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Evolução Psicodélica – Terence Mckenna

Trecho do vídeo “Psychedelics in The Age of Intelligent Machines” – palestra realizada em Seattle, em 1999.

O etnobotânico Terence McKenna explica brevemente como o cogumelo Stropharia cubensis pode ter influenciado o desenvolvimento espantoso do cérebro humano no período de transição entre os primatas superiores e a nossa atual espécie. Sua teoria é descrita em maiores detalhes no livro “O Alimento dos Deuses“.

Nas pradarias africanas, onde estima-se que se deu nosso processo evolutivo, também se proliferavam várias espécies de animais ungulados, dos quais o esterco é o ambiente ideal para a ocorrência de cogumelos coprófilos. Um dos comportamentos dos primatas insectívoros, como éramos nós algum dia, é investigar os velhos estercos de vaca em busca de grupos de insetos. Nesses mesmos estercos brotam suculentos cogumelos, muitos deles contendo psilocibina. O Stropharia cubensis é pandêmico, ocorrendo em todas as regiões tropicais onde existe gado.. Quais seriam os impactos de uma química tão extraordinária na dieta dos primatas em evolução? A psilocibina possui características singulares, que a fazem um pefeito candidado para disparar muitos dos processos que nos diferenciam dos primatas superiores.

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Logos

Especulações de Terence Mckenna sobre a natureza alienígena do transe provocado pelo cogumelo Stropharia cubensis, o fenômeno das “vozes na cabeça” e seu papel na história humana. Trecho do livro/áudio “True Hallucinations” (“Alucinações Reais”)

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Psilocibina no Fantástico

Quando um assunto se torna muito presente na consciência coletiva, a grande mídia logo trata de abraçá-lo e colocá-lo em uma matéria. Ontem o programa “Fantástico”, da rede Globo, finalmente fez justiça ao seu nome e exibiu uma matéria inteira de 4 minutos sobre a psilocibina e os estudos que vem sendo feitos sobre a sua aplicação terapeutica no combate a depressão e problemas psicológicos.

pra quem não viu, aí vai a matéria na íntegra, exibida ontem (18/04/2010), reproduzida diretamente do site do fantástico

Alucinógenos são usados em tratamento de doenças psíquicas

A psilocibina foi descoberta pela ciência nos anos 1950, banida nos anos 1960, em meio à febre das drogas psicodélicas. Agora redescoberta, legalmente, nos laboratórios.

 

A ciência acaba de fazer as pazes com drogas proibidas há muitas décadas. Pesquisadores voltam a apostar nas substâncias alucinógenas, que alteram a consciência e provocam visões, para tratar de distúrbios como depressão, ansiedade e transtornos de compulsão.

A substância proibida que fez uma revolução na vida do aposentado Clark Martin é um alucinógeno encontrado em mais de cem espécies do chamados cogumelos mágicos.

A psilocibina foi descoberta pela ciência nos anos 1950, banida nos anos 1960, em meio à febre das drogas psicodélicas. Agora redescoberta, legalmente, nos laboratórios.

Nem a psicanálise nem todos os remédios da medicina moderna. Como nada curava a depressão, depois de anos com um câncer no rim, o aposentado se ofereceu como voluntário em uma pesquisa da Universidade John Hopkins, uma das mais respeitadas dos Estados Unidos. E teve, pela primeira vez na vida, uma experiência alucinante.

No laboratório, recebeu uma cápsula com psilocibina – a mesma substância dos cogumelos, só que na forma sintética. Deitado, com uma venda nos olhos, passou seis horas ouvindo música clássica. Foi uma viagem completamente segura.

“No começo é muito assustador, porque todas as imagens e representações da realidade são de certa forma desligadas, elas começam a se dissolver”, diz o psicólogo aposentado.

Cenas multicoloridas e formas completamente estranhas. Os relatos de usuários de alucinógenos, a doideira da música dos Beatles, não foi exatamente assim na experiência científica.

“Não vi cores, não tinha nenhuma sensação ou pensamento na minha cabeça, era um vazio, e eu não me sentia drogado. Lembrei agora do sentimento que tive enquanto estava sob efeito da substância: minha filha e todos os meus velho amigos”, descreve.

Depois disso, o aposentado parou de ter medo da morte e resolveu um enorme problema: “Eu era muito inacessível para a minha filha, e quando eu estava sob os efeitos da psilocibina, me dei conta de que o que ela precisava de mim não era orientação, era meu amor e minha compreensão”, lembra. “Minha vida começou a mudar naquele momento, mas continua, porque o efeito continua sendo reforçado. A maneira como o cérebro processa as coisas fica diferente”, diz.

A experiência que mudou radicalmente, e para melhor, a vida do psicólogo aposentado Clark Martin fez parte de um dos maiores estudos com alucinógenos já realizados nos Estados Unidos. Depois de mais de 40 anos de proibição, um pequeno grupo de cientistas recebeu autorização para lidar com substâncias que sempre foram vistas com desconfiança.

O doutor Charles Grob é responsável pela pesquisa com psilocibina na Universidade da Califórnia, em Los Angeles.

“Não temos uma droga milagrosa. Temos um modelo de tratamento que pode ser muito efetivo, até mesmo em pacientes que não têm bons resultados com os medicamentos convencionais”, explica Charles Grob.

