maconha sono sonhos

A maconha, o sono e os sonhos

O estudo científico da maconha vem contribuindo decisivamente para a compreensão da interação do nosso organismo com o ambiente.

 Texto por Renato Malcher e Sidarta Ribeiro


O sono do ser humano compreende quatro fases distintas, caracterizadas por diferentes padrões de atividade cerebral medidos por eletroencefalografia (EEG). As primeiras três fases formam um contínuo e se caracterizam pela reduzida atividade neuronal no córtex, que produz ondas neurais grandes e lentas. Durante essas fases de sono, coletivamente chamadas de sono de ondas lentas (SOL), quase nunca ocorrem sonhos. A última fase, ao contrário, apresenta alta atividade cortical, ondas neurais rápidas e pequenas, e muito freqüentemente a presença de sonhos. Durante essa fase observam-se movimentos oculares rápidos, dando origem em inglês ao nome rapid-eye-movement sleep, abreviado para sono REM por seus descobridores. O sono REM, quando estabilizado, sempre termina num despertar, mesmo que por minúsculos intervalos de tempo. Durante a noite, ciclamos cerca de quatro vezes por meio do sono de ondas lentas, do sono REM e da vigília.

A anandamida, o primeiro endocanabinóide a ser descoberto, é um poderoso indutor de sono de ondas lentas e de sono REM, causando redução do tempo de vigília.Entretanto, alguns estudos com altas dosagens de THC(mais que 70 mg/dia) verificaram uma diminuição significativa de sono REM. Aumento do estado de vigília e redução do sono REM também foi observado com CBD. Outros estudos reportam que doses mais baixas de THC causam aumento do sono de ondas lentas. O aumento da vigília causado por altas doses de THC contrasta com a aparência de sonolência decorrente da ingestão de maconha. Essa aparência deriva em parte das propriedades relaxantes e vasodilatadoras dos canabinóides, que causam queda das pálpebras e vermelhidão dos olhos. Quanto à sensação subjetiva de sonolência, parece depender crucialmente das dosagens dos diferentes componentes da maconha, da experiência pregressa do usuário, e da hora do dia em que a ingestão ocorre. Alguns usuários crônicos de maconha relatam que a ingestão pela manhã tende a provocar sonolência, enquanto a ingestão no turna provoca aumento da vigília. Em roedores, há evidências de que os níveis de endocanabinóides e de receptores CB1 variam de forma circadiana, se acumulando durante a vigília e decaindo durante o sono.

Os resultados sugerem que a ingestão de maconha durante o dia satura o sistema endocanabinóide de forma a produzir sonolência, mas tem o efeito inverso quando ingerida à noite, quando as doses somadas de endocanabinóides e exocanabinóides seriam menores. É importante ressaltar que entre os diversos canabinóides da maconha existem tanto agonistas do receptor CB1 (THC, por exemplo) quanto antagonistas (CBD,por exemplo). Isso faz da maconha um coquetel farmacológico extremamente complexo no que diz respeito aos efeitos sobre o sono. De modo geral, usuários crônicos de maconha relatam dificuldade de se lembrarem de seus sonhos. Esse efeito parece ser uma combinação da redução de sono REM com um possível aumento do esquecimento matinal, a seu turno ocasionado por efeitos residuais dos canabinóides ingeridos antes de dormir.
Ilustra cannábica O sono e sonho 2
Se por um lado a maconha diminui a ocorrência de sono REM e por extensão diminui efetivamente a oportunidade de sonhar, seus efeitos sobre a vigília são de certa forma oníricos, promovendo um afrouxamento perceptual e lógico que é descrito por muitos usuários como similar ao sonho. Vista por esse lado, a ação da maconha seria a redução do sonho no turno (night-dream) e o aumento da divagação da vigília (day-dream). Tendo em vista que os canabinóides promovem uma desorganização do processamento neuronal e conseqüente facilitação da restruturação dos traços de memória, é fácil compreender que seu uso facilita o processo criativo e a geração de insights. Além de ser um poderoso estimulador do apetite, a maconha é também utilizada como relaxante e mesmo como afrodisíaco. O aprofundamento geral da experiência sensorial enriquece a apreciação e produção das artes, fazendo da maconha uma droga especialmente utilizada pelos que vivem da sensibilidade artística. Não é por acaso que o cantor e compositor de reggae Peter Tosh, líder (assim como Bob Marley) do movimento Rastafari globalizado nos anos 1970, afirma em seu hino pela legalização da maconha (Legalize It) que a maconha é usada por muitos na sociedade, como juízes e médicos, mas começa sua lista pelos cantores e instrumentistas.

