o efeito da substância. Assim sendo, a agressividade deste em relação a certas pessoas de seu ambiente renascerá, devido a esta lembrança provocada, necessitando de maio cuidado neste ponto.

Nos casos de neurose, determina-se o interesse da aplicação da psilocibina. Nos psicopatas, a atitude se revelará teatral ou pueril. As lembranças afluem, o sujeito registra-as com todo o cortejo afetivo: reivindicações, frustrações, invejas, culpabilidade (Quétin, 1960). Assim sendo, a supressão das inibições e dos recalques acelera-se, fixa-se. Em alguns casos, essas modificações chegam a uma verdadeira tomada de consciência intelectual do paciente sobre seu estado, o que pode levar a uma espécie de euforia, a qual aguçaria, por exemplo, seu “apetite” renovador, levando o sujeito a novas atitudes.

Nos histéricos, enfim, numa primeira fase ansiosa acentuada pela desconfiança, sucederá um desaparecimento progressivo da hostilidade em relação às testemunhas. Pouco a pouco, as lembranças longínquas se reconstituem, acumulam, as circunstâncias do passado tornam a juntar-se. Também nos portadores de transtorno obsessivo-compulsivo o sentimento de culpa pode exteriorizar-se, fazendo nascer os elementos que permitirão que talvez se desenhem — definidas pelo próprio doente — as etapas sucessivas de sua despersonalização, trazendo uma grande melhora para sua vida e redução, com raros casos de extinção, dos sintomas.

Este efeito sobre a memória humana, provocando o acesso a memórias reprimidas, é de grande interesse para a psicologia, se mostrando um método eficaz no tratamento de algumas desordens mentais e outros transtornos, provocando uma significativa melhora na vida dos pacientes e se mostrando segura para sua aplicação, se mediante a um acompanhamento profissional e um direcionamento terapêutico.

7. Considerações finais

Os efeitos únicos produzidos pela psilocibina fornecem panoramas para o estudo da mente em geral e da consciência humana em particular. Permitem a exploração de diversos parâmetros e mecanismos atrelados ao processo consciente, como a percepção sensorial e a autoconsciência.
Nas mãos do terapeuta, a psilocibina não apenas pode agir francamente sobre o ressurgimento de lembranças reprimidas como também despertar um desejo de aproximação entre o paciente e o terapeuta, formando um vínculo onde seja possível uma colaboração maior de ambas as partes para a revelação da origem das perturbações mentais.

Mostrando-se então uma eficaz ferramenta terapêutica, e comprovando minhas hipóteses de que a proibição desta substância advém antes de uma arbitrariedade preconceituosa de pretextos hediondos do que de um real risco a vida ou bem-estar do ser humano. Porém, para uma aplicação segura e com resultados benéficos da psilocibina, como uma ferramenta auxiliar em processos terapêuticos, mais estudos são necessários.

Referências
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Ayahuasca e Redução do Uso Abusivo de Psicoativos: Eficácia Terapêutica?

Material interessante e muito completo, que nos foi enviado em PDF  pelo amigo Aduad Attar, a quem somos gratos

 


 

yashua

Psicologia: Teoria e Pesquisa

Set-Dez 2006, Vol. 22 n. 3, pp. 363-370

Ayahuasca e Redução do Uso Abusivo de Psicoativos: Eficácia Terapêutica?

Rafael Guimarães dos Santos
Universidade de Brasília

Célia Carvalho de Moraes
Instituto de Gestalt-Terapia de Brasília

Adriano Holanda
Universidade de Brasília

RESUMO

Trata-se de uma avaliação do possível papel do uso da ayahuasca, em contexto religioso, como auxiliar na redução do consumo abusivo de psicoativos, a partir de uma pesquisa de estudo de caso. Foi realizada uma entrevista aberta com uma usuária regular de cocaína, nicotina e álcool que abandonou este comportamento após entrar em contato com a ayahuasca num contexto ritualizado. O caso foi analisado à luz da comparação deste com a literatura existente sobre o assunto. Foi traçada uma relação entre o início do uso da ayahuasca e o abandono do uso de cocaína, nicotina e álcool pela entrevistada, a partir da avaliação das representações simbólicas e das descrições de suas primeiras experiências com a bebida.

A palavra ayahuasca tem sua origem na língua Quéchua, língua falada nos altiplanos andinos (Dobkin de Rios, 1972), e significa, dentre outras, “corda dos mortos”, em referência às várias espécies de cipó utilizadas como base da preparação de um psicoativo utilizado por pelo menos 72 grupos indígenas diferentes, espalhados pelo Brasil, Colômbia, Peru, Venezuela, Bolívia e Equador (Luna, 1986). O termo ayahuasca refere-se a diferentes elementos: 1) a força espiritual que estaria presente na substância e 2) a própria substância, que é feita a partir de diferentes espécies do cipó Banisteriopsis (Malpighiaceae) adicionadas com outras plantas (Groisman, 2000)2. Pode-se dizer que o termo aplica-se também à substância preparada somente com espécies do cipó, prática esta encontrada, por exemplo, entre os índios Maku, na região fronteiriça entre Brasil e Colômbia (Davis, 1997).