Foi ainda no século passado que a ciência descobriu a força dos alucinógenos. Mas os exageros transformaram as substâncias psicodélicas em drogas malditas. Agora, só vencendo muito preconceito para transformar a pesquisa em tratamento.

“Da maneira que imagino – e estamos décadas distantes disso – haverá centros de tratamento onde as pessoas poderão ser auxiliadas em uma experiência com substâncias como psilocibina”, comenta Charles Grob.

A estátua de louvação ao cogumelo teria mais de dois mil anos. Foi encontrada no México, de onde chegaram também as primeiras notícias sobre as propriedades medicinais da psilocibina. Paul Stamets já descobriu cinco novas espécies do tal cogumelo mágico.

Paul é um dos maiores especialistas em cogumelo do mundo e comemora as novas pesquisas científicas: “Acredito muito na evolução da consciência e vejo isso como um passo importante em nosso avanço no uso de substâncias naturais para ajudar na saúde mental das pessoas.”

O ilustre morador da floresta concorda com outros pesquisadores: acha que a ciência já perdeu tempo demais ignorando uma substância tão misteriosa quanto promissora.


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Duo Ouro Negro

Inaugurando a categoria “Micélio“, onde iremos postar apenas matérias enviadas por colaboradores voluntários, estamos publicando hoje um artigo que nos foi enviado de Portugal por Fernando Castro,  sobre o papel dos fungos na absorção de poluentes pesados como o petróleo

Colaborador : Fernando Castro
E-mail: fernandomrcastro@gmail.com
Blog:
http://thedarksideoftheshroom.blogspot.com/

Originalmente postado em:
http://thedarksideoftheshroom.blogspot.com/2010/03/duo-ouro-negro.html

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Et voilá (como diz o outro), depois do óleo derramado, aparecem algumas curiosas soluções.

Em 2007 houve um derrame de petróleo em S. Francisco e tentaram-se arranjar soluções para remediar a situação.
Foi feita uma parceria entre Lisa Gautier e Paul Stamets.
Através da doação de discos de cabelo humano para ensopar o petróleo, restou a pergunta: O que fazer com ele?

É aqui que entram os fungos:

O género Pleurotus, sendo de boa boca, como se costuma dizer, adapta-se e decompõe quase todos os substratos orgânicos imagináveis, não sendo, contudo, o petróleo um problema para este organismo.

Assim, depois de absorvido o petróleo, fez-se uma lasanha de spawn (semente do cogumelo), palha e o cabelo ensopado de óleo que serviram de substrato para o fungo se desenvolver, transformando-o em pura matéria orgânica.

Os vídeos clarificam tudo isto:


  • + Links

Biorremediação

Fungos da Amazônia podem descontaminar o solo após vazamentos de petróleo

informação enviada por comentário pelo Alexandre  (09/04/2010)

What I Believe – Albert Einstein

“A coisa mais bonita que podemos experimentar é o mistério.
Ele é a fonte de toda arte e ciência verdadeiras. Aquele para quem essa emoção é estranha, incapaz de soltar a imaginação e quedar-se extasiado, é como se fosse um morto: seus olhos estão fechados. (…) Saber que aquilo que nos é impenetrável realmente existe, manifestando-se como a maior sabedoria e a beleza mais radiante que nossa pobre capacidade só pode apreender em suas formas mais primitivas – esse conhecimento, essa sensação, está no centro da verdadeira religiosidade.
Nesse sentido, e apenas nesse, pertenço às fileiras dos devotos.”

Texto retirado da Dissertação de Mestrado de Leonardo Celuque, 2004.

“A Série de Fibonacci: um estudo das relações entre as ciências da complexidade e as artes”

Autonomia e Alienação (Atualizado, 06/04)

Autonomia e Alienação, por Cornelius Castoriadis, ” A Instituição Imaginária da Sociedade”, p.122-124.

Sentido da Autonomia.  – O Indivíduo

Se a autonomia está no âmago dos objetivos e dos caminhos do projeto revolucionário, é necessário precisar e elucidar esse termo. Tentaremos essa elucidação primeiro onde ela aparece mais fácil: a propósito do indivíduo, passando em seguida ao plano que mais interessa aqui, o plano coletivo. Tentaremos compreender o que é o indivíduo autônomo – e o que é uma sociedade autônoma ou não alienada.

