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Mente, Memória e Arquétipo: Ressonância Mórfica e o Inconsciente Coletivo – Rupert Sheldrake

Por: Rupert Sheldrake (Psycological Perspectives, 1997).

interessante ensaio de Rupert Sheldrake sobre a teoria dos campos morfogenéticos.

Rupert Sheldrake é um Biólogo teórico cujo livro, “Uma Nova Ciência da Vida: a hipótese da causação formativa (Tarcher, 1981)”, evocou uma tempestade de controvérsias. A revista Nature o descreveu como “o mais forte candidato à fogueira”, enquanto que a revista New Scietist chamou de “uma importante investigação científica a respeito da natureza da realidade biológica e física”. Devido ao fato do seu trabalho conter implicações importantes para os conceitos junguianos a respeito dos arquétipos e do inconsciente coletivo, nós convidamos Sheldrake para apresentar a sua visão em uma série de quatro ensaios que aparecerão nos assuntos sucessivos da revista Psycological Perspectives. Tais ensaios serão atualizações da sua apresentação sobre “ressonância mórfica e o inconsciente coletivo”, ocorrida em maio de 1986 no Instituto de Relações Humanas, em Sta. Bárbara, Califórnia.

 


 

Neste ensaio eu estarei discutindo o conceito da memória coletiva como base para a compreensão do conceito de Jung do inconsciente coletivo. O inconsciente coletivo somente faz sentido no contexto com alguma noção de memória coletiva. Isto, portanto nos leva até um exame bastante amplo da natureza e do princípio da memória – não apenas em seres humanos e nem apenas no reino animal; nem mesmo apenas no setor da vida – mas no universo como um todo. Tal perspectiva é parte de uma mudança muito profunda de paradigma que está ocorrendo na ciência: a mudança de uma visão mundo mecanicista para uma visão evolutiva e holística.

A visão cartesiana mecanicista é de muitas maneiras, ainda o atual paradigma predominante, especialmente na biologia e na medicina. Noventa por cento dos biólogos se orgulhariam de declarar que são biólogos mecanicistas. A despeito de a Física ter se movido para além da visão mecanicista, muito do nosso pensar a respeito da realidade física ainda é moldado por ela – mesmo naqueles de nós que gostariam de acreditar tiramo-nos movido para além dessa configuração de pensamento. Portanto eu examinarei brevemente algumas das suposições fundamentais da visão de mundo mecanicista a fim de demonstrar como esta ainda se encontra profundamente enraizada no modo de pensar da maioria de nós.

AS RAÍZES DO MECANICISMO NO MISTICISMO NEOPLATÔNICO

È interessante notar que as raízes da visão mecanicistas de mundo do século XVII possam ser encontradas na religião mística antiga. De fato, a visão mecanicista foi (era) uma síntese de duas tradições de pensamento, ambas as quais estavam baseadas no ‘insight’ místico de que a realidade é permanente e imutável. Uma destas tradições provém de Pitágoras e de Platão, que eram ambos fascinados pelas verdades eternas da Matemática. No século XVII isto evoluiu para uma visão de que a natureza era governada por idéias permanentes, proporções, princípios, ou leis que existiam dentro da mente de Deus. Esta visão de mundo tornou-se dominante e, através de filósofos e cientistas tais como Copérnico, Kepler, Descartes, Galileu e Newton, foi incorporada aos fundamentos da física moderna.

Basicamente eles expressavam a idéia de que os números, proporções, equações e princípios matemáticos são mais reais do que o mundo físico que nós vivenciamos. Mesmo hoje muitos matemáticos se inclinam em direção a este tipo de misticismo pitagórico ou platônico. Eles pensam que o mundo físico é como um resultado de princípios matemáticos, como um reflexo das eternas leis numéricas matemáticas. Esta visão é estranha para o modo de pensar da maioria de nós, para os quais o mundo físico é o mundo “real” e as equações matemáticas são consideradas “feitas pelo homem” e possivelmente descrições imprecisas deste mundo “real”. Apesar disto esta visão mística evoluiu para o ponto de vista científico predominante atual de que a natureza é governada por leis eternas, imutáveis, permanentes onipresentes. As leis da natureza estão em todos os lugares e sempre presentes.

AS RAÍZES DO MATERIALISMO NO ATOMISMO

A segunda visão da imutabilidade que emergiu no século XVII nasceu da tradição atomística do materialismo, que se dedicou a um assunto que já estava profundamente enraizado no pensamento grego: especificamente o conceito de uma realidade imutável. Parmênides, um filósofo pré-socrático, tinha a idéia de que somente o ser é (only being is); não ser não é (not being is not). Se algo é, este não pode mudar porque, a fim de mudar, teria que combinar ser e não ser (existir e não existir), o que era impossível. Portanto ele concluiu que a realidade é uma esfera imutável e homogênea. Infelizmente para Parmênides, o mundo que nós vivenciamos não é homogêneo, imutável ou esférico. A fim de preservar a sua teoria, ele afirmou que o mundo que nós vivenciamos é uma ilusão. Esta não era uma solução muito satisfatória e os pensadores da época tentaram encontrar um modo de resolver este dilema.

A solução dos atomistas era a de reivindicar que a realidade consiste de um grande número de esferas (ou partículas) homogêneas e imutáveis: os átomos. Ao invés de uma grande esfera imutável, existe grande número de esferas imutáveis se movendo no vácuo. Os aspectos mutáveis do mundo poderiam então ser explicados em termos dos movimentos, das permutas e das combinações dos átomos. Este é o “insight” original do materialismo: que a realidade consistia de matéria atômica eterna e do movimento da matéria.

A combinação desta tradição materialista com a tradição platônica finalmente fez nascer à filosofia mecanicista que emergiu no século XXVII e que produziu um dualismo cósmico que tem estado conosco desde então. De um lado temos átomos eternos de matéria inerte e do outro lado temos leis imutáveis, não materiais, que se parecem mais com idéias do que com coisas físicas e materiais. Nesta espécie de dualismo ambos os lados são imutáveis – uma crença que não sugere de pronto a idéia de um universo evolutivo. De fato, os físicos têm estado em oposição a aceitar a idéia de evolução precisamente porque ela se encaixa de maneira pobre com a noção da matéria eterna e das leis imutáveis. Na física moderna a matéria tem sido vista como uma forma de energia; a energia eterna substituiu a matéria eterna, mas, além disso, pouco tem mudado.

A EMERGÊNCIA DO PARADIGMA EVOLUTIVO

No entanto, o paradigma evolutivo tem se firmado nos dois últimos séculos. No século XVIII, desenvolvimentos sociais, artísticos e científicos foram visto em geral como um processo evolutivo e progressivo. A revolução industrial tornou esse ponto de vista uma realidade econômica em parte da Europa e América. No início de século XIX, havia um número de filosofias evolutivas e, por volta de 1840, a teoria evolutiva social do marxismo tinha sido publicada. Neste contexto de teoria evolutiva social e cultural, Darwin apresentou a sua teoria da evolução biológica, que estendia a visão evolutiva à vida como um todo. Mesmo assim esta visão não atingia todo o universo: Darwin e os neodarwinistas ironicamente tentaram encaixar a evolução da vida na terra em um universo estático, e até pior, um universo que na verdade se pensava estar “se acabando” termodinamicamente, em direção à “morte pelo calor”.

Tudo mudou em 1966 quando a física finalmente aceitou uma cosmologia evolutiva na qual o universo não seria mais eterno. Ao invés disso, o universo se originava a partir de um “Big Bang” há cerca de 15 bilhões de anos atrás e havia evoluído desde então. Assim nós temos agora uma física evolutiva. Mas devemos nos lembrar que esta tem apenas cerca de 20 anos de idade e que as implicações e conseqüências da descoberta do big bang ainda não estão completamente entendidas.

A física está apenas começando a adaptar-se a esta nova visão, a qual, como temos visto, desafia a mais fundamental suposição da física desde a era de Pitágoras: a idéia das leis eternas. Na medida em que nós temos um universo que evolui, somos confrontados com a questão: e a respeito das leis eternas da natureza? A onde estavam as leis da natureza antes do big bang? Se as leis da natureza existiam antes do big bang, então fica claro que estas são de caráter não-físico; de fato, são metafísicas. Isto nos empurra para fora da suposição metafísica que se encontra sob a idéia das leis eternas, por conseqüência.

LEIS DA NATUREZA, OU APENAS HÁBITOS?

Existe, no entanto uma alternativa. A alternativa e a de que o universo se parece mais com um organismo do que com uma máquina. O big bang chama-nos de volta às estórias místicas sobre “chocar o ovo cósmico”: ele cresce, e medida que cresce se submete a uma diferenciação interna que se parece mais com um embrião cósmico gigante do que com a enorme máquina eterna da teoria mecanicista. Com esta alternativa orgânica, pode fazer sentido pensar a respeito das leis da natureza mais como hábitos; talvez as leis da natureza sejam hábitos do universo, e talvez o universo tenha uma memória embutida.

Há cerca de cem anos, o filósofo americano C. S. Pierce disse que se tomássemos seriamente a evolução, se pensássemos que o universo todo se encontra em evolução, então teríamos de pensar nas leis da natureza com algo ligado aos hábitos. Esta idéia era de fato bastante comum especialmente na América; ela foi adotada por William James e outros filósofos americanos e foi amplamente discutida no final do século XIX. Na Alemanha, Nietzsche chegou a sugerir que as leis da natureza se submetiam à seleção natural: talvez tenham existido muitas leis da natureza no início, mas somente as bem sucedidas sobreviveram; portanto, o universo que nós vemos tem leis que evoluíram através da seleção natural.

Os biólogos também se deslocaram em direção a uma interpretação dos fenômenos em termos de hábitos. O mais interessante destes teóricos foi o escritor inglês Samuel Butler, cujos livros mais importantes sobre este tema foram “Vida e Hábito” [1878] “Memória Inconsciente” (1881). Butler afirmava que o todo da vida envolvia uma memória inconsciente inerente; os hábitos, os instintos dos animais, o modo pelo qual os embriões se desenvolvem, tudo refletia um princípio básico de uma memória inerente de dentro da vida. Ele chegou a propor que deveria haver uma memória inerente aos átomos, moléculas e cristais. Assim houve este período de tempo no final do século XIX quando a biologia foi vista em termos evolutivos. É somente a partir de 1920 que o pensar mecanicista passou a ter um domínio sobre o pensamento biológico.

COMO SURGE A FORMA?

A hipótese da causação formativa, que é a base do meu trabalho, parte do problema da forma biológica. Dentro da biologia tem havido uma prolongada discussão a respeito da compreensão de como os embriões e organismos se desenvolvem. Como é que as plantas crescem a partir das sementes? Como é que os embriões se desenvolvem a partir de ovos fertilizados? Este é um problema para os biólogos; não é bem um problema para embriões e árvores, que apenas o fazem! No entanto os biólogos têm dificuldade de encontrar uma explanação causal para a forma. Na física, de certo modo a causa se iguala ao efeito. A quantidade de energia, matéria, e ‘momentum’ antes de uma dada mudança se igualam à quantia encontrada depois da mudança. A causa é contida no efeito e o efeito na causa. No entanto quando consideramos o crescimento de um carvalho a partir de uma ‘bolota’, parece não existir tal equivalência entre causa e efeito.

No século XVII a teoria mecanicista principal da embriologia era simplesmente que o carvalho estava contido na ‘bolota’: dentro de cada ‘bolota’ existia um carvalho em miniatura que inflava à medida que a árvore crescia. Esta teoria foi amplamente aceita, e foi a mais consistente com a abordagem mecanicista, como era compreendida naquela época. No entanto, como indicaram os críticos, se o carvalho é inflado e aquele carvalho por si mesmo produz ‘bolotas’, a árvore inflável deve conter ‘bolotas’ infláveis, que contêm carvalhos infláveis, ad infinito.

Se, por outro lado, mais forma vier de menos forma (cujo nome técnico é epigênese), então de onde é que vem mais forma?

Como aparecem as estruturas que não estavam ali antes? Nem platônicos nem aristotelianos tinham qualquer problema com esta questão. Os platônicos diziam que a forma vinha do arquétipo platônico: se existe um carvalho, então existe uma forma arquetípica de uma árvore de carvalho, e todos os carvalhos reais são simplesmente reflexos deste arquétipo. Uma vez que este arquétipo está além do espaço e do tempo, não existe necessidade de tê-lo acomodado sob a forma física de uma ‘bolota’. Os aristolelianos diziam que cada espécie tem a seu próprio tipo de alma, e a alma é a forma do corpo. O corpo está na alma, e não a alma no corpo. A alma é a forma do corpo e se encontra em volta do corpo e contém a meta do desenvolvimento (o que formalmente é chamado de intelequia). A alma de um carvalho contém o carvalho eventual.

O DNA É UM PROGRAMA GENÉTICO?

No entanto, uma visão mecanicista do mundo nega o animismo em todas as suas formas; ela nega a existência da alma e de qualquer princípio organizador não-material. Portanto, os mecanicistas têm de possuir algum tipo de pré-formação. No final do século XIX, a teoria do biólogo alemão August Weismann sobre o plasma germe fez reviver a idéia da pré-formação; a teoria de Weismann colocou “determinantes”, os quais supostamente faziam crescer o organismo, dentro do embrião. Esta idéia é a antecessora da idéia atual da programação genética, a qual constitui uma outra ressurgência do pré-formação de uma maneira moderna.

Como veremos, esse modelo não funciona muito bem. Presume-se que o programa genético seja idêntico com o DNA, a química genética. A informação genética está codificada no DNA e este código forma o programa genético. Mas tal salto exige que sejam projetadas no DNA propriedades que este não possui de fato. Nós sabemos o que o DNA faz: ele codifica para criar proteínas; ele codifica a seqüência de aminoácidos que forma proteínas. No entanto, existe uma grande diferença entre a codificação para a estrutura de uma proteína – um constituinte químico do organismo – e a programação do desenvolvimento de um organismo total esta é a diferença entre fazer tijolos e construir uma casa a partir dos tijolos. Os tijolos são necessários para construir a casa. Se você tem tijolos defeituosos, a casa será defeituosa. Mas o planejamento da casa não está contido nos tijolos, ou nos fios, ou nas pilastras, ou no cimento.

Por analogia, o DNA somente codifica para materiais dos quais o corpo é construído: as enzimas, as proteínas estruturais e assim por diante. Não existe evidência que ele também codifique para o planejamento, a forma, a morfologia do corpo. A fim de ver isto mais claramente, pense nos seus braços e pernas. A forma dos braços e das pernas é diferente; é óbvio que eles têm um formato diferente. Mesmo assim a química dos braços e das pernas é idêntica. Os músculos são os mesmos, as células nervosas são as mesmas, as células da pele são as mesmas e o DNA é o mesmo em todas as células dos braços e das pernas. De fato, o DNA é o mesmo em todas as células do corpo. O DNA sozinho não pode explicar a diferença na forma; algo mais é necessário para explicar a forma.

Na biologia mecanicista atual, se assume que isto é geralmente dependente dos chamados “padrões complexos de interação físico-químicos ainda não inteiramente compreendidos”. Assim a teoria mecanicista atual não é uma explicação, mas sim uma mera promessa de explicação. Isto é o que Sir Karl Popper tem chamado de “mecanicismo promissor”; Isto envolve listar notas promissoras contra explicações futuras que ainda não existem. Deste modo, não se trata de um argumento objetivo; é meramente uma afirmação baseada em fé.

O QUE SÃO CAMPOS MÓRFICOS?

A questão do desenvolvimento biológico, da morfogênese, está de fato bastante aberta e é matéria de muito debate dentro da biologia. Uma alternativa para a abordagem mecanicista/reducionista, a qual está em voga desde 1920, é a idéia dos campos morfogenéticos (modeladores da forma). Neste modelo, organismo que estão crescendo são moldados por campos que estão tanto dentro como em volta deles, campos que contém a forma do organismo. Isto está mais próximo da tradição aristotélica do que de qualquer uma das outras abordagens tradicionais. À medida que a árvore do carvalho se desenvolve, a ‘bolota’ está associada com um campo do carvalho, uma estrutura organizadora invisível que organiza o desenvolvimento do carvalho; se parece com um molde do carvalho, dentro do qual o organismo que está se desenvolvendo cresce.

Um fato que levou ao desenvolvimento desta teoria é a notável habilidade que os organismos têm para reparar danos. Se você cortar um carvalho em pedacinhos, cada pequeno pedaço, tratado de maneira apropriada, poderá crescer até se tornar uma nova árvore. Portanto a partir de um pequeno fragmento, você pode obter um inteiro. Máquinas não fazem assim; elas não têm este poder de permanecer inteiras se você remover partes delas. Esquarteje um computador e tudo o que você terá é um computador quebrado. Ele não se regenera em uma porção de computadorezinhos. Mas se você picar uma planária em pequenos pedaços, cada pedaço poderá crescer como nova planária. Uma outra analogia é a do magneto (imã). Se você cortar um imã em pedacinhos você com certeza terá uma porção de pequenos imãs, cada um com um campo magnético completo. Esta é uma propriedade holística que os campos têm que os sistemas mecânicos não têm a menos que estes estejam associados com campos. Um outro exemplo é o holograma, no qual qualquer parte contém o todo. Um holograma é baseado em padrões de interferência dentro do campo eletromagnético. Os campos assim têm uma propriedade holística a qual foi muito atraente para os biólogos que desenvolveram este conceito dos campos morfogenéticos.

Cada espécie tem os seus próprios campos, e dentro de cada organismo existem campos dentro de campos. Dentro de cada um de nós está o campo do corpo como um todo; campos para os braços e pernas e campos para rins e fígado; dentro estão campos para os diferentes tecidos dentro destes órgãos, e então campos para as células, e campos para as estruturas subcelulares, e campos para as moléculas e assim por diante. Existe uma série inteira de campos dentro de campos. A essência da hipótese que eu estou propondo é a que estes campos, os quais já estão amplamente aceitos dentro da biologia, têm uma espécie de memória embutida que deriva de formas prévias de uma espécie similar. O campo do fígado é moldado pelas formas de fígados anteriores e o campo do carvalho pelas formas e organização de árvores de carvalho anteriores. Através dos campos, por um processo chamado de ressonância mórfica, a influência de semelhante sobre o semelhante, existe uma conexão entre campos similares. O que significa que a estrutura do campo tem uma memória cumulativa, baseada naquilo que aconteceu às espécies no passado. Essa idéia se aplica não somente aos organismos vivos, mas também a moléculas de proteína, cristais, e mesmo átomos. No reino dos cristais, por exemplo, a teoria diria que a forma que um cristal toma depende do seu campo mórfico característico. Campo mórfico é um termo mais abrangente o qual inclui os campos tanto de forma como de comportamento; daqui por diante, eu deverei usar o termo campo mórfico ao invés de morfogenéticos.

QUÍMICOS BARBUDOS MIGRANTES

Se você fabrica um novo componente e o cristaliza, não haverá um campo mórfico para ele de uma primeira vez. Portanto, pode ser muito difícil cristalizar; você tem que esperar para que um campo mórfico emergia. Na segunda vez, entretanto, mesmo que você faça isto em algum outro lugar no mundo, haverá uma influência da primeira cristalização, e a cristalização deverá ser um pouco mais fácil. Na terceira vez haverá uma influência da primeira e da segunda, e assim por diante. Haverá uma influência cumulativa a partir de cristais prévios, portanto deverá se tornar cada vez mais fácil à cristalização conforme você cristaliza mais freqüentemente. E de fato, é isto precisamente o que ocorre. Químicos (que trabalham com materiais) sintéticos descobrem que novos componentes são geralmente muito difíceis de cristalizar. À medida que o tempo passa, tais componentes geralmente se tornam mais fáceis de cristalizar em todas as partes do mundo. A explicação convencional é que isto ocorre devido a fragmentos de cristais prévios que são carregados de laboratório em laboratório nas barbas dos químicos migrantes. Quando nenhum químico migrante esteve presente, supõe-se que os fragmentos se dispersaram pela atmosfera como se fossem partículas microscópicas de poeira.

Talvez os químicos migrantes realmente carreguem fragmentos nas suas barbas, e talvez partículas de poeira realmente sejam sopradas pela atmosfera. Entretanto, se a taxa de cristalização for mensurada sob condições rigorosamente controladas em vasos selados em diferentes partes do mundo, ainda deverá ser observado uma taxa acelerada de cristalização. Este experimento ainda não foi feito. Mas uma experiência relacionada a isto envolvendo taxas de reações químicas de novos processos sintéticos está sendo considerada no momento por uma empresa química importante na Grã-Bretanha porque, se tais coisas acontecem, devem ter implicações bastante importantes para a indústria química.

UMA NOVA CIÊNCIA DA VIDA

Existe um bom número de experimentos que podem ser feitos na esfera da forma biológica e do desenvolvimento da forma. Correspondentemente, os mesmos princípios se aplicam ao comportamento, formas de comportamento e padrões de comportamento. Considerem a hipótese de que se você treinar ratos para que aprendam um novo truque em Santa Bárbara, daí ratos de todo o mundo deverão estar aptos para aprender a fazer o mesmo truque mais rapidamente, somente porque os ratos de Santa Bárbara o aprenderam. Este novo padrão de aprendizado estará, como esteve, na memória coletiva dos ratos – no campo mórfico dos ratos, ao quais outros ratos podem sintonizar, somente porque eles são ratos e somente porque estão em circunstâncias semelhantes, por ressonância mórfica. Isto pode parecer um tanto improvável, mais este tipo de coisa pode tanto acontecer como não.

Dentre o vasto número de documentos nos arquivos sobre experimentos na psicologia dos ratos, existe um número de exemplos de experiências nas quais pessoas de fato monitorizaram taxas de aprendizado em função do tempo e descobriram aumentos misteriosos. No meu livro, Uma Nova Ciência da Vida, eu descrevo uma destas séries de experiências que se estenderam por um período de cinqüenta anos. Iniciada em Harvard e conduzida na Escócia e na Austrália, a experiência demonstrou que ratos aumentaram a sua taxa de aprendizado em mais de dez vezes. Este foi um efeito em massa – e não somente um resultado estatisticamente significante periférico. Esta taxa melhorada de aprendizado ocorreu em situações de aprendizado idênticas ocorridas nestes três locais separados e em todos os ratos da cepa, não somente nos ratos descendentes de genitores treinados.

Existem outros exemplos de distribuição espontânea de novos hábitos em animais e em pássaros que proporcionam no mínimo evidência circunstancial para a teoria da ressonância mórfica. A mais bem documentada de todas é o comportamento de uma espécie de azulão, um pássaro que é comum em toda a Grã-Bretanha. O leite fresco ainda é fornecido à porta das residências toda manhã no país. Até cerca de 1950 as tampas das garrafas de leite eram feitas de papelão. Em 1921, em South Ampton, um fenômeno estranho foi observado. De manhã, quando as pessoas saíam para pegar suas garrafas de leite, elas encontravam papeizinhos picotados em torno fundo da garrafa, e a nata de cima da garrafa havia desaparecido. Uma observação mais detalhada revelou que isto estava sendo feito pelos azulões, que pousavam no topo da garrafa, retiravam o papelão com seus bicos e então bebiam a nata. Muitos casos trágicos foram encontrados, nos quais muitos azulões foram descobertos com suas cabeças afogadas no leite! Este incidente causou um interesse considerável; que tal evento acontecesse em outros lugares do país, 50 algumas vezes 100 milhas de distância. Sempre que o fenômeno do azulão aparecia, começava a se espalhar localmente, supostamente por imitação. No entanto, os azulões são criaturas muito caseiras e normalmente não viajam mais do que quatro ou cinco milhas. Portanto, a disseminação do comportamento por distâncias maiores poderia somente ser contabilizada em termos de uma descoberta independente do hábito. O hábito do azulão foi mapeado por toda a Grã-Bretanha até 1947, época em que se tornou mais ou menos universalizado. As pessoas que fizeram o estudo chegaram a conclusão de que o hábito deveria ter sido “inventado” independentemente em pelo menos umas cinqüenta vezes. Mais do que isso, a taxa de distribuição do hábito se acelerou à medida que o tempo passava. Em outras partes da Europa a onde as garrafas de leite são distribuídas na soleira da porta, tais como na Escandinávia e na Holanda, o hábito também se construiu durante a década de trinta e se espalhou de modo semelhante. Aqui está um exemplo de um padrão de comportamento que foi espalhado de uma maneira que parecia se acelerar com o tempo, e que poderia proporcionar um exemplo de ressonância mórfica.

Mas existe uma evidência ainda mais forte para a ressonância mórfica. Devido à ocupação Alemã na Holanda, a distribuição de leite foi interrompida nos anos de 1939-40. A distribuição do leite não foi retomada até 1948. Uma vez que azulões geralmente vivem apenas de 2 a 3 anos, provavelmente não havia azulões vivos em 1948 que tivessem estados vivos na última vez que o leite fora distribuído. Mesmo assim quando a distribuição de leite foi reiniciada em 1948, a abertura das garrafas de leite pelos azulões se espalhou rapidamente em localidades bastante distantes na Holanda, e de modo extremamente rápido até que, em um ano ou dois, o hábito era uma vez mais universal. O comportamento se espalhou muito mais rapidamente e sobreveio independentemente muito mais freqüentemente da segunda vez do que da primeira. Este exemplo demonstra a distribuição evolutiva de um novo hábito que provavelmente não é genético, mas sim dependente de uma espécie de memória coletiva que se deve à ressonância mórfica.

O que eu estou sugerindo é que hereditariedade não depende somente do DNA, que habilita os organismos a construir os materiais de construção químicos corretos – as proteínas – mas também da ressonância mórfica. A hereditariedade tem, portanto dois aspectos: um é a hereditariedade genética, que é responsável pela herança de proteínas através do controle do DNA na síntese protéica; a segunda é uma forma de hereditariedade baseada em campos mórficos e em ressonância mórfica, que é não genética e que é herdada dos membros anteriores (passados) das espécies. Esta última forma de hereditariedade lida com a organização da forma e do comportamento.

A ALEGORIA DO APARELHO DE TELEVISÃO

As diferenças e conexões entre estas duas formas de hereditariedade tornam-se mais fácil de compreender se considerarmos uma analogia com a televisão. Pense sobre as figuras na tela como a forma na qual nós estamos interessados. Se você não soubesse como a forma surgiu, a explicação mais óbvia seria que haveria pequenas pessoas dentro do aparelho cujas sombras você estaria vendo na tela. Crianças pensam dessa maneira algumas vezes. Se você, no entanto afasta o aparelho e olha dentro, você descobre que não existem pessoas pequenas. Aí você poderia se tornar mais sutil e especular que as pequenas pessoas são microscópicas e estão na verdade por dentro dos cabos do aparelho de TV. Mas se você der uma olhada nos fios através de um microscópio, você também não encontrará nenhum pequenino.

Você poderia se tornar ainda mais sutil e propor que as pequenas pessoas na tela na verdade apareceram através de “interações complexas entre as partes do aparelho as quais ainda não estão inteiramente compreendidas”. Você poderia pensar que esta teoria seria comprovada se você cortasse alguns transistores do aparelho. As pessoas desapareceriam. Se você colocasse os transistores de volta, elas reapareceriam. Isto poderia prover evidências convincentes que elas surgiram a partir do interior do aparelho inteiramente sobre uma base de interação interna.

Suponha que alguém tenha sugerido que as figuras dos pequeninos venham de fora do aparelho, e que o aparelho captura as imagens como um resultado de vibrações invisíveis às quais o aparelho está sintonizado. Isto provavelmente soaria como uma explicação bastante oculta e mística. Você poderia negar que qualquer coisa esteja vindo para o aparelho. Você poderia até mesmo “prova-lo” ao pesar o aparelho ligado e desligado; pesaria o mesmo. Portanto, você poderia concluir que nada está entrando no aparelho.

Eu penso que esta é a posição da biologia moderna, tentando explicar cada coisa em termos do que ocorre dentro. Quanto mais explicações para a forma são procuradas dentro, mais enganosas se provam as explicações, e mais elas são atribuídas a ainda maiores interações sutis e complexas, as quais sempre desviam a investigação. Como eu estou sugerindo, as formas e padrões de comportamento estão na verdade sendo sintonizadas através de conexões invisíveis que surgem de fora do organismo. O desenvolvimento da forma é o resultado tanto da organização interna do organismo quanto da interação dos campos mórficos aos quais ele está sintonizado.

Mutações genéticas podem afetar este desenvolvimento. Mais uma vez pense no aparelho de TV. Se nós provocarmos uma mutação em um transistor ou um condensador dentro do aparelho, você pode obter imagens ou som distorcidos. Mais isto não prova que as imagens e o som são programados por estes componentes. E nem isto prova que a forma e comportamento são programados pelos genes, se acharmos que existem alterações na forma e no comportamento como um resultado de mutação genética.

Existe uma outra espécie de mutação que é particularmente interessante. Imagine uma mutação no circuito de sintonização do seu aparelho, de modo que ela altera a freqüência ressonante do circuito de sintonização. Sintonizar a sua TV depende de um fenômeno ressonante; o sintonizador ressona à mesma freqüência da freqüência do sinal transmitido pelas diferentes estações. Assim, os mostradores da sintonização são medidos em hertz, que é uma medida de freqüência. Imagine uma mutação no sistema de sintonização de maneira que você sintoniza um canal e um canal diferente aparece. Você pode rastrear isto de volta a um único condensador ou resistor que havia sofrido uma mutação. Mas não seria válido concluir que os novos programas que você está assistindo, as diferentes pessoas, os diferentes filmes e propagandas, são programados dentro do componente que foi mudado. E nem isto prova que a forma e o comportamento são programados no DNA quando mutações genéticas levam a mudanças na forma e no comportamento. A conclusão usual é que se você pode mostrar que alguma coisa se altera como um resultado de uma mutação, então aquilo deve estar programado, ou controlado, ou determinado pelo gene. Eu espero que esta analogia com a TV torne claro que esta não é a única conclusão. Poderia ser que ela esteja apenas afetando o sistema de sintonização.

UMA NOVA TEORIA DA EVOLUÇÃO

Uma grande quantidade de trabalhos está sendo efetuada pela pesquisa biológica contemporânea a respeito de tais mutações “sintônicas” (formalmente chamadas de mutações homeóticas). O animal mais utilizado nas investigações é a drosófila, a mosca da fruta. Uma extensão inteira destas mutações, que produzem diversos tipos de monstruosidades tem sido descobertas. Uma espécie, denominada antennapedia, se destaca por ter suas antenas transformadas em pernas. Estas infelizes moscas, que contém apenas um único gene alterado, produzem pernas que crescem a partir de suas cabeças, ao invés de antenas. Existe uma outra mutação que conduz o segundo par, dos três pares de pernas da drosófila, a ser transformados em antenas. Normalmente as moscas têm um par de asas e, no seguimento por detrás das asas, existem pequenos órgãos que oscilam chamados halteres. Uma outra mutação ainda, leva á transformação do seguimento que normalmente contém os halteres, para uma duplicação do primeiro seguimento, de maneira que tais moscas têm quatro asas ao invés de duas. Estas são chamadas de mutantes bitoráxicas.