Desde meados do século XIX, com a expansão do Ciclo da Borracha, a ayahuasca vem sendo utilizada por populações não indígenas, como seringueiros, pescadores e agricultores das áreas rurais dos estados brasileiros do Acre e de Rondônia, por exemplo (Araújo, M., 2004). Por volta da segunda década do século XX, no interior de Rio Branco-AC, foi criada por Raimundo Irineu Serra a religião do Santo Daime, culto que consagra a ayahuasca (neste contexto, batizada de Daime) em rituais religiosos com influências do catolicismo popular, do espiritismo kardecista, dos cultos afro e do xamanismo (Couto, 1989; Goulart, 1996; Labate & Araújo, 2004; MacRae, 1992).

Na década de 1940 foi fundada por Daniel Pereira de Mattos, também em Rio Branco-AC, a Barquinha, religião ayahuasqueira também formada com elementos indígenas, cristãos e afro-brasileiros, com uma maior influência da Umbanda (Araújo, W., 2004; Frenopoulo, 2004; Labate, 2004, Santos, 2004). E em 1961, foi fundada por José Gabriel da Costa, em Porto Velho-RO, a União do Vegetal (UDV), a maior e mais institucionalmente organizada das religiões ayahuasqueiras, cujos ensinamentos são baseados em uma doutrina cristã-reencarnacionista permeada por elementos do espiritismo kardecista e de outras manifestações religiosas urbanas. Além disso, possui um caráter mais sóbrio e menos festivo que as outras organizações (Santo Daime e Barquinha), não praticando danças ou cantos com instrumentos (Brissac, 1999, 2004).

Em recente publicação, Labate (2004) estudou os usos ritualizados da ayahuasca em contextos urbanos, usos estes marcados por uma influência de orientalismos, vocabulários provenientes do universo New Age e da Psicologia. Os usos religioso-institucionais da ayahuasca se encontram hoje em vários países do mundo, como Espanha, França, Holanda, Estados Unidos e Japão (Lima, 2004).

Ayahuasca, xamanismo e o uso problemático de psicoativos

O que caracteriza o uso problemático ou abusivo de certas substâncias não é, necessariamente, a quantidade e a freqüência de uso destes psicoativos, embora estes fatores possam fazer parte do comportamento descrito. Mais do que quantidade de substâncias e freqüência de uso destas, que poderiam atuar num nível primário (físico-biológico) do indivíduo, são as desarmonias na vida sociocultural, familiar e psico-social deste indivíduo (p. ex., estigmatização no emprego e na vida social mais ampla, isolamento social pela comunidade, maus-tratos por parte da polícia), ou seja, num nível secundário, que seriam as principais características deste uso problemático de psicoativos.

Existem vários relatos na literatura sobre os possíveis efeitos benéficos do uso ritual e/ou supervisionado de substâncias alucinógenas como uma alternativa às terapias contemporâneas para o auxílio na dependência ou no uso problemático de certos psicoativos, sobretudo o álcool (Blewett & Chwelos, 1959/2005; Carneiro, 2005; Grob, 2002; Grof, 2001).

Logo após a descoberta dos efeitos do LSD-25 por Albert Hofmann em 1943, várias substâncias desta classe foram aplicadas e testadas no contexto psicoterapêutico, médico, espiritual e em práticas “psicoespirituais”, ou seja, práticas que, em condições favoráveis de supervisão e preparação, buscam a reestruturação do indivíduo por meio de um estado de consciência cósmica que seria semelhante aos êxtases religiosos espontâneos conhecidos como unio mystica, samadhi ou satori, que são experienciados como uma iluminação por uma realidade transcendente em qual a Criação e o Ego são Um (Schultes & Hofmann, 1992).

Como exemplo destas práticas pode-se citar a a) terapia psicodélica, na qual, após uma intensa preparação, é administrada uma única dose do psicoativo, dose esta bastante alta, visando desencadear uma experiência místico-espiritual no indivíduo e, a partir daí, elaborar as mudanças cognitivo-comportamentais necessárias; e b) a terapia psicolítica, na qual pequenas doses são administradas ao longo do tempo, geralmente semanalmente ou mensalmente, intercaladas por psicoterapias baseadas em grande parte no modelo psicanalítico, com o objetivo de facilitar o processo de transferência entre o paciente e o terapeuta e, além disso, facilitar o acesso a memórias reprimidas da infância (Adaime, no prelo; Grob, 2002; Grof, 2001; Schultes & Hofmann, 1992).

Esta opção de se utilizar certos psicoativos para auxiliar o tratamento do uso abusivo de outros psicoativos também ocorre em grupos indígenas extremamente afetados pelo álcool. O fato de o álcool ser muitas vezes uma substância exógena e descontextualizada nestes grupos humanos, pode ser um dos motivos de seu abuso por parte desta população (Mabit, 2002). Como exemplos do uso tradicional de psicoativos no tratamento do alcoolismo pode-se citar a) o uso ritual de cactos contendo mescalina por parte dos curandeiros da costa peruana, uma prática com uma alta taxa de sucesso (por volta de 60%, após cinco anos) e b) a recuperação de práticas ancestrais, incluindo o uso ritual do peiote e do tabaco, por grupos indígenas norte-americanos (Mabit, 2002).