Além de favorecer a veiculação de emoções através das artes e estimular a comunicação verbal, a maconha também favorece estados de baixa ansiedade, como a contemplação lúdica, a introspecção, a empatia e o transe místico. Por esses motivos, a maconha é freqüentemente utilizada para reduzir tensões sociais nos mais variados contextos, das prisões às festas dançantes. O conjunto das manifestações comportamentais e sociais associadas ao uso da maconha reflete a ação anti-estressante atribuída ao sistema endocanabinóide por vários cientistas, entre eles o italiano Vincenzo Di Marzo, um dos líderes mundiais nesta área de pesquisa. A relevância das interações sociais para a evolução é irrefutável, adquirindo contornos únicos na espécie humana. A coesão do grupo em animais sociais é fundamental para aumentar as chances de integridade física de cada indivíduo diante da ameaça de um predador, por exemplo. Da mesma forma, em situações de escassez de alimentos, a cooperação aumenta muito as chances de sobrevivência dos indivíduos. Uma das principais funções do sistema endocanabinóide é a de reger o reequilíbrio mental e físiológico do organismo após eventos estressantes. Em animais sociais, podemos incluir também o reequilíbrio social. Os hormônios glicocorticóides iniciam e coordenam os diversos estágios da resposta de adaptação do organismo ao estresse: geram primeiro ajustes de curto e longo prazo nos diversos sistemas do organismo e, à medida que seus níveis vão se elevando também no cérebro, estimulam ali a síntese de endocanabinóides. Estes por sua vez assumem o papel de orquestrar a transição de volta à normalidade fisiológica e comportamental. Para tanto, os receptores CB1 são ativados em diversos circuitos, promovendo o alívio da dor, a dissipação da tensão psicológica e o relaxamento da musculatura. O apetite aumenta para a recuperação da energia gasta e para a estocagem preventiva de energia metabólica extra. As emoções que favorecem os laços afetivos e a interação interpessoal são intensificadas, estimulando o reagrupamento da comunidade. A ação reestruturadora das memórias possibilita o aprendizado de novas estratégias comportamentais para evitar as causas do estresse. No hipotálamo, os endocanabinóides promovem a supressão do eixo neuroendocrinológico que controla os hormônios glicocorticóides, dando um fim à resposta ao estresse.
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O sistema endocanabinóide funciona, portanto, como um agente tonificante para as funções fisiológicas e mentais, incentivando o reaprendizado e facilitando o reagrupamento social. Há mais de dois mil anos, completamente alheios a estes conceitos, os Citas do norte do Mar Negro exploravam a possibilidade de ativar esse sistema com o uso da maconha, encontrando nos seus vapores um meio para sublimar a dor causada pela morte de um membro de sua comunidade. Mais ao sul, os mesmos vapores que faziam os Citas uivarem como lobos durante o luto motivavam nos aldeões que viviam às margens do Rio Aras a celebração lúdica da vida, por meio do canto e da dança. No planalto tibetano e na Índia, a mesma planta que promovia a consagração dos prazeres sensoriais e afetivos através das relações sexuais, andava de mãos dadas com o poder agregador e contemplativo da fé religiosa. Certamente, não há outra planta medicinal ou droga recreativa que se compare à maconha, tanto em termos de seu alcance étnico-cultural quanto em termos da abrangência de sua ação biológica. O que chama especial atenção nos desdobramentos antropológicos do uso da maconha é exatamente o paralelo com as funções fisiológicas e ecológicas exerci das pelo sistema endocanabinóide nos animais. O estudo científico da maconha vem contribuindo decisivamente para a compreensão da interação do nosso organismo com o ambiente. Ao mesmo tempo, aumenta as esperanças de desvendar o processo evolutivo responsável pelo surgimento dessa planta que parece saber tanto sobre a complexidade humana.

Sidarta Ribeiro é professor titular do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Renato Malcher-Lopes é professor adjunto do Departamento de Ciências Fisiológicas da Universidade de Brasília (UnB).

* Artigo adaptado do livro Maconha, Cérebro e Saúde. Rio de Janeiro: Editora Vieira & Lent Casa Editorial, 2007.

Arte: J.R. Bazilista

Reproduzido de Cannabica

Uma Viagem de Cura: Como as Drogas Psicodélicas Podem Ajudar a Tratar a Depressão

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Voluntários em um estudo a ser realizado no ano que vem irão experimentar a euforia típica de sonhos, quando as cores, odores e sons forem sentidos de forma potencializada; a percepção do tempo for distorcida e a identificação com a própria persona começar a se dissolver. Foto: Fredrik Skold/Alamy

Se tudo correr como o previsto, doze pacientes com depressão clínica serão convidados a ir a um laboratório do Reino Unido onde receberão psilocibina – o ingrediente psicodélico encontrada nos cogumelos mágicos. Nas quatro ou cinco horas seguintes muitos desses voluntários vão experimentar a euforia típica de sonhos, quando as cores, odores e sons forem sentidos de forma potencializada, a percepção do tempo for distorcida e a identificação com a própria persona começar a se dissolver. Alguns poderão sentir uma onda de eletricidade através de seus corpos, uma súbita clareza de pensamento e alegria repentina. Outros poderão sentir ansiedade, confusão ou paranóia. Estes efeitos alucinógenos serão de curta duração, mas o impacto da droga sobre os voluntários pode ter uma duração bem mais longa.

Há evidências experimentais de que a psilocibina, junto com outras drogas psicodélicas, pode “redefinir” o funcionamento anormal do cérebro se dado de forma segura e controlada, como parte da terapia. Para quem foi criado com o dogma pós-década de 60, de que os cogumelos mágicos e LSD poderiam desencadear doenças mentais, flashbacks e causar alterações na personalidade, a idéia de que eles podem curar distúrbios do cérebro é, realmente, arrebatadora.

O estudo piloto envolverá pacientes que não responderam ao tratamento convencional e será comandado pelo professor David Nutt e pelo Dr. Robin Carhart-Harris, no Centro de Neuropsicofarmacologia do Imperial College, em Londres. Eles argumentam que as drogas psicodélicas podem ser benéficas para milhões de pessoas e que é hora de acabar com o estigma de 50 anos que impossibilita seu uso terapêutico. Nutt e Carhart-Harris já usaram ressonância magnética para estudar mudanças no cérebro de 15 voluntários, a quem foi dado psilocibina. Um estudo similar, com 20 voluntários que tomaram LSD, acaba de ser concluído.