Todas estas mutações são dependentes de genes únicos. Eu proponho que de alguma maneira estas mutações de genes únicos são mudanças na sintonia de uma parte do tecido embrionário, de modo que ele se sintoniza com um campo mórfico diferente do que aquele o qual normalmente o faz, e assim uma diferente combinação de estruturas surge, exatamente como quando sintonizamos em um canal de TV diferente.

Podemos observar a partir destas analogias, como tanto a genética como a ressonância mórfica estão envolvidas na hereditariedade. È claro, uma nova teoria de hereditariedade conduz a uma nova teoria da evolução. A teoria evolutiva de hoje está baseada na suposição de que virtualmente toda a hereditariedade é genética. A sociobiologia e o neodarwinismo em todas as suas diversas formas baseiam-se na seleção dos genes, freqüência dos genes e assim por diante. A teoria da ressonância mórfica conduz a uma visão muito mais ampla que permite que uma das maiores heresias da biologia uma vez mais seja levada a sério: a idéia da herança de características adquiridas. Comportamentos aprendidos por organismos, ou formas desenvolvidas por eles, pode ser herdada por outros mesmo que não sejam descendentes dos organismos originais – por ressonância mórfica.

UM NOVO CONCEITO DE MEMÓRIA

Quando consideramos a memória, esta hipótese conduz a uma abordagem muito diferente da abordagem tradicional. O conceito chave da ressonância mórfica é que coisas semelhantes influenciam coisas semelhantes através do espaço e do tempo. A quantidade de influência depende do grau de similitude. A maioria dos organismos é mais semelhante a si mesmos no passado do que o são em relação a qualquer outro organismo. Eu me pareço mais comigo mesmo há cinco minutos atrás do que eu me pareço com qualquer um de vocês; todos nós somos mais parecidos com nós mesmos no passado do que com qualquer outra pessoa. É a mesma coisa com qualquer outro organismo. Esta auto-ressonância com estados passados daquele mesmo organismo, no seio da forma, ajuda a estabilizar os campos morfogenéticos, a estabilizar a forma do organismo, mesmo que os constituintes químicos nas células estejam se transformando e mudando. Padrões habituais de comportamento também são sintonizáveis a partir do processo de auto-ressonância. Se eu começo a andar de bicicleta, por exemplo, o padrão de atividade do meu sistema nervoso e dos meus músculos, em resposta ao equilíbrio sobre a bicicleta, imediatamente me sintoniza por similaridade a todas as ocasiões anteriores nas quais eu andei de bicicleta. A experiência de andar de bicicleta é dada por ressonância mórfica cumulativa a todas aquelas ocasiões passadas. Não é uma memória verbal ou intelectual; é uma memória corporal do andar de bicicleta.

Isso também se aplicaria à memória de eventos reais: aquilo o que eu fiz ontem em Los Angeles ou no ano passado, na Inglaterra. Quando eu penso sobre estes eventos em particular, eu estou me sintonizando às ocasiões nas quais estes eventos ocorreram. Existe uma conexão causal direta através de um processo de sintonização. Se essa hipótese for correta, não é necessário admitir que memórias são armazenadas dentro do cérebro.

O MISTÉRIO DA MENTE

Todos nós fomos conduzidos à idéia de que as memórias estão armazenadas no cérebro; usamos a palavra cérebro de forma intercambiável com mente ou memória. Eu estou sugerindo que o cérebro se parece mais como um sistema de sintonização do que com um aparelho de armazenamento de memória. Um dos principais argumentos para a localização da memória no cérebro é o fato de que certos tipos de lesão cerebral podem levar a perda de memória. Se o cérebro é lesado em um acidente de carro e alguém perde a memória, a suposição óbvia é que o tecido da memória deva ter sido destruído. Mas não é necessariamente assim.

Considere novamente a analogia da TV. Se eu danificar o seu aparelho de TV de modo que você ficou incapacitado de receber determinados canais, ou se eu tornar o aparelho de TV afásico ao destruir a parte ligada à produção do som de modo que você ainda pudesse obter as imagens, mas não o som, isto não provaria que o som ou as imagens estaria armazenado dentro do aparelho de TV. Isso meramente mostraria que eu havia afetado o sistema de sintonização de maneira que você não poderia mais pegar o sinal correto. Nem a perda da memória devida a lesão cerebral prova que a memória se encontra armazenada dentro do cérebro. De fato, a maioria das perdas de memória é temporária: amnésia após uma concussão, por exemplo, é freqüentemente temporária. Esta recuperação da memória é muito difícil de explicar em termos das teorias convencionais: se as memórias foram destruídas por que o tecido de memória foi destruído, elas não deveriam voltar novamente; mesmo assim elas freqüentemente retornam.

Um outro argumento para a localização da memória dentro do cérebro é sugerido pelos experimentos sobre estimulação elétrica do cérebro feito por Wilder Penfield e colaboradores. Penfield estimulou os lobos temporais dos cérebros de pacientes epiléticos e descobriu que alguns destes estímulos podiam disparar respostas vívidas, as quais eram interpretadas pelos pacientes como memórias de coisas que eles haviam feito no passado. Penfield supôs que ele estava de fato estimulando memórias que estavam armazenadas no córtex. De volta a analogia da TV, se eu estimulasse o circuito de sintonização do seu aparelho de TV e ele pulasse para outro canal, isto não provaria que a informação estava armazenada dentro do circuito de sintonização. É interessante que, no seu último livro, “The Mystery of the Mind”, o próprio Penfield abandonou a idéia de que os experimentos provavam que a memória estava dentro do cérebro. Ele chegou à conclusão de que a memória não estava absolutamente armazenada dentro do córtex.

Tem havido muitas tentativas de localizar traços da memória dentro do cérebro, a mais conhecida delas foi a de Karl Lashley, o grande neuro-fisiologista americano. Ele treinou ratos para aprenderem truques, e então tirou pedaços dos cérebros dos ratos para determinar se eles ainda poderiam fazer os truques. Para seu espanto, ele descobriu que ele poderia remover até 50% do cérebro – qualquer 50% – e não haveria nenhum efeito na retenção do aprendizado. Quando ele removia todo o cérebro, os ratos não conseguiam fazer tais truques, portanto ele concluiu que o cérebro era de algum modo necessário para o desempenho da tarefa – o que dificilmente é uma conclusão surpreendente. O que era surpreendente era a quantidade de cérebro que ele podia remover sem afetar a memória.

Resultados semelhantes têm sido encontrados por outros investigadores, até mesmo com invertebrados como o polvo. Isso levou o investigador a especular que a memória estava em todos os lugares, mas também em nenhum lugar em particular. O próprio Lashley concluiu que memórias são armazenadas de uma forma distribuída por todo o cérebro, já que ele não pode encontrar os vestígios de memória que a teoria clássica exigia. O seu aluno, Karl Pribram, estendeu esta idéia com a teoria holográfica do armazenamento da memória: a memória é como uma imagem holográfica, armazenada como um padrão de interferência pelo cérebro.

O que Lashley e Pribram (pelo menos em uma parte dos seus escritos) parecem não ter considerado é a possibilidade de que memórias podem não estar de modo algum armazenadas dentro do cérebro. A idéia de que elas não estão armazenadas dentro cérebro é mais consistente com os dados disponíveis do que as teorias convencionais ou a teoria holográfica. Muitas dificuldades surgiram ao se tentar localizar o armazenamento da memória no cérebro, em parte porque o cérebro é muito mais dinâmico do que se pensava anteriormente. Se o cérebro fosse para servir como um armazém de memória, então o sistema de armazenamento teria que permanecer estável; e mais, é sabido hoje que as células nervosas são substituídas muito mais rapidamente do que se pensava anteriormente. Toda a química nas sinapses e estruturas nervosas e moléculas são trocadas e mudam o tempo todo. Com um cérebro muito dinâmico, é difícil visualizar como as memórias são armazenadas.

Também existe um problema lógico a respeito das teorias convencionais de armazenamento da memória, para o qual diversos filósofos apontaram. Todas as teorias convencionais supõem que as memórias são, de algum modo, codificadas e localizadas em um depósito de memória no cérebro. Quando elas são necessárias, são recuperadas por um sistema de reparação. Este é o chamado modelo de codificação, armazenamento e recuperação. No entanto, para que um sistema de recuperação recupere qualquer coisa, ele deve saber o que é que quer recuperar; um sistema de recuperação de memória tem que saber qual memória procurar. Ele, portanto deve estar apto a reconhecer a memória a qual está tentando recuperar. A fim de reconhecê-la, o próprio sistema de recuperação deve ter algum tipo de memória. Portanto o sistema de recuperação deve ter um subsistema de recuperação para recuperar as suas memórias do seu depósito. Isso leva a uma regressão infinita. Diversos filósofos defendem que esta é uma falha lógica fatal em qualquer teoria convencional sobre armazenamento de memória. No entanto, no geral, os teóricos da memória não estão muito interessados naquilo o que os filósofos dizem, assim eles não se incomodam de se contrapor a este argumento. Mas este me parece ser de fato um argumento bastante poderoso.

Ao considerar a teoria de ressonância mórfica da memória, poderíamos perguntar: se nós nos sintonizamos com as nossas próprias memórias, então porque não nos sintonizamos também com as de outras pessoas? Eu penso que nós nos sintonizamos, e que toda a base da abordagem que eu estou sugerindo é a que existe uma memória coletiva à qual nós todos estamos sintonizados e que forma uma base contra a qual a nossa própria experiência se desenvolve e contra a qual as nossas próprias memórias individuais se desenvolvem. Esse conceito é muito semelhante à noção do inconsciente coletivo.

Jung pensava sobre o inconsciente coletivo como uma memória coletiva, a memória coletiva da humanidade. Ele pensava que as pessoas estariam mais sintonizadas aos membros da sua própria família e raça e grupo social e cultural, mas que não obstantemente, haveria uma ressonância de base a partir de toda a humanidade: uma experiência agrupada ou de uma média de coisas básicas as quais todas as pessoas vivenciam (e.é., comportamento materno, e diversos padrões sociais e estruturas da experiência e do pensamento). Não seria tanto uma memória de pessoas em particular no passado, mas uma média das formas básicas das estruturas de memórias; estes são os arquétipos. A noção de Jung sobre o inconsciente coletivo é de um bom senso extremo no contexto da abordagem geral que eu estou adiantando. A teoria de ressonância mórfica levaria a uma reafirmação radical do conceito de Jung a respeito do inconsciente coletivo.

A teoria necessita de reafirmação porque o contexto atual mecanicista da biologia, medicina e psicologia convencional nega que possa existir tal coisa como o inconsciente coletivo; o conceito de uma memória coletiva de uma raça ou espécie tem sido excluído até mesmo como uma possibilidade teórica. Você não pode ter qualquer herança de características adquiridas, de acordo com a teoria convencional; você somente pode ter uma herança de mutações genéticas. Sob as premissas da biologia convencional, não haveria nenhuma forma de que experiências e mitos de tribos africanas, por exemplo, terem qualquer influência sobre os sonhos de alguém na Suíça, de descendência não-africana, o que é o tipo de coisa que Jung pensava que realmente pode acontecer. Isto é bastante impossível do ponto de vista convencional, sendo por isso que a maioria dos biólogos da corrente principal da ciência não leve a idéia do inconsciente coletivo a sério. Ela é considerada uma idéia marginal, escamosa, que pode ter algum valor poético, como uma espécie de metáfora, mas não tem relevância para a ciência em si porque é um conceito completamente insustentável do ponto de vista da biologia normal.

A abordagem que eu estou passando adiante é bastante semelhante à idéia de Jung do inconsciente coletivo. A principal diferença é que a idéia de Jung foi aplicada primariamente à experiência humana e à memória coletiva humana. O que eu estou sugerindo é que um princípio semelhante opera por todo o universo, não apenas em seres humanos. Se a espécie de mudança do paradigma radical de que eu estou falando prosseguir dentro da biologia – se a hipótese da ressonância mórfica estiver até mesmo aproximadamente correta – então a idéia de Jung sobre o inconsciente coletivo tornar-se-ia uma idéia central para ser seguida: campos morfogênicos e o conceito do inconsciente coletivo mudariam completamente o contexto da psicologia moderna.

Religião – Krishnamurti

por J. Krishnamurti

“Para descobrir o que é verdadeira religião, você precisa afastar tudo o que estiver no caminho dessa descoberta. Se você tem muitas janelas coloridas ou sujas e quer ver a clara luz do Sol, precisa limpar ou abrir as janelas, ou sair de casa. Da mesma forma, para descobrir o que é a verdadeira religião, você deve primeiro ver o que a verdadeira religião não é, e pôr isso à parte. Então poderá descobrir – porque, então, haverá percepção direta. Vejamos pois o que não é religião.

Cumprir rituais – isso é religião ? Você repete muitas e muitas vezes um certo ritual, um certo mantra em frente de um altar ou de um ídolo. Isso pode lhe dar uma sensação de prazer, uma sensação de satisfação; mas será isso religião? Vestir uma roupa sagrada, intitular-se indú, budista ou cristão, aceitar determinadas tradições, dogmas, crenças – tem tudo isso algo a ver com religião? Obviamente não. Por conseguinte, a religião deve ser algo que só se poderá encontrar quando a mente tenha entendido e descartado isso tudo.

Religião, no verdadeiro sentido da palavra, não trás separação. Mas, que acontece quando você é muçulmano e eu cristão, ou quando eu creio numa coisa e você nela não crê? Nossas crenças nos separam; portanto, nossas crenças nada tem a ver com religião. O fato de crermos ou não em Deus tem pouca significação; porque aquilo em que cremos ou em que deixamos de crer é determinado por nosso condicionamento. A sociedade em torno de nós, a cultura em que somos criados, imprime em nossas mentes certas crenças, certos medos e superstições a que chamamos religião; mas que nada tem a ver com religião. O fato de você crer de um modo e eu de outro depende, em grande parte, de onde tenhamos nascido, se nascemos na Inglaterra, na Índia ou na América. Assim sendo, crença não é religião, é apenas o resultado de um condicionamento.

Há além disso, a busca da salvação pessoal. Quero estar seguro; quero atingir o nirvana, ou alcançar o céu; preciso encontrar um lugar junto de Jesus, junto de Buda ou à direita de algum deus particular. Sua crença não me dá satisfação profunda, conforto; por isso tenho a minha própria crença. E será isso religião? Sem dúvida, nossas mentes precisam estar livres de todas essas coisas para podermos descobrir o que é a verdadeira religião.

E será religião simplesmente uma questão de fazer o bem, de servir ou ajudar os outros? Ou será mais que isso? O que não quer dizer que não devamos ser generosos ou bons. Mas será só isso? Religião não será algo muito maior, muito mais puro, vasto, expansivo do que qualquer coisa concebida pela mente?

Assim, para descobrir o que seja a verdadeira religião, você precisa investigar profundamente todas essas coisas e libertar-se do medo. É como sair de uma casa escura para a claridade do Sol. Então, você não perguntará o que é a verdadeira religião; você mesmo saberá. Haverá experiência direta daquilo que é verdadeiro.”

( O Verdadeiro Objetivo Da Vida – págs. 98 e 99 – Edit. Cultrix )

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A mente de Gaia – Terence Mckenna

 

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Nosso planeta possui um tipo de inteligência organizada. Ele é muito diferente de nós. Ele teve cinco ou seis milhões de anos para criar uma mente que funciona lentamente, que é feita de oceanos, rios, florestas e gelo. Ele está se tornando consciente de nós, a medida em que nos tornamos conscientes dele. E porque a vida de um depende da vida do outro, temos um sentimento sobre essa imensa, estranha, sagaz, velha, neutra, esquisita coisa, e tentamos descobrir por que seus sonhos estão tão atormentados, e por que tudo está tão desequilibrado.

A Terra tem uma forma de inteligência capaz de abrir um canal de comunicação com os seres humanos individualmente.

A mensagem que a natureza nos manda é: transforme tudo através da sinergia que existe entre a cultura eletrônica e a imaginação psicodélica, entre dança e idéia, entre compreensão e intuição, e dissolva as amarras em que a sociedade o prendeu. Assim você será parte integrante da supermente de Gaia.

A experiência psicodélica é muito mais do que psicoterapia instantânea ou regressão, mais do que um simples tipo de superafrodisíaco, mais do que uma ajuda para formular idéias ou descobrir conceitos artísticos. A experiência psicodélica é, na verdade, o corredor que nos leva a um continente perdido da raça humana, um continente do qual não temos mais nenhuma conexão. E a natureza deste continente perdido da mente humana é o próprio intelecto de Gaia. Se confiamos nas evidências da experiência psicodélica descobrimos que não somos a única forma de vida inteligente neste planeta; descobrimos que compartilhamos com a Terra um tipo de consciência.

Chame essa consciência de Gaia, chame-a de Zeta Reticulians, que esteve aqui há milhões de anos atrás, chame-a de Deus Todo Poderoso, não importa do que você a chama! O fato é que as alegações religiosas de que existe um tipo de poder superior pode ser verificada através dos psicodélicos. Mas isto não é, como Milton diz “O Deus que segurou as estrelas como lâmpadas no céu”; não tem nada a ver com isso. Não é cósmico em escala, e sim planetário em escala. Existe um tipo de inteligência desencarnada… está na água, está no solo, está na vegetação, está na atmosfera em que respiramos.

E nossa infelicidade, nosso desconforto, emerge do fato de que nos perdemos na história, considerando que história é um estado de ignorância originada pelos fatos ditos “reais” de como o mundo funciona.

Agora, por que será que quando ingerimos um neurotransmissor humano como o DMT, encontramos exércitos de gnomos nos ensinando uma forma perfeita de comunicação? Esta é uma pergunta muito difícil. Quando você visita culturas tradicionais como a cultura xamânica da Amazônia e pergunta isto para eles, eles respondem sem hesitação que essas pequenas entidades “são o espírito de nossos ancestrais, pelos quais trabalhamos toda a nossa mágica”. Isto acontece no mundo inteiro, é a resposta clássica que os xamãs dão… é através da intersecção dos espíritos, que é uma criatura de outra dimensão, que eles vivem em harmonia com a natureza.

Nós imaginamos muitos cenários diferentes, um futuro tecnológico cheio de inovações sociais, mas acredito que muito poucos de nós consideram seriamente o xamanismo. Xamãs são pessoas que aprenderam a penetrar em outra dimensão, onde nossos ancestrais estão presentes. Não é, vocês sabem, ir ao mundo dos mortos, e sim a descoberta de que esse tal mundo é o lugar de reencarnação dos mortos, um tipo de dimensão superior com altos graus de liberdade, com um senso maior de espontaneidade e de menor dependência do entorpecente mundo material. Este outro universo tenta influenciar o nosso universo, talvez para tentar nos resgatar de nosso drama histórico. Talvez os xamãs tenham estado desde sempre envolvidos com esses mundos invisíveis, e que é apenas o triste destino da cultura ocidental ter perdido contato e consciência com este universo, a ponto dele surgir para nós como uma revelação. Eu acredito que sucumbimos à masculina dominância do patriarcado quando quebramos vínculo com a mente de Gaia, a qual os xamãs acessam através de plantas psicoativas (sem elas o acesso é apenas um rumor inconfirmável).

A mente de Gaia é o que chamamos a experiência psicodélica. É uma experiência sobre o fato de que o intelecto do planeta está vivo, e que sem esta experiência nós vagamos num deserto de ideologias furadas. Com esta experiência o compasso do Eu Superior existente em cada ser humano pode ser acertado.

( Terence McKenna )

Fonte: www.deoxy.org

O Cogumelo Sagrado Teonanacatl – Albert Hofmann

Os trechos a seguir são transcrições do capítulo 6 (“Os Parentes Mexicanos do LSD”) do livro “LSD: Minha Criança Problema“, de Albert Hofmann.

Mais tarde, em 1956, uma notícia no jornal despertou meu interesse. Entre alguns índios do México meridional, pesquisadores americanos tinham descoberto uns cogumelos que eram comidos em cerimônias religiosas e isso produzia uma condição inebriada acompanhada por alucinações.

Desde então, além do caso do cacto da mescalina também achado no México, até aquela ocasião, nenhuma outra droga era conhecida que produzissem alucinações como o LSD. Eu gostaria de estabelecer contato com estes pesquisadores para aprender os detalhes sobre estes cogumelos alucinógenos, mas não havia nenhum nome e nem endereços no artigo do pequeno jornal, de forma que foi impossível adquirir qualquer informação adicional. Não obstante, os cogumelos misteriosos cuja investigação química seria um problema tentador, não saíam dos meus pensamentos.

Como isto depois ficou demonstrado, o LSD foi a razão pela qual estes cogumelos acharam o caminho do meu laboratório, sem a minha ajuda, no início do ano seguinte.

Pela mediação do Dr. Yves Dunant, na ocasião diretor da filial de Paris da Sandoz, um pedido de informação chegou à administração da pesquisa farmacêutica na Basiléia, proveniente do Professor Roger Heim, diretor do Laboratório de Criptogamia do “Museum National d’Histoire Naturelle” de Paris, perguntando se nós estávamos interessados em executar uma investigação química sobre cogumelos alucinógenos mexicanos. Com grande alegria eu me declarei pronto para começar este trabalho em meu departamento, nos laboratórios de pesquisas de produtos naturais. Isso seria o meu vínculo às investigações excitantes dos cogumelos sagrados mexicanos que já estavam amplamente avançadas nos aspectos etno-micológico e botânico.

Por muito tempo a existência destes cogumelos mágicos tinha permanecido um enigma. A história do redescobrimento deles foi apresentada, pela primeira vez, em um magnífico trabalho de dois volumes de tratados de etno-micologia, Cogumelos, Rússia e História (Pantheon Books, Nova Iorque, 1957), pelos autores, os investigadores americanos Valentina Pavlovna Wasson e seu marido, R. Gordon Wasson, que representaram um decisivo papel neste redescobrimento. As seguintes descrições da fascinante história destes cogumelos foram tiradas do livro dos Wassons.

A primeira evidência escrita do uso de cogumelos inebriantes, por ocasiões de festival ou no curso de cerimônias religiosas e nas práticas curativas orientadas pela magia, foi achada entre os cronistas espanhóis e naturalistas do décimo sexto século que entraram no país logo em seguida da conquista do México por Hernan Cortez. O mais importante destes testemunhos é o do frade franciscano Bernardino Sahagun que menciona os cogumelos mágicos e descreve seus efeitos e seus usos em várias passagens do seu famoso trabalho histórico, “Historia General de las Cosas de Nueva Espana”, escrito entre os anos 1529 e 1590. Onde, por exemplo, ele descreve como os comerciantes celebravam o retorno para casa, depois de uma próspera viagem empresarial, com uma festa baseada em cogumelos:

Em primeiro lugar, na hora de festejar, eles comiam cogumelos quando, como eles diziam, era chegada a hora do soprar as flautas. Nesta hora eles não usavam comidas; só bebiam chocolate durante a noite e comiam cogumelos com mel. Quando os cogumelos já estavam entrando em ação, havia gente dançando e gente se lamentando… Alguns tinham visões de que morreriam na guerra, outros que seriam devorados por bestas selvagens… Alguns viam nas visões que ficariam ricos. Alguns viam que comprariam escravos, que se tornariam donos de escravos. Alguns tiveram visão de que cometeriam adultério e assim teriam suas cabeças despedaçadas, seriam apedrejados até a morte… Alguns tinham uma visão de que eles morreriam na água. Alguns viam numa visão que eles teriam tranqüilidade na morte. Alguns tinham visões de que eles cairiam do telhado e morreriam… Todas essas coisas eles viam… E quando os efeitos dos cogumelos cessavam, eles conversavam uns com os outros, o que eles tinham visto na visão.

Numa publicação do mesmo período, Diego Duran, um frade dominicano, informou que cogumelos inebriantes eram comidos durante a grande festividade por ocasião da ascensão de Montezuma II ao trono, o famoso imperador dos astecas, no ano 1502. Uma passagem na crônica do décimo sétimo século, de Don Jacinto de la Serna, refere-se ao uso destes cogumelos numa cerimônia religiosa:

E o que aconteceu lá tinha a ver com a vinda [para a aldeia] de um índio… e o nome dele era Juan Chichiton… e ele tinha trazido os cogumelos de cor vermelha que foram colhidos nos planaltos, e com eles ele tinha cometido uma grande idolatria… Na casa onde todo o mundo tinha se reunido por ocasião do banquete de um santo… o teponastli [um instrumento de percussão asteca], estava tocando e cantando durante toda a noite. Depois que a maior parte da noite tinha passado, Juan Chichiton, que era o sacerdote para aquele ritual solene para todos os presentes na “fiesta”, deu os cogumelos para comer e depois, à maneira de uma Comunhão, lhes deu pulque para beber… de forma que todos perderam suas cabeças, uma vergonha de se ver.

Em Nahuatl, o idioma dos astecas, estes cogumelos eram chamados como teonanacatl que pode ser traduzido como “cogumelo sagrado”.

Há indicações de que o uso cerimonial de tais cogumelos cresceu rapidamente em tempos précolombianos muito distantes. Foram achadas pedras em forma de cogumelo em El Salvador, Guatemala, e nos distritos montanhosos contíguos do México. Estas são esculturas de pedra no formato de cogumelo, em cujo talo são esculpidas a face ou a forma de um deus ou um demônio do tipo animal. A maioria é de aproximadamente 30 cm de altura. Os exemplos mais antigos, de acordo com arqueólogos, datam de antes de 500 A.C.

  1. G. Wasson discute, de forma bem convincente, que há uma conexão entre estas pedras em forma de cogumelo e o teonanacatl. Se isto for verdadeiro, significa que o culto do cogumelo, o uso mágico-medicinal e religioso-cerimonial dos cogumelos mágicos, tem mais de dois mil anos de idade.

Para os missionários Cristãos, a inebriação, a visão e os efeitos alucinógenos produzidos por estes cogumelos, pareciam ser o trabalho do Diabo. Eles tentaram então, com todos os meios ao seu alcance, extirpar o uso deles. Mas eles só tiveram um parcial sucesso, porque os índios continuaram secretamente até nosso tempo, a utilizar o teonanacatl na forma de cogumelo, o que era sagrado para a eles.

Estranhamente, os relatórios nas crônicas antigas sobre o uso de cogumelos mágicos permaneceram desapercebidos durante os séculos seguintes, provavelmente porque eles foram considerados produtos da imaginação de uma época supersticiosa.

Todos os traços da existência de “cogumelos sagrados” estava em perigo de esquecimento de uma vez por todas quando, em 1915, um renomado botânico americano, Dr. W. E. Safford, em um relato anterior ao da Sociedade Botânica em Washington e numa publicação científica, lançou a tese de que nunca antes houvera nada semelhante aos cogumelos mágicos: os cronistas espanhóis tinham tomado o cacto da mescalina como um cogumelo! Não obstante isso fosse falso, esta proposição de Safford serviu para dirigir a atenção do mundo científico para o enigma dos cogumelos misteriosos

Foi o médico mexicano Dr. Blas Pablo Reko quem primeiro abertamente discordou com a interpretação de Safford e que achou evidência de que ainda são empregados em nosso tempo, cogumelos em cerimônias medicinais-religiosas, em distritos longínquos, nas montanhas meridionais do México. Mas não foi antes de 1938 que o antropólogo Robert J. Weitlaner e o Dr. Richard Evans Schultes, botânico de Universidade de Harvard, acharam, naquela região, estes tipos de cogumelos que estavam sendo usados lá para propósitos cerimoniais; e só em 1938 pôde um grupo de jovens antropólogos americanos, sob a direção de Jean Bassett Johnson, assistir pela primeira vez uma cerimônia noturna secreta de cogumelo. Isto se passou em Huautla de Jimenez, a capital do território Mazatec, no Estado de Oaxaca. Mas estes investigadores foram só espectadores, não lhes foi permitido participar dos cogumelos. Johnson fez a reportagem da experiência num diário sueco (Ethnotogical Studies 9, 1939).

Então a exploração dos cogumelos mágicos foi interrompida. A Segunda Guerra Mundial tinha começado. Schultes, a mando do governo americano, teve que se ocupar com a produção de borracha no território da Amazônia, e Johnson foi morto por ocasião de uma incursão Aliada na África Norte.

Os investigadores americanos eram: o casal Dra. Valentina Pavlovna Wasson e seu marido, R. Gordon Wasson, que novamente levantou o problema do aspecto etnográfico. R. G. Wasson era banqueiro, vice-presidente do J. P. Morgan Co. de Nova Iorque. Sua esposa, que morreu em 1958, era uma pediatra. Os Wassons começaram seu trabalho em 1953, no território Mazatec em Huautla de Jimenez onde quinze anos antes J. B. Johnson e outros tinham estabelecido a existência continuada do antigo culto indígena do cogumelo. Eles receberam informação especialmente valiosa de uma missionária americana que tinha estado trabalhando por lá durante muitos anos, Eunice V. Pike, participante da “Wycliffe Bible Translators”. Graças ao seu conhecimento do idioma nativo e da sua associação ministerial com os habitantes, Pike obteve a informação sobre o significado dos cogumelos mágicos que ninguém mais tinha. Durante várias estadas em Huautla e arredores, os Wassons puderam estudar em detalhes o presente uso dos cogumelos e comparar isto com as descrições das antigas crônicas. Isto mostrou que a convicção nos “cogumelos sagrados” ainda prevalecia naquela região. Porém os índios mantiveram suas convicções em segredo para os estranhos. Teve grande tato e habilidade para ganhar a confiança da população indígena e obter conhecimento neste domínio de segredo.

Na forma moderna do culto do cogumelo, as antigas idéias religiosas e costumes estão entrosadas com as idéias e terminologias Cristãs. Assim os cogumelos são chamados freqüentemente de “o sangue de Cristo”, porque eles só crescem onde uma gota do sangue do Cristo caiu na terra. De acordo com outra noção, brotam os cogumelos onde uma gota da saliva da boca do Cristo umedeceu o solo e é, todavia, o próprio Jesus Cristo que fala através dos cogumelos.