No final da década de 60 do século XX, devido às informações alarmistas provenientes da mídia e à expansão do uso de alucinógenos dos centros de pesquisa das faculdades para as ruas, a pesquisa envolvendo seres humanos e estas substâncias foram proibidas, dificultando o aprofundamento dos potenciais neuroquímicos e psicoterapêuticos destas substâncias peculiares (Carneiro, 2005; Grob, 2002; Grof, 2001). No entanto, o uso religioso de certos vegetais como o peiote nos EUA e México, a iboga na África, e a ayahuasca no Brasil e na Amazônia Ocidental, continuou sendo praticado com uma certa liberdade e autonomia (Fericgla, 1998; Furst, 1994; Labate, 2003).

Nestes contextos, as plantas são carregadas de um simbolismo altamente complexo, no qual fazem parte de seu consumo os aspectos: a) biológicos – a planta em si, suas substâncias e o organismo do indivíduo; b) psicológicos – o indivíduo, suas expectativas, motivações e preparações para o consumo do psicoativo; c) socioculturais – o indivíduo, sua comunidade e suas regras sociais; e d) ambientais – local do uso da substância, música, danças, plantas aromáticas, decoração etc (Grob, 2002; Grof, 2001; Leary, Metzner & Alpert, 1964/1995). Tanto a mescalina (do peiote) como a ibogaína (da iboga) vêm sendo estudadas como possíveis alternativas para a dependência e o uso problemático de psicoativos (Grof, 2001; Labate, 2003).

Recentemente, um estudo realizado com 15 membros da União do Vegetal que consagravam a ayahuasca ritualmente por pelo menos 10 anos demonstrou, entre outras coisas, que de acordo com os critérios da CID-10 e DSM-III-R, cinco dos examinandos tinham antecedentes de desordens formais por abuso de álcool, dois de depressão maior e três de ansiedade fóbica; 11 examinandos tinham uma história de uso moderado a grave de álcool anterior à sua entrada na UDV, com cinco deles referindo episódios associados com comportamento violento (dois deles tinham sido presos por causa de sua violência) (Grob & cols., 2004).

Além destes dados, o estudo de Grob e cols. (2004) evidenciou que quatro indivíduos também relataram envolvimento anterior com abuso de outros psicoativos, incluindo cocaína e anfetamina, e que oito dos 11 examinandos com histórias anteriores de álcool e abuso de outros psicoativos eram dependentes de nicotina na época do seu primeiro encontro com a UDV. Muitos dos examinandos do estudo de Grob e cols. referiram uma variedade de comportamentos disfuncionais anteriores à sua entrada na UDV. Autodescrições incluíram “impulsivo, sem respeito, raivoso, agressivo, opositor, rebelde, irresponsável, alienado, fracassado”.

Entretanto, avaliações de diagnóstico psiquiátrico revelaram que apesar de uma porcentagem apreciável de usuários de longo tempo da ayahuasca terem tido desordens relativas ao álcool, depressivas ou de ansiedade anteriores à sua iniciação com o alucinógeno, todas as desordens tinham remitido sem recaídas depois de sua entrada na UDV. Os examinandos referiram que desde sua entrada na UDV suas vidas passaram por mudanças profundas. Além da total descontinuidade do abuso de psicoativos, os sujeitos enfaticamente afirmaram que sua conduta diária e orientação para o mundo à sua volta tinham tido radical reestruturação (Grob & cols., 2004).

Baseado no estudo de Grob e cols. (2004), Labigalini (1998) desenvolveu uma pesquisa sobre as vivências subjetivas de quatro indivíduos que apresentavam dependência grave ao álcool, dois deles também dependentes de cocaína, e que remitiram poucos meses após começarem a freqüentar os rituais da UDV. A principal conclusão do trabalho foi a de que os indivíduos entrevistados não trocaram a dependência ao álcool por outra dependência. Além disso, ficou evidenciado que o uso de ayahuasca que esses indivíduos passaram a fazer periodicamente durante os rituais não possuía contornos psicopatológicos de uma compulsão. Esta compulsão também não foi encontrada na relação destes indivíduos com a instituição religiosa, por meio de seus valores e práticas rituais, e com o grupo (Labigalini, 1998).

Baseando-se na análise das entrevistas e nas observações participantes neste estudo, Labigalini apontou os seguintes fatores como variáveis importantes na melhora dos sujeitos: a) as características do estado de consciência vivenciados nas experiências com a ayahuasca, b) a inserção social em um novo grupo e c) a estruturação e regulação dos rituais por meio de suas sanções sociais.