“Como um não-médico, eu estava convencido só de ver, como a psilocibina afeta o cérebro”, diz Carhart-Harris. “Foi bastante flagrante como era semelhante aos tratamentos existentes para a depressão.” Os cientistas do Imperial College estão na vanguarda de um renascimento de pesquisa alucinógena e dizem que têm 50 anos de ciência para pôr em dia. Nos anos 50 e 60, mal se podia abrir uma revista psiquiátrica sem encontrar um trabalho sobre LSD. Em seguida, o LSD se tornou a última “substância da vez”, com potencial para tratar a depressão, vício e dores de cabeça. Entre o final da década de 1940 – quando foi disponibilizado para pesquisadores com o nome Delysid – e meados dos anos 60, haviam sido escritos mais de 1.000 trabalhos acadêmicos investigando seus efeitos em 40.000 pessoas.

Mas conforme a droga cresceu em popularidade entre os usuários recreativos – e tornou-se ligado à revolução contracultural e de protesto contra a guerra do Vietnã – a reação começou. No final dos anos 60, o LSD estava no centro de um completo pânico moral institucionalizado, e o governo dos EUA o reprimiu.

Nutt, que em 2009 foi controversamente demitido do cargo de presidente do Conselho Consultivo Sobre Má-utilização de Drogas do governo do Reino Unido por afirmar que a equitação era mais perigosa do que o Ecstasy (MDMA), afirma que a justificativa para a proibição de LSD e alucinógenos em geral era uma “mistura de mentiras” sobre o seu impactos na saúde, combinados com uma negação de seu potencial como ferramentas de pesquisa e como auxiliar em tratamentos.

“Foi, sem dúvida, uma das peças mais eficazes de desinformação na história da humanidade”, diz Nutt. “Isso fez com que um monte de pessoas acreditassem que essas drogas são mais prejudiciais do que de fato são. Elas não são drogas triviais, mas em comparação com as drogas que matam milhares de pessoas por ano, como o álcool, o tabaco e heroína, eles têm um histórico muito mais seguro e,até onde sabemos, ninguém morreu.”

Em 1971, entretanto, a convenção das Nações Unidas sobre substâncias psicotrópicas classificou o LSD e outros alucinógenos, e a maconha como uma droga de nível 1, ou seja: substâncias perigosas com nenhum benefício médico. Em contraste, a heroína – uma droga muito mais perigosa e que vicia – foi classificada como nível 2, menos restrito, porque a substância tem notórios efeitos analgésicos.

A fim de estudar uma droga nível 1, acadêmicos do Reino Unido precisam de uma licença especial para operar fora dos hospitais, que custa £ 3,000 e anos de preenchimento de formulários e burocracias. Eles também devem adquirir e fornecer suprimentos lícitos, e não podem adquirir quantidades da droga com valores elevados. A burocracia – e a necessidade de persuadir os céticos do comitê de ética da universidade – revelaram-se sufocantes para a pesquisa. “É um beco sem saída”, diz Carhart-Harris. “É difícil estudar o LSD e a psilocibina para ver se eles têm uso médico, porque eles são classificados como drogas de nível 1. E eles só são classificados como nível 1 porque são considerados como não tendo uso médico.”

Mas as coisas estão mudando. Os dois primeiros artigos sobre experiências de LSD desde os anos 1970 foram publicados este ano: um pela equipe do Imperial College; o outro por pesquisadores suíços, e que diz respeito a diminuir a ansiedade entre pacientes com câncer em estado terminal. No Reino Unido, o renascimento da pesquisa acadêmica entorno das drogas “recreativas” está sendo conduzido pelos cientistas do Imperial College em trabalho conjunto com a Fundação Beckley, uma instituição de caridade dirigida pela aristocrata inglesa Amanda Feilding, a Condessa de Wemyss. Depois de tomar LSD na década de 1960, ela tornou-se fascinada com o seu potencial para aumentar a criatividade e a mútua compreensão.

Sua Fundação apoia e promove pesquisas sobre substâncias psicoativas – incluindo o LSD, cogumelos mágicos e a cannabis, planta usada na medicina há milhares de anos. “Ao proibir a investigação sobre esta categoria de substância, por causa de um equívoco social, estão privando as pessoas doentes de um tratamento potencial que tem uma história muito longa”, diz ela. Os cientistas do Imperial College ressaltam que estão estudando drogas psicodélicas em ambientes seguros para reduzir o risco de experiências negativas. As drogas utilizadas são quimicamente puras e administradas em doses controladas.

“A automedicação é definitivamente algo desaconselhável, na minha perspectiva”, diz Carhart-Harris. “Essas drogas são poderosas e o modelo terapêutico que vamos aderir é bastante específico, e ele enfatiza que a droga deve ser tomada no ambiente certo e com o apoio certo. Temos psicoterapeutas profissionais lá que são treinados para compreender todas as eventualidades que poderiam acontecer, e por isso, eu acho que seria imprudente para as pessoas, tentar fazê-lo por si mesmos”.

LSD (dietilamida do ácido lisérgico)

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O químico suíço Albert Hoffman criou o LSD em 1938 a partir de uma substância no fungo parasita chamado de Ergot. Depois que suas propriedades alucinógenas foram descobertas por Hoffman em 1943, ele foi usado como uma ferramenta para modelagem de esquizofrenia em voluntários saudáveis e tomada por alguns psiquiatras para obter insights sobre essa doença mental. Até o início dos anos 60 ele estava sendo dada a pacientes que se tratavam com psicoterapia.

Muitos dos mais de 1.000 artigos acadêmicos escritos nesta época tratavam do uso da substância nos tratamentos contra a depressão. Mesmo assim, o Dr. Robin Carhart-Harris diz que a evidência da pesquisa histórica pode ser considerada fraca.