A cerimônia do cogumelo ocorre na forma de uma consulta. Alguém que pede conselho ou uma pessoa doente ou ele ou sua família questiona um “homem sábio” ou uma “mulher sábia”, também chamados curandeiro ou curandeira, em troca de um pagamento modesto. Curandeiro pode ser traduzido melhor para o inglês como “healing priest” (padre curador), porque sua função nisso é a de um médico e também a de um padre, ambos só são achados raramente nestas regiões distantes. No idioma Mazatec, o padre curador é chamado co-ta-ci-ne que significa “um que sabe”. Ele come o cogumelo durante a cerimônia que sempre ocorre à noite. As outras pessoas presentes à cerimônia às vezes também podem receber cogumelos, contudo, a maior dose sempre vai para o curandeiro. O desempenho é executado com o acompanhamento de orações e solicitações, enquanto os cogumelos são brevemente purificados numa bacia na qual o copal (uma resina parecida com incenso) é queimado. Numa completa escuridão, às vezes através da luz de uma vela, enquanto os outros ficam deitados quietamente nos seus tapetes de palha, o curandeiro, ajoelhando ou sentado, reza e canta ante um tipo de altar que contém um crucifixo, uma imagem de um santo ou algum outro objeto de adoração. Sob a influência dos cogumelos sagrados, o curandeiro aconselha em um estado visionário no qual até mesmo os observadores inativos mais ou menos participam. Na canção monótona do curandeiro, o teonanacatl em forma de cogumelo, dá suas respostas às perguntas colocadas. Diz se a pessoa doente viverá ou morrerá, quais ervas efetuarão a cura; revela o que ou quem matou uma dada pessoa, ou quem roubou o cavalo; ou torna conhecido como serão acontecimentos futuros, e assim sucessivamente.

A cerimônia do cogumelo não só tem apenas a função de uma consulta do tipo descrita, também tem para os índios, em muitos aspectos, um significado semelhante à Santa Comunhão do Cristianismo. De muitas expressões vocais dos nativos poderia ser deduzido que eles acreditam que Deus deu para os índios o cogumelo sagrado porque eles são pobres e não possuem nenhum doutor e medicamentos; e também porque, em particular, eles não podem ler a Bíblia, Deus pode falar então diretamente a eles através do cogumelo. A missionária Eunice V. Pike, mesmo aludindo às dificuldades que resultam de explicar a mensagem Cristã, a palavra escrita, para as pessoas que acreditam que elas possuem os meios – claro que os cogumelos sagrados – podem tornar a vontade de Deus conhecida para eles de uma maneira direta e clara: sim, os cogumelos lhes permitem ver o céu e estabelecer comunicação com o próprio Deus.

A reverência dos índios para os cogumelos sagrados também é evidente na convicção de que eles só podem ser comidos por uma “pessoa limpa”. “Limpa” aqui significa cerimoniamente limpa e esse termo inclui, entre outras coisas, pelo menos a abstinência sexual quatro dias antes e depois da ingestão dos cogumelos. Também devem ser observadas certas regras para juntar os cogumelos. Sem a observação destas ordens, os cogumelos podem tornar louca a pessoa que o come, ou pode até mesmo matar.

Os Wassons tinha empreendido sua primeira expedição para o território Mazatec em 1953, mas não foi antes de 1955 fez eles obtiveram sucesso em superar a timidez e a reserva dos amigos que eles tinham conseguido fazer em Mazatec, ao ponto de serem admitidos como participantes ativos em uma cerimônia de cogumelo. R. Gordon Wasson e seu companheiro, o fotógrafo Allan Richardson, estavam determinados a comerem cogumelos sagrados ao término de junho de 1955, por ocasião de uma cerimônia noturna de cogumelo. Eles se tornariam assim, com toda a probabilidade, os primeiros estranhos, os primeiros brancos a serem permitidos tomar teonanacatl.

No segundo volume de Cogumelos, Rússia e História, em palavras arrebatadas, Wasson descreve como o cogumelo tomou completamente posse dele, embora ele tivesse tentado lutar contra seus efeitos para poder permanecer como um observador objetivo. Primeiro ele viu padrões geométricos, coloridos que então assumiram características arquitetônicas. Visões logo seguidas de colunas esplêndidas, palácios de harmonia sobrenatural e magnificência embelezados com pedras preciosas, carros triunfais puxados por criaturas fabulosas como só são conhecidas na mitologia, e paisagens de brilho fabuloso. Separado do corpo, o espírito planou um tempo incontável por um reino de fantasia, entre imagens de uma realidade mais alta e de um significado mais profundo que o usual do mundo cotidiano. A essência da vida, o inafável, parecia estar à beira de ser destrancado, mas a última porta não se abriu.

Esta experiência foi a prova final para Wasson que os poderes mágicos atribuídos aos cogumelos de fato existiam e não eram somente superstição.

Para apresentar os cogumelos na pesquisa científica, Wasson tinha estabelecido anteriormente uma associação com o micologista Professor Roger Heim de Paris. Acompanhando o Wassons em expedições adicionais no território Mazatec, Heim conduziu a identificação botânica dos cogumelos sagrados. Ele mostrou que eles eram cogumelos pertencentes à família Strophariaceae, sobre uma dúzia de diferentes espécies ainda não descritas cientificamente, a maior parte pertencente ao gênero Psilocybe. O Professor Heim também teve sucesso cultivando algumas das espécies em laboratório. Os cogumelos mexicanos Psilocybe se mostraram serem especialmente satisfatórios para o cultivo artificial.

Investigações químicas correram em paralelo com estes estudos botânicos dos cogumelos mágicos, com a meta de extrair o princípio alucinógeno ativo do material do cogumelo e com isto preparar a forma quimicamente pura. Tais investigações foram executadas, a pedido do Professor Heim, no laboratório químico do Museu Nacional de História Natural de Paris, e grupos de trabalho também se ocuparam com este problema nos Estados Unidos, nos laboratórios de pesquisa de duas grandes companhias farmacêuticas: Merck and Smith, Kline and French. Os laboratórios americanos tinham obtido alguns dos cogumelos de R. G. Wasson e tinham juntado outros eles mesmo em Sierra Mazateca.

Como as investigações químicas em Paris e nos Estados Unidos se mostraram ineficazes, o Professor Heim enviou este assunto para a nossa firma, como mencionado no começo deste capítulo, porque ele sentia que a nossa experiência com o LSD, relacionada aos cogumelos mágicos por sua atividade semelhante, poderia ser usada nas tentativas de isolamento. Assim foi que o LSD mostrou ao teonanacatl o caminho do nosso laboratório.

Como diretor do departamento de produtos naturais do laboratório de pesquisa química-farmacêutica da Sandoz naquele momento, eu quis delegar a investigação dos cogumelos mágicos a um de meu colaboradores. Porém, ninguém mostrou muita ânsia para assumir este problema porque era conhecido que o LSD e tudo relacionado com isto era assuntos muito impopulares junto ao topo da administração. Porque o entusiasmo necessário para o sucesso dos objetivos não pode ser comandado e porque o entusiasmo já estava presente em mim e até onde abrangia este problema, eu mesmo decidi administrar a investigação.

Umas 100 g de cogumelos secos da espécie mexicana de Psilocybe, cultivados pelo Professor Heim no seu laboratório, estavam disponíveis para o começo das análises químicas. Meu assistente de laboratório, Hans Tscherter, um colaborador de longa década, tinha se desenvolvido como um ajudante muito capaz, completamente familiar com minha maneira de trabalho, ele me ajudou na extração e tentativas de isolamento. De vez que não havia nenhuma pista e nada relativo às propriedades químicas do princípio ativo que nós buscávamos, as tentativas de isolamento tiveram que ser administradas com base nos efeitos de frações do extrato. Mas nenhum dos vários extratos mostrou um efeito inequívoco em ratos ou cachorros que pudessem ter apontado a presença de princípios alucinógenos. Ficou duvidoso então se os cogumelos cultivados e secos de Paris ainda eram ativos. Isso só poderia ser determinado experimentando com este material de cogumelo em um ser humano. Como no caso de LSD, eu mesmo fiz este experimento fundamental, de vez que não é apropriado para investigadores solicitarem que um outro execute uma auto-experiência, porque eles já estão envolvidos com suas próprias investigações, especialmente se elas demandam, como neste caso, um certo risco.

Nesta experiência eu comi 32 espécimes secas de Psilocybe mexicano que junto pesaram 2,4 g. Esta quantia correspondia a uma dose comum, de acordo com os relatórios de Wasson e Heim, como era usado pelos curandeiros. Os cogumelos exibiram um efeito psíquico forte, como mostra o seguinte extrato do relatório daquela experiência:

Trinta minutos depois de minha ingestão dos cogumelos, o mundo exterior começou a sofrer uma transformação estranha. Tudo assumiu um caráter mexicano. Como eu estava perfeitamente ciente do meu conhecimento da origem mexicana do cogumelo isto me conduziu a imaginar só paisagens mexicanas, eu tentei deliberadamente olhar meu ambiente como eu o conhecia normalmente. Mas todos os esforços voluntários para olhar as coisas nas suas formas habituais e nas suas cores foram ineficazes. Se meus olhos estivessem fechados ou abertos, eu via só motivos mexicanos e cores. Quando o doutor que supervisionava a experiência se agachou para conferir minha pressão sanguínea, ele foi transformado num sacerdote asteca e eu não teria ficado surpreso se ele tivesse puxado uma faca de sacrifício. Apesar da seriedade da situação, me divertiu ver como a face germânica de meu colega tinha adquirido uma expressão puramente índia. Ao cume da intoxicação, aproximadamente uma hora e meia depois de ingestão dos cogumelos, a rapidez dos quadros interiores, motivos principalmente abstratos que mudavam rapidamente de forma e cor, alcançaram um tal grau alarmante que eu temi que seria rasgado neste redemoinho de água, de forma e cor e que eu me dissolveria. Depois de aproximadamente seis horas, o sonho veio a um fim. Subjetivamente, eu não tive nenhuma idéia de quanto tempo esta condição tinha durado. Eu sentia meu retorno para realidade cotidiana como sendo um retorno feliz de um estranho, fantástico mas bastante real mundo, para uma velha e familiar casa.

Esta auto-experiência mostrou uma vez mais que os seres humanos reagem muito mais sensivelmente que os animais para as substâncias psico-ativas. Nós já tínhamos chegado à mesma conclusão experimentando o LSD em animais, como descrito em um capítulo anterior deste livro. Não foi a inatividade do material do cogumelo, mas sim a capacidade de reação deficiente dos animais de pesquisa em vista do tipo de princípio ativo, que explicou porque nossos extratos tinham parecido inativos no rato e no cachorro.

Porque o ensaio em sujeitos humanos era o único teste à nossa disposição para a descoberta das frações ativas de extrato, nós não tivemos nenhuma outra escolha que a de executar a prova em nós mesmos se nós quiséssemos continuar o trabalho e chegar então a uma conclusão satisfatória. Na autoexperiência há pouco descrita, uma forte reação que durou várias horas foi produzida por 2,4 g de cogumelos secos. Então, em seqüência, nós usamos amostras que correspondiam só a um terço desta quantia, isto é 0,8 g de cogumelos secos. Se estas amostras contivessem o princípio ativo, eles provocariam só um efeito moderado que prejudicaria um pouco a habilidade para trabalhar por um curto intervalo de tempo, mas este efeito ainda seria tão distinto que as frações inativas e aquelas contendo o princípio ativo poderiam ser inequivocamente diferenciadas umas das outras. Vários colaboradores e colegas se ofereceram como “cobaias” para esta série de testes.


6.2. Psilocybin e Psilocin

Com ajuda deste teste fidedigno em objetos humanos poderia ser isolado o princípio ativo, poderia ser concentrado e poderia ser transformado em um estado quimicamente puro por meio dos métodos de separação mais recentes. Duas substâncias novas, que eu nomeei psilocybin e psilocin, foram obtidas assim na forma de cristais incolores.

Estes resultados foram publicados em março de 1958, no jornal Experientia, em colaboração com o Professor Heim e meus colegas Dr. A. Brack e Dr. H. Kobel que tinha provido as maiores quantidades de material de cogumelo para estas investigações depois que eles melhoraram o cultivo dos cogumelos essencialmente em laboratório.

Alguns de meus colaboradores na ocasião – Drs. A. J. Frey, H. Ott, T. Petrzilka e F. Troxler – então participaram dos próximos passos destas investigações, a determinação da estrutura química do psilocybin e do psilocin e a síntese subseqüente destas combinações, os resultados foram publicados em novembro 1958 pelo jornal Experientia. As estruturas químicas destes fatores do cogumelo merecem atenção especial em várias direções. Psilocybin e psilocin pertencem, como o LSD, às combinações de índole, à classe biologicamente importante de substâncias achadas nas plantas e no reino animal. Características químicas particulares comuns às substâncias do cogumelo e do LSD, mostraram que psilocybin e psilocin são relacionados de perto ao LSD, não só com respeito aos efeitos psíquicos, mas também quanto as suas estruturas químicas. Psilocybin é o ácido éster fosfórico do psilocin e, como tal, é o primeiro e até agora ácido fosfórico que contêm combinação de índole descobertos na natureza. O resíduo do ácido fosfórico não contribui para a atividade, porque o psilocin, livre do ácido fosfórico, é igualmente ativo como o psilocybin, mas torna a molécula mais estável. Enquanto psilocin é decomposto prontamente pelo oxigênio do ar, psilocybin é uma substância estável.

Psilocybin e psilocin possuem uma estrutura química bem parecida com o fator serotonina do cérebro. Como já foi mencionado no capítulo das experiências com animais em pesquisas biológicas, serotonina representa um importante papel na química das funções do cérebro. Os dois fatores do cogumelo, como o LSD, bloquearam os efeitos da serotonina em experiências farmacológicas em diferentes órgãos. Outras propriedades farmacológicas do psilocybin e psilocin também são semelhantes aqueles do LSD. A principal diferença consiste na atividade quantitativa, tanto em animal como também na experimentação humana. A dose ativa comum de psilocybin ou psilocin para seres humanos é de 10 mg (0,01 g); de acordo com isso, estas duas substâncias são aproximadamente 100 vezes menos ativas que o LSD, do qual 0,1 mg constitui uma dose forte. Além disso, os efeitos dos fatores do cogumelo duram só de quatro a seis horas, muito menos que os efeitos do LSD (de oito a doze horas).

A síntese total do psilocybin e psilocin sem a ajuda dos cogumelos poderia ser desenvolvida em um processo técnico que permitiria produzir estas substâncias em grande escala. A produção sintética é mais racional e mais barata que a extração dos cogumelos.

Assim, com o isolamento e a síntese dos princípios ativos, a desmistificação dos cogumelos mágicos foi realizada. As combinações, cujos efeitos maravilhosos conduziram os índios a acreditar durante milênios que um deus estava residindo nos cogumelos, teve suas estruturas químicas elucidadas e poderia ser produzido sinteticamente em frascos.

Neste caso, quanto de progresso em conhecimento científico foi obtido através da pesquisa de produtos naturais? Essencialmente, quando tudo é dito e feito, nós só podemos dizer que o mistério dos efeitos maravilhosos do teonanacatl foi reduzido ao mistério dos efeitos de duas substâncias cristalinas – desde que estes efeitos ou não podem ser explicados através de ciência, mas só podem ser descritos.


6.3. Uma Viagem no Universo da Alma com Psilocybin

A relação entre os efeitos psíquicos do psilocybin e aqueles do LSD, o caráter visionário e alucinógeno deles, fica evidente no seguinte relatório de Antaios, de uma experiência de psilocybin pelo Dr. Rudolf Gelpke. Ele caracterizou as experiências dele com o LSD e o psilocybin, como já mencionado no prévio capítulo, “Viagens ao Universo da Alma”.


6.4. Onde o Tempo Permanece Parado

(10 mg de psilocybin, 6 de abril de 1961, 10:20)

Depois de 20 minutos estão começando os efeitos: serenidade, mudez, sensação moderada de

tontura, mas agradável e uma “profunda respiração muito agradável”.

10:50 Forte vertigem, já não posso me concentrar.

10:55 Excitado, intensidade de cores: tudo de tom rosa para vermelho.

11:05 O mundo se concentra lá no centro da mesa. Cores muito intensas.

11:10 Um ser dividido, sem precedente – como eu posso descrever esta sensação de vida?

Ondas, diferentes personalidades, preciso me controlar.

Imediatamente depois desta nota eu fui para o ar livre e deixei a mesa do café da manhã onde eu tinha comido com o Dr. H. e sua esposa, e deitei no gramado. A inebriação chegou rapidamente a seu clímax. Embora eu tivesse resolvido firmemente tomar notas constantes, agora me parecia um completo desperdício de tempo, o movimento de escritura infinitamente lento, as impossibilidades de expressar, da expressão verbal vil – medida pela inundação da experiência interna que me invadiu e ameaçou me estourar. Parecia para mim que 100 anos não seriam suficientes para descrever a abundância da experiência de um único minuto. No princípio, impressões ópticas predominaram: Eu vi com delícia uma sucessão ilimitada de filas de árvores na floresta próxima. Então nuvens esfarrapadas no céu ensolarado rapidamente se acumulando em cima, com uma majestade silenciosa e empolgante, numa superposição de milhares de capas – céu no céu – e eu fiquei então esperando que, lá em cima, no próximo momento, algo completamente poderoso, desconhecido, não ainda existente, poderia aparecer ou acontecer – veria eu um deus? Mas só a expectativa permaneceu, o pressentimento, isto pairando, “no umbral do último sentimento”… Então eu me movi para mais para longe (a proximidade dos outros me perturbava) e me deitei num recanto do jardim, numa pilha de madeira esquentada pelo sol. Meus dedos acariciavam esta madeira com uma afeição sensual animal transbordante. Ao mesmo tempo eu submergi dentro de mim; foi um clímax absoluto: uma sensação de felicidade me penetrou, uma felicidade contente – eu próprio me encontrei atrás de meus olhos fechados numa cavidade cheia de ornamentos vermelho-tijolo, e ao mesmo tempo, no “centro do universo de calma consumada”. Eu soube que tudo era bom – a causa e origens de tudo eram boas. Mas no mesmo momento eu entendi também o sofrimento e a abominação, a depressão e o desentendimento da vida ordinária: lá onde uma pessoa nunca “é total”, mas ao invés, está dividida, cortada em pedaços e dividida em fragmentos minúsculos de segundos, minutos, horas, dias, semanas e anos: lá a pessoa está escrava do tempo de Moloch que devora as pessoas pedaço por pedaço; a pessoa está condenada a gaguejar, errar e retalhar; a pessoa tem que arrastar consigo mesmo a perfeição e o absoluto, a união de todas as coisas; o momento eterno da idade dourada, este original fundamento de ser – que realmente, não obstante, sempre suportou e sempre suportará – lá num dia da semana da existência humana, como um espinho atormentador enterrado profundamente na alma, como uma recordação de uma reivindicação nunca preenchida, como uma manhã fatal de um prometido paraíso perdido; por este “presente” sonho febril para um “passado” condenado em um “futuro” nublado. Eu entendi. Esta inebriação era um vôo espacial, não do exterior mas sim do homem interior e por um momento, eu experimentei a realidade de um local além da força da gravidade do tempo.

Como eu comecei a sentir novamente a força da gravidade, eu fui infantil o bastante para querer adiar este retorno tomando uma nova dose de 6 mg de psilocybin as 11:45, e uma vez mais 4 mg as 14:30. O efeito foi insignificante, e em todo caso não vale a pena ser mencionando.

Sra. Li Gelpke, uma artista, também participou desta série de investigações, fazendo três autoexperiências com LSD e psilocybin. A artista escreveu dos desenhos que ela fez durante a experiência:

Nada nesta página foi formado conscientemente. Enquanto eu trabalhei nisto, a memória (da experiência sob o psilocybin) era novamente realidade e me conduziu a cada pincelada. Por isso o quadro é como muitas camadas desta memória e a figura do lado direito mais em baixo, realmente é o que capturei dos sonhos… Quando livros sobre arte mexicana depois vieram até minhas mãos três semanas mais tarde, eu achei novamente lá os motivos de minhas visões onde com um começo súbito…

Maria Sabina e Gordon Wasson

Eu também mencionei a ocorrência de motivos mexicanos na inebriação de psilocybin durante minha primeira auto-experiência mexicana com Psilocybe seco, como foi descrito na seção na investigação química destes cogumelos. O mesmo fenômeno também ocorreu com R. Gordon Wasson. Procedendo de tais observações, ele adiantou a conjetura que a arte mexicana antiga poderia ter sido influenciada através de imagens visionárias, como eles aparecem na inebriação de cogumelo.

(…) Um dia depois, nós fizemos nossa visita formal a curandeira Maria Sabina, uma mulher tornada famosa pelas publicações dos Wassons. Foi na cabana dela que Gordon Wasson se tornou o primeiro homem branco a provar os cogumelos sagrados, no curso de uma cerimônia noturna, no verão de 1955. Gordon e Maria Sabina saudaram um ao outro como velhos amigos, cordialmente. A curandeira vivia fora do caminho, ao lado das montanhas de Huautla. A casa na qual a histórica sessão com Gordon Wasson tinha acontecido, tinha sido queimada, presumivelmente por residentes enfurecidos ou algum colega invejoso, porque ela tinha divulgado o segredo do teonanacatl para estranhos. Na nova cabana na qual nós estávamos, prevalecia uma desordem incrível, como provavelmente também devia ter prevalecido na antiga cabana na qual as crianças meio-desnudas, galinhas e porcos viviam em alvoroço. A velha curandeira tinha uma face inteligente, excepcionalmente mutável em expressão. Ela ficou impressionada obviamente quando foi explicado que nós tínhamos conseguido confinar o espírito dos cogumelos em pílulas, e ela prontamente se declarou pronta para “nos servir” com elas, quer dizer, nos conceder uma consulta. Ficou acordado que isto deveria acontecer na próxima noite na casa de Dona Herlinda.


6.8. Uma Cerimônia de cogumelo

Tão logo nós voltamos para a casa de Herlinda, ao entardecer, Maria Sabina já tinha chegado lá com uma grande comitiva, suas duas filhas adoráveis, Apolonia e Aurora (duas curandeiras videntes) e uma sobrinha, todos trouxeram também crianças. Sempre que a criança dela começava chorar, Apolônia ofereceria seu peito a ela. O velho curandeiro, Don Aurélio, também apareceu, um homem poderoso, caolho, vestindo um capote preto-e-branco. Foram servidos Cacao e massa doce na varanda. Fizeramme lembrar do relato de uma velha crônica que descrevia como o “chocolatl” era bebido antes da ingestão de teonanacatl.

Quando escureceu, todos nós fomos para o quarto no qual a cerimônia aconteceria. Ele então foi fechado, isto é, a porta foi obstruída com a única cama disponível. Só uma saída de emergência que dava para os fundos do jardim permaneceu aberta para uma necessidade absoluta. Era quase meianoite quando a cerimônia começou. Até aquele momento, todos os participantes da reunião tinham ficado dormindo na escuridão ou esperando os eventos da noite nas esteiras esparramadas pelo chão. Maria Sabina lançava de vez em quando um pedaço de copal nas brasas de um braseiro, pelo que o ar sufocante do quarto abarrotado ficava pouco suportável. Eu tinha explicado para a curandeira Herlinda, que estava novamente na reunião como intérprete, que aquela pílula continha o espírito de dois pares de cogumelos. (Cada pílula continha 5,0 mg de psilocybin sintético).

Quando tudo estava pronto, Maria Sabina distribuiu as pílulas em pares entre os adultos presentes. Depois de fumar solenemente, ela tomou dois pares (correspondendo a 20 mg de psilocybin). Ela deu a mesma dose para Don Aurélio e para sua filha Apolonia que também serviria como curandeira. Aurora recebeu um par, como também fez Gordon, enquanto minha esposa e Irmgard tomaram só uma pílula cada.

Uma das crianças, uma menina de cerca de dez anos, a pedido de Maria Sabina, tinha preparado para mim o suco de cinco pares de folhas frescas de hojas de la Pastora. Eu queria experimentar esta droga que eu tinha estado impossibilitado de tentar em San Jose Tenango. Foi dito que a poção era especialmente ativa quando preparada por uma menina virgem. A xícara com o suco exprimido foi igualmente purificada e conjurada por Maria Sabina e Don Aurélio, antes que me fosse entregue.

Todas estas preparações e muito da cerimônia seguinte progrediram do mesmo modo como a consulta com a curandeira Consuela Garcia em San Jose Tenango.

Depois que a droga foi consumida e a vela no “altar” foi apagada, nós esperamos os efeitos na escuridão.

Antes que uma meia hora tivesse decorrido, a curandeira murmuraram algo; sua filha e Don Aurélio também ficaram inquietos. Herlinda traduziu e nos explicou o que estava errado. Maria Sabina tinha dito que as pílulas não continham o espírito dos cogumelos. Eu discuti a situação com Gordon que se deitara ao meu lado. Para nós estava claro que a absorção do princípio ativo das pílulas, que precisava primeiro se dissolver no estômago, acontecia mais lentamente do que os cogumelos nos quais alguns dos princípios ativos já eram absorvidos pelas membranas mucosas durante o mastigar. Mas como nós poderíamos dar uma explicação científica sob tal condição? Em lugar de tentar explicar, nós decidimos agir. Nós distribuímos mais pílulas. As curandeiras e o curandeiro, cada um recebeu outro par. Cada um agora tinha tomado uma dose total de 30 mg de psilocybin.

Depois de aproximadamente outro quarto de hora, o espírito das pílulas começou a manifestar seus efeitos que duraram até o amanhecer. As filhas, e Don Aurélio com sua grave voz funda, fervorosamente respondiam às orações e canções da curandeira. Gemidos felizes, ansiosos de Apolonia e Aurora, entre cantar e rezar, deu a impressão que a experiência religiosa das jovens mulheres, na inebriação pela droga, foi combinada com sentimentos sensual-sexuais.

No meio da cerimônia, Maria Sabina perguntou pelo nosso pedido. Gordon perguntou novamente sobre a saúde da filha dele e de seu neto. Ele recebeu a mesma boa informação como a da curandeira Consuela. A mãe e criança de fato estavam bem quando ele voltou para sua casa em Nova Iorque. Porém obviamente isto ainda não representa nenhuma prova das habilidades proféticas de ambas curandeiras.

Evidentemente com o efeito do hojas, eu me achei durante algum tempo em um estado de sensibilidade mental e intensa experiência que, porém, não foi acompanhado de alucinações. Anita, Irmgard e Gordon experimentaram uma condição de euforia da inebriação que foi influenciada através da atmosfera estranha e mística. Minha esposa ficou impressionada pela visão de padrões distintos de linha muito estranhos.

Ela ficou surpresa e perplexa, algum tempo depois, ao descobrir as mesmas imagens justamente na rica ornamentação em cima do altar de uma velha igreja perto de Puebla. Isso aconteceu durante a viagem de retorno para a Cidade do México, quando nós visitamos igrejas de tempos coloniais. Estas igrejas admiráveis oferecem grande interesse cultural e histórico porque os artistas índios e trabalhadores que ajudaram na construção delas se basearam nos elementos do estilo índio. Klaus Thomas, em seu livro Die kunstlich gesteuerte Seele [A mente artificialmente guiada] (Ferdinand Enke Verlag, Stuttgart, 1970), escreve sobre a possível influência de visões da inebriação do psilocybin na arte indígena Meso-americana: “Seguramente uma comparação histórica-cultural das velhas e novas criações de arte índia… precisa convencer o espectador imparcial da harmonia com as imagens, formas e cores de uma inebriação de psilocybin”. O caráter mexicano das visões visto na minha primeira experiência com o Psilocybe seco mexicano e do desenho de Li Gelpke depois de uma inebriação de psilocybin também poderiam apontar para uma tal associação.

Quando nós íamos deixar Maria Sabina e sua clã, ao amanhecer, a curandeira disse que as pílulas tinham o mesmo poder que os cogumelos e que não havia nenhuma diferença. Esta era uma confirmação, por parte de uma autoridade bem competente, de que o psilocybin sintético é idêntico ao produto natural. Como um presente de despedida eu deixei, com Maria Sabina, um frasco de pílulas de psilocybin. Ela radiante explicou, ao nosso intérprete Herlinda, que agora ela poderia dar consultas também na estação quando nenhum cogumelo cresce.

Como nós deveríamos julgar a conduta de Maria Sabina, pelo fato que ela permitiu que estranhos, pessoas brancas, tivessem acesso à cerimônia secreta, e lhes tinha deixado provar do cogumelo sagrado?

Ao crédito dela pode ser dito que ela tinha aberto assim as portas à exploração do culto do cogumelo mexicano, na sua presente forma, para a investigação científica, botânica e química dos cogumelos sagrados. Valiosas substâncias ativas, tais como o psilocybin e o psilocin, resultaram daí. Sem esta ajuda, o conhecimento antigo e a experiência que estavam escondidas nestas práticas secretas iriam possivelmente, mesmo provavelmente, desaparecer sem deixar um rastro, sem frutificar, no avanço da civilização Ocidental.

De outro ponto de vista, a conduta desta curandeira pode ser considerada como uma profanação de um costume sagrado, até mesmo como uma traição. Alguns dos seus compatriotas eram desta opinião o que foi expresso em atos de vingança inclusive com a queima de sua casa.

A profanação do culto do cogumelo não parou com as investigações científicas. A publicação sobre os cogumelos mágicos motivou uma invasão de hippies e procuradores de droga no território Mazatec, muitos dos quais se comportaram mal, alguns mesmo criminalmente. Outra conseqüência indesejável foi o começo de verdadeiro turismo em Huautla de Jimenez, por meio do que a originalidade do lugar foi erradicada.

Tais declarações e considerações são na maior parte, a preocupação da pesquisa etnográfica. Onde quer que os investigadores e os cientistas localizem e elucidam os restos de antigos costumes, que estão ficando mais raros, o primitivismo deles fica perdido. Esta perda só é mais ou menos contrabalançada quando o resultado da pesquisa representa um lucro cultural duradouro.

A partir de Huautla de Jimenez nós fomos primeiro para Teotitlan, num passeio de caminhão escangalhado ao longo de uma estrada meio-pavimentada, e de lá voltamos numa viagem de carro confortável até a Cidade do México, que tinha sido o ponto de partida da nossa expedição. Eu tinha perdido vários quilogramas do peso de meu corpo, mas estava sobremaneira me sentindo compensado e encantando pelas experiências.

As amostras herbárias de hojas de la Pastora, que nós tínhamos trazido conosco, foram submetidas à identificação botânica por Carl Epling e Carlos D. Jativa no Instituto Botânico da Universidade de Harvard em Cambridge, Massachusetts. Eles acharam que esta planta era uma espécie de Salvia ainda não descrita e foi denominada Salvia divinorum por estes autores. A investigação química do suco da salvia mágica, no laboratório da Basiléia, foi um fracasso. O princípio psico-ativo desta droga parece ser uma substância bastante instável, de vez que o suco preparado e preservado com álcool no México provou em, auto-experiência, não ser mais nenhum pouco ativo. No que concerne à natureza química do princípio ativo, o problema da planta mágica ska Maria Pastora ainda espera uma solução.