Ainda neste contexto, vale citar a existência do Centro Takiwasi, em Tarapoto, Peru, fundado em 1992 (Mabit, 2004). Neste centro, Mabit e colaboradores – curandeiros locais, médicos, psicólogos e terapeutas – exploram os potenciais curativos do racionalismo ocidental juntamente com as práticas espirituais do xamanismo e das terapias tradicionais amazônicas, utilizando plantas eméticas, dietas, isolamento na floresta, vida comunitária, psicoterapia e a ayahuasca, desenvolvendo métodos alternativos para lidar com o uso problemático de psicoativos, principalmente a pasta base de cocaína, cuja área é uma das principais consumidoras do mundo (Mabit, 1996a, 1996b, 2002). Segundo Mabit (2002, p. 28):

Após 15 anos de observação de mais de oito mil casos de ingestão da Ayahuasca sob condições específicas de preparação, prescrição e acompanhamento terapêutico, nós podemos afirmar que a ingestão destas preparações possui uma ampla variedade de indicações, com uma total ausência de dependência. A expansão do espectro perceptual, que simultaneamente envolve o corpo, as sensações e os pensamentos, permite a des-focalização da percepção ordinária da realidade, proporcionando ao sujeito a possibilidade de confrontar seus problemas habituais por conta própria e sob uma nova perspectiva. A intensa aceleração dos processos cognitivos que acompanha esta experiência pode permitir ao sujeito a capacidade de conceber soluções originais que se enquadram à sua personalidade e situação únicas.

A partir destas referências e modelos teóricos pretendemos elaborar e investigar, por meio da análise fenomenológica da entrevista e de observações participantes em rituais de consagração da ayahuasca, o caso de uma jovem que abandonou o uso problemático de álcool, cocaína e nicotina após conhecer o uso ritualizado da ayahuasca. Esta jovem apresentou-se como uma voluntária para a realização de uma pesquisa sobre os aspectos legais, históricos, doutrinários e religiosos do uso da ayahuasca, trabalho este que partiu dos estudos do grupo Arché – Programa de Pesquisas em Psicologia e Fenomenologia da Religião e da Espiritualidade –, que se encontra atualmente vinculado ao Laboratório de Psicopatologia e Psicanálise, do Departamento de Psicologia Clínica, no Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB).

Método

Trata-se de um estudo de caso associado a uma revisão bibliográfica sobre o consumo ritualizado da ayahuasca por pessoas que faziam um uso abusivo ou problemático de outras substâncias – cocaína e pasta base de cocaína, álcool, nicotina, anfetaminas etc – e que posteriormente abandonaram ou controlaram este comportamento. Foram utilizadas técnicas da antropologia, como a observação participante, realizada em diversos grupos ayahuasqueiros nos arredores de Brasília, e referenciais teóricos do grupo Arché, como o texto de Amatuzzi (1998).

No grupo Arché, tivemos contato com Maria (nome fictício), jovem desinibida e espontânea com 20 anos na época e que se apresentou como estudante universitária com pendores artísticos, segundo ela mesma, membro de um grupo que utiliza a ayahuasca em suas cerimônias religiosas e como voluntária para nos auxiliar na pesquisa mais ampla sobre a ayahuasca. Maria começou nos ajudando no levantamento de documentos sobre as principais religiões ayahuasqueiras brasileiras (Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal) e nas semanas subseqüentes permitiu que fizéssemos uma entrevista aberta sobre sua experiência pessoal com a ayahuasca. Esta entrevista ocorreu na casa de um dos autores do presente artigo, em um ambiente de tranqüilidade e conforto. A entrevista, aberta, foi norteada por perguntas abertas, tais como: “O que é a ayahuasca para você?”, “Como foi a sua primeira experiência com a ayahuasca?”, “Porque ou com que finalidade você utiliza a ayahuasca?”. Esta entrevista foi gravada, transcrita e posteriormente analisada.

Na conversa com Maria, chamou a atenção o fato de que ela fazia um uso abusivo de álcool, cocaína e nicotina e que este comportamento se remitiu pouco tempo após o início do consumo cerimonial da ayahuasca. Não só o uso problemático de alguns psicoativos foi abandonado, mas Maria passou por uma transformação radical em seus valores e atitudes perante o mundo. Este trajeto foi descrito com detalhes em sua entrevista e enfocou-se a relação entre o abandono do uso de álcool, cocaína e nicotina e o início do uso religioso da ayahuasca.

O rico e complexo material proveniente deste recorte foi re-analisado e comparado com a literatura sobre o assunto, buscando avaliar os elementos significativos da experiência de Maria nos estados alterados de consciência proporcionados pelo uso da ayahuasca em contexto ritualizado.

Resultados e Discussão

Apenas trechos de maior importância serão comentados. As palavras textuais da entrevistada foram assinaladas em itálico.

Maria apresentou-se como uma jovem de vida turbulenta, vida esta caracterizada por uma busca de algo e por um envolvimento com certos psicoativos – álcool, cocaína e nicotina – e com pessoas que não eram muito legais. Ela havia consumido cocaína por dois anos consecutivos quase todo dia, segundo ela, além do álcool e da nicotina. Não gostava de religião. Antes de conhecer a ayahuasca Maria já tinha uma intenção, uma iniciativa pessoal de parar de usar os outros psicoativos, substâncias que ela caracterizou como estimulantes, da vida noturna.

Porque eu fiquei um ano sem ver Sol. Só saia seis horas de casa e voltava sete horas da manhã. Dormia o dia inteiro, saía… Não fazia nada, não estudava… Era maluca.