Freud propunha como máxima da psicanálise “Onde era o Id, será o Ego” – “Seu objeto (dos esforços terapeuticos da psicanálise) é de reforçar o Ego (o eu consciente), de torná-lo mais independente do Superego, de ampliar seu campo de visão estendendo sua organização de tal maneira que ele possa apoderar-se de novas regiões do Id. Onde era Id será o Ego.” – Ego é aqui, numa primeira aproximação, o consciente em geral. O Id, propriamente falando, origem e lugar das pulsões (“instintos”), deve ser tomado nesse contexto como representando o inconsciente num sentido mais amplo. Ego, consciência e vontade, deve tomar o lugar da forças obscuras, que, “em mim”, dominam, agem por mim – “atuam-me” como dizia G. Groddeck. Essas forças não são simplesmente – não são tanto, voltaremos a isto mais adiante – as puras pulsões, libido ou pulsão de morte; são sua interminável, fantasiosa e fantastica alquimia, são também, e sobretudo, as forças de formação e de repressão inconscientes, o Superego e o Eu inconsciente. Uma interpretação da frase torna-se de imediato necessária. O Ego deve tomar o lugar do Id – isso não pode significar nem a supressão das pulsões, nem a eliminação ou a reabsorção do inconsciente. Trata-se de tomar de seu lugar na qualidade de instância de decisão. A autonomia seria o domínio do consciente sobre o inconsciente. Sem prejuízo da nova dimensão em profundidade revelada por Freud, este é o programa de reflexão filosófica sobre o indivíduo há vinte e cinco séculos, o pressuposto e ao mesmo tempo o resultado da ética tal como a viram Platão ou os estóicos, Spinoza ou Kant. (É em si uma imensa importância, porém não para esta discussão, que Freud proponha uma via eficaz para atingir o que permaneceu para os filósofos um “ideal” acessível em função de um saber abstrato). Se à autonomia, a legislação ou a regulação por si mesmo, opomos a heteronomia, legislação e regulação pelo outro, a autonomia é minha lei, oposta à regulação pelo inconsciente que é uma lei outra, a lei de outro que não eu.

Em que sentido podemos dizer que a regulação pelo inconsciente é a lei de um outro? De qual outro? De um outro literal, não de um “outro Eu” desconhecido, mas de um outro em mim. Como diz Jacques Lacan, “O inconsciente é o discurso do Outro”; é em grande parte, o depósito dos desígnos, dos desejos, dos investimentos, das exigências, das expectativas – significações de que o indivíduo foi o objeto, desde sua concepção, e mesmo antes, por parte dos que o engendraram e criaram. A autonomia torna-se então: meu discurso deve tomar o lugar do discurso do Outro, de um discurso estranho que está em mim e me domina: fala por mim. Esta elucidação indica de imediato a dimensão social do problema (pouco importa que o Outro de que se trata no início seja o outro “estreito”, parental; por uma série de articulações evidentes, o par parental remete, finalmente, à sociedade inteira e à sua história).

Mas qual é esse discurso do Outro não mais quanto a sua origem, mas quanto a sua qualidade? E até que ponto pode ser eliminado?

A característica essencial do discurso do Outro, do ponto de vista que aqui interessa, é sua relação com o imaginário. É que, dominado por esse discurso, o sujeito se toma por algo que não é  ( que, de qualquer maneira não é necessariamente para si próprio) e para ele os outros e o mundo inteiro sofrem uma deformação correspondente. O sujeiro não se diz, mas é dito por alguém, existe pois como parte do mundo de um outro (certamente, por sua vez, travestido). O sujeito é dominado por um imaginário vivido como mais real que o real, ainda que não sabido como tal, precisamente porque não sabido como tal. O essencial da heteronomia ou da alienação, no sentido mais amplo do termo – no nível individual, é o domínio por um imaginário autonomizado que se arrojou a função de definir para o sujeito tanto a realidade como o seu desejo. O Jogo Do Bicho é um jogo de loteria com uma história rica e um dos passatempos preferidos do Brasil. Neste jogo, os utilizadores têm a oportunidade de apostar numa variedade de animais, sendo cada animal associado a um grupo único de números. Review do caça-níquel Jogo Do Bicho https://jogodobichooficial.com .A jogabilidade foi pensada para os usuários poderem escolher até cinco animais diferentes em uma única aposta. Veja como o jogo se desenrola:

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Se quiserem depois eu posto a continuação do texto, que é bem grande.

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CONTINUAÇÃO

A “repressão das pulsões” como tal, o conflito entre o “princípio do prazer” e o “princípio da realidade”, não constituem a alienação individual que é, no fundo, o império quase ilimitado de um princípio de des – realidade. A esse respeito o conflito importante não é o que ocorre entre pulsões e realidade (se esse conflito bastasse como causa patogênica, jamais teria havido uma só resoluçõ mesmo aproximativamente normal do complexo de Édipo desde a origem dos tempos e jamais um homem e uma mulher teria andado sobre a terra). É o conflito entre pulsões e realidade, de um lado, e a elaboração imaginária no interior do sujeito, de outro lado.

O Id, nesta máxima de Freud, deve pois ser compreendido como significando essencialmente esta função do insconsciente que investe de realidade o imaginário, autonomiza-o conferindo-lhe poder de decisão – estando o conteúdo deste imaginário em relação com o discurso do Outro (“repetição”, mas também transformação amplificada desse discurso).

É pois lá onde estava essa função do inconsciente, e o discurso do Outro que fornece seu alimento, que o Ego deve advir. Isso significa que meu discurso deve tomar o lugar do discurso do Outro. Mas o que é o meu discurso? O que é um discurso que é meu?

Um discurso que é meu é um discurso que negou o discurso do outro; que o negou, não necessariamente em seu conteúdo, mas enquanto discurso do Outro; em outras palavras que, explicitando ao mesmo tempo a origem e o sentido desse discurso, negou-o ou afirmou-o com conhecimento de causa, relacionando seu sentido com o que se constitui como a verdade própria do sujeito – como minha própria verdade.