Tão longamente neste livro eu descrevi meu trabalho científico e assuntos principalmente relativos à minha atividade profissional. Mas este trabalho, por muito de sua natureza, tiveram repercussões em minha própria vida e personalidade, não menos porque me colocou em contato com contemporâneos interessantes e importantes. Eu já mencionei alguns deles: Timothy Leary, Rudolf Gelpke, Gordon Wasson… Agora, nas páginas que seguem, eu gostaria de abdicar da reserva do cientista natural para retratar encontros que foram pessoalmente significantes para mim e que me ajudaram a resolver perguntas colocadas pelas substâncias que eu tinha descoberto.

Just Say “KNOW” – Timothy Leary

por Timothy Leary

*Estou reproduzindo um post muito interessante do blog http://avisospsicodelicos.blogspot.com. O título deste artigo é uma sátira com a campanha anti-drogas norte americana, denominada “Just Say No”.

A “guerra contra as drogas” é absolutamente indecente. A proibição do uso de substâncias psicotrópicas beneficia a violência do tráfico às custas do dinheiro público, além de não impedir na prática a utilização de drogas, que devido a procedência duvidosa e adulteração, ficam ainda mais perigosas. Neste texto procurarei destrinchar a ideologia duvidosa que proíbe coisas como a maconha e os alucinógenos, ignorando o uso milenar dessas substâncias com fins religiosos, hedonistas ou medicinais.

A raiz da proibição de substâncias está na igreja medieval, que por razões dogmáticas proibia o uso de todo o tipo de especiarias (não só psicotrópicos) como perfumes, açúcar, etc. O que quer que causasse prazer era controlado pelo clero. Mesmo a música demorou anos para se livrar da proibição da dissonância e mesmo da polifonia, a base de toda a música ocidental após o período renascentista.

O sexo até hoje é desconsiderado pela igreja como um ato sublime e religioso por si só, sem a reprodução como finalidade precípua, e a proibição de anticoncepcionais pelo Papa só endossa esta afirmação. Mesmo drogas medicinais eram atacadas, principalmente por serem utilizadas por “bruxos”, que não passavam de médicos camponeses, parteiras, etc., que tinham o conhecimento das ervas. O descobrimento da América, já numa época onde essas substâncias eram toleradas, criou nações, como o Brasil, que dependiam e criavam sua riqueza (que, claro, ia para os colonizadores) quase que unicamente de uma substância psicotrópica que causa dependência, o café, e do açúcar, especiarias antes com o uso restringido na Europa. Isso sem falar no tabaco, hábito dos índios americanos que se espalhou pelo mundo com uma velocidade alarmante, apesar das restrições da Igreja, que não poderia tolerar uma coisa “infernal” como aquela, que queimava e produzia fumaça.

No século passado, já com o iluminismo absolutamente consolidado, em pleno positivismo, fez-se a descoberta de inúmeras drogas, entre elas os anestésicos, que revolucionaram a cirurgia. Intelectuais faziam uso de Absinto (uma bebida com um efeito ligeiramente diferente do álcool), cocaína, ópio, tabaco sob a forma de rapé e cigarros, e o uso dessas substâncias (com exceção talvez do ópio) era requintada e dândi. Mas entre as classes populares ainda havia o preconceito (além da falta de dinheiro, claro) reminiscente da Igreja, principalmente entre os Protestantes, mas o álcool sempre foi largamente utilizado.

O século XX entrou com a psicanálise do Dr. Freud, que era um notável usuário de tabaco e cocaína, que na época não era considerado, como normalmente se entende hoje, um ponto negativo para ele. Na Sears, loja de departamentos Norte-Americana, se podia comprar um kit com um seringa e diversas substâncias para o senhor de família relaxar ou se divertir. A antropologia estava em alta e diversos estudiosos viajavam para lugares remotos e experimentavam as drogas religiosas de diversos povos.

De fato quase toda cultura têm uma droga específica. Alguns casos chegam ao extremo, como algumas tribos vikings, que usavam um cogumelo extremamente tóxico. Eles faziam o guerreiro mais forte tomar uma poção com o cogumelo e depois toda a tribo bebia a urina do guerreiro, que mantinha o efeito psicotrópico mas não o efeito tóxico, o guerreiro passava mal alguns dias. Os índios mexicanos que usam cactus Peyote vomitam por dias a fio, com a boca lanhada e seca, apenas para ter alucinações. Normalmente quem faz o uso dessas substâncias é o xamã, ou pagé, da tribo, e ele a partir disso faz previsões ou curas.

Zoroastrismo, Igreja Cóptica, esquimós da Sibéria, índios por toda a América (aliás 80% das plantas alucinógenas se concentra na América), sufis do islã, tribos africanas, todos usam ou usavam substâncias psicotrópicas, sem contar o álcool, com fins religiosos, de prazer ou medicinais. Acredita-se que na Grécia antiga, nos ritos de Eleusis, se utilizava um derivado do Ergot, o mofo do centeio, como um alucinógeno semelhante ao LSD. Se isso for verdade, gregos ilustres como Platão, que participavam das cerimônias utilizavam (ou viam pessoas utilizar) alucinógenos.

Mas com tudo isso, a maior nação Protestante do mundo, os Estados Unidos, em 1914 resolveram baixar uma lei proibindo o uso de diversas substâncias psicotrópicas, feito imitado por todo o mundo algum tempo depois. Além disso, na década de 30, talvez devido a depressão econômica, tentaram proibir o álcool. O tráfico foi tanto, a violência tanta, que voltaram atrás.

Enquanto isso se descobria o LSD e Aldous Huxley fazia experimentos com a mescalina e escrevia um livro muito influente até hoje “As portas da percepção”. As bases estavam lançadas para o primeiro movimento contracultural, os Beatniks, nos anos 50. Usuários de drogas pesadas, intelectuais, apreciadores do Jazz, este grupo razoavelmente pequeno de pessoas foi a base cultural da revolução dos anos 60. Através de seus livros uma geração inteira de pessoas direcionadas para o uso sem preconceitos, e até exagerado, de drogas foi criada. E com ela a revolução sexual e cultural que todos conhecemos.

As pesquisas com o uso psiquiátrico do LSD caminhavam (com resultados controversos até hoje) muito bem, quando o governo percebeu havia toda uma geração não voltada para o consumo, despreocupada com o trabalho e pacifista (isso em plena e inútil guerra do Vietnã). Esse foi o ultimato para as drogas. O governo americano proibiu o LSD em 1966, e acabou com as verbas para sua pesquisa (o estudo psiquiátrico do LSD continua apenas na Suíça). O tráfico internacional de drogas começou. Ouve toda uma campanha de desinformação sobre drogas. O usuário de drogas não podia confiar em nenhuma informação técnica sobre a substância, reportagens exageradas mostravam fatos duvidosos, etc. Até hoje existe algo disso, embora seja muito mais fácil conseguir informação confiável sobre drogas.

É isso mesmo. Você achava que o governo proíbe as drogas porque elas “fazem mal”, mas na verdade o governo as proíbe porque elas são contraproducentes numa sociedade de zumbis consumistas, trabalhadores incansáveis de corporações sem rosto e pessoas naturalmente deprimidas e sem religião. É verdade que algumas drogas fazem mal e provocam uma dependência terrível, como a heroína, é verdade que se pode morrer de overdose de cocaína, e é verdade que uma pessoa despreparada e deprimida, num ambiente desfavorável, pode se suicidar pelo efeito do LSD. Mas o álcool e o tabaco também provocam muitos malefícios e são liberados. Você não acha que o cidadão é que deveria decidir o que utilizar? Você gosta de ser tratado como um bebê que não pode comer um doce porque papai não quer? Você, cidadão respeitável, gosta de pagar a busca e apreensão de drogas, que podiam render impostos para o governo e ainda ter uma qualidade bem melhor, o que evitaria muitas mortes? Você acha que seu filho merece a informação dos amigos e traficantes ou a de uma bula? Você não confia nas pessoas?

Não prego aqui a liberação de heroína ou cocaína, o que seria impossível aqui, embora a experiência da Holanda não seja o que pregam. Lá pelo menos os Junkies, que são doentes, têm o auxílio do governo. E sempre vão haver Junkies, pesquisas mostram que pelo menos 10% da população desenvolve algum tipo de dependência que não seja café ou tabaco. Mas alucinógenos não provocam dependência e geralmente são experiências enriquecedoras. Quase não existe tráfico de LSD, simplesmente porque ele não vicia, a pessoa sequer sente uma vontade reincidente (como na cocaína, outra droga que não causa dependência física, apenas uma forte dependência psicológica) – ou seja, drogas seguras não são normalmente traficadas, e o lugar comum chega a pensar (já me vieram com essa diversas vezes) que o “Ácido” é muito mais perigoso do que a cocaína. Sem falar na maconha, que nunca deveria ter sido proibida, e que leva a fama de quase tudo que não é, aditiva, destruidora de cérebro, etc. E as pessoas que falam isso bebem todo o dia, ou todo o fim de semana.

Não prego aqui que todos devam usar drogas. Apenas os xamãs modernos, os artistas e os intelectuais, as pessoas criativas em geral é que normalmente se beneficiam, e que arcam o pequeno preço que algumas drogas cobram. Mas todos temos o direito de experimentar. Todos temos o direito de saber.

Drogas – Just Say “Know”.

A Onda Temporal – Terence McKenna

Os trechos que seguem são as interpretaçoes dos irmãos McKenna após a bizarra experiência em La Chorrera descrita em “Alucinações Reais”, mesmo livro do qual foram retirados os trechos.

Com a palavra, Terence McKenna:

(…) Durante aquele dia e os que se seguiram, todos os tipos de idéias se formavam espontaneamente em meu pensamento, e inevitavelmente me levariam a alguma expansão dos temas ao redor dos quais havíamos organizado nossas vidas. Um desses temas que era apanhado e ampliado, a princípio devagar e em seguida mais rápida, radical e inclusivamente, era o conjunto de idéias e relacionamentos contidos no texto do oráculo chinês chamado I Ching. Há muito me interessavam, como parte de meu interesse geral em lógicas não-causais, esses comentários antigos e fragmentados sobre um conjunto ainda mais antigo de 64 ideogramas oraculares chamados de hexagramas. Na verdade eu ouvira falar pela primeira vez do I Ching ao ler Jung. Ele sugerira que a justaposição significativa de um hexagrama a uma situação do mundo externo, que permite que o I Ching seja usado como um dispositivo de leitura da sorte, sugeria uma conexão não-causal entre o mundo mental e a realidade exterior. Jung chamara esse fenômeno de sincronicidade.

Há vários anos era meu hábito jogar o I Ching – jogo que consiste em manipular 49 varetas de milefólio, ou, no meu caso, palitos de bambu, cuja configuração forma os hexagramas – a cada lua nova e cada lua cheia, e anotar os resultados num pedaço de papel que eu guardava dentro da capa do livro. No primeiro dia depois da experiência a voz dentro de minha cabeça sugeriu que eu pegasse as anotações dos hexagramas que eu obtivera até então. Eu mal podia imaginar as deduções e as conclusões a que essa sugestão simples levaria. Peguei essas anotações e procurei uma situação em que houvesse tirado o primeiro hexagrama; depois de achar, voltei ao início da lista e procurei por uma anotação do segundo hexagrama, e assim por diante. Minha lista cobria um período de três anos e continha cerca de oitenta jogadas e suas mutações.

Depois de meia hora determinei que, de acordo com minha listagem, eu tinha tirado cada um dos 64 hexagramas pelo menos uma vez nos três anos. Esse fato bastante improvável me pareceu carregado de significação. A probabilidade de ocorrência não é igual, e as chances de tirar todos os hexagramas em tão poucas jogadas parecia incomum. Pareceu-me que eu tinha uma espécie de identidade secreta e que estava no processo de descobri-la. Aquilo provava que eu era um reflexo do microcosmo, e que de algum modo fora escolhido para estar na situação em que me encontrava. Lágrimas rolaram facilmente com essa verificação pessoal do padrão ordenado, cujos desígnios eu estava encontrando em todos os pontos da minha vida. Recompus-me e em seguida, sob a forte sugestão daquela onda interna de compreensão, queimei a lista de minhas jogadas do I Ching. Foi uma coisa muito pouco característica de meu modo de agir.

Dennis olhou tudo aquilo e soltou uma das muitas charadas que vinha propondo naqueles dias:

– O que é que você pode fazer com um buraco num graveto e o que não pode fazer com um graveto num buraco? – gritou do outro lado do quintal arenoso para mim, que estava junto à fogueira. Supus que a resposta envolvesse um mergulho nos pressupostos alegres e quentes do Tantra, a favor da idéia de que o cachimbo era um veículo superior para a viagem interdimensional, e que isso era o que se podia fazer.

Mais ou menos uma hora depois, e após um longo silêncio pouco característico de sua nova condição, Dennis levantou os olhos de suas meditações e anunciou que tinha acabado de perceber que podia fazer qualquer telefone tocar simplesmente concentrando-se numa imagem que ele se recusou a dizer qual era. Foi mais longe ainda e afirmou que podia fazer telefones tocarem em qualquer momento do passado desde quando existiam os telefones. Para demonstrar essa habilidade, ligou para nossa mãe em algum momento no outono de 1953. Pegou-a no ato de ouvir Dizzy Dean narrar um jogo de beisebol. E de acordo com Dennis ela se recusou a acreditar que ele estava ao telefone, já que podia vê-lo em sua forma de três anos de idade dormindo diante dela. Ele disse que iria ligar para ela mais cedo, e então passou o resto da tarde ligando para todo mundo em quem podia pensar e em vários momentos do passado, conversando animadamente e rindo consigo mesmo das mentes que ele estava fundindo e das maravilhas do que ele chamava de “Ma Bell”, a companhia telefônica. E assim passou-se a tarde de 6 de março.

Uma conclusão razoável seria supor que Dennis estava toxicamente esquizofrênico, e que deveríamos deixar a Amazônia. O que complicava era eu. Eu parecia comparativamente normal, exceto por uma coisa: insistia em que tudo estava certo, e que Dennis sabia exatamente o que estava fazendo.

– Está tudo bem – tentei tranqüilizar os outros. – Ele fez aquilo que se propôs, e agora as pessoas devem tentar relaxar até que tudo se resolva.

Sentia isso apesar de não saber como ele realizara a experiência ou como descobrira a teoria. Só sabia que, depois daquele momento no alvorocer, quando tínhamos saído de nossas redes para olhar o cogumelo depois da experiência, algo muito esquisito acontecera comigo.

Eu estava num lugar muito estranho. Sentia como se houvesse me transformado em mim mesmo. Meu contato com a voz era de aluno com professor. Ela me ensinava. Além de qualquer possibilidade de argumentação, eu ficava sabendo coisas que não poderia saber normalmente. Ev passara pela experiência, mas nada acontecera com ela. Meus outros amigos pareciam muito distantes. Não podiam compreender o que sucedia e preferiram nos rejeitar. Cada um achava que os outros estavam loucos. De fato, com relação aos seus comportamentos normais, todo mundo agia de modo muito estranho.

A coisa principal que o professor invisível me disse foi: “Não se preocupe. Não se preocupe porque há algo pelo qual você tem de passar. Seu irmão vai ficar bom. Seus companheiros vão cuidar dele. Não se preocupe, mas ouça. Você precisa passar por isso.” Horas depois da experiência isso começou a martelar dentro de mim – uma coisa que eu precisava descobrir o que era.(…)

(…) No dia 21 de março fiz uma anotação no diário – a primeira em semanas e a única que eu teria condições de fazer em mais vários meses. Escrevi isso:

Faz dezessete dias desde 4 de março e da concretização do ampesand. Se entendi mais ou menos corretamente esse fenômeno, então amanhã, o décimo oitavo dia, irá marcar uma tipo de meio caminho nessa experiência. Prevejo que amanhã Dennis irá voltar ao cenário psicológico em que estava antes de 1º de março, se bem que é possível que, ao invés de uma amnésia residual com relação aos eventos em La Chorrera, ele tenha uma compreensão cada vez maior do experimento que criou. As últimas semanas foram angustiantes, e aparentemente eram compostas de tantos tempos, lugares e mentes que foi impossível fazer um relato racional. Apenas o Finnegans Wake dá alguma idéia da realidade do paradoxo que experimentamos em virtude de atravessarmos a face dupla do tempo. A despeito de mal-entendidos anteriores e de projeções errôneas relativas aos ciclos de tempo e de números atuando dentro do fenômeno, agora acredito que nesses dezessete dias experimentamos – ainda que algumas vezes correndo para trás e decerto enormemente condensado – boa parte de um ciclo total, e podemos começar a prever de um modo vago os eventos dos próximos vinte dias, mais ou menos, e ter alguma idéia da natureza aproximada e da direção da Obra.

Essa anotação no diário deixa claro que, enquanto Dennis estava se recuperando de sua submersão na luta titânica, eu estava no meio de uma luta pessoal. Fora apanhado num mergulho obsessivo, quase uma meditação forçada, sobre a natureza do tempo. As preocupações comuns da vida cotidiana deixaram de ter importância. Minha atenção era inteiramente exigida por meus esforços de construir um novo modelo do que é na verdade o tempo. Chamavam minha atenção ressonâncias, recorrências e a idéia de que os conjuntos de eventos eram resultado de padrões de interferência cujas fontes estavam temporal e causalmente distantes. Naquelas primeiras especulações imaginei um ciclo mítico precisando de 40 dias para se completar. Foi só mais tarde, quando comecei a me impressionar com a natureza dos ciclos temporais – a natureza calêndrica e relacionada ao DNA – que dirigi minha atenção aos ciclos de 64 dias. Foi isso que eventualmente me levou a me voltar para o I Ching. Naquelas primeiras idéias só há uma vaguíssima sugestão da teoria eventual em seus detalhes operacionais, mas ainda assim o objetivo é claramente o mesmo. Ressonâncias, padrões de interferência e retornos fractais de tempos dentro de tempos – esses eram os materiais com os quais comecei a construir. Eventualmente, depois de alguns anos de trabalho, o resultado chegaria a uma certa elegância. Entretanto essa elegância estava reservada ao futuro; a primeira concepção era crua, auto-referente e idiossincrática. Foi apenas minha fé de que ela poderia ser racionalmente compreensível aos outros que me segurou durante os vários anos necessários para transformar a intuição original num conjunto de proposições formais.(…)

(…) Enquanto avançavam meus estudos sobre o I Ching, ou O Livro das Mutações, aprimorei a idéia de que sua estrutura era a base de uma ou de várias ondas temporais. Essas ondas são pequenos períodos de mudança que se seguem e se interpenetram. Vim a perceber que a lógica interna das ondas temporais implicava fortemente no término do tempo normal e num fim para a história comum. Nesse ponto a idéia da psicomatéria tornada concreta identificou-se em minha mente com o OVNI que eu encontrara em La Chorrera e ambos, por sua vez, com os cenários de fim dos tempos das tradições religiosas ocidentais.

O primeiro gráfico de tempo não-quantificado era cheio de coincidências com minha vida pessoal. Em particular, os pontos terminais de cada seção componente da onda pareciam ter um significado especial para mim. O posicionamento em um daqueles pontos na experiência em La Chorrera parecia tornar especialmente importantes outros pontos no passado (a morte de minha mãe e meu encontro com Ev) e pontos que, na época, estavam no futuro (meu 25º aniversário). Vi que eventos importantes em minha vida pareciam estar ocorrendo a cada 64 dias, com uma regularidade misteriosa. Era necessário trabalhar sozinho nessas idéias, já que a intensidade de meu envolvimento com elas e sua natureza paradoxal parecia absurda aos olhos das outras pessoas. Compreendi que para mim, pessoalmente, era de importância vital deixar as forças com as quais me envolvera se desenvolverem por si próprias até o fim – quer o efeito que estávamos explorando fosse um fenômeno geral da natureza ou uma idiossincrasia única.

Por mais esdrúxulo que o plano parecesse aos outros, resolvi voltar a La Chorrera, à sua solidão e sua estranheza, e passar um tempo ali simplesmente observando com calma a coisa que tinha me acontecido (…)

(…)A coisa importante com relação à segunda viagem a La Chorrera é que o ensinamento dado pelo Logos foi mais ou menos contínuo. E o que foi ensinado depois de meses e meses foi uma idéia a respeito do tempo. É uma idéia muito concreta; com rigor matemático. O Logos ensinou como fazer com o I Ching uma coisa que talvez ninguém antes soubesse fazer. Talvez os chineses tenham sabido algum dia, e perderam o conhecimento há milhares de anos. Ele me ensinou um modo hipertemporal de ver. Meus livros, minha vida pública, meus sonhos particulares, são tudo parte do esforço de sentir e entender o novo tempo que foi revelado. Uma revolução no entendimento humano não é algo que possa ser encurralado nos limites de uma conversa.

Esse novo modelo do tempo nos permite uma boa certeza sobre o futuro, o máximo que é possível de se ter. O futuro não é absolutamente determinado; não há, em outras palavras, um futuro para se “ver”, no qual todos os eventos já estejam determinados. Não é assim que o universo é feito. O futuro está para ser completado, mas é condicionado. Misteriosamente, dentre o conjunto de todos os eventos possíveis, alguns são selecionados para passar pela formalidade de ocorrer. Era a mecânica desse processo que o Logos estava querendo revelar, e realmente revelou, com a idéia da Onda Temporal.

O que me levou originalmente a olhar o I Ching foi o modo estranho como a noção simplista de ciclos de 64 dias de influências funcionou bem em minha própria vida naquela época. A morte de minha mãe foi o primeiro desses pontos temporais que isolei. Em seguida percebi que meu relacionemento com Ev, formado pelo acaso, começara 64 dias depois disso, e que a culminação da experiência em La Chorrera ocorrera outros 64 dias depois. A noção do ano lunar baseado no hexagrama surgiu da idéia de seis ciclos de 64 dias, um ano de seis partes, assim como um hexagrama do I Ching tem seis linhas.

A validade pessoal da idéia me foi confirmada quando percebi que esse ano de trezentos e oitenta e quatro dias, caso iniciado com a morte de minha mãe, terminaria em meu 25º aniversário, em 16 de novembro de 1971. Então vi que havia ciclos, e ciclos de ciclos; imaginei um ano lunar de 384 dias e em seguida a coisa da qual ele era apenas uma parte: um ciclo de 64 vezes 384 dias; e daí por diante. Os mapas que construí e eventual classificação a que cheguei estão contidos em The Invisible Landscape. Mas o que não foi dito lá é o modo como essas coincidências e minha mente inconsciente – ou algo dentro de minha mente – me guiaram para descobrir essas propriedades há muito ocultas no I Ching.

O que fazer do oceano de ressonâncias que a Onda Temporal parecia mostrar, ligando cada momento do tempo a cada outro momento através de um esquema de conexão que nada tinha de aleatório ou de causalidade? E o que fazer do fato de que certos detalhes na matemática da onda pareciam implicar que o tempo em que vivemos era o foco de um esforço de eras, e terrivelmente importante? Essas eram imagens que inflavam meu ego, e as reconheci como tal, mas a força e o fascínio delas como forma de diversão particular eram francamente irresistíveis.

A Onda Temporal parecia ser uma imagem do inconsciente coletivo que buscava provar, pelo menos em seus próprios termos, que a culminância de todos os processos do universo ocorreriam durante o nosso tempo de vida. Para cada um de nós isso é obviamente verdadeiro, nossas vidas nos parecem, a nós que estamos engastados em nossos corpos e em nossas épocas, ser de algum modo a expressão do objetivo final de todas as coisas.

A Onda Temporal previa seu fim dentro de nosso períodos de vida; na verdade, apenas uma década após a virada do século, um período de tamanha novidade que além dele poderia estar nada menos que o fim do próprio tempo. Isso era o mais atordoante de tudo, mais atordoante do que seu lado idiossincrático pessoal, esse “fim do tempo” implícito; um período em que aconteceria uma transição do regime que transformaria completamente as modalidades do real.

Eu estava familiarizado com a idéia da escatologia – o fim dos tempos – num contexto religioso, mas nunca antes me ocorrera que regimes da natureza poderiam passar por mudanças súbitas que reembaralhariam as leis naturais. Na verdade não há nada contra isso. Simplesmente a ciência, para poder funcionar, precisa presumir que as leis físicas não são dependentes do tempo e do contexto em que são testadas. Se não fosse assim, a idéia de experimentos não faria sentido, já que experimentos realizados em tempos diferentes poderiam dar resultados diferentes.

Durante anos continuei a elaborar essa teoria e a clarear minha compreensão do empreendimento que é formar uma teoria em termos gerais. Em 1974 consegui finalmente alcançar uma quantificação matemática completamente formal da estrutura fractal que eu desencavara da estrutura do I Ching. Durante a década de 80 trabalhei, primeiro com Peter Broadwell e depois com Peter Meyer, para criar um programa de computador, que chamei de Timewave Zero, que permite o estudo cuidadoso dessa onda. O computador é uma ferramenta poderosa que tornou possível aprimorar grandemente minhas noções do que constituía prova ou negação da teoria.

Hoje minha conclusão sobre esses assuntos é que a teoria sobre a natureza fractal e cíclica do ingresso de novidades no mundo é uma teoria autoconsistente e completamente matemática. Tem coerência interna. E traz o drama humano e as nossa vidas de volta ao próprio centro do palco universal.

É possível que, em certo sentido, todos os estados de libertação nada mais sejam que um conhecimento perfeito do conteúdo da eternidade. Se sabemos o que está contido no tempo desde seu início até o seu fim, ficamos de algum modo fora do tempo. Mesmo que ainda tenha um corpo, ainda coma e faça o que faz, você descobriu algo que o liberta para uma situação satisfatória de tudo-ao-mesmo-tempo. Há outras satisfações que surgem da teoria, e que não são citadas em sua formulação. Os tempos se relacionam uns com os outros – as coisas acontecem por um motivo, e o motivo não é casual. A ressonância, aquele fenômeno misterioso no qual uma corda que vibra parece invocar magicamente uma vibração semelhante em outra corda ou em outro objeto que não está fisicamente conectado ao original, sugere-se como um modelo para a propriedade misteriosa que relaciona um tempo a outro, ainda que possam estar separados por dias, anos ou mesmo milênios. Convenci-me de que há uma onda, ou um sistema de ressonâncias, que condiciona eventos em todos os níveis. Essa onda é fractal e auto-referencial, parecida com muitos dos mais interessantes objetos e curvas que vêm sendo descritos nas fronteiras da pesquisa matemática. Essa onda temporal exprime-se através do universo numa variedade de níveis extremamente pequenos. Ela faz com que os átomos sejam átomos, células sejam células, mentes sejam mentes e estrelas sejam estrelas. O que estou sugerindo é uma nova metafísica, uma metafísica com rigor matemático; algo que não é simplesmente uma nova crença ou uma nova convicção religiosa. Ao contrário, essa percepção assumiu a forma de uma proposição formal.

Eu sou o primeiro a admitir que não foi possível encontrar uma ponte entre essa teoria e a física normal. Uma ponte dessas pode não ser possível nem necessária. Podemos descobrir que a ciência normal indica o que é possível, enquanto a teoria temporal que proponho oferece uma explicação para o que é. É uma teoria que parece explicar como, dentre todas as classes de coisas possíveis, alguns eventos e coisas passam pela formalidade de ocorrer. Para mim é claro que a teoria não pode ser negada de fora, só pode ser negada caso seja vista como inconsistente dentro de si mesma.

Por volta de 16 de novembro de 1971 eu tinha começado a perceber que a tabela tinha muitas variáveis para fincionar como um mapa previsível do futuro. Seria necessário, percebi então, quantificar de algum modo os vários parâmetros da onda, de modo que os julgamentos pudessem ficar menos sujeitos a interferências pessoais. A última coisa que produzi em La Chorrera foi escrito na manhã do dia 16, meu 25º aniversário. Era uma espécie de fábula:

16 de novembro de 1971

Dois velhos amigos, digamos que árabes, e velhíssimos, estão num palácio muito mais velho do que eles próprios, construído numa montanha rodeada por vinhedos, tomareiras e pomares de frutas cítricas. Sem sonmo e sociáveis, passam as longas horas estreladas antes do amanhecer fumando haxixe e propondo charadas.

– Compartilhe meu prazer com este quebra-cabeça e sua solução – disse o mais moreno para o mais velho, e passou a mão sobre os olhos do companheiro. O mais velho entrou no sonho e olhou o quebra-cabeça aberto – um mundo de formas e leis, engrenagens encaixadas, paixão e intelecto. Viu suas espécies e seus impérios, famílias dinásticas e indivíduos geniais, tornou-se seus filósofos e suportou suas catástrofes. Sentiu a textura e o caráter de todos os seres do mundo que seu amigo havia criado. Buscou o padrão secreto que o amigo, ele sabia, certamente escondera em sua criação, já que esse era um jogo que disputavam com freqüência.

Finalmente, num momento de grande despotismo, numa era de ciência impetuosa e decadência brilhante, ele se viu dividido nas pessoas de dois irmãos – e através deles, através de suas viagens e de suas vidas que passaram num instante diante de seus olhos, ele percebeu a natureza intrincada e agradável da charada. Compreendendo, enfim, e rindo – um riso que os dois compartilharam – ele dissolveu a névoa e as engrenagens da fábula de sonho. E mais uma vez eles passaram o cachimbo antes de sair pelo jardim azulado, onde a alvorada os encontraria conversando entre os pavões, entre as romãzeiras e as acácias.

E então será que vamos ficar apenas com uma fábula? Ou há mais alguma coisa aqui? Alguns jardins tropicais que eu plantei têm pequenas acácias se desenvolvendo. Talvez ainda haja tempo para que elas cresçam até fazer sombra para discursos filosóficos. A vida é mais estranha do que até mesmo o mais estranho de nós pode supor.

Parecia que o trabalho em La Chorrera estava terminado. Desarmamos nosso acampamento e voltamos pelas trilhas e pelos rios. Demorou, havia livros a serem escritos, pontas soltas de uma vida levada muito frouxamente precisavam ser arrumadas e amarradas. Ficamos um tempo em Florência, na finca de um amigo, onde escrevi os primeiros capítulos de The Invisible Landscape. (…)

(…) Até que a Onda Temporal do I Ching fosse quantificada com mais dados, seu modo de integrar fatores aparentemente sem sentido e não relacionados tornava muito fácil que ela fosse vista em termos psicológicos. Parecia operar como uma espécie de teste de manchas de Rorchach; podíamos ver nela o que quiséssemos. Mesmo depois de meu vigésimo quinto aniversário, em 16 de novembro de 1971, ter se passado com muito pouca novidade seja em minha vida ou no mundo, continuei a propagar para o futuro os ciclos da tabela. Sentia que a idéia de uma estrutura oculta do tempo estava correta, mas isso não podia ser afirmado até que o alinhamento correto entre a estrututra e a história humana fosse encontrado e confirmado. Eu estava procurando uma data com características especiais relacionadas à tabela, uma data que fosse um bom candidato para o surgimento de um evento especial.