Foi quando Maria conheceu pessoas que não faziam parte de seu contexto que sua vida começou a mudar. Durante uma crise de abstinência Maria viu a oportunidade de conhecer a ayahuasca que, segundo ela, a salvou:

Aí eu comecei uma crise de abstinência e no dia que eu conversei com o João (nome fictício), que foi a pessoa que me levou para conhecer o vegetal (nome da ayahuasca neste contexto), falei para ele “João, sabe onde vende cocaína?”, “Sei”, “Vamos sair comigo na sexta?”, “Não, eu tenho compromisso”, “Para onde você vai?”, “Vou beber um chá”, “Me leva?”. Aí ele me levou. Aí eu me salvei.

Em seu primeiro contato com a ayahuasca – caracterizado pela entrevistada como sendo a experiência mais forte e poderosa – Maria relatou vivências de caráter místico-religioso, alteração de percepções e de emoções, susto, medo de morrer, reações somáticas intensas como vômito, choro e tosse além de ab-reações e catarses. Estas experiências, realizadas em um local onde ocorrem periodicamente cerimônias com a ayahuasca, estavam culturalmente contextualizadas e sancionadas, permeadas por conceitos próprios e, de certo modo, eram inclusive estimuladas.

Segundo Mabit (2002, pp. 26-27), “a indução ritualizada de modificações da consciência, com ou sem substâncias, estabelece uma estrutura simbólica universal dentro da qual estas experiências adquirem significado, permitindo que o indivíduo se inscreva dentro de um modelo de integração cultural”.

O ambiente físico e o contexto simbólico-ritual onde se realizou a cerimônia, o setting, era propício para este tipo de experiência. Segundo Strassman (1984), um ambiente controlado e supervisionado, como geralmente ocorre nas religiões ayahuasqueiras, tem uma maior possibilidade de otimizar as experiências com substâncias alucinógenas, como a ayahuasca, diminuindo as chances da ocorrência de reações adversas. Neste caso, o ambiente exerce papel primordial na experiência como um todo.

No contexto em questão, as reações somáticas foram explicadas e encaradas por Maria como sendo um processo de limpeza, no qual, juntamente com as visões e demais experiências sensoriais e cognitivas proporcionadas pela ayahuasca, toda a experiência pode ser reconstruída e contextualizada, permitindo a reavaliação de comportamentos, valores e atitudes anteriores de Maria.

Comecei a sentir minha pressão baixa. Nesse momento eu fiquei assustada porque eu tinha pressão baixa e achei que podia ter um problema. Percebi que quanto mais eu lutava contra aquela sensação pior ela ficava, uma sensação bem forte. Relaxei, deitei, e quando eu deitei comecei a ver cobras, umas coisas bem esquisitas mesmo. Vomitei muito nesse momento, e quando vomitava eu não vomitava coisa do estômago, eu vomitava álcool, eu bebia muito… Eu vomitava e sentia cheiro de álcool. Cheirei muita cocaína… Tive nesse momento de limpeza um dos momentos mais fortes da minha vida, mais incríveis, porque foi uma potência de informações do meu ser e uma limpeza… Senti minha garganta arranhar, minha cabeça doía e adormeceu minha boca e eu não forcei nada pra sair do meu nariz, simplesmente saiu uma placa branca, uma placa assim no chão e eu “Caramba! Isso aqui é cocaína”. Peguei e disse “Me limpou!”. Depois disso eu comecei a chorar muito, mas eu chorava de alegria, eu estava me sentindo tão bem naquele momento, tão bem tão bem tão bem e ao mesmo tempo eu estava triste porque eu sabia que a minha caminhada ia ser longa, que eu tinha muita coisa para resolver. Aí eu pensei na minha família, no meu pai na minha mãe, quanto tempo que eu não tinha uma relação legal com eles sabe? Regressão, lembrei da minha infância… Uma pessoa na fogueira falou “É assim mesmo. A gente limpa, faz a limpeza, têm essa relação mesmo…”. Estava uma noite linda, uma lua cheia maravilhosa, eu nunca tinha percebido o tanto que a natureza é linda… Naquele momento eu percebi que é de lá que eu vim. Senti-me viva naquele momento. Eu acordei, como se eu tivesse acordado para vida, sabe?

Pode-se perceber na fala uma enorme carga emocional depositada em três momentos principais: religação com os valores familiares, integração com a Natureza e, principalmente, durante os processos de limpeza, processos estes comuns nos meios ayahuasqueiros (p. ex., Couto, 1989). Nesta limpeza, o que mais chama a atenção são as percepções do cheiro de álcool e da visão da placa de cocaína que teria saído de seu nariz. Sabe-se que a ayahuasca, bem como demais substâncias desta classe, tem a capacidade de desencadear sinestesias e que estas podem ser manipuladas para os mais diversos fins, inclusive com finalidades terapêuticas (Luna, 1986). Ao estudar as práticas dos vegetalistas e dos xamãs sul-americanos, Luna (1986, p. 106) os caracteriza como mestres de sinestesia:

Suas músicas (do xamã, entre os Shipibo-Conibo) podem, por assim dizer, ser ouvidas de maneira visual e os padrões geométricos podem ser vistos acusticamente. Este fenômeno é freqüentemente relatado nos textos das canções xamânicas. Por exemplo, um remédio pode ser chamado de ‘minha música pintada’, ‘minha voz’, ‘meu pequeno vaso pintado’, ‘minhas palavras com aqueles desenhos’, ou ‘meu padrão vibrante.