“A maior parte deste material era anedótico”, diz ele. “As sessões eram feitas sem um grupo de apoio e de controle e os resultados eram meio imprecisos”. Há evidências muito mais fortes de que o LSD pode tratar dependência química. Uma meta-análise feita em 2012, a partir de seis estudos controlados dos anos 50 e 60 demonstrou a eficiência clínica do LSD para o tratamento da dependência de álcool e revelou que a substância é tão eficaz quanto qualquer tratamento desenvolvido desde então. A substância mostrou-se eficiente também em ajudar os pacientes que estão em estado terminal a lidar melhor com a ideia de perecer. Os mecanismos do LSD, porém, ainda são pouco conhecidos. Ele parece imitar algumas ações da serotonina no cérebro, que está ligada à formação da memória, ao humor e a recompensa, porém não está claro ainda como ele desencadeia esses efeitos alterados tão poderosos. A pesquisa feita conjuntamente pela Imperial / Beckley com ressonância magnética mostrou que os cérebros dos voluntários sob os efeitos do LSD se tornam momentaneamente menos organizados e mais caóticos, enquanto partes do cérebro que normalmente não iriam se comunicar uns com os outros, acabam fazendo conexões. Neste estado de sonho desorganizado, o cérebro está aberto para novos saltos de criatividade e vôos de fantasia. O Dr. Carhart-Harris acredita que os alucinógenos podem temporariamente “afrouxar” as estruturas rígidas do cérebro, que se desenvolvem à medida que envelhecemos. Uma viagem de ácido é um pouco como sacudir um daqueles globos de neve comuns no natal norte-americano. Este afrouxamento poderia ajudar o cérebro a quebrar os ciclos da dependência e da depressão.

Há riscos envolvidos na utilização de LSD, é claro, mas o professor David Nutt diz que eles são muitas vezes exagerados. Os efeitos de tomar LSD são imprevisíveis: os usuários podem perder o senso de julgamento – e colocar-se em situações de risco. Uma minoria pode experimentar flashbacks algum tempo depois de utilizarem; em outros, a experiência pode desencadear problemas de saúde mental que já haviam passado despercebidos.

Cannabis

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A Cannabis foi usada medicinalmente durante milhares de anos. Foi usado no século 19 para tratar dores, espasmos, asma, distúrbio do sono, depressão e perda de apetite, e foi até recomendado pelo médico da rainha Victoria. Dois produtos químicos na cannabis atraem o interesse dos cientistas – o tetrahidrocanabinol (THC), principal composto psicoativo da planta, que tem algumas propriedades analgésicas, e o canabidiol (CBD), que parece conferir benefícios à saúde sem os efeitos psicoativos da droga.

Mais de 100 experimentos com a cannabis ou substâncias derivadas da maconha têm ocorrido desde os anos 1970. Um extrato da cannabis para pulverização via oral, comercializado com o nome de Sativex foi aprovado para uso no tratamento de esclerose múltipla em 2011 depois que um estudo demonstrou que a substância melhorava o sono, reduzia a espasticidade e o número de espasmos. Nos anos 1970 e 80, estudos mostraram que drogas derivadas da cannabis podem ajudar a atenuar náuseas em pacientes com câncer submetidos à quimioterapia. Na década de 1990, a pesquisa mostrou que poderia impedir a anorexia em pacientes com HIV. Há também evidências de que a maconha pode aliviar a dor crônica, quando tomado com outros medicamentos. Nos EUA, 20 estados permitem a posse e uso de cannabis por razões médicas, enquanto dois estados – Colorado e Washington – descriminalizaram a substância. Na Holanda, a maconha é legalizada para uso médico há mais de 25 anos.

Alguns pesquisadores acreditam que a cannabis tem potencial para tratar déficit de atenção e hiperatividade, estresse pós-traumático e insônia.

Uma das dificuldades com a pesquisa da cannabis é que a natureza da droga de rua mudou ao longo das últimas décadas – em parte em resposta à demanda dos usuários por um efeito, uma “onda”, mais forte. Estudos do Instituto de Psiquiatria do King College de Londres mostraram que o THC aumenta a ansiedade e sintomas psicóticos de curto prazo, enquanto a CBD – que parece ter a maior parte dos benefícios médicos – tem o efeito oposto. Variedades modernas de cannabis, ou skunk, que circulam nas ruas, são ricos em THC e apresentam níveis extremamente baixos de CBD.

Cogumelos Mágicos (Psilocibina)

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Como o LSD, cogumelos mágicos são alucinógenos. O composto ativo é a psilocibina e, como o LSD, pode ser útil no tratamento da depressão. Um estudo com 15 voluntários desenvolvido pelo Dr. Robin Carhart-Harris mostraram que o composto ajuda a suprimir a região do cérebro, muitas vezes hiperativa na depressão, chamada de córtex pré-frontal medial. Esta região está ligada à introspecção e ao pensamento obsessivo.

No entanto, ainda é muito cedo para dizer se os cogumelos mágicos podem tratar a depressão. Em 2013, os cientistas do Imperial College, foram premiados com uma bolsa do Conselho de Pesquisa Médica para estudar os efeitos da psilocibina em uma dúzia de pacientes com depressão. O estudo está sendo dificultado pela burocracia, mas deve começar no ano que vem.

A Psilocibina pode ser útil também no tratamento de dependência química. Um estudo financiado pela Fundação Beckley na Universidade Johns Hopkins deu a 15 pessoas que estavam tentando deixar de fumar, 2 a 3 rodadas da droga. Seis meses mais tarde, 12 permaneceram longe do cigarro – uma taxa de sucesso de 80%. Os melhores medicamentos para deixar de fumar são 35% eficazes. Embora promissor, é necessário um estudo muito maior. Alguns usuários de cogumelos mágicos afirmam que a psilocibina os ajuda a atenuar o transtorno obsessivo compulsivo. Até agora, houve apenas um ensaio clínico, envolvendo nove pessoas. Os resultados foram novamente promissores – mas são necessários estudos mais aprofundados.