Aqui vem uma parte de minha história que achei muito perturbadora. Depois da desconfirmação de novembro de 1971, procurei no futuro outras datas em que terminariam os ciclos de 384 dias, caso eu continuasse a assumir que 16 de novembro de 1971 fosse o fim de um desses ciclos. Isso significava que a próxima data no fim do ciclo de 384 dias seria quatro de dezembro de 1972. Consultei várias tabelas astronômicas, mas a data parecia nada prometer. A data final do ciclo seguinte de 384 dias era muito mais interessante, já que caía em 22 de dezembro de 1973.

Percebi que era um solstício de inverno. Ali estava uma pista. O solstício de inverno é tradicionalmente a época do nascimento do messias salvador. É um tempo de pausa, quando há uma mudança no mecanismo cósmico. É também no momento de transição do sol de Sagitário para Capricórnio. Não dou muita importância à astrologia, mas notei que Dennis é Sagitário e Ev é Capricórnio. Consultei meus mapas astronômicos e acrescentei outra coincidência; vi que onde a eclíptica cruza a cúspide de Sagitário e Capricórnio, a 23 graus de Sagitário, era o ponto, com um ou dois graus de variação, em que o centro da galáxia estava localizado naquele momento. Durante 26 mil anos o centro da galáxia, como todos os pontos na eclíptica, move-se devagar entre os signos, mas ele estaria na cúspide de Sagitário e Capricórnio no dia de solstício de inverno.

Parecia um número incomum de coincidências, de modo que continuei minha busca. Consultas no almanaque do Observatório Naval trouxeram uma verdadeira surpresa. Exatamente naquele dia que eu estava pesquisando, 22 de dezembro de 1973, haveria um eclipse anular total do sol, e o caminho de totalidade passaria diretamente sobre La Chorrera e a bacia amazônica. Fiquei pasmo. Sentia-me como um personagem de romance; aquela fiada de indícios era verdadeira! Pesquisei o eclipse para determinar exatamente onde ele alcançaria a totalidade. Descobri que ela ocorreria diretamente sobre a cidade de Belém, no Brasil, no delta do rio Amazonas. O vertiginoso matraquear élfico do hiperespaço aumentou de volume até um guincho agudo em meus ouvidos. Estaria zombando de mim ou me instigando?

A meditação sobre a data desse eclipse tirou minha mente do âmbito das coincidências astronômicas, trazendo-a de volta para os temas dos transes em La Chorrera. A cidade se chama Belém. Minhas percepções, sensíveis a qualquer possibilidade messiânica, ligaram-se a isso. Belém, a cidade de nascimento do Messias; e está no delta do Amazonas. Delta é o símbolo para a mudança no tempo; delta, em Joyce e para os grafiteiros através de toda a história, representa a vagina. Dennis nasceu em Delta, Colorado. Seria possível que todas as nossas experiências fossem uma premonição de um evento que ocorreria dali a dois anos no Brasil? Seria essa, absurdamente, a conclusão da experiência em La Chorrera, os acordes do hino “Oh, Cidadezinha de Belém” ecoando em minha mente? No final da primavera de 1972 eu sabia de tudo que acabo de mencionar. Por que a onda apontava para 22 de dezembro de 1973? E por que havia tamanha coincidência apontando para aquele momento? Será que eu já sabia do eclipse em algum nível do inconsciente? Será que eu sabia que ele alcançaria a totalidade em Belém? Por que as datas importantes em minha vida se alinhavam com aquela data, de acordo com a onda que eu aprendera a construir após o contato com o OVNI em La Chorrera? Parecia-me impossível que eu, de algum modo, já soubesse dessas coisas e tivesse manipulado minha consciência para imaginar que ela estivesse “descobrindo” essas coisas. Eu era como um viajante cego pela neve, apanhado por uma nevasca de coincidências.

Por fim, no início da primavera de 1973, ocorreu um evento que oferecia uma prova perfeita de que algo maior que meu inconsciente, aparentemente maior ainda que a consciência coletiva de toda a raça humana, estava posto em funcionamento. Foi a descoberta do cometa Kohotek, anunciado como o maior cometa da história humana, deixando até mesmo o Halley como um anão.

“O Cometa Mais Brilhante Que Já Se Dirigiu à Terra”, era a manchete do San francisco Chronicle. Enquanto lia o artigo, deixei sair um grito de espanto. O cometa faria sua aproximação máxima no dia 23 de dezembro! Um cometa não-periódico, desconhecido de todos na terra antes de março de 1973, se aproximava para um encontro com o sol a poucas horas do solstício e do eclipse sobre a Amazônia. Era uma enorme coincidência, se definirmos coincidência como uma improbabilidade que impressiona profundamente seu observador. Ela não foi diminuída pelo fato de Kohotek não ter correspondido às expectativas, porque apenas as expectativas já se transformariam numa onde de milenarismo e inquietude apocalíptica que só morreria com a volta do cometa à escuridão da qual havia emergido. Será que aconteceu alguma coisa em Belém no dia do eclipse? Não sei; eu não estava lá. Na época era um prisioneiro de obrigações mundanas. Mas realmente sei que a compressão de eventos que ocorreu naquela data, e o modo como as tabelas a previam, era espantosa.

Somente com o desenvolvimento do programa para computadores pessoais pude entender o modo como a Onda Temporal descreve o fluxo e refluxo de novidades no tempo em muitos períodos temporais diferentes: alguns durando apenas minutos, outros durando séculos. Agora qualquer um que se familiarize com a teoria pode juntar-se a mim nessa aventura intelectual e ver por si próprio o imenso desafio envolvido em prever uma concretude. Não me contentei em meramente compreender a teoria, mas continuei os esforços para aplica-la especificamente a predizer o curso dos eventos futuros. Se, durante anos de estudos, uma pessoa torna-se convencida de que a onda realmente mostra o curso futuro de novidades, a antecipação comum do futuro é gradualmente substituída por uma apreciação e uma compreensão quase zen do padrão total. (…)

Diga o que isso significa ?

Onde tento ligar nossas experiências à ciência que é qualquer coisa, menos normal.

Apesar de ter saído da Amazônia, essa história estranha e enrolada continua por mais um pouco. Ainda é tempo de destilar algumas conclusões das idéias que foram geradas em La Chorrera.

Um modelo do mundo é um modo de ver, e assimilar a teoria da onda temporal que nos foi forçada é ver o mundo de um jeito diferente. Minha abordagem tem sido a de garantir a possibilidade da teoria ser verdadeira, uma vez que não foi refutada. Pode ser que algum dia a refutem; mas até então devo acreditar nela, ainda que com uma ponta de ironia. Talvez outros reforcem e contextualizem a idéia caso se dignem a ouvi-la. Muitas boas idéias simplesmente morrem por falta de um contexto. Mas esta idéia propõe uma reconstrução fundamental no modo como vemos a realidade. E pode ser ensinada. Ela preenche minhas aspirações espirituais porque é feita de compreensão: simples e puramente compreensão.

A teoria elaborada no início da experiência em La Chorrera não nega nenhuma classe de conhecimentos; ela os aumenta. Há um argumento para isso ao nível físico, se bem que a idéia é muito complicada, tocando, como toca, áreas envolvendo física quântica, biologia submolecular e estrutura do DNA. Essas são as noções que espero ter delineado com cuidado e atenção em The Invisible Landscape.

Apesar da idéia que desenvolvi poder não ter sido causada pelo que Dennis fez na Amazônia, tenho a forte intuição de que o foi. No início da experiência minhas preocupações particulares foram substituídas por pensamentos tão absolutamente estranhos que não pude reconhecê-los como produtos de minha personalidade. Ele realizou sua experiência e eu tive uma espécie de retroalimentação informativa a partir do meu DNA ou de alguma outra armazenagem molecular de informação. Isso aconteceu precisamente porque as moléculas psicodélicas ligaram-se ao DNA e em seguida se comportaram do modo que havíamos previsto; elas realmente irradiaram um símbolo da totalidade, cuja estrutura profunda reflete os princípios organizacionais das moléculas da própria vida. Essa totalidade entrou no tempo linear – na presença da consciência comum – disfarçada em um diálogo com o Logos. O Logos proporcionou uma voz narrativa capaz de estruturar e dar coerência à torrente de novas percepções que, de outra forma, teriam me esmagado. Minha tarefa tornou-se desencavar e replicar a estrutura simbólica que havia por trás da voz, e descobrir se ela tinha algum significado fora de mim e de meu pequeno círculo de conhecidos. Era como criar um sistema de arquivos para um mundo recém-revelado de infinita variedade. A onda temporal é uma espécie de mandala matemática descrevendo a organização do tempo e do espaço. É uma representação dos padrões de energia e de intenções dentro do DNA. O DNA desdobra esses mistérios através do tempo como uma gravação ou uma canção. Essa canção é a nossa vida, e é toda a vida. Mas sem uma visão conceitual não podemos entender a melodia que ele toca. A teoria da onda temporal é como a partitura da sinfonia biocósmica.

Estou interessado em refutar a teoria. Uma boa idéia não é frágil, e pode suportar grande pressão. O que aconteceu em La Chorrera não pode ser atenuado com palavras, ao contrário, aquilo pede simplesmente para ser explicado. Se não é o que eu digo que é, então o que é a concrescência, a centelha, o encontro com o totalmente Outro? O que isso realmente representa?

É, como parece ser, o ingresso de uma época pertencente a uma dimensão mais elevada, que reverbera através da história? É uma onda de choque sendo gerada por um evento escatológico no fim dos tempos? As leis naturais são mais fáceis de entender se assumirmos que não existem constantes universais; e sim fenômenos de fluxo que se desenvolvem lentamente. Afinal de contas a velocidade da luz, que é vista como uma constante universal, só foi medida nos últimos cem anos. É um pensamento puramente indutivo extrapolar o princípio da não-variação da velocidade da luz a todos os tempos e lugares. Qualquer bom cientista sabe que a indução é um salto de fé. Ainda assim a ciência é baseada no princípio da indução. É esse princípio que esta teoria desafia. A indução presume que se fazemos A, e disso resultar B, significa que sempre que fizermos A, B será o resultado. O fato é que no mundo real não acontece nenhum A ou B no vácuo. Outros fatores podem se intrometer em qualquer situação real, mandando-a para uma conclusão diferente ou incomum..

Antes de Einstein o espaço era visto como uma dimensão onde colocamos coisas. O espaço era visualizado como uma analogia para o vazio. Mas então Einstein mostrou que o espaço é uma coisa que tem torque, e que é afetada pela matéria e pelos campos gravitacionais. A luz passando através de um campo gravitacional no espaço será curvada porque o espaço através do qual ela viaja está curvado. Em outras palavras, o espaço é uma coisa, e não um lugar onde você põe coisas.

O que proponho, em síntese, é que o tempo – que também foi previamente considerado uma abstração necessária – também é uma coisa. O tempo não apenas muda, como também há diversos tipos de tempo. Enquanto esses tipos de tempo vem e vão em progressão cíclica em muitos níveis, as situações se desenvolvem à medida que a matéria responde às condições de tempo e espaço. Esses dois padrões condicionam a matéria. Há muito tempo a ciência está consciente dos padrões de espaço, chamamos isso de “leis naturais”, mas e quanto aos padrões de tempo? Essa é uma consideração completamente diferente.

A matéria, que sempre foi considerada a epítome da realidade, tem algumas características mais próximas do pensamento. A matéria passa por mudanças definidas por dois agentes padronizadores que estão correlacionados: espaço e tempo. Essa idéia implica em axiomas. Um dos maiores é tirado do filósofo Gottfried Wilhelm von Liebnitz. Liebnitz imaginava as mônadas como partículas minúsculas que são infinitamente replicadas em todos os pontos do universo e que contêm em si todos os lugares. As mônadas não estão meramente aqui e agora. Estão em todos os lugares o tempo todo. Ou têm dentro de si todo o espaço e todo o tempo, dependendo do ponto de vista. Todas as mônadas são idênticas, mas dependendo do modo como se interconectam elas constroem um continuum mais amplo enquanto ao mesmo tempo mantêm suas perspectivas individualmente únicas. Essas idéias liebnitzianas anteciparam o novo campo da matemática fractal, do qual minha idéia de um padrão temporal é um exemplo exótico.

Idéias como essa oferecem uma explicação possível para os mecanismos de memória que, de outro modo, seriam misteriosos. A destruição de noventa e cinco por cento do cérebro não danifica a função de memória. Parece que a memória não está guardada em lugar nenhum; a memória parece permear o cérebro. Como um holograma, toda a memória está em cada parte. Podemos pegar uma prancha holográfica do monte Fuji e corta-la ao meio; quando uma metade é iluminada, toda a imagem está presente. Podemos fazer isso de novo e de novo, o holograma é feito de um número quase infinito de minúsculas imagens, cada uma, em combinação com as outras, apresenta uma imagem inteira.

O aspecto “holográfico” da memória foi visto como de importância central por pensadores como David Bohm e KarlPribram. Mas foi Dennis e eu quem chegamos ao ponto de sugerir que essa forma de organização poderia ser estendida para além do cérebro, para incluir o cosmo inteiro.

A física quântica faz afirmações semelhantes dizendo que o elétron não está em algum lugar ou em algum tempo, o elétron é uma nuvem de probabilidades, e isso é tudo que podemos dizer dele. Uma característica semelhante liga-se a esta idéia do tempo e da comparação do tempo com um objeto. A pergunta óbvia a ser feita é: qual a menor duração relevante para os processos físicos? A abordagem científica seria dividir o tempo até sua menor parte, para descobrir se há uma unidade. O que estamos procurando é um crônon, ou uma partícula de tempo. Acredito na existência do crônon, mas não como uma coisa distinta do átomo. Os sistemas atômicos são crônons; os átomos são muito mais complicados do que se suspeitava. Acredito que os átomos têm propriedades ainda não descritas, que podem responder não apenas pelas propriedades da matéria, mas também pelo comportamento do espaço/tempo.

Os crônons podem não ser redutíveis a átomos, mas suspeito de que o que estamos procurando seja uma onda/partícula que compõe a matéria, o espaço/tempo e a energia. O crônon é mais complicado do que a descrição clássica dos sistemas atômicos feitas por Heisenberg e Bohr. O crônon tem propriedades que o tornam capaz de funcionar como constituinte fundamental de um universo no qual surgem mentes e organismos. Até agora fomos incapazes de definir as propriedades dinâmicas que permitiria uma partícula atuar como parte necessária de um organismo vivo ou de um organismo pensante. Até mesmo uma bactéria como E. coli é um feito estonteante para o átomo de Heisenberg e Bohr.

O modelo de Heisenberg/Bohr permite-nos simular o universo físico de estrelas, galáxias e quasars; mas não explica os organismos ou a mente. Temos de sobrepor diferentes características àquele modelo atômico para modelar fenômenos mais complexos. Devemos imaginar um átomo com novos parâmetros caso desejemos compreender como podemos existir, como os seres humanos pensantes, usuários de ferramentas, puderam surgir do substrato universal.

Não afirmo que já tenha feito isso. Mas realmente creio que tropecei numa avenida intelectual que poderia ser seguida para chegar a essa compreensão. A chave está em ciclos de variáveis temporais aninhadas em estruturas hierárquicas que geram vários tipos de relacionamentos fractais se desdobrando em direção a conclusões que são, com freqüência, surpreendentes.

A pessoa que estabeleceu a base mais firme para compreender filosoficamente este tipo de noção é Alfred North Whitehead. Nada do que sugerimos está além do poder de seu método de previsão. O formalismo de Whitehead responde pelas mentes, pelos organismos e por uma quantidade de fenômenos mal resolvidos pela abordagem cartesiana.

Outros pensadores visionários estão sondando essas áreas; a Dinâmica do Atrator Caótico é a idéia de que qualquer processo pode ser relacionado a qualquer outro através de uma equação matemática, simplesmente em virtude de todos os processos fazerem parte de uma classe comum. A derrubada de um ditador, a explosão de uma estrela, a fertilização de um ovo; tudo deveria ser descrito através de um conjunto de termos.

O desenvolvimento mais promissor nessa área foi o surgimento do novo paradigma evolucionário de Ilya Prigogine e Erich Jantsch. Seu trabalho chegou a nada menos do que um novo princípio ordenador da natureza. É a descoberta e a descrição matemática da auto-organização dissipativa como um princípio criativo subjacente à dinâmica de uma realidade aberta e de múltiplos níveis. As estruturas dissipativas fazem o milagre de gerar e preservar a ordem através de flutuações – flutuações cuja base, em última instância, está na indeterminação da mecânica quântica.

Se alguém tivesse um perfeito espelho filosófico do universo, poderia dizer a uma pessoa, aplicando seu método filosófico, quanto dinheiro ela tem no bolso. Como é um fato, essa quantia deveria, pelo menos em princípio, ser possível de se calcular. O importante é compreender as verdadeiras fronteiras da realidade, e não os limites prováveis de possíveis eventos futuros. Se bem que condições limites operem no futuro, elas são restrições probabilísticas, e não fatos absolutamente determinados. Presumimos que daqui a dez minutos o cômodo em que estamos continuará a existir. É uma condição limite que irá definir os próximos dez minutos em nossa coordenada espaço-temporal. Mas não podemos saber quem estará no cômodo daqui a dez minutos; isso está para ser determinado.

Pode-se perguntar se realmente podemos saber que o cômodo ainda existirá em qualquer momento futuro. Aí é que entra a indução no quadro geral, já que na verdade não podemos saber com certeza. Não há um modo absolutamente rigoroso de estabelecer isso. Mas podemos fazer o salto indutivo de fé, que tem a ver com a experiência acumulada. Projetamos a idéia de que a existência do cômodo irá seguir como condição limite mas, em princípio, poderia haver um terremoto nos próximos dez minutos e esse prédio poderia não ficar de pé. Entretanto, para que isso aconteça, a condição limite teria de ser radicalmente rompida de algum modo inesperado e improvável.

O curioso é que esse tipo de coisa poderia acontecer. É isso que a onda temporal nos permite prever: que há condições em que podem ocorrer eventos de grande novidade. Entretanto há um problema. Como sugerimos um modelo de tempo cuja matemática dita uma construção em estrutura espiral, os eventos vão-se reunindo em espirais cada vez mais apertadas, que levam inevitavelmente a um tempo final. Como o centro de um buraco negro, o tempo final é necessariamente uma singularidade., um local ou um evento em que as leis comuns da física não funcionam. Em princípio é impossível imaginar o que acontece numa singularidade e, naturalmente, a ciência tem evitado essa idéia. A singularidade definitiva é o Big Bang, que os físicos acreditam ter sido responsável pelo nascimento do universo. A ciência pede que acreditemos que o universo inteiro explodiu do nada, num único ponto e sem motivo discernível. Essa noção é o caso limite para a credulidade. Em outras palavras, se você acredita nisso, pode acreditar em qualquer coisa. Uma noção que é, de fato, absolutamente absurda, e mesmo assim terrivelmente importante para todas as suposições racionais que a ciência deseja preservar. Essas suposições partem daquela situação inicial impossível.

A religião ocidental tem sua própria singularidade na forma do Apocalipse. Esse evento é localizado não no princípio do universo, mas no fim. Isso parece uma posição mais lógica do que a da ciência. Se existem as singularidades, parece mais fácil supor que elas possam surgir de um cosmo antigo e altamente complexo como o nosso do que de um megavácuo sem forma e sem dimensões.

A ciência olha de cima de seu nariz empinado para as fantasias apocalípticas da religião. A visão da ciência é de que o tempo final pode apenas significar um tempo entrópico de não-mudança. A visão da ciência é de que todos os processos terminam por se esgotar, e que a entropia é maximizada apenas num futuro muitíssimo distante. A idéia da entropia cria uma suposição de que as leis do continuum espaço-tempo são infinita e linearmente expansíveis para o futuro. No esquema de tempo espiral da onda temporal não se faz essa suposição. Ao invés disso, o tempo final significa passar de um conjunto de leis que estão condicionando a existência para outro conjunto de leis radicalmente diverso. O universo é visto como uma série de eras compartimentadas, tendo leis bastante diferentes umas das outras, com transições de uma época para outra ocorrendo com inesperada subitaneidade.

Ver através dessa teoria é ver nosso lugar no esquema espiral e antecipar quando irá ocorrer a transição para uma nova época. Vemos isso no mundo físico. O planeta tem cinco ou seis bilhões de anos. A formação do universo inorgânico ocupa a primeira volta da espiral. Então surge a vida. Se examinarmos este planeta, o único planeta que podemos examinar em profundidade, descobrimos que os processos vão sempre acelerando em velocidade e complexidade.

Um planeta gira através do espaço dois bilhões de anos antes de aparecer a vida. A vida representa uma nova qualidade emergente. No instante em que a vida inicia, começa uma corrida louca. Espécies aparecem e desaparecem. Isso acontece durante um bilhão e meio de anos e, subitamente, uma nova propriedade nascente assume o palco; surgem espécies pensantes. Essa nova época da mente é breve em comparação com a que a precedeu; do confronto silencioso com a pedra lascada até a nave estelar passam-se cem mil anos. O que poderia ser essa era a não ser o ingresso de um novo conjunto de leis? Uma nova psicofísica permite nossa espécie manifestar propriedades peculiares: linguagem, escrita, sonho, e o tecer da filosofia.

Como as cascavéis e os álamos, os seres humanos são feitos de DNA. Ainda assim nós detonamos as mesmas energias que iluminam as estrelas. Fazemos isso na superfície de nosso planeta. Ou podemos criar uma temperatura de zero absoluto. Fazemos essas coisas porque, apesar de sermos criados no barro, nossas mentes nos ensinaram a aumentar nosso alcance através do uso de ferramentas. Com ferramentas podemos liberar energias que normalmente só ocorrem sob condições muito diferentes. O centro das estrelas é o lugar normal para os processos de fusão.

Fazemos essas coisas usando a mente. E o que é a mente? Não temos qualquer pista. Vinte mil anos para passar da caça e da coleta nômade para a cibernética e a viagem espacial. E continuamos acelerando. Ainda há mais espirais à frente. Do Ford modelo T até a nave espacial. Cem anos. Do homem mais rápido, capaz de mover-se a quarenta quilômetros por hora, ao homem mais rápido movendo-se a quatorze quilômetros por segundo. Sessenta anos.

Mais desconcertantes são as previsões que a teoria faz das próximas mudanças de eras, tornadas necessárias pela congruência da onda temporal com os dados históricos. A onda temporal parece dar uma melhor configuração dos dados históricos quando se supõe que um ingresso máximo de novidades irá ocorrer em 21 de dezembro de 2012. Estranhamente, essa é a data final que os Maias puseram em seu calendário. Bom, o que é isso que dá a um indivíduo do século XX e uma antiga civilização mesoamericana a mesma data para a transformação do mundo? Será porque ambos usaram cogumelos psicodélicos? Poderia a resposta ser tão simples? Não creio. Ao invés disso suspeito de que, quando inspecionamos a estrutura de nosso inconsciente profundo, fazemos a descoberta inesperada de que ele está ordenado sob o mesmo princípio do universo mais amplo, do qual emergiu. Esta noção, a princípio surpreendente, logo passa a ser vista como óbvia, natural e inevitável.

Uma analogia que explica por que isso pode ser assim é dada ao se olhar dunas de areia. A coisa interessante com essas dunas é que elas guardam uma semelhança com a força que as criou, o vento. É como se cada grão de areia fosse um bit na memória de um computador natural. O vento é o sinal de entrada que arranja os grãos de areia de modo que se tornem um reflexo em dimensão inferior do fenômeno que ocorre na dimensão mais elevada, neste caso, o vento. Não há nada de mágico com isso, e não nos parece misterioso: o vento, uma pressão que é variável com o tempo, cria uma duna ondeada que é uma estrutura variando regularmente no espaço. Em meu modo de pensar, os organismos são grãos de areia arranjados pelo fluxo e refluxo dos ventos do tempo. Nesse caso os organismos têm naturalmente a marca das variáveis inerentes ao meio temporal em que surgem. O DNA é o meio virgem em que as variáveis temporais têm sua seqüência e suas diferenças relativas gravadas. Qualquer técnica que penetre os relacionamentos energéticos dentro de um organismo vivo, como a yoga ou o uso de plantas psicodélicas, também dará uma percepção profunda sobre a natureza variável do tempo. A seqüência King Wen do I Ching é o produto desse tipo de percepção.

A cultura humana é uma curva de potencialidade em expansão. Em nosso século atormentado ela alcançou uma verticalidade. Os seres humanos ameaçam todas as espécies do planeta. Empilhamos materiais radiativos em todo canto, e todas as espécies da Terra podem ver isso. O planeta, como entidade inteligente, pode reagir a esse tipo de pressão. Ele tem três bilhões de anos, e tem muitas opções.

A conversa dualística sobre a humanidade não fazer parte da ordem natural é bobagem. Nós não poderíamos ter surgido a não ser que servíssemos a um propósito que se ajustasse à ecologia planetária. Não está claro qual é esse propósito, mas parece ter a ver com nossa enorme capacidade de investigação. E com nossas crises! Acumulando armas atômicas afirmamos a capacidade de destruir a Terra como uma banana de dinamite enfiada numa maçã podre. Por quê? Não sabemos. Certamente não pelos motivos políticos e sociais que são apresentados. Somos simplesmente uma espécie construtora de ferramentas; ela mesma uma ferramenta da ecologia planetária que é uma inteligência superior. Essa inteligência sabe quais são os perigos e limitações na escala cósmica e organiza furiosamente a vida para se preservar e se transformar.

Minha história é peculiar. É difícil saber o que achar dela. A noção de algum tipo de revelação visionária fantasticamente complicada que nos põe no centro da ação é um sintoma de doença mental. Essa teoria faz isso; assim com a experiência direta, e também as ontologias do judaísmo, do islamismo e do cristianismo. Minha teoria pode ser clinicamente patológica, mas, diferentemente desses sistemas religiosos, tenho humor suficiente pra perceber isso. É importante apreciar a comédia intrínseca ao conhecimento privilegiado. Também é importante ter acesso ao método científico, sempre que for apropriado. A maioria das teorias científicas pode ser refutada nos calmos limites do laboratório, a evolução não.

Para sentir empatia com as visões de La Chorrera, precisamos imaginar o que podemos imaginar. Imagine se os desejos fossem cavalos, como os mendigos cavalgariam! As idéias desenvolvidas em La Chorrera eram tão envolventes porque prometiam novas dimensões à liberdade humana. Os rumores ouvidos na Amazônia sobre fluidos mágicos relacionados com o tempo, autogerados a partir dos próprios corpos pelos mestres xamãs, são nada menos do que sugestões da metamorfose do corpo/alma humano para um estado dimensional mais elevado. Caso essa transformação da matéria fosse possível poderíamos fazer qualquer coisa com ela. Poderíamos espalhá-la, subir em cima e leva-la a qualquer altitude, adicionando oxigênio à vontade. É a imagem assombrosa do disco voador voltando outra vez. Podemos entrar na substância; usando-a como um traje de mergulho mental. O disco voador é uma imagem da mente humana aperfeiçoada; ele espera zumbindo quente no fim da história humana neste planeta. Quando ela estiver perfeita, haverá uma mutação ontológica da forma humana, nada menos do que o corpo ressurreto que o Cristianismo prevê.

É função do gênio da tecnologia humana dominar e servir às energias da vida e da morte, do tempo e do espaço. O OVNI guarda a possibilidade da mente tornar-se objeto, uma nave que pode cruzar o universo no tempo necessário para se pensar a respeito. Porque ela é como o universo: um pensamento. Quando a mente tornada objeto móvel for aperfeiçoada, a humanidade – noviça no domínio do pensamento – irá começar a partir.

Claro que podemos descobrir que não vamos embora; o futuro pode revelar, ao invés disso, que há algo lá fora chamando-nos para casa. Então será nossa tecnologia e o chamamento do Outro que irão mover-se na direção de um encontro. O disco é uma excelente metáfora para isso. Quando Jung sugeriu que o disco era a alma humana, ele estava mais correto do que pode ter suposto. E isso não está muito distante de acontecer. Essa é a outra coisa; a última virada de épocas nos deu a teoria da relatividade e a mecânica quântica. Outra mudança de época se aproxima, mas é difícil saber se será a época final. Nosso papéis como partes do processo introduzem um princípio de incerteza que impede a previsão.

Todos esses temas foram tecidos ao redor do DMT, possivelmente porque a DMT cria um microcosmo dessa mudança de épocas na experiência de um único indivíduo. Parece difícil elevar a mente perceptível acima dos confins do espaço comum e ter um vislumbre da maior estrutura possível do Ser. Quando Platão disse que “O tempo é a imagem móvel da Eternidade”, fez uma afirmação que é reforçada a cada viagem para o espaço da DMT. Como a mudança de época chamada Apocalipse, antecipada por histéricos religiosos, a DMT parece iluminar a região após a morte. E qual é a dimensão além da vida, que a DMT ilumina? Se pudermos confiar em nossas percepções, é um lugar no qual existe uma ecologia de almas cujo estado de ser é mais sintático do que material. Parece ser um reino próximo, habitado por intelectos élficos eternos, feitos inteiramente de informação e de alegre auto-expressão. O depois da vida é mais um país de fadas céltico do que uma não-entidade existencial, pelo menos isto é evidenciado na experiência com DMT.

Nós, seres humanos, devemos admitir que nossa situação é peculiar: tendo nascido, somos sistemas químicos abertos e autônomos que se mantêm num ponto distante do equilíbrio metabólico. E somos criaturas pensantes. O que é isso? O que são as três dimensões? O que é a energia? Encontramo-nos na estranha posição de estarmos vivos. Tendo nascido, sabemos que vamos morrer. Um monte de pensadores diz que isso não é tão estranho, que acontece no universo – as coisas vivas surgem. E no entanto a nossa física, que pode acender o fogo das estrelas em nossas desertos, não pode explicar a estranheza do fenômeno de estarmos vivos.

No ponto em que a ciência está hoje em dia os organismos se encontram completamente fora do âmbito da explicação física. Então de que ela serve? Spencer e Shakespeare, a teoria quântica e as pinturas de cavernas em Altamira. Quem somos nós? O que é a história? E para onde ela vai? Agora libertamos processos potencialmente fatais ao planeta. Disparamos a crise final para toda a vida. Fizemos isso, mas não temos controle. Nenhum de nós. Nenhum líder e nenhum Estado pode mandar parar o fato de estarmos presos à história. Estamos nos movendo em direção ao inimaginável enquanto se empilham as informações sobre a natureza real da situação que enfrentamos. Para parafrasear J.B.S. Haldane: nossa situação pode não ser apenas mais estranha do que supomos; pode ser mais estranha do que podemos supor.