Se a máxima de Freud, nesta interpretação, fosse tomada em termos absolutos, ela proporia um objetivo inacessível. Nunca meu discurso será integralmente meu no sentido definido acima. É que evidentemente, eu não poderei jamais retomar tudo, ainda que simplesmente para ratificá-lo. É também  – e voltaremos a isto mais adiante – porque a noção de verdade prórpia do sujeito é em si mesma muito amis um problema do que uma solução.

Isso é também verdade no que se refere à relação com a função imaginária do inconsciente. Como pensar num sujeito que teria totalmente “reabsorvido” sua função imaginária, como poderíamos esgostar essa fonte no mais profundo de nós mesmos, de onde brotam ao mesmo tempo fantasias alienantes e criações livres, mas mais verdadeiras que a verdade, delírios irreais e poemas surreais, esse duplo fundo eternamente recomeçado de toda coisa, sem o qual nada teria fundo, como eliminar o que está na base de, ou pelo menos inextricavelmente ligado a, o que faz de nós homens – nossa função simbólica, que pressupõe nossa capacidade de ver e pensar em uma coisa algo que ela não é?

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Portanto, na medida em que não queremos fazer da máxima de Freud uma simples idéia reguladora definida em referência a um estado impossível – portanto uma nova mistificação – existe um outro sentido a dar-lhe. Ela deve ser compreendida como remetendo não a um estado concluído, mas a uma situação ativa; não a uma pessoa ideal que se tornaria Ego definitivamente, realizaria um discurso exclusivamente seu, jamais produziria fantasmas – mas a uma pessoa real, que não para seu movimento de retomada do que havia sido adquirido, do discurso do Outro, que é capaz de revelar seus fantasmas como fantasmas e não se deixe finalmente ser dominada por eles – a menos que assim o deseje. Não se trata aí de um simples “tender para”, é uma situação, ela é definível por características que traçam uma separação radical entre ela e o estado de heteronomia (ordem de fora, do outro, opressão). Essas características não consistem em uma “tomada de consciência” efetuada para sempre, mas sim uma outra relação entre consciente e inconsciente, entre lucidez e função imaginária, em uma outra atitude do sujeito relativamente a si mesmo, em uma modificação profunda da mistura atividade-passividade, do signo sob o qual esta se efetua, do respectivo lugar dos dois elementos que a compõem. O fato de que poderíamos completar a proposição de Freud pelo seu inverso: onde é o Ego o Id deverá surgir, mostra quão pouco se trata, em tudo isso, de uma tomada de poder pela consciência no sentido estrito. O desejo, as pulsões – quer se trate de Eros ou de Thanatos – sou eu também, e trata-se de levá-los não somente à consciência, mas à expressão e à existência. Um sujeito autônomo é aquele que sabe ter boas razões para concluir: isso é bem verdadeiro, e: isso é bem meu desejo.

A autonomia não é pois elucidação sem resíduo e eliminação total de discurso do Outro não reconhecido como tal. Ela é instauração de uma outra relação entre o discurso do Outro e o discurso do sujeito. A total eliminação do discurso do Outro não reconhecido como tal é um estado não-histórico. O peso do discurso de Outro, não reconhecido como tal, pode ser visto mesmo nos que tentaram mais radicalmente atingir o fundo da interrogação e da crítica dos pressupostos tácitos – quer seja Platão, Descartes, Kant, Marx ou o próprio Freud. Mas existem precisamente o que – como Platão ou Freud – jamais pararam nesse movimento; e existem os que pararam, e que às vezes, por isso, se alienaram em seu próprio discurso tornado outro. Existe a possibilidade permanente e permanentemente atualizável de olhar, objetivar, colocar a distância e finalmente transformar o discurso de Outro em discurso do sujeito.

Mas o que é esse sujeito? Este terceiro termo da frase de Freud que deve advir de lá onde estava o Id, certamente não é o Eu do “eu penso”. Não é o sujeito-atividade pura, sem entrave nem inércia, êste fogo-fátuo dos filósofos subjetivistas, esta flama independente de qualquer suporte, liame e alimento.

Novos Mapas do Hiperespaço – Terence McKenna

Por Terence McKenna

Palestra pronunciada a convite de Ruth e Arthur Young, do Instituto para o Estudo da Consciência, de berkeley, Califórnia, em 1984

Extraído do Livro “O Retorno à Cultura Arcaica”

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No Ulysses, de James Joyce, Stephen Dedalus nos diz: “A História é o pesadelo do qual estou tentando despertar”. Eu mudaria a frase e diria que a História é aquilo que tentamos despertar para ingressar no sonho. O sonho é escatológico. O sonho é tempo zero e fora da História. Desejamos fugir para o sonho. O desejo de fuga é a principal acusação que se faz aos que se propõem a experimentar plantas alucinógenas. Quem faz essa acusação mal poderia conceber o quanto os alucinógenos são escapistas. Escapar. Escapar do planeta, da morte, do hábito, e, se possível, do problema do Inexprimível.