Há também algumas evidências de que os cogumelos podem ajudar pacientes com câncer a aceitarem a sua condição. Segundo o professor David Nutt, os riscos associados ao uso de cogumelos mágicos são relativamente baixos em comparação com drogas como o álcool, tabaco ou heroína. Em uma escala de risco publicada no Lancet em 2010, cogumelos mágicos tinham risco inferior a 20 dos medicamentos mais comumente usados.

MDMA (Ecstasy)

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Primeiramente sintetizado há 100 anos, o MDMA foi usado na década de 1970 durante sessões de psicoterapia, mas explodiu na consciência pública, com a chegada da cultura da dança no final dos anos 1980.

Ele age aumentando a atividade de três neurotransmissores, ou mensageiros químicos, no cérebro: a serotonina, a dopamina e a noradrenalina. Os altos níveis de serotonina geram uma sensação de euforia,afeição e boa vontade.

Ele age aumentando a atividade de três neurotransmissores, ou mensageiros químicos, no cérebro: a serotonina, a dopamina e a noradrenalina. Os altos níveis de serotonina geram uma sensação de euforia,afeição e boa vontade.

Um pequeno estudo controlado feito nos EUA mostrou que 80% das pessoas com PTSD (Síndrome de Estresse Pós-Traumático) se beneficiaram com o uso de MDMA durante o tratamento terapêutico. O tratamento atual para a síndrome estimula os pacientes a revisitarem suas experiências estressantes e traumáticas. O MDMA parece funcionar, aumentando artificialmente o humor dos pacientes, e tornando mais fácil para elas se lembrar e discutir as experiências que causaram o PTSD. O Professor David Nutt diz que o MDMA também pode ter benefícios, como auxiliar nos tratamentos contra a ansiedade em pacientes terminais; e em terapia de casais. Ele também poderia ajudar a tratar a doença de Parkinson. Entretanto, mais pesquisas são necessárias sobre os riscos do uso do MDMA. Estudos em animais sugerem que a substância pode causar danos em longo prazo nos cérebros de ratos, mas a evidência nas pessoas é inconclusiva. Entre 1997 e 2012, 577 mortes foram ligadas ao ecstasy na Inglaterra e no País de Gales – principalmente de insolação, problemas cardíacos ou excesso de consumo de água.

Fonte: The Guardian

Estudo relaciona uso de maconha a longo prazo e saúde do pulmão

Recente estudo, publicado na edição de janeiro/12 do Journal of the American Medical Association aponta que a exposição à fumaça de maconha não é prejudicial ao pulmão como se imaginava.

O estudo testou e analisou as funções pulmonares de 5,000 jovens e adultos entre 18 e 30 anos. Após 20 anos de testes, os pesquisadores encontraram resultados polêmicos: usuários regulares de maconha (definido em 1 baseado por dia ao longo de 7 anos)  não tinham nenhum défict perceptível na atividade pulmonar em comparação aos não fumantes.

De fato, os cientistas ficaram surpresos ao perceber que no teste de performance pulmonar os usuários de cannabis tiveram  resultados melhores que os não fumantes e os fumantes de tabaco. Por quê? Aparentemente a explicação é que o ato de inalar a maconha – prendendo cada baforada o máximo de tempo possível – é uma atividade muito parecida com o teste pulmonar efetuado.  dando uma vantagem aos usuários de maconha sobre seus colegas testados.

A maior parte da cultura humana sempre considerou a cannabis como um medicamento. Rainha Victoria usava para aliviar suas cólicas menstruais. Os extratos eram prescritos pelos médicos e estava disponível em todas as farmácias dos EUA. De acordo com o livro “Fast Food Nation” do autor Eric Schlosser, as atitudes em relação à cannabis só mudaram quando os americanos começaram a opor-se a sua utilização pelos imigrantes, por volta da virada do século 20.  Schlosser disse numa  Entrevista na PBS:

“o que é interessantes se você olhar para as origens da proibição da maconha nos Estados Unidos, verá que coincide com o crescimento do sentimento anti-imigração. . . na verdade desde os tempos primódios desse século, a guerra contra a maconha tem sido muito mais uma guerra contra o tipo de pessoas que fumam maconha, contra os mexicanos, os negros, os músicos de jazz, os beatniks, os hippies, os artistas de hip-hop. é uma guerra contra os não-conformistas e as leis contra a maconha vem sendo usadas como uma forma de reafirmar o que são vistos como tradicionais valores americanos.”

As atitudes estão mudando, no entanto. 17 estados agora oferecem agora de forma legal maconha medicinal para seus pacientes médicos, e o número está crescendo. Comunidades simpáticas à cannabis como Oaksterdam, impensáveis uma década atrás, estão surgindo e fazendo campanha para ter a maconha regulamentada e tributada, como as bebidas alcoólicas.

Em tempos que maconha está na boca do povo, estudos como esse publicado no JAMA  dissipam as falsas afirmações sobre perigos deletérios à saúde e promovem os benefícios medicinais desta planta. De acordo com o Dr. Donald P. Tashkin, um pesquisador da maconha no UCLA medical school, o THC é conhecido por ter propriedades anti-inflamatórias, o que pode impedir a irritação pulmonar que gera o desenvolvimento da doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), que freqüentemente devasta os pulmões de fumantes de tabaco. Uma vez que inalar a fumaça não filtrada de uma planta de maconha queimada não é exatamente a melhor forma de consumo, ele sugere que quem quiser desbloquear o seu potencial químico pode encontrar maneiras de menor impacto para fazê-lo.