Timewave Zero – Alguns vídeos no Youtube (em inglês):

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=w-prt5d6m6s&feature=related]

[youtube=http://www.youtube.com/watch?v=LLbS-kQhd9o]

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A odisséia psiconáutica: A História de um século e meio de pesquisas sobre plantas e substâncias psicoativas

*Artigo extraído do livro “O Uso Ritual das Plantas de Poder” (Beatriz Caiuby Labate e Sandra Lucia Goulart [ORGS] )

 Henrique Carneiro (1)

  1.  Doutor em História Social pela USP (Universidade de São Paulo), professor adjunto do Departamento de História da USP, autor de Amores e sonhos da flora. Alucinógenos e afrodisíacos na botânica e na farmácia (2002) e de Filtros, mezinhas e triacas. As drogas no mundo moderno (1994).

Grave incerteza, todas as vezes em que o espírito se sente ultrapassado por si mesmo, quando ele, o explorador, é ao mesmo tempo o país obscuro a explorar e onde todo o seu equipamento de nada lhe servirá. (Marcel Proust, No Caminho de Swann)

O uso de plantas e substâncias psicoativas passou, no último século e meio, a ser objeto de um estudo científico. Ludwig Lewin, o pioneiro farmacologista alemão, dizia sobre as drogas que, “com a única excessão dos alimentos, não existe na Terra substâncias que estejam tão intimamente associadas com a vida dos povos em todos os países e em todos os tempos” (apud Brau 1974, p. 7). Essa ubiquidade da droga em todas as épocas e culturas permite supor que o consumo de substâncias alteradoras da consciênciafaz parte da condição humana, que buscou sempre meios para interferir quimicamente no psiquismo. Essa é a conclusão do médico Andrew Weil (apud Furst 1980, p. 25), ao afirmar que “o desejo de alterar periodicamente a consciência é um impulso inato, normal, análogo à fome ou ao impulso sexual”. As regras sociais que disciplinam esse impulso, ou seja, o uso do álcool e de outras substâncias psicoativas, são investigadas pela história da normatização das drogas.

Dentre as drogas existe, entretanto, uma categoria especial, que se distingue dos inebriantes (como o álcool), dos excitantes (como o café e a cocaína), ou dos sedativos (como o ópio), que é um conjunto de plantas e de substâncias sintéticas que produzem efeitos psicoativos muito peculiares e característicos. Esses efeitos foram chamados de “fantásticos”, por Ludwig Lewin, e se tornaram conhecidos mais vulgarmente como “alucinógenos” ou “psicodélicos”. Essas drogas são basicamente as seguintes: o LSD, a mescalina, a psilocibina, a DMT e também as anfetaminas psicodélicas como o MDMA, das quais existem ao menos algumas centenas de análogas. Suas características fisio-químicas são a muito baixa toxicidade e a também baixíssima dose mínima necessária. Quase não produzem efeito fisiológico, exceto certa midríase (aumento da pupila) e taquicardia. A natureza fundamental do seu efeito é psíquica, esfera que sofre uma ação impactante dessas drogas.

O poderoso efeito psíquico foi o que tornou plantas como o cogumelo teonanacatl, o cacto peiote, o cipó ayahuasca, a trepadeira ololiuqui etc., substâncias sagradas de diversas religiões americanas. O fascínio do olhar antropológico sobre esses cultos e as utilizações dessas drogas em diversas culturas desencadeou uma crescente e sistemática investigação etnobotânica. O uso seletivo das plantas de poder foi identificado por diversos pesquisadores (Huxley, Escohotado, Szasz, Wasson, Allegro, McKenna, Narby, Ott, entre outros) como característico do fenômeno religioso. Diferentes estudos históricos e antropológicos têm destacado o uso específico de diferentes plantas em culturas distintas, desvendando significações particulares em cada rito e em cada substância, cuja diversidade engloba desde o tabaco em seu uso tradicional americano (Wilbert, 1987), até um conjunto de plantas muito singulares cuja denominação é objeto de controvérsia, sendo chamadas de “alucinógenas”, “enteógenas” ou “psicodélicas”.

No último século e meio, os estudos sobre as substâncias alucinógenas abrangeram tanto os usos sagrados tradicionais em diferentes culturas, como o uso contemporâneo internacional, onde diferentes consumos de tais drogas produziram diversos fenômenos dentro de uma ampla cultura da droga, que inclui o surgimento de novas religiões e de círculos científicos de pesquisa e experimentaçã, além de uma influência estética disseminada e de um uso recreacional popular, que supera a cultura exclusiva do álcool como lubrificante social. (2)

  1. Esse uso recreacional intensificou-se com a cultura rave, dos anos 1990, onde se despreza o álcool e se consomem psicodélicos. Ver Saunders (1995)

No início do século XX, desde que a mescalina foi isolada de amostras do cacto peyote, em 1897, por Arthur Heffter, e sintetizada em laboratório, em 1919, por Ernst Späth, difundiram-se diversas experiências de cientistas, psicólogos, escritores e artistas com esta droga. Mais tarde, Aldous Huxley, que identificava nas viagens psicodélicas veículos para o transporte dos antípodas mentais, tornou-se a partir dos anos 1950 um expoente marcante de uma aventura cultural de desbravamento pioneiro de um novo campo epistemológico, quando se difundiu o LSD, descoberto por Albert Hoffman em 1943.

O que caracterizou o final da segunda metade do século XX, entretanto, foi o quase desaparecimento da pesquisa científica oficial de algumas das substâncias mais fascinantes da farmácia contemporânea e de seus promissores e florescentes usos em terapia, arte e psicologia experimental. Ao invés disso, uma política de guerra contra as drogas igualou psicodélicos, opiáceos e cocaína numa lista oficial de substâncias proibidas pela ONU e consideradas como não-possuidoras de qualquer uso médico, provocando o sufocamento da investigação sobre o LSD e outras substâncias análogas.

A política da guerra contra as drogas tem sido criticada como uma “Inquisição” que busca suprimir a dissidência psicofarmacológica e proibir o exercício da liberdade de consciência para produzir uma hipertrofia de lucros e de violência com laboratórios clandestinos, policiamento mental, lavagem de bilhões de dólares, milhões de prisioneiros, fiscalização através de testes compulsórios de urina, devastação aérea de plantações, guerras, cercos e invasões militares. Tal é o sentido do conceito de “inquisição farmacrática”, empregado por Thomas Szasz e Jonathan Ott, entre outros, para definir o fenômeno da campanha do proibicionismo das drogas, iniciada com a Lei Seca contra o álcool nos Estados Unidos, no início do século XX, e intensificada desde os anos 1960, por Nixon, através de uma “guerra” de conteúdo militar, comercial, industrial, financeiro, político e ideológico.

Vivemos simultaneamente, entretanto, a ampliação de um novo camp0o epistemológico em meio a uma guerra que utiliza os instrumentos desse potencial científico e tecnológico como armas. Por um lado, a ciência química amplia os conhecimentos e os domínios sobre as sínteses refinadas de novos arranjos moleculares, e, por outro, produz uma intersecção com os domínios das ciências da subjetividade humana. A analogia molecular entre o LSD e a serotonina (cristalizada e nomeada em 1948 por Rapport) foi o que levou a identificação da segunda como neurotransmissor (Chast 1995, p. 128). A farmácia e a psicologia se unem na psicofarmacologia. A constituição desse campo, definido sistematicamente por François Dagognet, seu primeiro epistemólogo, no texto La raison et les rémèdes (1964), une a filosofia do sujeito com a história das formas de controle e normatização da subjetividade. O estudo desse campo de atividade do pensamento estimulado na fonte neurotransmissora dos impulsos e suas consequências na determinação das formas da consciência e dos modelos de subjetividade culturalmente determinados, constitui-se como um foco de inquietação que busca instrumentos nas mais divrsas ciências – farmácia, psicologia, medicina, história, antropologia – para investigar e experimentar os psicofármacos. Em 1972, Charles Tart propôs num artigo na revista Science, a criação de ciências específicas para os estados alterados de consciência, desenvolvendo uma abordagem que se insere no campo mais amplo das “ciências da consciência” (Tart 1998)

Os estudos sobre as drogas possuem uma extensa e multidisciplinar bibliografia. Este texto não pretende realizar nenhuma descrição panorâmica, mas apenas apontar algumas obras essenciais dos estudos históricos e antropológicos sobre o papel dos alucinógenos na cultura e historiar brevemente alguns usos dessas substâncias no decorrer do século XX.

Albert Hoffman

O estabelecimento e a classificação de uma bibliografia sobre plantas alucinógenas, usos enteogênicos e o psicodelismo é uma tarefa que ainda não foi feita. Diversas gerações se perfilam: desde os primeiros psicofarmacólogos como Arthur Heffter e Ludwig Lewin, no início do século XX; passando pelos trabalhos mais antropológicos sobre o peiote, de Alexandre Rouhier e Weston La Barre, nos anos 1930 (mesma época dos escritos literários de Michaux, Sartre e Artaud), chegando à descoberta (por serendipidade) do LSD por Albert Hoffman, em 1943; até a fermentação dos anos 1950, quando se destacam as obras de Aldous Huxley, Gordon Wasson e de Richard Evans-Schultes; e a explosão dos anos 1960, com o psicodelismo, Timothy Leary e Richard Alpert. Nos anos 1970 e 1980, formularam-se as visões críticas mais maduras em autores como Alexander Shulguin e Jonathan Ott. Autores como Thomas Szasz, emCerimonial chemistry (1974), e Antonio Escohotado em História de las drogas (1989), apresentam uma visão crítica do papel social, econômico e cultural das drogas e de sua regulamentação na história universal.

O enfoque sistemático de Escohotado sobre os mecanismos de controle e regulamentação do uso das plantas e dos fármacos é uma das análises mais agudas sobre a questão. A interpretação da guerra contemporânea contra as drogas como uma “inquisição farmacrática” e o próprio conceito de “farmacracia”, que Escohotado comparte com o psiquiatra Thomas Szasz, fazem parte da vertente que mais buscou, no terreno das ciências humanas, uma interpretação teórica e histórica dos regimes de consumo e regulamentação de drogas. Outros trabalhos pioneiros buscaram exposições gerais sobre a história das drogas, como é o caso de Jean Louis Brau, mas sem entrarmos nas vertentes psiquiátrica e farmacológica, podemos nos referir à etnobotânica, com Gordon Wasson e Richard Evans Schultes, e à antropologia, especialmente com os estudos do peiote e do xamanismo amazônico(3), como as disciplinas que mais contribuíram para a formação de um campo do conhecimento histórico e antropológico das drogas em geral e, especialmente, dos alucinógenos.

  1. Entre os quais estão Aguire Beltrán, Jean-Pierre Chaumeil, Jeremy Narby, Michael Harner, Michael Taussig, Terence McKenna, Weston La Barre e, especialmente no contexto amazônico, Esther Jean Langdon, Haydée Seijas, Homer Pinkler, Luis Eduardo Luna, Melvin Bristol, M. Winkelman, Néstor Uscategui, Plutarco Naranjo e Scot Robinson, muitos dos quais alunos de Evans Schultes.

O tema do xamanismo e das plantas de poder penetrou a cultura de massas do Ocidente, a partir dos anos 1970, com o amplo sucesso dos livros de Carlos Castaneda, cuja consistência antropológica foi, entretanto, questionada, mas que inegavelmente divulgou as plantas sagradas e seus mestres xamãs. Pesquisas antropológicas e trabalhos de campo se realizaram desde então em todos os continentes, mas especialmente nas Américas, onde o número de substâncias vegetais psicoativas conhecidas pelas culturas tradicionais é superior a todo o resto do mundo.

Alguns historiadores da América abordaram as consequências do impacto da regulamentação do consumo das drogas sobre as sociedades coloniais americanas, entre os quais Aguirre Beltrán e Serge Gruzinski. Igualmente importantes também foram os autores que trabalharam sobre a questão da história das práticas de consumo alcoólico, em particular no caso do encontro intercultural entre a Europa e a América, como é o caso de Sonia Corcuera de Mancera e de William Taylor. Entre outros trabalhos que estudaram as práticas de consumo alcoólico e de alucinógenos na América podemos citar Borrachera y Memoria(Saignes 1993) e os estudos levados a cabo no Peru desde os anos 1960 (especialmente os de Marlene Dobkin de Rios), que tratam do curandeirismo psicodélico da sierra e da selva, com grande tradição de uso de San Pedro e ayahuasca. O conceito de psiquiatria folclórica, desenvolvido por Carlos Alberto Seguín, que fundou o Instituto de Psiquiatria Social, na Universidade de San Marcos, em Lima, em 1967, também constitúi uma contribuição pioneira e fundamental para a discussão do uso tradicional de alucinógenos na América do Sul. No Brasil, após algumas passagens pioneiras de Gilberto Freyre e Câmara Cascudo sobre a maconha e a Jurema(4), tem havido desde os anos 1980 um crescente interesse pelo fenômeno da religião do Santo Daime, com o surgimento de diversos livros, artigos e teses acadêmicas.(5)

  1. A Jurema (Mimosa hostilis e Mimosa nigra), elevada por José de Alencar, em Iracema, à condição de “licor de Tupã”, e onipresente no context do catimbó, teve o seu principal alcalóide, a DMT, isolado em 1946 por Gonçalves Lima que o chamou de nigerina. Ele foi o primeiro químico no mundo a isolar a DMT, anteriormente sintetizado em laboratório em 1931, de um produto natural.
  2. No Brasil, encontramos os trabalhos de Alberto Groisman, Anthony Henman, Ari Sell, Beatriz Labate, Edward MacRae, Sandra Goulart, Wladimyr Araújo, entre outros.

O renascimento psicodélico dos anos 1990 não se restringiu à revalorização da cultura juvenil das raves,da busca dos estados alterados de consciência, mas também se expressou numa intensa atividade editorial e na articulação através da Internet(6) de círculos de investigação e debate sobre tais substâncias. Algumas obras de investigação histórica e jornalística desvendaram a complexa e misteriosa história recente dos psicodélicos (Lee e Shlain, Stafford, Lyttle, Devereux) e centros como a MAPS (Multidisciplinary Association of Psychedelics Studies), a Società Italiana per lo Studio degli Stati di Conscienza, e a Albert Hoffman Foundation têm consituído bancos de dados e bibliografias e estimulando a pesquisa.

  1. Tão grande é a gama de publicações e instituições com sites na Internet que foi publicada em 1996 uma compilação por Jon Hanna, intitulada Psychedelic Resource List.

As diversas formas de uso dos psicodélicos têm se constituído como um campo original de conhecimento e de produção cultural, onde a psicologia, a farmácia, a medicina, a história, a literatura e a antropologia uniram-se para buscar compreender o papel das plantas e dos sintéticos produtores de estados de êxtase e que tiveram um papel histórico determinante como produtos de grande valor comercial, religioso e cultural.

Gordon Wasson

Poderíamos descrever as três visões mais importantes do uso dessas drogas a partir da própria opção pelo termo que deve denominá-las. Três são as opções fundamentais: alucinógenos, psicodélicos ou enteógenos. A primeira corresponde ao da pesquisa científica oficial dos anos 1930 a 1950 e, até hoje, é o termo considerado científico para descrever em termos farmacológicos os efeitos de uma gama de substâncias que vão da maconha ao LSD. A segunda é a denominação criada pelo psiquiatra canadense Humphry Osmond, em 1953, e que foi adotada pelo movimento político-cultural dos anos 1960. A terceira foi proposta em 1978 pelo investigador Gordon Wasson e outros (C.A.P Ruck, D. Staples, J.Bigwood e J. Ott) para referir-se às plantas que têm sido usadas como instrumentos sagrados de êxtase (Ott 1995).

Mais recentemente, as pesquisas levadas a cabo por Alexader Shulguin e sua equipe desenvolveram diversas novas substâncias de tipo semelçhante aos psicodélicos, mas com importantes distinções. As meta-anfetaminas, concebidas a partir do anel molecular da mescalina, possibilitaram diferentes tipos de efeitos, alguns dos mais característicos, no caso do MDMA, são os de intensificação das interações interpessoais, o que levou este pesquisador a propor a denominação de entactogen para esse tipo de substância (Shulguin 1991, p. 229), que também são chamadas de empatógenos.

Prefiro, para uma designação mais genérica desse campo específico dos psicoativos, o termopsicodélico, por achá-lo mais estético, mais preciso semanticamente, e imbuído de um conteúdo político e laico. O termo enteógeno, embora seja preciso para denominar usos de tipo religioso, como os identificados nas raízes culturais de inúmeros cultos, é inapropriado para definir o uso laico contemporâneo das mesmas substâncias. O termo alucinógeno, embora seja o mais corrente, é incorreto, refletindo um preconceito que atribui à ocorrência de supostas “alucinações” o principal ou único efeito de drogas que possuem uma natureza muito mais complexa. Como termo mais vasto que abrangeria diferentes vertentes das diversas formas de usos modernos e contemporâneos e os distintos enfoques culturais dos psicodélicos, utilizarei o conceito de psiconáutica que faz parte do movimento atual de renascimento psicodélico dos anos 1990 (segundo J. Ott, o termo psiconauta foi cunhado por Ernst Jünger, em 1970).

As vertentes da psiconáutica

O uso de drogas alteradoras da consciência foi uma das fontes do estudo científico da mente humana, dando origem a diversas vertentes fundadoras do campo da psicologia no século XIX. Desde muito antes dessa época, entretanto, que as especulações sobre a consciência humana estão entrecruzadas com experiências de estados alterados de consciência por uso de substâncias psicoativas. O pharmakón grego se tornou psicofármaco, ou “remédio da alma”, quando Reinhard Lorichius publicou, em 1548, um livro chamado Psychopharmakon, hoc est: medicina animae. Um dos primeiros estudos sistemáticos sobre as drogas foi a tese doutoral de um aluno de Lineu, Olavus Reinh Alander, que escreveu em 1762,Inebriantia, que pode ser considerado o primeiro tratado sobre psicoativos. Claude Bernard (1813 – 1878) é o pioneiro da medicina e da farmacologia experimentais, tendo publicado, em 1857, Lições sobre os efeitos das substâncias tóxicas e medicamentosas e, em 1865, Introdução à medicina experimental, realizando experimentos com o “curare” (substância paralisante) dos indígenas sul-americanos. Em 1817, a morfina foi isolada como o principal alcalóide do ópio e, alguns anos depois, Thomas De Quincey publicou The Confessions of an English Opium Eater (1821) que foi o primeiro best-seller da, desde então, prolífica literatura de experiência com drogas.

O primeiro laboratório de farmacologia experimental teria se estabelecido em 1860 na cidade de Dorpat (atual Tartu), na Estônia (Ribeiro do Valle 1978). O estudo científico das drogas psicoativas tem entre seus principais iniciadores alguns cientistas como Ernst Freiherr von Briba (1806 – 1878), que, em 1855 publicou, na Alemanha, Die narkotichen Genussmittel und der Mensch, onde estudou 17 plantas; e J. J. Moreau de Tour, que, em 1845, publicou na França o primeiro estudo sistemático realizado com o haxixe,Du hachich et de l’alienation mentale, onde compara o estado produzido pela droga com a loucura, Em 1860, Mordecai Cooke (1825 – 1913) publicou The Seven Sisters of Sleep, onde divulgava de forma popular diversas informações sobre plantas narcóticas e, no mesmo ano, também era publicado, na França, Les Paradis artificiels, de Charles Baudelaire, obras que traziam para o público descrições literárias e, quase sempre, exageradas dos efeitos de certas drogas. E. Kraepelin publicou, em 1883, um artigo intitulado “Sobre a ação de algumas substâncias medicamentosas na duração de certos fenômenos psíquicos elementares” e, em 1892, um livro que abordava os efeitos comparados do chá, do álcool, da morfina, do éter et., intitulado Sobre a influência de alguns medicamentos em determinados fenômenos psíquicos elementares, onde teria utilizado pela primeira vez a palavra farmacopsicologia.

Sigmund Freud contribuiu com o campo de estudo das drogas ao teorizá-las como um dos mecanismos culturais destinados a evitar o sofrimento e buscar o prazer – o mais eficaz, enfatizou Freud -, em O Mal-Estar na Civilização, tendo experimentado entretanto apenas a cocaína e o tabaco, dos quais se tornou adepto. Nos Estados Unidos, William james experimentou o óxido nitroso e escreveu, em 1902, The Varieties of Religious Experience, comparando o êxtase religioso com o efeito provocado por drogas.

O isolamento da mecalina, como princípio ativo do peyote, cacto alucinógeno do México, por Arthur Heffter, em 1897, trouxe ao panorama da farmácia o primeiro alucinógeno quimicamente puro. Nessa época, Havelock Ellis empregou mecalina para estudos sobre a criatividade, tendo ministrado essa droga para poetas como Yeats e para pintores. Em 1911, Karl Hartwich escreveu Die menschlichen Genussmittel, onde superou a obra anterior de von Briba, enfocando sob um ângulo interdisciplinar cerca de 30 plantas. Em 1924, surgiu Phantastica, de Ludwig Lewin, a obra mais influente na classificação das substâncias psicoativas, apresentando um estudo detalhado de 28 plantas e de alguns compostos sintéticos (Evans – Schultes e Hoffman 1993, p. 185). Os cinco tipos de psicoativos eram, para Lewin, os fantásticos, os excitantes, os sedativos, os euforizantes e os inebriantes. Esta taxonomia evolui posteriormente para o odelo de três categorias: os psicolépticos, psicoanalépticos e os psicodislépticos, englobando respectivamente os depressores, os estimulantes e os alteradores da consciência(7).

  1. Tal classificação, proposta por J.Delay desde 1952, derivou do uso psiquiátrico da cloropromazina, classificada como um psicoléptico timoléptico ou neuroléptico, ou seja, um tranquilizante não-sonífero, assim como os anti-depressivos foram classificados como timoanalépticos, enquanto os soníferos seriam noolépticos e os excitantes, como a anfetamina, nooanalépticos. Tal nomeclatura tornou-se oficial desde o II Congresso Internacional de Psiquiatria, em 1957. Ver Pöldinger (1968).

Nos anos 1930, o estudo dos alucinógenos (ou psicodislépticos) começou a desenvolver-se no período de arrancada da farmacoquímica na Alemanha. A história da consciência alcançou na era dos psicofármacos psicodélicos de síntese inaugurada com as pesquisas sobre a mescalina, sobretudo as de Heinrich Klüver, uma abordagem experimental dos universos mentais, A experimentação permitia um domínio empírico sobre o quadro de alterações de consciência que nenhuma outra verificação científica poderia aferir. Além dos depoimentos, dos testemunhos, da observação clínica ou psicológica dos sujeitos experimentadores, cabia ao pesquisador o conhecimento direto e insubstituível da vivência pessoal da experiência. Também na década de 1930, setores da intelectualidade se interessaram pelos psicodélicos. Jean-Paul Sartre, após tomar mescalina, escreveu Náusea, onde expressou certos aspectos de suas vivências mescalínicas, e Henri Michaux escreveu O conhecimento pelos abismos, Infinito turbulento e O miserável milagre.

A tipologia dos “arquétipos” provocados pela mescalina, sobretudo os efeitos visuais, foram objeto de extensos estudos experimentais. A natureza do alucinógeno permitiria compreender a natureza da alucinação e da percepção da realidade. A definição precisa das “constantes alucinatórias” foi para Klüver uma das chaves para se tentar compreender a natureza dos efeitos da mescalina. A característica principal dos fenômenos alucinatórios tinha sido definida por Havelock Ellis como a sua “indescritibilidade” (indescribableness), mas Klüver irá buscar as formas constantes, tais como: “a) grade, treliça, trama, cordas, filigrana, favos de abelha, exadrezado; b) teia de aranha; c) túnel, funil, viela, cone, ou barco; d) espiral” (Klüver 1971, p. 66). As pioneiras e, em muitos aspectos, interessantes pesquisas desse período sofreram, no entanto, a limitação de buscarem enfoques parcelares e laboratoriais de uma experiência cuja natureza múltipla, polissêmica e subjetiva tornava-se inabordável pelos métodos e testes psicológicos tradicionais destinados a verificar “alucinações visuais”. O que mais se destacava na experiência dessas drogas era sua inefabilidade, sua singularidade e sua intensidade. Mais recentemente, diferentes autores identificaram nas percepções geométricas visuais um elemento recorrente em diversas culturas, desde as pinturas rupestres paleolíticas até os padrões psicodélicos contemporâneos, representando o que R. Rudgley denomina “fenômenos entópticos”, também chamados de fosfenos ou imagens eidéticas. Os efeitos dos alucinógenos produziriam dois tipos básicos de imagens: padrões geométricos entópticos, que derivariam da estrutura universal do sistema nervoso humano, e imagens icônicas alucinatórias, derivadas de elementos psicológicos e culturais (Rudgley 1995, p. 18).

aldous-huxley
Aldous Huxley

Em 1953, Aldous Huxley tomou mescalina e escreveu As Portas da Percepção, que se tornou a mais famosa apologia intelectual da experiência psicodélica. O psiquiatra canadense que o iniciara na experiência era Humphry Osmond, que foi quem propôs a denominação de psicodélicos.Huxley prosseguiria desde então um estudo insaciável sobre os psicodélicos, correspondendo-se, entre outros, com o círculo de Albert Hoffman, o inventor do LSD, e o de Timothy Leary.

Nos anos 1960, despontaram movimentos culturais (ou “contraculturais”) que reinvidicavam a extensão dos direitos de livre-disposição do corpo e de autonomia sobre si próprio. Como parte desses movimentos, destacavam-se os que discutiam questôes de política sexual, de gênero (o movimento feminista) e de opção sexual (o movimento homossexual). O uso voluntário do corpo para fins de prazer sexual se coligava à reinvidicação da autonomia crítica da consciência, da recusa em se permitir ao Estado uma jurisdição química sobre a mente que busca controlar o que se ingere ou se introduz voluntariamente no interior do corpo. O movimento psicodélico representou uma defesa política oficial do proibicionismo estatal, caracterizado como Inquisição farmacrática contra o direito de escolha na estimulação química do espírito. A humanidade alcançou com os recursos de alteração química deliberada da consciência um novo patamar para o florescimento da auto-consciência do espírito. A consciência deixou de ser a mera auto-referência psicológica, sujeito filosófico do conhecimento ou identidade para tornar-se a matéria plástica, passível de programação química voluntária. Tal perspectiva trouxe a baila uma questão moral e política decisiva: quais os limites para a liberdade de autoprogramar-se quimicamente? A liberdade de consciência, os direitos do homem, a liberdade na busca dos meios de obtenção de prazer incluem o direito ao uso de drogas?

A autonomia crítica da consciência exigiu o acesso ao arsenal do saber herbário e da tecnologia psico-farmacoquímica como um dos direitos do espírito humano na busca do conhecimento de si próprio. A resposta política do Ocidente a essa demanda pelas chaves vegetais e químicas da consciência até hoje, contudo, foi negativa. O proibicionismo reinou sempre, inicialmente sob a égide da Igreja e, mais tarde, da Medicina. A Igreja Católica proibiu os frutos das árvores do conhecimento, como o ópio, os cogumelosamanita ou a cannabis, herança combatida do paganismo euroasiático e, durante a colonização moderna, desencadeou uma campanha para extirpar as “idolatrias” indígenas, e particularmente as suas plantas sagradas. A América proveu o mundo, entretanto, com algumas das mais fantásticas substâncias extraídas de plantas: a mescalina do cacto, a psilocibina do cogumelo, a harmalina do cipó, as triptaminas da leguminosa jurema, e o LSD análogo da trepadeira ipoméia.

O uso militar

O uso de técnicas de alteração de consciência por meios médicos ou químicos sempre foi objeto de pesquisa científica de uso militar. A psiquiatria do śeculo XX desenvolveu uma vasta gama de técnicas reunidas sobre a denominação de “sismoterapia”. O abalo de pacientes esquizofrênicos, antes produzido com água gelada e outros métodos rudimentares, se aperfeiçoou através de febres induzidas (paludoterapia), comas hipoglicêmicos (choque de insulina), epilepsias induzidas (choque de cardiazol) e eltro-choques. Estes últimos foram especialmente empregados quando na Primeira Guerra Mundial para os chamados “neuróticos de guerra”, soldados em trauma que se recusavam a lutar. Freud teve uma posição ambígua diante desse tipo de “tratamento”, inclusive depondo numa comissão de inquérito durante um processo movido por um oficial das forças armadas austríacas, mas a conclusão oficial continuou a legitimar o uso de eletro-choques para “arrancar o doente de suas fixações e permitir-lhe voltar ao fronte” (Rousseau 1998).

O exército alemão interessou-se pela mescalina e na época nazista floresceram os estudos médicos sobre prisioneiros em campos de concentração. No pós-guerra, os Estados Unidos recrutaram mais de seiscentos cientistas alemães de diferentes áreas, entre os quais o principal investigador responsável pelos estudos de mescalina, Dr. Hubertus Strughold, que, segundo os pesquisadores norte-americanos Martin A. Lee e Bruce Shlain, “depois de Werner von Braun, foi o segundo cientista nazista de primeiro plano a ser empregado pelo governo dos Estados Unidos, tendo sido, mais tarde, saudado pela NASA como “o pai da medicina do espaço” (Lee e Shlain 1994, p. 26). A medicina do espaço foi um dos campos onde se investigaram os estados de consciência alterada, especialmente em condições de confinamento, e se experimentaram novas drogas psicoativas potencialmente úteis para a manutenção da saúde psíquica em viagens espaciais.

O código deontológico da pesquisa científica estabelecido pelos juízes dos processos de Nuremberg, que estabelecia que nenhuma experiência poderia ser levada a cabo sem o consentimento total e voluntário, nunca foi seguido nos Estados Unidos. Após a guerra, a CIA dedicou-se a uma vasta pesquisa sobre drogas. Utilizando cientistas nazistas davam continuidade à utopia reacionária da manipulação cerebral total. Constituíram-se os projetos Blue bird e Artichoke, que se dedicavam a desenvolver técnicas de controle mental e de interrogatórios, com o uso de drogas, tortura e hipnose. Em 10 de abril de 1953, Allen Dulles, novo diretor da CIA, proferiu um discurso em Princeton, onde se referiu ao “sinsitro combate dos soviéticos para se apoderarem dos espíritos”, referindo-se a supostas técnicas de “lavagem cerebral”. Três dias depois foi lançado o projeto da CIA chamado MK Ultra, que consistiu no estudo experimental, com voluntários e não-voluntários, de diversas drogas, entre as quais o LSD, que por suas características peculiares de ínfima dosagem e magnitude dos efeitos, tornou-se uma das principais. O LSD é ativo na proporção de milésimos de miligramas, ou seja, em poucas dezenas de milionésimos de grama. Praticamente nenhuma outra substãncia age sobre o metabolismo humano nessa dosagem.