Se deixarmos de lado os últimos trezentos anos de experiência histórica na Europa e na América, e examinarmos o fenômeno da morte e a doutrina da alma em todas as suas ramificações – neoplatônica, cristã, dinástica-egípcia etc. -, encontraremos repetidamente a noção de que existe um corpo leve, uma enteléquia associada de alguma forma com o corpo humano durante a vida, e que a morte acarreta uma crise na qual os dois se separam. Uma das partes perde a sua raison d´être e entra em dissolução; o metabolismo pára. A outra vai não sabemos para onde. Talvez não vá para lugar algum, se não se acredita que ela exista; mas, então, tem-se o problema de achar uma explicação para a vida. E embora a ciência alegue saber muitas coisas e tenha conseguido explicar sistemas atômicos simples, a idéia de que os cientistas possam dizer alguma coisa acerca do que é a vida e de onde ela vem é, atualmente, absurda.

A ciência nada tem a dizer acerca de como uma pessoa decide fechar a mão para agarrar um peixe, e, no entanto, isso acontece. Trata-se de algo inteiramente fora do alcance da explicação científica, porque o que vemos nesse fenômeno é o espírito como causa primária. É um exemplo de telecinésia: a mente faz a matéria mover-se. Portanto, não devemos temer o escárnio da ciência na questão do destino ou da origem da alma. Minha forma de sondar o assunto sempre foi a experiência psicodélica, mas recentemente passei a investigar sonhos, porque os sonhos são uma forma muito mais generalizada de experimentar a hiperdimensão na qual a vida e a alma parecem estar imersas.

Observando o que as pessoas com tradições xamanistas dizem a respeito dos sonhos, chega-se à conclusão de que, para elas, a realidade do sonho é, experiencialmente, um contínuo paralelo. O xamã ingressa nesse contínuo através de alucinógenos e de certas outras técnicas, mas o meio mais eficaz são os alucinógenos. No caso de todos os outros, esse ingresso é feito através do sonho. Para Freud, os sonhos eram os “resíduos do dia”, e a pessoa poderia encontrar a origem do conteúdo do sonho na distorção de algo que houvesse acontecido durante o estado de vigília.

Meu argumento é que é muito mais útil tentar construir uma espécie de  modelo geométrico da consciência, encarar seriamente a idéia de um contínuo paralelo, e dizer que a mente e o corpo estão imersos no sonho e que este é uma ordem superior de dimensão espacial. Durante o sono, a pessoa se transfere para o mundo real, do qual o mundo da vigília é apenas a superfície no sentido geométrico literal. Existe um plenum – e certas experiências recentes de física quântica tendem a confirmá-lo -, um plenum holográfico de informação. Toda informação está em toda parte. A informação que não estiver ali não estará em parte alguma. A informação situa-se fora do tempo histórico, em uma espécie de eternidade – uma eternidade que não tem existência temporal, nem mesmo o tipo de existência temporal da qual se poderia dizer “Sempre existiu”. Não possui qualquer tipo de duração temporal. É eternidade. Nós não somos fundamentalmente biológicos, dotados de uma alma que surge como uma espécie de iridescência, uma espécie de epifenômeno nos níveis mais elevados de organização da biologia. Somos objetos hiperespaciais de algum tipo, que projetam sua sombra sobre a matéria. A sombra na matéria é o nosso organismo físico.

Na morte, o objeto que projeta a sombra se retira; o metabolismo cessa. A forma material entra em colapso; deixa de ser uma estrutura dissipativa em uma área muito localizada, sustentada contra a entropia pelo processamento de matéria que entra, extraindo energia e eliminando rejeitos. Mas a forma que ordenou tudo isso não é afetada. Essas afirmações são feitas do ponto de vista da tradição xamanista, que tem a ver com todas as religiões superiores. Tanto o estado do sonho psicodélico como o estado do despertar psicodélico adquirem grande importância, pois revelam uma tarefa para a vida: familiarizar-nos com essa dimensão que causa a existência, para que estejamos familiarizados com ela no momento em que morremos.

Várias tradições valem-se da metáfora do veículo – um veículo para após a morte, um corpo astral. O xamanismo e certas iogas, inclusive a ioga taoísta, afirmam claramente que a finalidade da vida é familiarizar-nos com esse corpo que iremos ter depois da morte, para que o ato de morrer não traga confusão à nossa psique. A pessoa reconhecerá o que está acontecendo. Saberá o que fazer e poderá separar-se ordeiramente. Contudo, parece haver a possibilidade de um problema no ato de morrer. Não é o caso de ser condenado à vida eterna. A pessoa pode confundir-se por ignorância.

Aparentemente há, no momento da morte, uma espécie de separação, como no nascimento – a metáfora é trivial, mas perfeita. Há a possibilidade de dano ou de atividade incorreta. William Blake, poeta e místico inglês, dizia que, à medida que se começa a subir a espiral, há a possibilidade de se cair da trilha dourada para a morte eterna. Contudo, é apenas a crise de um momento – uma crise de transição -, e toda a finalidade do xamanismo e da vida corretamente vivida é fortalecer a alma e reforçar a relação entre o ego e a alma, para que essa transição possa ser feita ordenadamente. Essa é a posição tradicional.

Desejo incluir um abismo nesse modelo – um abismo menos conhecido dos racionalistas, porém familiar a todos nós, a um nível psíquico mais profundo, como herdeiros da cultura judeu-cristã. Trata-se da idéia de que o mundo vai acabar, que haverá um tempo final, que existe não só a crise da morte do indivíduo, mas também a crise da morte na história da espécie.