Fontes:

– Takepart.com

– JAMA – No Decline in Pulmonary Function with Marijuana Use JWatch General. 2012;2012(126):2.

Inconstitucionalidade da criminalização do porte de drogas.

Post retirado de:  http://www.psicotropicus.org/noticia/5879 >   http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=917

Elaborado em 09.2009.

Princípio da alteridade.

Sentença absolve acusado de porte de drogas para uso próprio, por afronta ao princípio da alteridade, pois pune conduta inofensiva a bem jurídico de terceiro.

Elaborado por Bruno Cortina Campopiano, Juiz de Direito..

Autos n.

Vistos.

A denúncia deve ser rejeitada, porquanto a lei incriminadora é inconstitucional no particular.

A criminalização do porte de drogas para uso próprio afronta o princípio da alteridade, na medida em que pune conduta inofensiva a bem jurídico de terceiro, lesando, outrossim, o direito fundamental à liberdade, já que subtrai do indivíduo a prerrogativa inalienável deste de gerenciar sua própria vida da maneira que lhe aprouver, independentemente da invasiva e moralista intervenção estatal.

Ora encarado como princípio autônomo, ora visto como decorrência do princípio da ofensividade, a alteridade é assim resumida por Luiz Flávio Gomes, em obra coletiva na qual é também um dos coordenadores:

Só é relevante o resultado que afeta terceiras pessoas ou interesses de terceiros. Se o agente ofende (tão-somente) bens jurídicos pessoais, não há crime (não há fato típico). Exemplos: tentativa de suicídio, autolesão, danos a bens patrimoniais próprios etc”. (Legislação Criminal Especial. Coleção Ciências Criminais, Volume 6. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.009, p. 174).

Na hipótese em comento, a opção do Estado em etiquetar como criminosa conduta cujos resultados deletérios não transcendem a esfera de direitos da pessoa supostamente lesada por sua própria conduta é altamente reprovável, pois faz tábula rasa de ensinamentos jurídicos seminais em matéria penal, guardando estreita similaridade com práticas incriminadoras encontradiças em períodos sombrios da história da humanidade, como durante o regime nazista, no qual o sujeito era punido pelo que era, não pelo que fazia (o chamado direito penal do autor).

É como sabiamente adverte o citado Luiz Flávio Gomes:

“Se em direito penal só deve ser relevante o resultado que afeta terceiras pessoas ou interesses de terceiros, não há como se admitir (no plano constitucional) a incriminação penal da posse de drogas para uso próprio, quando o fato não ultrapassa o âmbito privado do agente. O assunto passa a ser uma questão de saúde pública (e particular), como é hoje (de um modo geral) na Europa (onde se a política de redução de danos). Não se trata de um tema de competência da Justiça penal. A polícia não tem muito o que fazer em relação ao usuário de drogas (que deve ser encaminhado para tratamento, quando o caso)”. (ob. citada, p. 174).

Na mesma toada Luciana Boiteux, para quem, “Do ponto de vista teórico, de forma coerente, a descriminalização funda-se ainda na defesa do direito à privacidade e à vida privada, e na liberdade de as pessoas disporem de seu próprio corpo, em especial na ausência de lesividade do uso privado de uma droga, posição essa defendida por vários autores, e que foi reconhecida pela famosa decisão da Corte Constitucional da Colômbia” (Aumenta o consumo. O proibicionismo falhou. Le Monde Diplomatique Brasil. Setembro de 2009. p10).

Aliás, não é de hoje que doutrinadores de tomo levantam-se contra a incriminação do uso de drogas. Ainda sob a égide da Lei de 6.368/76, Nilo Batista afirmava que o art. 16 do referido diploma “incrimina o uso de drogas, em franca oposição ao princípio da lesividade e às mais atuais recomendações político-criminais“. (Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1.996, p. 92/93).

Ao contrário do que os mais inocentes possam imaginar, a proibição do uso de drogas não se fia, historicamente, na proteção de uma amorfa, pouco delimitada e imprecisa saúde pública, como açodadamente se supõe e como gostam de contra-argumentar os defensores do proibicionismo.

Em relevante artigo publicado na edição brasileira de setembro de 2.009 do periódico francês Le Monde Diplomatique, Thiago Rodrigues traçou importante histórico, a partir do qual se vê, com clareza, as raízes podres do movimento proibicionista de origem norte-americana:

“Na passagem do século XIX para o século XX, drogas como a maconha, a cocaína e a heroína não eram proibidas. Ao contrário, elas eram produzidas e vendidas livremente, com muito pouco controle. No entanto, passaram a ser alvo de uma cruzada puritana, levada adiante por agremiações religiosas e cívicas, dedicadas a fazer lobby pela proibição. Nos Estados Unidos, as campanhas contra certas drogas psicoativas foram, desde o início, mescladas a preconceitos, racismo e xenofobia. Drogas passaram a ser associadas a grupos sociais e minorias, considerados perigosos pela população branca e protestante majoritária no país: mexicanos eram relacionados à maconha; o ópio vinculado aos chineses; a cocaína aos negros; e o álcool aos irlandeses”. (artigo intitulado Tráfico, guerras e despenalização. p. 6.)