Alan Ginsberg

Ironicamente, alguns dos sujeitos recrutados por anúncios em jornais, que foram iniciados no LSD nesses testes de ácido, tornaram-se, depois, os maiores críticos à política oficial de drogas nos Estados Unidos, como o poeta Allen Ginsberg. A questão moral central do uso de drogas em geral, mas particularmente dessas intensas novas drogas mentais, dizia e continua dizendo respeito ao problema da liberdade de opção. Inicialmente se manteve um uso restrito às investigações militares e médicas, nas quais, na maior parte das vezes, os sujeitos que consumiam as drogas não o faziam voluntariamente. O que a CIA buscava era justamente uma droga que vencesse a vontade e as convicções, que tornasse voluntário o involuntário. Desenvolviam pesquisas para técnicas de interrogatório, armas de guerra a se usarem em bombardeios ou infiltração de sistemas de abastecimento de água (o que se verificou impossível, pois o cloro neutraliza o LSD). No uso médico e psicoterapêutico, embora tenha havido trabalhos sérios em profusão nos anos 1950 e 1960, até a proibição legal do LSD em 1966, também houve muito uso experimental psiquiátrico e todo tipo de aberrações numa época que consagrara a lobotomia com um prêmio Nobel (o português Esgas Moniz, em 1949), chegando até mesmo à prática da lobotomia num paciente a quem se havia dado LSD, para que o mesmo descrevesse verbal e conscientemente o que estava sentindo ao mesmo tempo em que lhe extirpavam pedaços do cérebro.

Ao mesmo tempo, o LSD se popularizava entre a elite norte-americana. Os agentes da CIA tomavam ácido como parte obrigatória de sua preparação. Atores famosos, milionários, generais e até mesmo presidentes norte-americanos como John Kennedy contavam entre os que experimentavam LSD. Nas universidades se desenvolviam programas de reabilitação de alcoólatras e de delinquëntes que obtinham grande êxito. O problema para as autoridades surgiu quando esse uso extravasou as comportas da CIA, da elite e das cúpulas universitárias e, a partir de Harvard, os professores de psicologia começaram a fazer proselitismo público. O resultado foi a proibição do LSD em 1966. O uso voluntário passa a ser considerado crime, o território interior da carne e mente torna-se jurisdição química do Estado que decide quais substâncias e em que momentos estamos autorizados a consumir. Ao mesmo tempo em que os serviços secretos do mundo desenvolviam ou subsidiavam pesquisas sobre drogas, especialmente os novos sintéticos, a polícia intensificava a repressão e um movimento cultural começava a desenvolver-se em torno do uso ilegal destas novas substâncias.

Usos psicoterapêuticos

Na psicoterapia, centenas de tratamentos alcançavam resultados surpreendentes; como inspirador de artistas e potencializador de criatividade, repetia-se exaustivamente, em todas as artes, as experiências do final do século XIX, quando Havelock Ellis deu mescalina para poetas e pintores. Retomava-se, com os sintéticos como o LSD, a traddição literária baseada no uso de drogas como via para a poesia.

Diversas vertentes utilizaram psicodélicos como coadjuvantes para tratamentos, com sucesso excepcional na recuperação de alcoólicos, em pacientes terminais, e em tratamentos os mais variados. Em Harvard, após experimentar cogumelos em 1960, o psicólogo Timothy Leary, aos 39 anos, converteu-se a um apostolado dos psicodélicos. Aproximou-se dos beats como Allen Ginsberg, que vinham de uma tradição de uso do peiote, e realizou algumas experiências autorizadas com recuperação de dependentes de álcool e de delinquentes. Quando o uso dos psicodélicos extravasou o controle acadêmico, Richard Alpert e Timothy Leary tornaram-se os primeiros casos de expulsão no quadro de professores de Harvard, em 1963.

Nos anos 1960, Alberto Fontana adotou, na Argentina, psicodélicos em terapia psicanalítica. Na Tcheco-Eslováquia, Stanislav Grof começou um trabalho de pesquisas, que foi desenvolvido posteriormente na Califórnia, como investigação dos estados perinatais, utilizando psicodélicos em experiências de regressão. No Brasil, houve uma utilização científica de LSD no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, inclusive com experiências sobre criatividade(8), vertente já explorada desde Havelock Ellis e, mais recentemente, por Stanley Krippner, nos Estados Unidos, mas que foram abortadas pela interdição legal de experimentação científica com psicodélicos.

  1. O livro de memórias de Fauzi Arap, Mare Nostrum, Sonhos, viagens e outros caminhos, relata a influência lisérgica sobre o panorama cultural brasileiro dos anos 1960 e sobre diversos artistas em particular como, além dele próprio, a escritora Clarice Linspector, que deveria a uma intensa experiência com LSD a inspiração para o seu livro A Paixão segundo G. H.

A bibliografia médica sobre usos de LSD e outros psicodélicos é de muitos milhares de títulos, que compreendem usos psiquiátricos e psicoterapêuticos os mais diversos, resultado sobretudo das experimentaçoes realizadas antes da proibição legal em 1966. Entre os pesquisadores que relatam essas experiências, podemos citar autores como Masters e Houston, Claudio Naranjo e Andrew Weil, que escreveram livros sobre as virtudes médicas e terapêuticas dos psicodélicos. Durante o começo dos anos 1980, o uso de MDMA generalizou-se em diversos tratamentos psicoterapêuticos e até sua proibição, em 1986, foi apresentado como um eficiente afrodisíaco ou droga pró-sexual.

O uso político dos alucinógenos e o movimento psicodélico

O uso aristocrático por Ernst Jünger, do círculo diretamente ligado a Hoffman, na Suiça, ou por militares norte-americanos, como o capitão Alfres M. Hubbard, são vertentes de uso restrito dos psicodélicos que sempre advogaram por um acesso muito seletivo. Contra tal controle insurgiam-se, nos anos 1960, diversos apostulados do ácido. Talvez, como advertiria André Breton no Segundo Manifesto do Surrealismo, eles quiseram “distribuir o pão maldito aos passarinhos” e pagaram o preço dessa ousadia.

A expulsão, em maio de 1963, de Richard Alpert e Timothy Leary do quadro de professores de Harvard simbolizou o mergulho na clandestinidade das pesquisas científicas com LSD. O livro Politics of Ecstasy, publicado em 1968, resumiu as posições de Leary em defesa da experimentação ampla dos psicodélicos.

Por um lado, os militares e a CIA prosseguiram com suas experiências secretas, enquanto que, por outro, um imenso movimento juvenil iria iniciar-se nos arcanos da farmácia clandestina. Em 23 de novembro de 1963, morre aldous Huxley, no mesmo dia em que Kennedy é assassinado. Huxley, ao morrer, pratica o ensinamento do Bardo Todol, o Livro Tibetano dos Mortos, que ele havia interpretado como um manual para o êxtase, e pede à sua mulher Laura que lhe injete uma dose de LSD.

Em 1965, a fabricação e venda do LSD tornaram-se ilegais. Em 1966, a Sandoz parou a fabricação. No debate que se abre no congresso norte-americano, o senador Robert Kennedy argumenta contra a proibição, alegando que sua esposa usava LSD com êxito num tratamento psicoterapêutico. Em 1968, não obstante, a posse de LSD tornou-se um crime nos Estados Unidos.

Timothy Leary

Muitos são os “apóstolos do ácido” que começam a fazer a sua distribuição como sagrada hóstia espiritual. Ken Kesey e o grupo de rock Merry Pranksters, saem num ônibus promovendo os Eletric-Cool-Aid-Acid-Test (tema do livro de Tom Wolfe, O teste do ácido do refresco elétrico). O próprio Leary funda a IFIF (International Federation for Internal Freedom) e instala-se em Cuernavaca, no México, onde faz sessões com LSD. Na esteira da radicalização do movimento estudantil, surgem as seitas psicodélicas, como os Diggers, os Yippies e a “Fraternidade do Amor Eterno”. No final de 1968, Nixon é eleito e lança a War on drugs. Em 1969, Leary declara que o LSD é perseguido por “ciúme metamórfico”, porque “as moscas invejam as borboletas”, e lança sua candidatura ao governo da Califórnia, contra Ronald Reagan, recebendo o apoio de John Lennon, que escreve a música Come Together, para a campanha.

Em 1965, Leary havia sido preso junto com a mulher e a filha por porte de pequena quantidade de maconha na fronteira com o México e condenado a trinta anos de prisão e, em 1970, após nova apreensão e recusa de recursos, é encarcerado. Após alguns meses, foge espetacularmente e exila-se na Argélia, onde se reúne com o líder pantera negra, também lá exilado, Eldridge Cleaver, renega o pacifismo e torna-se um revolucionário psicodélico. Em 1973, é preso no Afeganistão e levado para os Estados Unidos, onde colabora com a polícia, denunciando antigos companheiros. Devido ao fato de Leary aceitar capitular, no que se torna conhecido como o “Watergate hippie”, o movimento contracultural convoca uma conferência chamada de “PILL” (People Against Leary Lies). Em 1976, Leary é solto por “bom comportamento”. Nesse mesmo ano, tornam-se públicos os documentos relativos às experiências secretas da CIA com LSD, que resultaram na morte, por suicídio, de um de seus agentes, Frank Olson, em 1953. Após escrever sua autobiografia, Flashbacks, Timothy Leary dedica seus últimos anos à exaltação da Internet, constituindo-se num internauta anunciador da alteração de consciência através da realidade virtual, estado de todas as imponderabilidades.

De Woodstock à chacina de Charles Manson, a divulgação de bad trips e a proibição criaram o clima paranóico que tornou as experiências lisérgicas influenciadas por expectativas negativas, condição que apenas multiplicou o número de casos de más viagens ofuscando a época idílica do flower power.

O uso religioso

O tema do uso de drogas ligado às religiões já fora motivo de debate nos Estados Unidos com a organização da Igreja Nativa do Peyote, no início do século XX, estudada em profundidade pelo antropólogo Weston La Barre, nos anos 1930. Quando surgiu o movimento psicodélico dos anos 1960, capitaneado por Leary, argumentou-se novamente que o uso dos psicodélicos era um direito religioso. Mais ainda: Leary teorizou que um dos efeitos específicos produzido por essas drogas era a devoção. Pesquisas como as realizadas pelo psiquiatra Oscar Janinger e pelo psicólogo William McGlothlim com centenas de pacientes, mostravam que em 75% dos casos ocorriam intensas e transformadoras experiências religiosas, o que levou muitos a acreditarem que o LSD e outras substâncias eram um sacramento e a proporem, como Leary, que cada um formasse a sua própria religião fazendo a experiência da revelação lisérgica.

Richard Gordon Wasson, norte-americano, conheceu sua esposa Valentina, médica russa, em 1921. Em agosto de 1927, casados e residindo nos Estados Unidos, ao passarem a lua de mel nas montanhas Catskills, descobriram uma notável diferença cultural entre eles: ela adorava colher cogumelos e prepará-los em diversos pratos e ele simplesmente não podia conceber que se comessem coisas tão nojentas e perigosas. Essa diferença na valorização dos cogumelos, que eles denominaram de micofobia oumicofilia, levaria-os a uma verdadeira obsessão durante toda a vida: estudar os cogumelos em todo o mundo.

Em 1949, Valentina telefonou para Robert Graves, escritor britânico, autor de uma autobiografia ficcional do imperador Cláudio, para indagar-lhe sobre o último prato de cogumelos de Cláudio, que supostamente teriam sido envenenados por sua mulher, Agripina. De fato, há ao menos três tipos de Amanita bem distintos: Amanita muscaria é o alucinógeno; Amanita caesarea é um tipo comestível muito apreciado pelos imperadores; e, finalmente, o Amanita phalloides é um terrível e poderoso veneno de efeito retardado. O suco deste último teria sido posto num Amanita caesarea para Cláudio.

Três anos depois, Graves enviou aos Wasson uma notícia sobre a descoberta de um culto dos cogumelos no México pelo botânico Richard Evans Schultes, que teria estado já em duas ocasiões na região mazateca, em 1938 e 1939, e obtido amostras de cogumelo. Gordon e Valentina passaram a viajar para o México e, na sua terceira visita, em 1955, conheceram Maria Sabina, e foram os primeiros ocidentais a participarem da cerimônia secreta dos cogumelos. Valentina morreu em 1958, logo depois que publicaram seu primeiro livro: Mushrooms, Russia and History. Gordon Wasson aposentou-se da vicepresidência do banco Morgan e dedicou-se ao estudo dos cogumelos. Foi uma dezena de anos seguidos ao México, levou os cogumelos, por intermédio do micólogo Roger Heim, para Albert Hoffman, o qual, após isolar os princípios ativos, denominou-os psilocibina e psilocina (do grego psilo, “careca”, e cybe, “cabeça”). Em 1962, Hoffman acompanhou Gordon Wasson numa viagem ao México e levaram um frasco de pílulas de psilocibina para Maria Sabina, que as usou numa sessão noturna com a presença de ambos.

Se nos anos 1950 o centro da pesquisa de Wasson concentrou-se em torno do cogumelo psilocybe, nos anos 1960 ele se deslocou para a ìndia e a questão da identificação da planta sagrada dos Vedas, o Soma, que para Wasson teria sido o Amanita Muscaria.

As obras de Gordon Wasson não apenas chocaram os especialistas de diferentes áreas de erudição acadêmica como causaram um enorme impacto, pois, pela primeira vez, se apresentava uma tese global justificada com sérias investigações que afirmava a ligação indissolúvel entre droga e religião. Em 1938, Weston La Barre, ao estudar o culto do peiote, já havia argumentado em prol da idéia de uma “religião-UR”, mas a descoberta do culto dos cogumelos generalizava essa hipótese. A comprovação da permanência do uso dos cogumelos sagrados do México levou Wasson para uma investigação exaustiva de todos os usos de cogumelos e outros enteógenos através do mundo. Os Mistérios de Elêusis, o xamanismo siberiano, os magos persas e os invasores arianos da Índia foram alguns dos utilizadores das bebidas sagradas que foram investigados por Wasson, e uma equipe de pesquisadores que durante muitos anos buscou evidências do uso das plantas alucinógenas nos ritos destes cultos. A partir do uso boreal do cogumelo siberiano Amanita Muscaria, Wasson desenvolveu a tese de uma proto-religião baseada no uso dos cogumelos que teria se propagado com as invasões indo-arianas, nas formas do soma hindu e do haoma persa. O cristianismo, no entanto, elevou o vinho à condição de única droga sagrada e baniu todas as demais, proibindo o ópio, os ritos de Elêusis, os usos de plantas curativas pelos camponeses e as práticas vegetais de todos os paganismos. Tal restrição proscritiva a certas plantas se inscreve até mesmo na mitologia teogônica do Gênesis com as árvores dos frutos proibidos.

A liberdade de religião se tornou, no segundo pós-guerra, a bandeira democrática com a qual diversos movimentos buscaram legitimar o seu uso religioso de diferentes plantas. Um primeiro exemplo foi o da Igreja Nativa do Peiote nos Estados Unidos, mas foi particularmente o movimento psicodélico dos anos 1960, liderado por Timothy Leary, que transformou a defesa do direito de uso de drogas por razões religiosas numa causa popular, inicialmente nos Estados Unidos, mas com repercussões internacionais.

Terence Mckenna

A partir do final dos anos 1970, o interesse renovado pelos saberes vegetalistas indígenas, especialmente na Amazônia, culminou na ampliação do campo de estudos da etnobotânica, e levou muitos autores, como Terence McKenna, por exemplo, a retomarem a tese de Gordon Wasson de uma proto-religião xamânica enteógena como inspiração para um neo-xamanismo como retorno da cultura arcaica.

A expansão no Brasil de religiões usuárias da ayahuasca, como o Santo Daime e a União do Vegetal, também trouxe um renovado interesse no estudo, especialmente antropológico, desse fenômeno, cujos únicos paralelos são a Igreja Nativa do Peiote, nos Estados Unidos, e o culto Buiti, da iboga, no Gabão.

O renascimento neo-psicodélico desde os anos 1980

Nas últimas décadas do século XX, ocorreu uma retomada internacional dos temas do psicodelismo dos anos 1960. O xamanismo, a etnobotânica, as religiões enteógenas e a onda das raves trouxeram um renovado interesse pelas formas de alteração química da consciência.

Nos anos 1980, com o uso do MDMA, conhecido como ecstasy, refleresceram diversas experiências terapêuticas psicodélicas até a decretação da sua proibição legal, adotada a partir de 1986. O mais representativo dos pesquisadores científicos dessa época é o químico e farmacologista Alexander Shulgin. Seus livros PIHKAL (Phenethylamines I Have Know and Loved) A chemical love story (1991) e TIHKAL (Tryptamines I Have Know and Loved) The continuation (1997), escritos em parceria com sua esposa Ann, são uma verdadeira síntese das repercussões da pesquisa científica com drogas psicoquímicas, resumem o que há de mais avançado na pesquisa psicofarmacológica dos psicodélicos e produzem um relato auto-biográfico intimista entretecido com as fantásticas imbricações da guerra contra as drogas nas últimas décadas. Ambos os livros contêm, na sua metade final, uma parte destinada aos farmacoquímicos, onde se reproduzem as fórmulas, receitas e descrições dos efeitos de mais de quatrocentas novas drogas.

A síntese que realiza Alexander Shulgin é, antes de tudo, a do laboratório. Ele é um importante cientista no ramo da psicofarmacologia, tendo trabalhado anos para um grande laboratório, montou um laboratório particular onde se dedicou à pesquisa dos psicodélicos e inventou cerca de duzentas novas drogas por ele testadas junto a um grupo de amigos psiconautas. Constatou que essas drogas de dividem em dois grande grupos: o das fenetilaminas e o das triptaminas. Ao primeiro pertencem a mescalina e as novas moléculas derivadas da manipulação do seu anel molecular para se tornarem diferentes meta-anfetaminas psicodélicas, da qual a mais popular se tornou o chamado ecstasy (MDMA). Ao segundo pertencem o LSD, a DMT e a psilocibina. Cada um dos seus livros é dedicado a um dos grupos: PIHKAL, às fenetilaminas (daí o seu título: “Fenetilaminas que eu conheci e amei”), e TIHKAL, às triptaminas.

Ao fornecer ao grande público as fórmulas das drogas proibidas, Shulgin adotou uma postura política que teve como consequências a perseguição e a cassação de seu laboratório pela DEA (Drug Enforcement Agency). Durante anos, Shulgin havia trabalhado no programa de pesquisas com drogas na NASA, enquanto o governo norte-americano proibia internacionalmente a liberdade de pesquisa acadêmica sobre as substâncias psicodélicas, com a exceção dos laboratórios da CIA e do exército norte-americano. Apesar das legislações que incluíram o LSD, assim como todos os demais psicodélicos, no terreno das drogas proibidas, até mesmo para experimentação acadêmica e científica, criando no final do século XX, uma guerra contra as drogas que assume dimensões inquisitoriais, houve uma continuidade no interesse e nas investigações sobre tais substâncias.

As pesquisas psicoterapêuticas, cognitivas, estéticas, entre outras, que existiam com grande atividade, foram limitadas a uma verdadeira semi-clandestinidade. Alexander Shulgin foi praticante de uma metodologia revolucionária. Ao contrário de outros cientistas estudiosos dos psicodélicos, como o ex-nazista Strughold, ele se filia à tradição libertária norte-americana, ao movimento anti-establishment dos anos 1960. Diferentemente do ativismo psicodélico, não se dedicou, no entanto,a nenhum proselitismo, mas se tornou um pesquisador de vanguarda numa área oficialmente proibida até mesmo para fim de estudos científicos. O livro PIHKAL é o resumo de trinta anos de trabalho de laboratório e apresenta a lista de 179 fenetilaminas, com os procedimentos para a síntese química, as dosagens, a duração, comentário qualitativo e extensão dos comentários. É uma verdadeira “história natural da química da mente”, uma taxonomia das fenetilaminas que correspondem cada uma a um estímulo específico de uma atividade psíquica, de um “caminho cerebral” (brain pathway), que são descritas em seus efeitos subjetivos específicos a partir de uma experimentação dirigida.

Alexander Shulgin

A obra de Shulgin contribui para os campos científicos da psicofarmacologia e da neurologia. Além da perspectiva farmacológica, de suas técnicas e receitas de sínteses, e da perspectiva neurobiológica que pode, a partir da localização dos mecanismos de ação destes compostos químicos, localizar e compreender também os processos naturais dos neurotransmissores, há uma contribuição metodológica de Shulgin que é revolucionária do ponto de vista científico e político ao estabelecer uma indagação sobre o direito do Estado em intervir no terreno da jurisdição química da mente acima da pesquisa científica. Seu desafio é epistemológico, exigindo, como Galileu, que todos os instrumentos da ciência sejam utilizados, em particular esses telescópios químicos interiores que quanto mais se aperfeiçoam, mais permanecem inacessíveis como “psicoscópios” indexados como substâncias proibidas, mas seu gesto também é corajosamente político num momento em que a demonização das drogas e o pânico moral construído em torno delas o torna alvo de uma perseguição governamental que invadiu sua casa e o multou em milhares de dólares após a publicação destes livros.

A metodologia de Shulgin, controle experimental voluntário dos efeitos subjetivos de novos fármacos, por ele mesmo sintetizados, produziu um dos mais vastos corpora de dados científicos relativos às fenetilaminas e às triptaminas. Durante um período nos anos 1980, o MDMA foi usado livremente por médicos e psicólogos, nos mais diversos tratamentos, com amplo sucesso, e até mesmo exaltado como “droga do amor”, por sua qualidade de intensificar a empatia humana, ou seja, muito mais do que um suposto “afrodisíaco”, ele intensificaria a dimensão afetiva das interações humanas.

Num mundo em que o sucesso comercial de “Viagras” e “Prozacs” esconde uma proibição injustificável de outras substâncias de uma utilidade e de um campo de aplicações vastíssimo, é preciso um esclarecimento das manipulações políticas e comerciais que impedem um uso mais adequado do imenso e maravilhoso arsenal que a farmacoquímica coloca ao alcance da humanidade. A dieta psicoquímica deveria ser encarada da mesma forma que a dieta alimentar. Tal distinção é puramente cultural, e a busca do bem-estar e de estados mentais atrativos constitui formas diferenciadas do consumo sensorial e de seus rituais. Tanto uma dieta alimentar como psicoquímica inadequada podem ser perniciosas e daninhas à saúde, aliás é exatamente o que ocorre na sociedade contemporânea em níveis alarmantes., As substâncias mais nocivas como o tabaco, o álcool ou os benzodiazepínicos são legais, enquanto que as antigas plantas de poder, veículos sagrados dos povos da terra e herança de um conhecimento botânico milenário, são proibidas. Seus princípios ativos, localizados pela análise química e depois sintetizados sem necessidade de matérias-primas vegetais pelo engenho da farmácia, sofrem proscrições e permanecem clandestinos até mesmo para os usos médicos. Após um século e meio de história da odisséia psiconáutica, o saber e o poder desses fármacos extraordinários ainda são perseguidos e ocultados.

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11:11, Discos voadores, Sincronicidade…

Vejo em muitos lugares, várias teorias à respeito do significado desses fenômenos, desde as que dizem que nada tá acontecendo até as que afirmam que estamos sendo vigiados por alienígenas oriundos de planetas distantes. Sinceramente tendo a não crer em nenhuma delas. E não que eu considere tais coisas impossíveis; mas pelo contrário, acho que nesses terrenos absolutamente tudo é possível, e por isso mesmo devemos olhar tais coisas com o máximo de lucidez.

Quando somos surpreendidos por esses fenômenos , geralmente a primeira coisa q fazemos é nos perguntar: “O que é isso?”. A resposta pra essa pergunta é um leque aberto de infinitas possibilidades, e acabamos muitas vezes por ficar perdidos no meio de todo tipo de devaneios, e vulneráveis à todo tipo de maluquice e oportunismo. Nós tendemos a acreditar que a nossa interpretação última das coisas é a explicação total e definitiva sobre a realidade, o que eu considero um engano. É realmente muito confortável saber que sabemos alguma coisa. Mas o preço do conforto é a limitação

A forma de pensar que eu acho mais útil pra abordar esses fenômenos “sobrenaturais”, por assim dizer, é deixando um pouco de lado o questionamento sobre “o que podem ser” essas coisas; reconhecendo-se que algo está acontecendo mas que não podemos ter certeza absoluta sobre o que exatamente está acontecendo. Proponho, assim como alguns pesquisadores já propuseram, que nos concentremos totalmente na questão sobre o que essas coisas estão fazendo, ou o que parecem estar fazendo.

Sei que pra muitas pessoas, essa forma de pensar pode ser extremamente desconfortável, pois significa jogar no lixo crenças cuidadosamente cultivadas. Ficam com a sensação de “E agora?”, ecoando em um vazio de todas as possibilidades em potencial, e não sabem como reagir à isso. Então se apegam rapidamente à mais próxima e conveniente possibilidade. E assim o jogo continua…..

Já deu pra perceber que eu proponho uma certa dose de ceticismo ao analisar essas coisas. Não o ceticismo de quem não acredita em nada, mas o ceticismo daqueles que valorizam e se baseiam em experiências pessoais. Acredito que só poderemos lançar uma luz verdadeira sobre essas coisas quando nos colocarmos na nossa posição diante disso, e construirmos nosso alicerce baseado em experiências. Em outras palavras, colocar a experiência direta como base, na frente de qualquer dogma. Caso contrário ficaremos andando em círculos, como o cachorro que corre atrás do próprio rabo. E assim 11:11s, discos voadores e afins continuarão passando pela nossa vida inexplicavelmente, como que ironizando nossa própria infantilidade e ignorância. E nós, continuaremos explicando pra nós mesmos da forma que nos for conveniente no momento. E não que eu ache isso errado, apenas vejo como parte do jogo.

Pode-se jogar eternamente, as possibilidades desse jogo são infinitas e irão entretê-lo o suficiente durante o tempo que você quiser. Mas se você cansar do jogo, e quiser ver o que realmente está por trás dele, então vc deve transcender o jogo. É nesse sentido que eu proponho uma diferente forma de pensar.

Eu acho que é aí que está a chave, pois sob um ponto de vista abrangente, o que todos esses fenômenos parecem fazer é desafiar brutalmente as suposições e presunções da humanidade em relação ao que é a realidade. Pegando como exemplo a “Ciência”, nossa entidade oficial no quesito de explicar a realidade; então pergunte a um cientista do tipo “ortodoxo” qual é a explicação científica para a sincronicidade do número 11, que permeia atualmente a vida de pelo menos muitas pessoas, com uma freqüência absolutamente incomum. Ele lhe diria que isso é um engano, uma ilusão, um mero “acaso”. Lhe diria que o fenômeno é inconcebível para a “Ciência”. No entanto as pessoas experimentam isso, e nós sabemos. É um fato. A mesma coisa ocorre com os discos voadores., fenômenos de mesma natureza, na minha opinião.

O que esses fenômenos parecem estar fazendo, é simplesmente nos mostrar que há algo além do “jogo” que tem sido ignorado há muito tempo por nós; algo que pode ser muito mais estranho e bizarro do que qualquer coisa que nós pudermos imaginar. Nenhuma explicação, seja esotérica ou científica, clareia o fato simplesmente porque tudo isso também faz parte do jogo, e sendo assim, nada poderá dizer sobre o além-jogo.

O que eu chamo de “jogo” são simplesmente nossas concepções estritamente humanas sobre a realidade. E o que eu defendo é que esses fenômenos vieram exatamente pra quebrar essas fronteiras que nós mesmos criamos a partir de nossas próprias suposições. Nos tornamos humanos demais, e assim nos fechamos à todo o Universo não-humano. Os discos voadores nos mostram isso brilhantemente, introduzindo nas nossas mentes a idéia de que podemos estar dividindo o planeta com alienígenas inteligentes. Simplesmente aceitar isso como possibilidade já é um grande passo, principalmente se relembrarmos nossa estrutura mental de uns 50 anos atrás, por exemplo.

Estamos começando a perceber que nessa vida tudo é possível, e que passamos tempo demais adormecidos em relação à isso. Realmente não importa se são E.Ts ou qualquer outra coisa, o que realmente importa é a consciência de que existe de fato um nexo interdimensional no Universo, no qual estamos incluídos.

Eu acredito que toda a repressão causada pelos sistemas de controle, o regime paternalista, cultura dominadora, reducionismo científico, etc..Tudo isso ao longo dos milênios da nossa existência nesse planeta gerou um acúmulo de energias reprimidas em nosso inconsciente, que em ponto crítico começam a “explodir” – e atualmente com cada vez mais freqüência -, vindo à tona na forma de sincronicidades e fenômenos tidos por nós como “sobrenaturais”, mas que nada mais são do que o campo gerado por nós mesmos, nos convidando, e praticamente nos intimando a uma inteiramente nova visão sobre a realidade. O momento é agora, e há evidências disso por todo lado.

Rupert Sheldrake e os Campos Morfogenéticos

Ressonância mórfica: A teoria do centésimo macaco

Na biologia, surge uma nova hipótese que promete revolucionar toda a ciência

Por José Tadeu Arantes,
ilustrações Dawidson França

*Matéria publicada originalmente em http://galileu.globo.com/edic/91/conhecimento1.htm
Era uma vez duas ilhas tropicais, habitadas pela mesma espécie de macaco, mas sem qualquer contato perceptível entre si. Depois de várias tentativas e erros, um esperto símio da ilha “A” descobre uma maneira engenhosa de quebrar cocos, que lhe permite aproveitar melhor a água e a polpa. Ninguém jamais havia quebrado cocos dessa forma. Por imitação, o procedimento rapidamente se difunde entre os seus companheiros e logo uma população crítica de 99 macacos domina a nova metodologia. Quando o centésimo símio da ilha “A” aprende a técnica recém-descoberta, os macacos da ilha “B” começam espontaneamente a quebrar cocos da mesma maneira.

Não houve nenhuma comunicação convencional entre as duas populações: o conhecimento simplesmente se incorporou aos hábitos da espécie. Este é uma história fictícia, não um relato verdadeiro. Numa versão alternativa, em vez de quebrarem cocos, os macacos aprendem a lavar raízes antes de comê-las. De um modo ou de outro, porém, ela ilustra uma das mais ousadas e instigantes idéias científicas da atualidade: a hipótese dos “campos mórficos”, proposta pelo biólogo inglês Rupert Sheldrake. Segundo o cientista, os campos mórficos são estruturas que se estendem no espaço-tempo e moldam a forma e o comportamento de todos os sistemas do mundo material.

Átomos, moléculas, cristais, organelas, células, tecidos, órgãos, organismos, sociedades, ecossistemas, sistemas planetários, sistemas solares, galáxias: cada uma dessas entidades estaria associada a um campo mórfico específico. São eles que fazem com que um sistema seja um sistema, isto é, uma totalidade articulada e não um mero ajuntamento de partes.