No caso das alterações sensoriais, emotivas e cognitivas, e independente de se classificar o que ela passou como sendo sinestesia, alucinação, ilusão, imaginação ou se ela realmente sentiu o cheiro de álcool ou se o que ela viu era realmente cocaína, o que deve ser levado em consideração é o potencial transformativo que esta experiência tem para o indivíduo. Claro, seria de muito interessante saber se a ayahuasca teria esta capacidade de “limpar”, literalmente, o organismo de um ser humano nestes níveis, mas esta é uma pergunta que não poder ser respondida pela presente pesquisa.

Neste processo relatado por Maria, a alta carga emocional e cognitiva presente em suas experiências e falas demonstra um enorme potencial para que uma mudança de seus valores e atitudes possa ocorrer. Tal experiência do transcendente se assemelha às psicoterapias psicodélicas praticadas nos anos 1960 com substâncias como o LSD-25, na qual um dos objetivos buscados e muitas vezes atingidos, era o da mudança radical de valores, filosofia de vida e atitudes perante os outros, o mundo e consigo mesmo (Grof, 2001).

Vale ainda citar a importância e a compreensão do papel da amizade para a análise do processo de Maria. Durante o período turbulento de sua vida, ela disse que estava andando com pessoas não muito legais, mas que ao se afastar destas pessoas, ela pôde conhecer a ayahuasca e outro grupo social. Neste novo contexto Maria descobre amigos mesmo, que a auxiliam:

Só me auxiliam aqui. E a amizade, e as pessoas que eu convivo… nossa, muito, muito, muito bom. São amigos mesmo, porque amigo hoje em dia é difícil né? É difícil, porque agente convive com várias pessoas ao mesmo tempo e acha que um é amigo, outro é amigo. Vou te dizer que desde quando eu comecei a beber o vegetal, eu percebi que daquela galera que eu andava antes, quem são meus amigos daquela galera… Eu tinha assim cerca de uns 40 amigos, que eu achava que eram amigos.

Entretanto, Maria parece atribuir grande responsabilidade por sua “cura” a si mesma, à ayahuasca e a colocar em prática aquilo que aprendeu nos rituais. Mesmo não menosprezando o possível papel do acolhimento em um contexto religioso, da mudança de amizades e da melhora das relações interpessoais como prováveis causas de sua mudança de comportamento, Maria diz que:

Foi o vegetal mesmo. Na verdade não foram as pessoas, foi eu mesma que me encontrei. Não foi o contexto não, isso é conseqüência. Não adianta nada eu ir lá beber o chá, posso beber um litro de vegetal, posso beber todo dia, se eu receber o que é certo e não colocar em prática na minha vida eu vou ficar empacada. (…) É só agente querer mesmo.

No caso do estudo realizado por Grob e cols. (2004) com membros da União do Vegetal, encontramos paralelos entre as experiências relatadas pelos membros da UDV e aquelas descritas por Maria. Todos os examinandos da UDV relataram que suas experiências com o uso ritual da ayahuasca tiveram um profundo impacto no curso de suas vidas. Para muitos deles o ponto crítico foi sua primeira experiência com a bebida, quando relatam como tema comum desta experiência a vivência de se estar num caminho autodestrutivo que os conduziria inevitavelmente à sua própria ruína e mesmo à morte, a menos que embarcassem numa mudança radical de sua conduta pessoal e orientação (Grob & cols., 2004).

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Maria relata que as experiências com a ayahuasca teriam a capacidade de mostrar a verdade, e que este tipo de vivência seria para nos encontrarmos. Além disso, a bebida psicoativa seria como um amigo, idéia que lembra o conceito de planta professora ou espírito planta, presente entre as religiões ayahuasqueiras e também entre os curandeiros da Amazônia (Luna, 1986; MacRae, 1992):

Porque ele fala mesmo, ele coloca agente lá no acocho, ele dá paulada na gente…

Por meio destas falas, nas quais fica evidente o discurso de autoconhecimento e de encontro com a realidade, e não a fuga desta, podemos encontrar semelhanças entre as experiências e valores atribuídos à ayahuasca por Maria e as vivências dos indivíduos pesquisados por Labigalini (1998, pp. 58-59):

Através das entrevistas foi possível perceber que os indivíduos entrevistados relatavam que no período em que estavam usando álcool e outras drogas sentiam muita ansiedade e apresentavam dificuldades emocionais importantes em suas vidas. No entanto, ao começarem a freqüentar os rituais da UDV e beberem a ayahuasca, referiram que passaram por mudanças profundas a partir de um contato direto com aspectos difíceis de suas personalidades. Neste sentido, a experiência com a ayahuasca parece não reproduzir um aspecto presente na experiência e na busca dos farmacodependentes, onde o uso das diferentes substâncias, como o álcool e a cocaína, acontece motivado por uma vontade de obter prazer e se distanciar da realidade.