Para Jonh Gray, professor de Pensamento Europeu da London School of Economics (segundo muitos, o maior filósofo vivo da atualidade), o proibicionismo conecta-se à quimérica e artificial busca pela felicidade patrocinada pela sociedade ocidental, e sua conseqüente denegação de qualquer prática que, diretamente ou não, implique a negação de obtenção de tal objetivo por vias ordinárias:

Proibir as drogas torna seu comércio fabulosamente lucrativo. Gera crimes e aumenta consideravelmente a população nas prisões. A despeito disso, existe uma pandemia de drogas de alcance mundial. A proibição às drogas falhou. Por que então nenhum governo contemporâneo as legalizará? Alguns dizem que o crime organizado e a lei estão unidos numa simbiose que bloqueia reformas radicais. Pode haver alguma verdade nisso, mas a explicação real é outra. Os mais implacáveis guerreiros contra as drogas têm sido sempre os progressistas militantes. Na China, o ataque mais selvagem ao uso de drogas ocorreu quando o país foi convulsionado por uma doutrina ocidental moderna de emancipação universal – o maoísmo. Não é acidental que a cruzada contra as drogas seja liderada hoje por um país comprometido com a busca da felicidade – os Estados Unidos. Pois o corolário dessa improvável busca é uma guerra puritana ao prazer. O uso de drogas é uma admissão tácita de uma verdade proibida. Para a maior parte das pessoas, a felicidade encontra-se fora do alcance. A satisfação é encontrada não na vida diária, mas em fugir dela. Como a felicidade não está disponível, a maioria da humanidade busca o prazer. Culturas religiosas podiam admitir que a vida terrena era difícil, pois prometiam outra na qual todas lágrimas seria secadas. Seus sucessores humanistas afirmam algo ainda mais inacreditável – que no futuro, mesmo no futuro próximo, todo mundo poderá ser feliz. Sociedades baseadas em uma fé no progresso não podem admitir a infelicidade normal da vida humana. Como resultado estão destinadas a abrir guerra contra aqueles que buscam uma felicidade artificial nas drogas“. (Cachorros de palha. Reflexões sobre humanos e outros animais. Tradução de Maria Lucia de Oliveira. 6ª edição. Editora Record. 2009, pp. 156/157).

A realidade é que, desde tempos imemoriais, os seres humanos buscam artifícios que os conduzam a diferentes sensações, à transcendência da mesmice cotidiana, ao encontro de um alter ego de alguma forma mais agradável, não revelado senão a partir de influxos externos.

Por tal razão, inata à existência humana, é uma quimera imaginar um mundo sem drogas. Focault já se pronunciou sobre o tema: “…as drogas são parte de nossa cultura. Da mesma forma que não podemos dizer que somos ‘contra’ a música, não podemos dizer que somos ‘contra’ as drogas”. (Michel Focault, uma entrevista: sexo, poder e política. Tradução de Wanderson Flor do Nascimento. Em Verve, São Paulo, Nu-Sol, v. 5, 2004, pp. 264-65).

Não compete ao direito penal fazer juízo de valor sobre ditos artifícios, anatemizando alguns e comprazendo com outros (como as bebidas alcoólicas, por exemplo). Pouco importa, para fins de manejo da justiça criminal, indagar sobre os possíveis efeitos nocivos que tais estratagemas possam causar em seus adeptos. Com imensa sabedoria, Alice Bianchini já asseverou que “sempre que o direito criminal invade as esferas da moralidade ou do bem–estar social, ultrapassa os seus próprios limites em detrimento das suas tarefas primordiais (…). Pelo menos do ponto de vista do direito criminal, a todos os homens assiste o inalienável direito de irem para o inferno à sua própria maneira, contanto que não lesem diretamente [ao alheio]”. (Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 33).

A possibilidade de fazer escolhas, por mais esdrúxulas ou inexplicáveis que possam parecer aos terceiros expectadores e a despeito da enorme carga de condicionantes advinda do “mundo exterior”, deve ser encarada como uma prerrogativa inexorável do homem, umbilicalmente ligada à autonomia da vontade.

Em passagem de uma de suas mais memoráveis obras, Dostoievski, diretamente do subterrâneo da alma humana, faz verdadeira ode à liberdade:

“E isso pela mais insignificante razão, que, dir-se-ia, nem vale a pena mencionar: tudo porque o homem, por toda parte e em todos os tempos, seja qual for, sempre gostou de agir segundo sua vontade e não segundo lhe determinam a razão e o interesse: pode e, às vezes mesmo positivamente, deve (é minha idéia) escolher o que é contrário ao próprio interesse. Nossa livre vontade, nosso arbítrio, nosso capricho, por louco que seja, nossa fantasia excitada até a demência, eis precisamente aquele ‘interesse interessante’ que deixamos de lado, que não se enquadra em nenhuma classificação e manda para o inferno todos os sistemas, todas as teorias. Onde esses sábios descobriram que o homem necessita de não sei que vontade normal e virtuosa? O que os levou a imaginar que o homem aspira a uma vontade racionalmente vantajosa? O homem só aspira a uma vontade independente, qualquer que seja o preço a pagar por ela, e leve aonde levar. E que vontade é essa, só o diabo sabe…” (Notas do subterrâneo. Tradução de Moacir Werneck de Castro. 6ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. p. 35).

Por fim, saliento que o Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio da 6ª Câmara de Direito Criminal, em acórdão relatado pelo Desembargador José Henrique Rodrigues Torres, recentemente esposou posição no mesmo sentido da ora defendida:

“1.- A traficância exige prova concreta, não sendo suficientes, para a comprovação da mercancia, denúncias anônimas de que o acusado seria um traficante. 2.- O artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 é inconstitucional. A criminalização primária do porte de entorpecentes para uso próprio é de indisfarçável insustentabilidade jurídico-penal, porque não há tipificação de conduta hábil a produzir lesão que invada os limites da alteridade, afronta os princípios da igualdade, da inviolabilidade da intimidade e da vida privada e do respeito à diferença, corolário do principio da dignidade, albergados pela Constituição Federal e por tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil”. (Apelação Criminal n. 993.07.126537-3; Data do julgamento: 31/03/2008; Data de registro: 23/07/2008).