Aparentemente, trata-se de que, desde o tempo da conscientização da existência da alma até a resolução do potencial apocalíptico, decorrem aproximadamente cem mil anos. Do ponto de vista biológico, isso representa apenas um momento, mas é dez vezes mais do que toda a duração da História. Durante esse período, tudo é incerto, pois há uma corrida louca desde o hominídeo até o vôo espacial. No pulo por sobre esses cem mil anos, há dispersão de energia, religiões se ascendem como centelhas, filosofias nascem e morrem, surgem a ciência e a magia, como também surgem todos os interesses que controlam o poder com maior ou menor grau de respeito à ética. E há a onipresente possibilidade de que a transformação da espécie em uma enteléquia hiperespacial venha a abortar.

Estamos hoje, sem sombra de dúvida, nos segundos históricos finais dessa crise – crise que envolve o fim da História, nossa partida do planeta, o triunfo sobre a morte, e a libertação dos indivíduos em relação ao corpo. Estamos, de fato, nos aproximando do mais profundo evento com o qual uma ecologia planetária pode se deparar – o momento em que a vida se liberta da sombria crisálida da matéria. A velha metáfora da psique como lagarta que se transforma por metamorfose é uma analogia que se aplica a toda a nossa espécie. Temos de passar por uma metamorfose a fim de sobreviver ao ímpeto de forças históricas que já foram deflagradas.

Os biólogos evolucionistas consideram que os humanos são uma espécie que cessou de evoluir. Em algum momento, nos últimos cinqüenta mil anos, com a invenção da cultura, a evolução biológica dos seres humanos cessou e a evolução tornou-se um fenômeno epigenético e cultural. Os instrumentos, as línguas e as filosofias passaram a evoluir, mas o tipo somático humano permaneceu o mesmo. Somos, fisicamente, muito semelhantes a indivíduos que viveram em um passado distante. A tecnologia, porém, é a verdadeira pele da nossa espécie. A humanidade, encarada corretamente no contexto dos últimos quinhentos anos, é um agente extrusivo de material tecnológico. Tomamos matéria com baixo grau de organização, fazemo-la passar por nossos filtros mentais e expelimos em formas de jóias, escrituras sagradas e ônibus espaciais. É isso o que fazemos. Somos como corais incrustados em um recife tecnológico de objetos psíquicos extrudados. Toda a nossa fabricação de instrumentos implica a nossa fé em um instrumento supremo. Esse instrumento é o disco voador ou a alma exteriorizada no espaço tridimensional. O corpo pode tornar-se um objeto holográfico interiorizado, inserido em uma matriz tridimensional, em estado sólido, que é eterna, de modo que todos passamos a viver em um verdadeiro Elísio.

Espécie de paraíso muçulmano, esse Elísio permite-nos gozar de todos os prazeres da carne, contanto que saibamos que somos uma projeção holográfica de uma matriz em estado sólido, microminiaturizada e supercondutora, a qual não se encontra em lugar algum: é parte do plenum. A finalidade de toda a história tecnológica é produzir protótipos dessa situação, cada vez mais próximos do ideal, de modo que os aviões, os automóveis,os ônibus espaciais, as colônias espaciais, as naves interestelares, feitas de parafusos e porcas e capazes de viajar à velocidade da luz, são, como disse Mircea Eliade, “imagens de vôo que se autotransformam e que nos dizem muito a respeito das aspirações humanas de autotranscendência”.

Nosso desejo, nossa salvação e nossa única esperança é pôr fim à crise história, transformando-nos no alienígena, pondo fim à alienação, reconhecendo o alienígena como o Eu – de fato, reconhecendo o alienígena como a Supermente que conserva intatas todas as leis físicas do planeta, da mesma forma que conservamos intata uma idéia em nosso pensamento. Os dados que julgamos indelevelmente a para sempre escritos são, na verdade, apenas estados de ânimo da Deusa, da qual somos o reflexo. Todo o significado da história humana reside em recuperar essas informações perdidas, para que o homem possa ser dirigível ou, parafraseando Joyce em Finnegans Wake, ao referir-se a Moicane, a zona de prostituição de Dublin: “Aqui em Moicane, se caímos na calçada, logo nos levantamos, reunimos as nossas forças e batemos as asas. De modo que, se você quiser renascer, venha sentar-se conosco.”. Como se vê, é muito simples, mas é preciso coragem para permanecer-se sentado quando a Morte se aproxima – a Morte que Joyce chama de “benção disfarçada”.

O que os alucinógenos encorajam – e aquilo que espero venha a merecer atenção assim que os alucinógenos sejam integrados à nossa cultura ao ponto em que grandes grupos de pessoas possam planejar programas de pesquisa sem receio de perseguição – é um modelo do estudo que se segue à morte. Os alucinógenos podem fazer mais do que modelar esse estado; podem revelar a sua natureza. Podem mostrar-nos que é possível alterar as modalidades de aparência e conhecimento de modo a permitir que vejamos a nossa mente no contexto da Mente Única. A Mente Única contém todas as experiências do Desconhecido. Não há qualquer dicotomia entre o universo newtoniano, que se estende através de anos-luz de espaço tridimensional, e o universo mental interior. Ambos são reflexos da mesma coisa.