Levando-se em conta todas estas análises, citações e observações sobre a relação do uso cerimonial da ayahuasca e o abandono do uso problemático de psicoativos, vale citar que, em relação à dependência pelo álcool, estudos realizados com inibidores de recaptação de serotonina com ratos dependentes de álcool demonstraram que havia uma redução importante no consumo de álcool após tratamento com estes agentes (Labigalini, 1998). No caso da ayahuasca, existem relatos de que uma das suas principais substâncias – a -carbolina tetrahidroharmina, ou THH, presente no cipó – teria uma fraca capacidade de inibir a recaptação de serotonina (Frecska, White & Luna, 2004; McKenna, Callaway & Grob, 1998).

Logo, mesmo comentando de maneira breve e simples este aspecto psicofarmacológico da ayahuasca – pois não é o objetivo deste artigo – valeria a pena explorar de maneira metódica e a longo prazo, o possível papel do chá per se como um agente farmacologicamente eficaz no auxílio do tratamento de dependência ou uso problemático de psicoativos.

Conclusões

Segundo alguns pesquisadores (Samorini, 2002), o desejo de alterar periodicamente a consciência seria um impulso inato ao ser humano, análogo à fome ou ao impulso sexual. Além disso, encontramos em McKenna, T. (1995) e em Amatuzzi (1998) sugestões de que a consciência religiosa seria biologicamente natural à espécie humana, tendo se desenvolvido por meio do processo de seleção natural, pois teria valor de adaptação e subsistência para o indivíduo, pois estas experiências místico-religiosas seriam potencialmente adaptativas e ligadas à solução de problemas e à criatividade, porque a partir de uma tensão, proporcionariam uma reestruturação cognitiva.

Ainda referindo-se ao texto de Amatuzi, encontramos a referência de Tamminen sobre a complexidade do fenômeno religioso e de suas complicações: 1) o acesso que se pode ter à experiência religiosa é indireto, ou seja, se faz por meio do que as pessoas lembram e relatam, e em como elas a sentem e interpretam; 2) essa interpretação que os sujeitos fazem, depende de sua filosofia geral; e 3) a lembrança da experiência é determinada pelos valores presentes. Além disso, ele menciona também as cinco dimensões da religiosidade sistematizadas por Glock e Stark (conforme citados por Amatuzzi, 1998), que são dimensões que se interpenetram: dimensão experiencial (= experiência religiosa), dimensão ideológica (= crenças religiosas), dimensão intelectual (= conceitos com os quais é pensada), dimensão ritualística (= práticas religiosas) e dimensão conseqüente (= efeitos na vida diária).

Na análise da entrevista de Maria podem-se vislumbrar vários pontos de conexão com os autores anteriormente citados. Na perspectiva de Hay e de Jackson (conforme citados por Amatuzzi, 1998), contempla-se a experiência de Maria, com todas as suas manifestações somático-psicológicas, como uma capacidade e possibilidade intrínseca do ser humano, na qual, numa situação de aparente caos corporal e mental, o corpo-mente tem a capacidade de se adaptar de maneira criativa, valendo-se de seus mecanismos endógenos para voltar ao equilíbrio. Neste sentido, traçam-se paralelos com as experiências de emergência, perigos, doença, dificuldades, experiências de quase-morte ou de ameaça à existência do indivíduo (Grof, 2001; Lumby, 1998; Tamminen, citado por Amatuzzi, 1998).

Nestas experiências, o indivíduo pode ver sua própria morte com uma nitidez e realismo tão intensos que ele pode acreditar que está realmente morrendo (Grof, 2001; Lumby, 1998). Estas passagens são situadas no modelo de Grof (2001) no nível transpessoal, que são caracterizadas por elementos de criação e destruição do mundo, experiências filogenéticas, seqüências de morte e renascimento, cenas naturais (tempestades, nascer do sol etc), expansão da consciência e do ego, visões de seres celestiais e/ou infernais etc. Segundo Grof, estas experiências possuem um enorme potencial transformativo para o indivíduo, se são realizadas com a devida supervisão, preparação e cuidado, por parte tanto do indivíduo como da pessoa que orienta o processo.

De acordo com a hipótese de Lumby (1998), a eficácia destas experiências de quase-morte no tratamento de pessoas que fazem um uso problemático e abusivo de psicoativos estaria em sua capacidade de desencadear insights sistêmicos e orientações cognitivas explícitas características da consciência humana quando esta se encontra perante uma situação imediatamente ameaçadora à sua existência. Neste estado de consciência, a pessoa teria a oportunidade de vivenciar uma morte-simbólica, na qual seus valores, comportamentos e filosofia seriam questionados e, após a experiência, os insights poderiam ser vislumbrados e direcionados para uma nova prática cotidiana.

…é como entrar numa nave, eu boto fé. Assim, você nunca viajou numa nave espacial, vamos imaginar aí… Aí tu entra numa nave de repente você se vê lá no espaço pff! Você sai de uma… você sai de um contexto assim ó, de coisas que você transformou pra você né, pra sua vida, coisas que você vai adquirindo ao longo dos anos né? Tipo, uma coisa material mesmo né, de tipo “isso é certo, isso é errado”, “você tem que aprender isso porque se não você não vai ser ninguém na vida”. Sabe esses contextos assim e de repente, naquele momento que eu bebi o vegetal, eu percebi que a gente faz tanta coisa que é inútil pra nossa vida, e agente se mata por conta dessas coisas assim, e agente esquece de dar valor pras coisa que realmente são importantes. Eu acredito que é o nosso ser, o que é bom pra gente, que faz bem pra gente.