Ante o exposto, por ofensa ao princípio da alteridade, declaro, incidentalmente, a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/06, e, conseqüentemente, rejeito a denúncia, por atipicidade manifesta do fato.

P.R.I.

Cafelândia,………………..de 2.009.

BRUNO CORTINA CAMPOPIANO

Juiz de Direito

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Uso Medicinal da Maconha no Brasil

A seguir a matéria completa, extraída do site do G1, que conta com a entrevista do médico Elisaldo Carlini (UNIFESP)
Ainda que um passo tímido e com alguns conservadorismos impregnados, já é um bom exemplo da mudança de paradigmas que podemos enxergar no nosso horizonte.

Fonte: G1

Médicos querem criar agência para regular uso medicinal da maconha

Brasil proíbe que ‘Cannabis’ possa ser transformada em remédio.
Confira entrevista com especialista que defende uso terapêutico da droga.

Iberê Thenório Do G1, em São Paulo

Começa nesta segunda-feira (17), em São Paulo, um encontro científico internacional para discutir a criação de uma agência reguladora para o uso medicinal da maconha no Brasil. Hoje, o país não permite que os princípios ativos da planta possam se transformar em remédios.

A fundação de um órgão desse tipo é uma exigência da Organização das Nações Unidas. Em países como os EUA, Canadá, Reino Unido e Holanda, a Cannabis já é usada como analgésico, estimulador do apetite ou para o controle de vômitos.

Elisaldo Carlini, da Unifesp, é o organizador do encontro que pretende criar a agência para a cannabis medicinal.Elisaldo Carlini, da Unifesp, é organizador do encontro sobre cannabis na medicina. (Foto: Iberê Thenório/G1)

Aqui, o grande defensor de terapias com a maconha é o médico Elisaldo Carlini,  que organizou o evento. Segundo ele, as substâncias presentes na planta são muito úteis para serem deixadas de lado. “Há centenas de trabalhos científicos mostrando os efeitos terapêuticos da maconha”, afirma.

A maconha já foi considerada quase uma divindade na neurologia para tratamento das dores de origem nervosa.”

De acordo com o médico, não é de hoje que se conhece o efeito benéfico da droga. A prova de sua afirmação está em um livro de medicina de 1888, comprado por seu avô, onde a Cannabis constava como remédio.

Carlini, porém, não é favorável à liberalização da maconha para uso recreativo, e nem se encaixa no estereótipo “bicho-grilo”, muitas vezes associado aos usuários da droga.

Professor de medicina na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ele tem 79 anos e já foi chefe da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária, a atual Anvisa. Hoje, dirige o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) e é membro do comitê de peritos da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre álcool e drogas.

Confira, abaixo, trechos da conversa que o G1 teve com o médico da Unifesp.

G1 – As substâncias químicas da maconha são tão importantes para a medicina a ponto de haver esse esforço para a criação de uma agência reguladora?

Elisaldo Carlini – Essas substâncias estão reconquistando uma posição que elas tinham no início do século XIX e no início do século XX, quando a maconha era considerada quase uma divindade na neurologia para tratamento das dores de origem nervosa.

Livro de medicina de 1888 já falava sobre o uso da maconha como remédio.  (Foto: Iberê Thenório/G1)

O próprio Dr. John Russell Reynolds, que era médico da Rainha Vitória na Inglaterra no fim do século XIX, dizia que a maconha, quando administrada na dose adequada – e o produto controlado nas suas qualidades -, era um dos medicamentos mais preciosos.

Depois se perdeu totalmente essa visão, e a maconha foi considerada uma droga maldita, uma droga que a ONU coloca como especialmente perigosa, ao lado da heroína, o que é uma coisa totalmente irreal.

G1 – Não se corre o risco de esses remédios serem usados para “fins recreativos”?

Elisaldo Carlini – Se não houver os devidos cuidados, pode acontecer. É como a morfina, que está disponível, todos os pacientes têm o direito de ter, mas que não deve ficar “à solta”, não se pode ter na prateleira de uma farmácia sem maiores cuidados. Terá que haver uma legislação que garanta o controle adequado, como existe na morfina.

Em alguns países onde o delta-9-THC [uma das substâncias da maconha] está sendo comercializado, não há exemplo de desvio. Nesses casos, o fato de a maconha ter se transformado em medicamento tirou um pouco o encanto, o desafio às regras que é muito comum o jovem querer praticar.

G1 – Os pacientes podem ficar dependentes desses remédios?

Elisaldo Carlini – A OMS fez um estudo mundial para investigar casos de dependência causados pelo delta-9-THC e não conseguiu encontrar.

G1 – Como é possível pesquisar maconha no Brasil, já que a venda da droga é proibida?

Elisaldo Carlini – É complicado. Você tem de fazer um projeto que seja aprovado pela sua universidade, onde o comitê de ética opina. Aí é necessário conseguir uma aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e também da Anvisa, que tem de aprovar o projeto para liberar a droga. Então a droga tem de ser importada dos Estados Unidos, da Alemanha, onde há cultivo legal. E o governo dos países que vão exportar para o Brasil têm de aprovar, também.

G1 – Você é a favor da liberalização da maconha?

Elisaldo Carlini – Sou a favor da “despenalização”. Eu acho que o enfrentamento do uso de qualquer droga não passa por repressão e prisão. Passa por uma educação em que o indivíduo tem de saber o que ele está fazendo. Já esse “liberou total” que estão querendo não traz benefício nenhum. Eu, particularmente, não sou a favor. Mas eu não sou contra a discussão desse assunto.

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