Se percebemos esses dois universos como dualismos irredutíveis, isso se deve a má qualidade do código que costumamos usar. A linguagem que empregamos para discutir esse problema tem dualismos inerentes. Trata-se de um problema de linguagem. Todos os códigos tem as suas qualidades relativas, exceto o Logos. O Logos é perfeito e, portanto, não compartilha das qualidades de nenhum outro. Uso aqui o termo Logos no sentido em que esse termo é utilizado por Fílon, o Judeu – o de Razão Divina que abrange o complexo arquetípico de ideais platônicos que servem de modelo à criação. Quando não usamos o Logos para traçar os nossos mapas, temos problemas de qualidade de código. O dualismo inerente a nossa linguagem faz com que a morte da espécie e a morte do indivíduo pareçam dois conceitos opostos.

Da mesma forma, há uma dicotomia entre os cenários criados pela biologia, a partir do exame do universo físico, e os mundos de anjos e demônios aos quais a psicologia se refere. A experiência psicodélica atua no sentido de resolver essa dicotomia. Para irmos além de um conhecimento acadêmico das plantas alucinógenas, basta-nos experimentar o êxtase induzido pela triptamina. A molécula de dimetiltriptamina (DMT) tem a singular propriedade de libertar o ego estruturado para que este se reúna ao Superego. Todos os que tiveram essa experiência passaram por um mini-apocalipse, um mini-ingresso e mapeamento do hiperespaço. Para que a sociedade volte a sua atenção nesse sentido, basta que essa experiência se torne objeto do interesse geral.

Não quero dizer com isso que todos devam fazer experiências com cogumelos ou outras fontes de triptaminas psiquicamente ativas que ocorrem na natureza. Devemos procurar assimilar e integrar a experiência psicodélica, uma vez que se trata de um plano experiencial ao qual todos temos acesso direto. O papel que iremos desempenhar em nossa relação com ele determina como iremos nos apresentar naquela anunciada transformação final. Em outras palavras, há nessa noção uma espécie de preconceito teológico; há a crença que existe um hiperobjeto chamado Supermente, ou Deus, que projeta uma sombra no tempo. A História é a nossa experiência grupal dessa sombra. À medida que nos aproximamos cada vez mais da fonte da sombra, os paradoxos aumentam, aumenta o coeficiente de mudança. O que acontece é que o hiperobjeto começa a ingressar no espaço tridimensional.

Uma forma de conceber isso é supor que o mundo da vigília e o mundo do sonho passam a fundir-se, de modo que, até certo ponto, aqueles críticos do OVNI que afirmam que os discos voadores são alucinações estão corretos, no sentido de que as leis que regem o sonho, as leis que regem o hiperespaço, podem as vezes funcionar no espaço tridimensional, quando a barreira entre as duas realidades se dissipa. Nesse caso, a pessoa tem experiências curiosas, as vezes chamadas de falhas psicóticas, as quais sempre exercem tremendo impacto sobre o paciente, uma vez que parece haver um componente externo que absolutamente não pode ser subjetivo. Nessas ocasiões, as coincidências começam a se acumular, até que a pessoa finalmente admite não saber o que está acontecendo. Contudo, é absurdo afirmar que se trata de um fenômenos psicológico, pois o fenômenos é acompanhado de mudanças no mundo exterior. Jung deu a isso o nome de “sincronicidade” e construiu o seu modelo psicológico, mas o que realmente sucede é que uma física alternativa começa a intervir com a realidade local.

Essa física alternativa é uma física da luz. A luz é feita de fótons, e os fótons não possuem antipartículas. Isso significa que não existem dualismos no mundo da luz. As convenções da relatividade dizem que o tempo se atrasa à medida que nos aproximamos da velocidade da luz; mas, se tentarmos imaginar o ponto de vista de uma coisa feita de luz, temos de reconhecer que o que nunca se diz é que, se viajarmos à velocidade da luz, o tempo deixa de existir. Experimentamos o tempo zero. Portanto, se imaginarmos por um instante que somos feitos de luz, ou que estamos de posse de um veículo capaz de mover-se à velocidade da luz, podemos ir de um a qualquer ponto do universo com uma experiência subjetiva de tempo zero. Ou seja, iremos à Alfa Centauro no tempo zero, enquanto o tempo ocorrido no universo relativista é de quatro anos e meio. Mesmo que atravessemos distâncias muito grandes, se viajarmos ao longo de 250 mil anos-luz até Andrômeda, continuaremos a ter a experiência subjetiva de tempo zero.

A única experiência do tempo que podemos ter é a de um tempo subjetivo, criado por nossos próprios processos mentais; em relação ao universo newtoniano, o tempo não existe. Passamos a existir na eternidade, tornamo-nos eternos; em tal situação, o universo envelhece a uma velocidade espantosa à nossa volta, mas isso é percebido como um fato do universo – da mesma forma que percebemos a física newtoniana como um fato deste universo. A pessoa passa para a modalidade eterna; separa-se da imagem transitória; existe na perfeição da eternidade.