Aqui podemos dialogar com Tamminen (citado por Amatuzzi, 1998) e com Glock e Stark (citado por Amatuzzi, 1998). O acesso que tivemos da experiência de Maria possui a complicação de ser um relato de um evento passado, permeado por elaborações e interpretações feitas pela entrevistada. Tal complexidade pode ser comparada com as dimensões intelectual (conceitos) e ideológica (crenças), pois Maria teve tempo para lembrar, re-lembrar, conceituar e, inclusive, desenvolver uma linguagem religiosa que não possuía antes da experiência.

Entretanto, no nível das dimensões experiencial (experiência religiosa) e conseqüente (efeitos na vida diária) o que importa é o significado e a compreensão que a experiência desencadeou em Maria. No caso, o sentido parece ter sido o de uma experiência de Deus, do numinoso, do raro, excepcional e extraordinário, a experiência esmagadora do mysterium tremendum et fascinas, de Sentido Radical, segundo Vaz (conforme citado Amatuzzi, 1998).

O vegetal abre tudo. Abre tudo, escancara mesmo. Escancara mesmo.

De maneira geral, podemos concluir que o abandono do uso problemático e abusivo de certos psicoativos por parte de Maria (cocaína e álcool) foi uma experiência radical, com efeitos de longo prazo em sua vida e que não parece possuir nenhuma característica de “troca de um psicoativo por outro” ou de dependência da instituição, embora Maria tenha passado por um processo de conversão religiosa.

Passou. Foi incrível. Incrível. Mudou assim, eu entrei no arco-íris, sabe quando você achou o pote de ouro no final do arco-íris? Foi isso que aconteceu na minha vida. Agora eu fico impressionada assim ó, e outra coisa, e essa história de largar de fumar, de largar essas coisa, eu vejo assim, o pessoal fala dessa história da tal da fisiologia, cara, a nossa cabeça é capaz de tanta coisa. As pessoas não sabem disso. (…) Eu não vejo o vegetal como uma necessidade. Tipo “é necessário pra minha sobrevivência”. Não. Eu vejo ele como um auxiliador pra minha consciência. Ele assim ó, quando eu conheci ele eu percebi que “puts, cara, que legal ele me ajudou a abrir várias coisas”, que tavam aqui cafifadas na minha cabeça e eu não sabia porque que tavam atrapalhando a minha vida, porque que eu tava seguindo determinados caminhos. É que nem aquelas gavetinhas da nossa memória, quando agente tem aula de psicologia, o pessoal fala que agente vai guardando até que agente não consegue mais abrir. (…) Aí, quando você vai bebendo constantemente ele, você vai aprendendo a abrir uma de cada vez. Entendeu?

Maria afirma nunca mais ter sentido vontade de consumir álcool ou cocaína –”Deus me livre, Nossa Senhora! Ninguém merece não” –, embora confessasse ainda sentir vontade de fumar tabaco (na época da pesquisa Maria estava há dois meses sem fumar).

Tudo isso ocorreu dentro de um processo, numa transformação que dialoga com os acontecimentos ao redor do indivíduo, não podendo ser reduzida nem a um aspecto estritamente farmacológico (possível efeito da ayahuasca per se) nem estritamente místico-religioso, conforme conclusão do estudo realizado por Grob e cols. (2004, p. 664-665):

Tal mudança foi particularmente notada na área de consumo excessivo de álcool, onde além dos cinco examinandos que tiveram diagnósticos anteriores do CIDI relativos a desordens por abuso de álcool, seis examinandos adicionais referiram padrões moderados de consumo de álcool que se aproximavam do status de diagnóstico psiquiátrico real na entrevista formal estruturada. Todos estes onze examinandos com envolvimento anterior com álcool alcançaram a completa abstinência pouco depois de se filiarem à seita da hoasca (nome da ayahuasca neste contexto). Além disto, foram bastante enfáticos quanto a transformações radicais no seu comportamento, atitudes em relação aos outros e visão da vida. Eles estão convictos de que têm sido capazes de eliminar sua raiva crônica, ressentimento, agressão e alienação, assim como em adquirir maior autocontrole, responsabilidade para com a família e comunidade e realização pessoal através da participação nas cerimônias da hoasca na UDV. Embora os efeitos salutares de um forte sistema de suporte em grupo e filiação religiosa não possam ser minimizados, não é inconcebível que o uso por longo tempo da hoasca por si mesmo possa ter tido um efeito terapêutico e positivo direto no status psiquiátrico e funcional dos indivíduos. Análises bioquímicas anteriores de preparados da hoasca indicaram significativa ação inibidora da monoamino-oxidase, o que pode ser relevante para esses achados clínicos.

Para finalizar, com a palavra, Maria:

– Porque hoje em dia eu dou muito mais valor na vida do que pessoas que nunca passaram por situações que eu passei.

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