Sua atuação é semelhante à dos campos magnéticos, da física. Quando colocamos uma folha de papel sobre um ímã e espalhamos pó de ferro em cima dela, os grânulos metálicos distribuem-se ao longo de linhas geometricamente precisas. Isso acontece porque o campo magnético do ímã afeta toda a região à sua volta. Não podemos percebê-lo diretamente, mas somos capazes de detectar sua presença por meio do efeito que ele produz, direcionando as partículas de ferro. De modo parecido, os campos mórficos distribuem-se imperceptivelmente pelo espaço-tempo, conectando todos os sistemas individuais que a eles estão associados.
A analogia termina aqui, porém. Porque, ao contrário dos campos físicos, os campos mórficos de Sheldrake não envolvem transmissão de energia. Por isso, sua intensidade não decai com o quadrado da distância, como ocorre, por exemplo, com os campos gravitacional e eletromagnético. O que se transmite através deles é pura informação. É isso que nos mostra o exemplo dos macacos. Nele, o conhecimento adquirido por um conjunto de indivíduos agrega-se ao patrimônio coletivo, provocando um acréscimo de consciência que passa a ser compartilhado por toda a espécie.

Até os cristais
Oprocesso responsável por essa coletivização da informação foi batizado por Sheldrake com o nome de “ressonância mórfica”. Por meio dela, as informações se propagam no interior do campo mórfico, alimentando uma espécie de memória coletiva. Em nosso exemplo, a ressonância mórfica entre macacos da mesma espécie teria feito com que a nova técnica de quebrar cocos chegasse à ilha “B”, sem que para isso fosse utilizado qualquer meio usual de transmissão de informações.

Parece telepatia. Mas não é. Porque, tal como a conhecemos, a telepatia é uma atividade mental superior, focalizada e intencional que relaciona dois ou mais indivíduos da espécie humana. A ressonância mórfica, ao contrário, é um processo básico, difuso e não-intencional que articula coletividades de qualquer tipo. Sheldrake apresenta um exemplo desconcer- tante dessa propriedade.

Quando uma nova substância química é sintetizada em laboratório – diz ele -, não existe nenhum precedente que determine a maneira exata de como ela deverá cristalizar-se. Dependendo das características da molécula, várias formas de cristalização são possíveis. Por acaso ou pela intervenção de fatores puramente circunstanciais, uma dessas possibilidades se efetiva e a substância segue um padrão determinado de cristalização. Uma vez que isso ocorra, porém, um novo campo mórfico passa a existir. A partir de então, a ressonância mórfica gerada pelos primeiros cristais faz com que a ocorrência do mesmo padrão de cristalização se torne mais provável em qualquer laboratório do mundo. E quanto mais vezes ele se efetivar, maior será a probabilidade de que aconteça novamente em experimentos futuros.
Com afirmações como essa, não espanta que a hipótese de Sheldrake tenha causado tanta polêmica. Em 1981, quando ele publicou seu primeiro livro, A New Science of Life (Uma nova ciência da vida), a obra foi recebida de maneira diametralmente oposta pelas duas principais revistas científicas da Inglaterra. Enquanto a New Scientist elogiava o trabalho como “uma importante pesquisa científica”, a Nature o considerava “o melhor candidato à fogueira em muitos anos”.

Doutor em biologia pela tradicional Universidade de Cambridge e dono de uma larga experiência de vida, Sheldrake já era, então, suficientemente seguro de si para não se deixar destruir pelas críticas. Ele sabia muito bem que suas idéias heterodoxas não seriam aceitas com facilidade pela comunidade científica. Anos antes, havia experimentado uma pequena amostra disso, quando, na condição de pesquisador da Universidade de Cambridge e da Royal Society, lhe ocorreu pela primeira vez a hipótese dos campos mórficos. A idéia foi assimilada com entusiasmo por filósofos de mente aberta, mas Sheldrake virou motivo de gozação entre seus colegas biólogos. Cada vez que dizia alguma coisa do tipo “eu preciso telefonar”, eles retrucavam com um “telefonar para quê? Comunique-se por ressonância mórfica”.

Era uma brincadeira amistosa, mas traduzia o desconforto da comunidade científica diante de uma hipótese que trombava de frente com a visão de mundo dominante. Afinal, a corrente majoritária da biologia vangloriava-se de reduzir a atividade dos organismos vivos à mera interação físico-química entre moléculas e fazia do DNA uma resposta para todos os mistérios da vida. A realidade, porém, é exuberante demais para caber na saia justa do figurino reducionista.

Exemplo disso é o processo de diferenciação e especialização celular que caracteriza o desenvolvimento embrionário. Como explicar que um aglomerado de células absolutamente iguais, dotadas do mesmo patrimônio genético, dê origem a um organismo complexo, no qual órgãos diferentes e especializados se formam, com precisão milimétrica, no lugar certo e no momento adequado?

A biologia reducionista diz que isso se deve à ativação ou inativação de genes específicos e que tal fato depende das interações de cada célula com sua vizinhança (entendendo-se por vizinhança as outras células do aglomerado e o meio ambiente). É preciso estar completamente entorpecido por um sistema de crenças para engolir uma “explicação” dessas. Como é que interações entre partes vizinhas, sujeitas a tantos fatores casuais ou acidentais, podem produzir um resultado de conjunto tão exato e previsível? Com todos os defeitos que possa ter, a hipótese dos campos mórficos é bem mais plausível. Uma estrutura espaço-temporal desse tipo direcionaria a diferenciação celular, fornecendo uma espécie de roteiro básico ou matriz para a ativação ou inativação dos genes.

Ação modesta
Abiologia reducionista transformou o DNA numa cartola de mágico, da qual é possível tirar qualquer coisa. Na vida real, porém, a atuação do DNA é bem mais modesta. O código genético nele inscrito coordena a síntese das proteínas, determinando a seqüência exata dos aminoácidos na construção dessas macromoléculas. Os genes ditam essa estrutura primária e ponto.
“A maneira como as proteínas se distribuem dentro das células, as células nos tecidos, os tecidos nos órgãos e os órgãos nos organismos não estão programadas no código genético”, afirma Sheldrake. “Dados os genes corretos, e portanto as proteínas adequadas, supõe-se que o organismo, de alguma maneira, se monte automaticamente. Isso é mais ou menos o mesmo que enviar, na ocasião certa, os materiais corretos para um local de construção e esperar que a casa se construa espontaneamente.”
A morfogênese, isto é, a modelagem formal de sistemas biológicos como as células, os tecidos, os órgãos e os organismos seria ditada por um tipo particular de campo mórfico: os chamados “campos morfogenéticos”. Se as proteínas correspondem ao material de construção, os “campos morfogenéticos” desempenham um papel semelhante ao da planta do edifício. Devemos ter claras, porém, as limitações dessa analogia. Porque a planta é um conjunto estático de informações, que só pode ser implementado pela força de trabalho dos operários envolvidos na construção. Os campos morfogenéticos, ao contrário, estão eles mesmos em permanente interação com os sistemas vivos e se transformam o tempo todo graças ao processo de ressonância mórfica.

Tanto quanto a diferenciação celular, a regeneração de organismos simples é um outro fenômeno que desafia a biologia reducionista e conspira a favor da hipótese dos campos morfogenéticos. Ela ocorre em espécies como a dos platelmintos, por exemplo. Se um animal desses for cortado em pedaços, cada parte se transforma num organismo completo.

Forma original
Como mostra a ilustração da página ao lado, o sucesso da operação independe da forma como o pequeno verme é seccionado. O paradigma científico mecanicista, herdado do filósofo francês René Descartes (1596-1650), capota desastrosamente diante de um caso assim. Porque Descartes concebia os animais como autômatos e uma máquina perde a integridade e deixa de funcionar se algumas de suas peças forem retiradas. Um organismo como o platelminto, ao contrário, parece estar associado a uma matriz invisível, que lhe permite regenerar sua forma original mesmo que partes importantes sejam removidas.

A hipótese dos campos morfogenéticos é bem anterior a Sheldrake, tendo surgido nas cabeças de vários biólogos durante a década de 20. O que Sheldrake fez foi generalizar essa idéia, elaborando o conceito mais amplo de campos mórficos, aplicável a todos os sistemas naturais e não apenas aos entes biológicos. Propôs também a existência do processo de ressonância mórfica, como princípio capaz de explicar o surgimento e a transformação dos campos mórficos. Não é difícil perceber os impactos que tal processo teria na vida humana. “Experimentos em psicologia mostram que é mais fácil aprender o que outras pessoas já aprenderam”, informa Sheldrake.

Ele mesmo vem fazendo interessantes experimentos nessa área. Um deles mostrou que uma figura oculta numa ilustração em alto constraste torna-se mais fácil de perceber depois de ter sido percebida por várias pessoas (veja o quadro na página ao lado). Isso foi verificado numa pesquisa realizada entre populações da Europa, das Américas e da África em 1983. Em duas ocasiões, os pesquisadores mostraram as ilustrações 1 e 2 a pessoas que não conheciam suas respectivas “soluções”. Entre uma enquete e outra, a figura 2 e sua “resposta” foram transmitidas pela TV. Verificou-se que o índice de acerto na segunda mostra subiu 76% para a ilustração 2, contra apenas 9% para a 1.

Aprendizado
Se for definitivamente comprovado que os conteúdos mentais se transmitem imperceptivelmente de pessoa a pessoa, essa propriedade terá aplicações óbvias no domínio da educação. “Métodos educacionais que realcem o processo de ressonância mórfica podem levar a uma notável aceleração do aprendizado”, conjectura Sheldrake. E essa possibilidade vem sendo testada na Ross School, uma escola experimental de Nova York dirigida pelo matemático e filósofo Ralph Abraham.

Outra conseqüência ocorreria no campo da psicologia. Teorias psicológicas como as de Carl Gustav Jung e Stanislav Grof, que enfatizam as dimensões coletivas ou transpessoais da psique, receberiam um notável reforço, em contraposição ao modelo reducionista de Sigmund Freud (leia o artigo “Nas fronteiras da consciência”, em Globo Ciência nº 32).

Sem excluir outros fatores, o processo de ressonância mórfica forneceria um novo e importante ingrediente para a compreensão de patologias coletivas, como o sadomasoquismo e os cultos da morbidez e da violência, que assumiram proporções epidêmicas no mundo contemporâneo, e poderia propiciar a criação de métodos mais efetivos de terapia.

“A ressonância mórfica tende a reforçar qualquer padrão repetitivo, seja ele bom ou mal”, afirmou Sheldrake a Galileu. “Por isso, cada um de nós é mais responsável do que imagina. Pois nossas ações podem influenciar os outros e serem repetidas”.

De todas as aplicações da ressonância mórfica, porém, as mais fantásticas insinuam-se no domínio da tecnologia. Computadores quânticos, cujo funcionamento comporta uma grande margem de indeterminação, seriam conectados por ressonância mórfica, produzindo sistemas em permanente transformação. “Isso poderia tornar-se uma das tecnologias dominantes do novo milênio”, entusiasma-se Sheldrake.

Sem nenhum contato entre si, macacos de uma ilha incorporam os conhecimentos desenvolvidos na outra.É os campos invisíveis comandariam
processos e atitudes: da formação do embrião aos modismos

O desenvolvimento do embrião (ao alto): a ciência reducionista não explica como é que células iguais formam órgãos tão diferentes. Nas outras imagens, a moda do piercing e da tatuagem e a febre do futebol, que toma conta do Brasil nas copas do mundo: comportamentos que poderiam ser influenciados pela ressonância mórfica

É mais fácil aprender o que já foi aprendido por outros:
a idéia que pode mudar o ensino
A regeneração do platelminto (no pé da página): um fenômeno que desafia a biologia mecanicista. Na outra imagem, uma aula no interior do Brasil: processo que pode estar sendo facilitado pelo ensino praticado
em qualquer parte do mundo

Descubra as figuras ocultas
Um experimento coordenado por Sheldrake mostrou que é mais fácil identificar uma figura oculta numa ilustração em alto contraste depois de ela já ter sido percebida por outras pessoas. O índice de acerto para a ilustração 2 cresceu 76% depois de ela ter sido transmitida pela televisão. O da ilustração 1, que não foi televisionada, subiu apenas 9%. A enquete foi realizada na Europa, nas Américas e na África e as pessoas entrevistadas não conheciam de antemão as “respostas”. As ilustrações 3 e 4, no pé da página, estão sendo publicadas atualmente na Internet pela revista espanh
ola El Mercurio. Quem quiser participar da pesquisa deve acessar o endereço http://www.mercurialis.com/ciencia/sheldrake/ introduccion.html

Abaixo, os melhores momentos da palestra de Rupert Sheldrake, intitulada “A mente ampliada” (que pode ser lida integralmente aqui):

*publicado originalmente em http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2007/06/campos_morfogeneticos.html

EXPERIMENTO DO CACHORRO

Deixe-me dar um exemplo do tipo de histórias que temos em nosso banco de dados, sobre um cachorro que sabe quando seu dono está chegando em casa. Essa é de uma pessoa no Havaí: “Meu cachorro Debby sempre fica esperando na porta uma meia hora antes de meu pai chegar em casa do trabalho. Como meu pai estava no exército, ele tinha um horário de trabalho muito irregular. Não fazia diferença se meu pai ligava antes, e uma época eu achei que o cachorro reagia à chamada telefónica, mas isso obviamente não era o caso, porque às vezes meu pai dizia que estava vindo para casa mais cedo, mas tinha que ficar até mais tarde. Às vezes ele nem telefonava. O cachorro nunca se enganava, portanto eu eliminei a teoria do telefone. Minha mãe foi a primeira pessoa que notou esse comportamento. Ela estava sempre preparando o jantar quando o cachorro ia para a porta. Se o cachorro não fosse até a porta, nós sabíamos que papai ia chegar mais tarde. Se ele chegasse tarde, o cachorro mesmo assim o esperava, mas só quando ele já estivesse no caminho de casa”.

Temos agora em nosso banco de dados cerca de 580 relatos de cachorros que fazem isso, e cerca de 300 relatos de gatos que fazem isso, com esse tipo de qualidades. O cético de carteirinha irá dizer “bem, é apenas uma rotina”, mas na maioria dos casos não é uma rotina (se fosse as pessoas nem notariam). O próximo argumento do cético de carteirinha é “bom, o que deve acontecer é que as pessoas da casa sabem quando o dono está vindo e com isso seu estado emocional muda, e o animal capta essa mudança através de deixas sutis”. Bem, é claro que isso é possível se as pessoas realmente prevêem que alguém está vindo para casa, seu estado emocional pode mudar, elas podem ficar excitadas ou talvez deprimidas e o animal pode captar essa mudança emocional e reagir a ela. Mas, em muitos dos casos, as pessoas na casa não sabem quando a outra está vindo para casa, é o animal que lhes diz, e não elas que dizem ao animal.

Quando eu estava discutindo esse assunto com Nicholas Humphrey, meu amigo cético disse: “bem, tudo isso ainda não elimina a possibilidade de que eles ouvem o barulho do motor do carro, um motor de carro familiar a 30, 40 quilômetros de distância”, e eu disse: “isso é obviamente impossível”. E ele: “pelo contrário, apenas demonstra como a audição dos cachorros é aguçada”. Foi essa discussão que levou à ideia de fazer um experimento. Eu disse: “OK, e se eles vierem para casa de táxi, ou no carro de um amigo, ou de trem, ou de bicicleta da estação em uma bicicleta emprestada, para que não haja sons familiares?” E ele disse: “nesse caso, o cachorro não reagiria”, e desde a publicação deste livro eu já descobri muitos cachorros, gatos e outros animais que fazem isso.

Telefonamos para pessoas escolhidas aleatoriamente usando técnicas padronizadas de amostragem e perguntamos se elas tinham animais. Dos donos de animais, havia mais donos de cachorros do que de gatos na maior parte das localidades. Perguntávamos: então “seu animal parece saber previamente quando um membro da família está vindo para casa?” Aproximadamente 50% dos donos de cachorro em todas as localidades disseram que sim – em Los Angeles foram mais de 60% – e podemos ver através desses resultados que os gatos em todas as localidades fazem isso menos que os cachorros.

Nos primeiros experimentos que foram feitos, pedíamos às pessoas que anotassem em um caderno o comportamento do cachorro, mas os céticos disseram: “bem, assim você tem uma tendência subjetiva”. Portanto, agora nós fazemos uma fita de vídeo de todos os experimentos. Temos uma câmera de vídeo em tripé, apontando para o lugar onde o cachorro ou o gato esperam pela pessoa que vem para casa. Há um controle de tempo na câmera e ela fica funcionando por horas. Então, temos horas de filme que irão mostrar se o cachorro ou o gato vão até a janela, e por quanto tempo ficam lá, um registro objetivo e perfeito. O que vou lhes mostrar é um vídeo de um desses experimentos que foi feito com um cachorro com que trabalhei principalmente na Inglaterra. O cachorro chama-se JT e o nome de sua dona é Pam. Quando Pam sai, ela deixa JT com seus pais, que vivem no apartamento ao lado do dela. Eles observaram há muitos anos que JT sempre ia para a janela quando Pam estava a caminho de casa, ou quase sempre. Esse experimento foi filmado profissionalmente pela televisão estatal austríaca, e foi filmado com duas câmeras, para que pudéssemos ver o cachorro e a pessoa que estava na rua ao mesmo tempo. E foi combinado que eles escolhessem as horas de sua vinda para casa de maneira aleatória, que nem ela mesma soubesse previamente, que ninguém soubesse previamente; e ela viria para casa de táxi, para eliminar a possibilidade de sons de carros familiares. Esse, portanto, é um experimento que foi realizado dentro dessas condições.

Na vida real, Pam não vem para casa em horas escolhidas aleatoriamente, e que ela própria desconheça previamente. Quando está no trabalho, ou quando sai para fazer compras ou visitar amigos, ela vem para casa em vários momentos diferentes, e nós monitoramos regularmente as horas em que ela volta, mais de 200 experimentos foram monitorados, temos dezenas deles em vídeo. O cachorro nem sempre reage, cerca de 85% das vezes JT realmente espera por ela quando ela está vindo para casa, cerca de 15% ele não o faz. Analisamos as ocasiões em que ele não faz, a maioria das vezes ocorreu quando a cadela do apartamento vizinho estava no cio. Isso mostra que JT pode se distrair. Isso também ocorreu algumas vezes quando havia visitas na casa ou outro cachorro, e algumas vezes sem nenhum motivo. De qualquer forma, JT normalmente reage quando Pam decide que vai para casa. No filme vê-se que ele não começa a reagir quando ela entra no táxi, e sim quando ela estava pronta para ir para casa. Na vida real ele não reage quando ela entra no carro para ir para casa, e sim quando ela começa a se despedir dos amigos e pensando “bem, vou-me embora”. Ele parece captar essa intenção dela. É bem verdade que JT vai até a janela ocasionalmente quando Pam não está a caminho de casa, normalmente porque vai latir para um gato que passa na rua ou está olhando alguma coisa que está acontecendo do lado de fora. Nesses gráficos incluímos todos esses casos, embora fique claro no vídeo que ele não está esperando, mas como os céticos dizem que, se você usar evidência seletiva isso demonstra que você inventou a coisa toda, não fizemos nenhuma seleção aqui. Às vezes há uns trechos barulhentos, quando ele vai até a janela de qualquer maneira, mas podemos ver que isso é a média de 12 ocasiões diferentes quando ela estava fora por mais de 3 horas. O tempo que ele está esperando na janela é maior quando ela está no caminho de casa do que quando ela não está. Vemos um pequeno aumento antes de ela ir para casa que, a meu ver, tem relação com esse efeito antecipatório.

JT está obviamente esperando por ela principalmente quando ela está no caminho de casa. O que é claro nesses gráficos é que JT não vai para a janela com mais frequência quanto mais tempo ela estiver fora. Ele obviamente está muito mais na janela aqui, quando ela está no caminho de volta, do que nos períodos correspondentes aqui. Esses efeitos têm uma enorme significância estatística. Vários tipos de análise mostram significâncias que vão mais além da escala de meu computador. Esses efeitos são do tipo p é menor que .00001.

Esses resultados foram amplamente publicados na Grã-Bretanha, nos jornais, e – é claro – foram criticados pelos céticos, que estão sempre prontos para dizer que nada semelhante poderia ocorrer. Um dos céticos mais ativos na Grã-Bretanha, cujo nome é Richard Wiseman, disse que eu não tinha usado procedimentos adequados, não os tinha registrado de forma adequada, etc. Eu fiz também muitos experimentos com horas de retorno aleatórias. Pam tem umpager em seu bolso que eu ativei por telefone de Londres e ela vem para casa em momentos verdadeiramente aleatórios, usando um desses pagers da telecom. De qualquer forma, ele criticou os detalhes, então eu disse: “Tudo bem, por que você mesmo não faz o experimento? Eu organizo tudo para que você possa fazê-lo com o mesmo cachorro. Emprestamos uma câmera de vídeo, Pam irá onde você quiser, o seu ajudante ficará observando-a”. Na verdade, então, o próprio Wiseman filmou o cachorro e ficou no apartamento dos pais da Pam, enquanto seu ajudante ia com a Pam para pubs, ou outros lugares, até que em um momento determinado aleatoriamente fosse decidido que eles voltariam para casa. Eles checavam o tempo todo para garantir que não haveria chamadas telefônicas secretas, nenhum meio de comunicação invisível, nenhuma fraude ou trapaça.

Wiseman é um mágico, e ele é um desses céticos que está sempre afirmando que tudo pode ser feito por trapaça ou ilusionismo. Bem, ele mesmo esteve lá, e eles estavam se protegendo de tudo, e ele realizou três experimentos com Pam na casa de seus pais, e esses foram os resultados dos três experimentos que ele fez, usando todos seus controles rigorosíssimos, seu próprio procedimento aleatório, e outras coisas mais (os resultados são exatamente iguais aos outros; o público ri). Portanto, esses resultados são sólidos, mesmo com um cético, que ao fazer o experimento na verdade não quer que ele dê certo. Atualmente realizo uma série de experimentos em Santa Cruz, Califórnia, com um tipo de periquito italiano que mostra o mesmo tipo de reação: eles guincham quando o dono está vindo para casa, e obtemos quase o mesmo tipo de gráficos, mostrando que os guinchos vão aumentando de intensidade quando o dono está a caminho de casa em horas aleatórias.

Um cão e um ser humano, quando formam uma união entre eles, são parte de um grupo social. Os cães são animais intensamente sociais, eles descendem dos lobos que têm uma vida social intensa. Portanto, eu acho que o que ocorre quando uma pessoa sai de casa, é que ela ainda continua conectada pelo campo mórfico da família, do qual o cão é parte. O campo mórfico se estica, por assim dizer, mas eles ainda estão ligados por esse campo mórfico, e é devido a essa conexão contínua invisível que a informação pode viajar, as intenções da pessoa podem afetar o cachorro em casa.

Portanto, eu interpreto tudo isso em termos de campos mórfícos. É claro, outras pessoas podem querer interpretá-lo em termos de outras coisas, e pode ser que isso esteja relacionado com a não-localidade quântica, ninguém sabe. Existem na física quântica, fenômenos não-locais misteriosos, sistemas que foram conectados como parte do mesmo sistema, e quando são separados retêm essa conexão não-local e não separável à distância. Bem, uma pessoa e um cachorro, que estiveram conectados por terem vivido juntos como companheiros, quando se separam podem ter uma conexão não-local semelhante. Mas ninguém sabe se essa não-localidade quântica se estende aos fenômenos macroscópicos ou não.

MEMÓRIA COLETIVA

Acho que esses campos têm uma espécie de memória, essa é minha ideia de ressonância mórfíca, o que significa que cada tipo de campo mórfico tem uma memória de sistemas passados semelhantes, por meio de um processo de ressonância através do espaço e do tempo. Os campos são locais, estão dentro e ao redor do sistema que eles organizam, mas sistemas semelhantes têm uma influência não-local através do espaço e do tempo, oriunda da ressonância mórfíca, que dá uma memória coletiva para cada espécie. Não tenho tempo de explicar os detalhes da teoria da ressonância mórfíca, a não ser para dizer que cada espécie neste planeta teria uma memória coletiva. Todos os ratos extrairiam memórias da memória coletiva de ratos anteriores. Se ratos aprenderem um novo truque no laboratório, outros ratos em outros locais deveriam ser capazes de aprender o mesmo truque mais rapidamente. Haja evidência, que eu discuti em meus livros, de que isso realmente ocorre.

No reino humano, se as pessoas aprendem uma nova habilidade, como windsurf, ou andar de skate, ou programação de computador, o fato de que muitas pessoas já aprenderam a mesma coisa deveria fazer com que fosse mais fácil para os outros aprenderem. Bem, essa é uma teoria que, claramente, é muito polêmica, e eu a descrevi em detalhe em meus livros A new science of life e A presença do passado. Já houve um número considerável de testes experimentais, e quando um número grande de pessoas está envolvida, eles dão resultados positivos; com uma amostra pequena (20, 30 pessoas) aprendendo algo novo, os resultados são às vezes positivos e às vezes não significativos. Esses efeitos são relativamente pequenos e difíceis de detectar no contexto de variações individuais. Mas há certos tipos de evidência que surgiram espontaneamente, que são relevantes aqui, e um deles está relacionado com testes de QI. Como vocês sabem, os testes padrão de QI vêm sendo ministrados por muitos anos para medir a inteligência e esses mesmos testes são aplicados ano após ano. Foram feitos estudos para examinar a contagem de testes de QI no decorrer do tempo; quando examinamos o desempenho absoluto nesses testes – e aqui estamos falando de testes feitos por milhões de pessoas – os testes mostram um efeito muito interessante que foi descoberto pela primeira vez por James Flynn, e portanto é chamado de Efeito Flynn: há um aumento misterioso e inesperado nas porcentagens do QI com o correr do tempo. Aqui temos um gráfico mostrando resultados de testes de QI, tirado de um número recente da revista Scientific American. As porcentagens aumentaram uns três por cento a cada década, não só nos Estados Unidos, mas também na Inglaterra, na Alemanha e na França. Por que o QI é uma questão polêmica na psicologia, tem havido muita discussão sobre a razão pela qual isso aconteceu: melhor nutrição, escolas melhores, mais experiência com os testes, e assim por diante. Mas nenhuma dessas teorias foi capaz de explicar mais do que uma fração desse efeito. O próprio Flynn, após 10 anos pensando sobre isso, e testando todas essas explicações, chegou à conclusão que o efeito é desconcertante, não há explicação para ele na ciência convencional. No entanto, é apenas o tipo de efeito que seria de se esperar com a ressonância mórfíca. Não é porque as pessoas estão realmente ficando mais inteligentes, mas o que está acontecendo é que elas simplesmente estão mais eficientes quando fazem os testes de QI, e eu acho que isso ocorre porque milhões de pessoas já fizeram os mesmos testes.

CRISTAIS

Se você fizer um novo cristal que nunca existiu antes, não poderia existir um campo mórfico para esse cristal. Essa teoria se aplica também a moléculas. Se você a cristalizar repetidamente, o campo mórfico ficará mais forte, e ficaria mais fácil para a substância se cristalizar. Na verdade isso é um fato bem conhecido dos químicos, que os novos compostos se cristalizam com mais facilidade com o passar do tempo nos vários laboratórios. A explicação desses químicos é que isso ocorre porque fragmentos dos cristais anteriores são levados de um laboratório para o outro, nas barbas de químicos migrantes, ou que foram transportados da atmosfera como partículas invisíveis de poeira. Mas eu estou sugerindo que isso poderia ser um efeito da ressonância mórfica e essa é uma das áreas em que ela pode ser testada. Na química existem também outras áreas onde ela pode ser testada.

O UNIVERSO E OS ANJOS

Átomos, moléculas, cristais, organelas, células, tecidos, órgãos, organismos, sociedades, ecossistemas, sistemas planetários, sistemas solares, galáxias: cada uma dessas entidades estaria associada a um campo mórfogenético específico. São eles que fazem com que um sistema seja um sistema, isto é, uma totalidade articulada e não um mero ajuntamento de partes.

Se, através da teoria de Gaya, estamos passando a enxergar a Terra como um organismo vivo, então será que a Terra pensa? Será que ela poderia ser consciente? E o Sol? Todas as religiões tradicionais tratam o Sol como sendo consciente. É um deus (Hélios), na religião grega. Mitra, na Pérsia. Surya, na Índia, onde seus devotos o saúdam pela manhã, através de um exercício de yoga chamado Surya namaskar. Portanto, estas são tradições que existem em todas as partes, mas, é claro, para nós, com uma estrutura científica, o Sol é apenas uma grande explosão nuclear do tipo que ocorre o tempo todo emitindo radiação.

O Sol, sabemos hoje em dia, tem uma série incrível de mutações de ressonância elétrica e magnética ocorrendo em seu interior: ciclos de onze anos, explosões de manchas solares, dinâmica caótica, freqüências ressonantes. Atualmente sistemas estão monitorando, com um detalhamento anteriormente considerado impossível, essas incríveis mudanças eletromagnéticas – minuciosas e complexas – que estão ocorrendo no Sol. Bem, se padrões elétricos complexos são uma interface suficiente para a consciência e o cérebro humano, por que é que o Sol não poderia tê-los também? Por que o Sol não poderia pensar? E se o Sol é consciente, por que não as estrelas? E se as estrelas são conscientes, por que não as galáxias? Essas últimas teriam uma consciência de um tipo muito mais inclusivo do que a das estrelas que elas contêm. E se galáxias, por que não os grupos de galaxias? Então teríamos uma idéia de níveis hierárquicos de consciência por todo o universo. É claro, na tradição ocidental, como em todas as tradições, temos uma idéia exatamente desse tipo. A idéia das hierarquias dos anjos na Idade Média não era a de seres com asas – isso era apenas uma maneira bastante ingênua de representá-los. Eles eram compreendidos tradicionalmente como níveis de consciência além do humano. Havia nove níveis, dos quais três ou mais eram relacionados com as estrelas e com a organização de corpos celestiais. Eles eram as inteligências das estrelas e dos planetas, os três níveis intermediários dos anjos. Portanto, já existe a tradição no ocidente sobre uma consciência super-humana.

Referência: Site de Rupert Sheldrake;
O Renascimento da Natureza: o Reflorescimento da Ciência e de Deus; Rupert Sheldrake – Ed. Cultrix;
Caos, Criatividade e o Retorno do Sagrado: Triálogos nas Fronteiras do Ocidente; Ralph Abraham, Terence McKenna e Rupert Sheldrake – Ed. Cultrix/Pensamento;
A revolução da consciência – novas descobertas sobre a mente no século XXI; Francisco Di Biase e Richard Amoroso – Ed. Vozes;
(1994). Seven experiments that could change the world. Londres, Fourth Estate;
(l998). The sense of being stared at: experiments in schools. Journal of the Society for PsychicalResearch, 62, p. 311-323;
(1998). Experimenter effects in scientific research: how widely are they neglected? Journal of Scientific Exploration, 12, p. 73-78;
(1999). The sense of being stared at confirmed by simple experiments. Biology Forum, 92, p. 53-76;
(1999). Dogs that know when their owners are coming home. Londres, Hutchinson;
(1999). How widely is blind assessment used in scientific research? Alternative Therapies, 5, p. 88-90.