Acredito que é nessa direção que estamos sendo levados pela tecnologia. Não há contradição entre equilíbrio ecológico e migração espacial, entre hipertecnologia e ecologia radical. Todas essas questões são especulativas; a única entidade histórica que está se tornando iminente é a alma humana. O corpo do primata serviu para trazer-nos a este momento de liberação, e sempre servirá de foco de nossa auto-imagem, mas estamos passando a existir cada vez mais em um mundo feito de imaginação humana. É isto o que se tem em mente quando se fala do retorno ao Pai, a transcendência da physis, a libertação da prisão gnóstica universal, uma prisão de ferro que detém a luz: nada menos que a transformação da nossa espécie.

Dentro de muito pouco tempo haverá uma aceleração desse fenômeno sob a  forma de exploração espacial e colônias espaciais. O animal chamado Homem, semelhante a um recife de coral, que vem extrudando tecnologia sobre a superfície do planeta, será libertado de todas as limitações, exceto das limitações dos materiais e da imaginação. Já se sugeriu que as primeiras colônias espaciais devem incluir um esforço de duplicar, como ideal, o idílico ecossistema do Havaí. Esses exercícios de conhecimento ecológico demonstrarão que sabemos o que estamos fazendo. Contudo, assim que esses conhecimentos estiverem sob controle, passaremos ao domínio da arte. É isso o que sempre buscamos. Construiremos o nosso mundo – todos os nossos mundos -, e o mundo de onde viemos será mantido como um jardim. O que Eliade discutiu como metáforas de autotransformação através do vôo será realizado brevemente na tecnologia da colonização do espaço.

A transição da Terra para o espaço constituirá um filtro genético tremendamente rigoroso, mais rigoroso que qualquer fronteira jamais o foi no passado, inclusive o filtro genético e demográfico representado pela colonização do Novo Mundo. Já se disse que a vitalidade das Américas se deve ao fato de que somente os sonhadores, pioneiros e fanáticos cruzaram o oceano. Isto se aplicará ainda mais a transição para o espaço. A conquista tecnológica do espaço criará as condições iniciais; em seguida, para a internalização dessa metáfora, trará a conquista do espaço interior e o colapso dos vetores de estado associados a essa tecnologia no espaço newtoniano. Nesse ponto, a espécie humana ter-se-á tornado mais do que dirigível.

Uma tecnologia que interiorize o corpo e exteriorize a alma se desenvolverá paralelamente à transição para o espaço. The Invisible Landscape, livro que o meu irmão e eu escrevemos, faz um esforço no sentido de abreviar essa cronologia e, de certa forma, forçar o resultado. O livro é a história, ou melhor, as bases intelectuais da história de uma expedição à Amazônia que o meu irmão, eu e várias outras pessoas empreendemos em 1971. Durante essa expedição, o meu irmão formulou uma idéia que incluía o uso de harmina e harmalina, compostos que ocorrem no Banisteriopsis caapi, a vinha silvestre que é a base do Ayahuasca. Procuramos usar harmina em conjunto com a voz humana no que chamamos “experiência de La Chorrera”. Tratava-se de um esforço de carregar, através do som, a estrutura das moléculas de harmina que se metabolizavam no organismo, de tal forma que elas formassem ligações, preferencial e permanentemente, com estruturas moleculares endógenas.

Nosso candidato na ocasião era o DNA neural, embora Frank Barr, que vinha pesquisando as propriedades da melanina cerebral, me houvesse convencido de que há igual possibilidade que a harmina atuasse ligando-se a corpos de melanina. Em ambos os casos a farmacologia acarreta ligações com um local de armazenamento, de informações, sendo estas, em seguida, transmitidas de tal forma que a pessoa passa a ter uma leitura mental da estrutura da alma. Nossa experiência foi um esforço no sentido de usar um tipo de tecnologia xamanista para, por assim dizer, colocar um sino no pescoço do gato, pendurar um dispositivo telemétrico supercondutor na Supermente para que houvesse uma leitura contínua de informações a partir daquela dimensão. Deixo a quem assim o deseja julgar o sucesso ou fracasso dessa tentativa.

A primeira parte do livro descreve as bases teóricas da experiência. A segunda descreve a teoria da estrutura do tempo que resultou dos bizarros estados mentais que se seguiram a experiência. Não afirmo que tenhamos tido êxito, apenas que a nossa teoria quanto ao que aconteceu é mais plausível que qualquer teoria proposta pelos críticos. Quer tenhamos tido êxito ou não, esse tipo de raciocínio nos aponta o caminho a seguir. Por exemplo, quando falo da tecnologia da construção de espaçonaves, imagino que esta será obtida com voltagens bem inferiores à voltagem de uma lanterna comum de pilhas. Afinal, é nesse nível que ocorrem os fenômenos mais interessantes da natureza, como o pensamento e o metabolismo. O pensamento e o metabolismo são fenômenos desse tipo.

Uma nova ciência que coloque a experiência psicodélica no centro de seu programa de pesquisas deve buscar a realização prática desse objetivo – o objetivo de eliminar a bareira entre o ego e o Superego, para que o ego possa ver-se como uma expressão do Superego. Assim, a ansiedade de encarar uma tremenda crise biológica como as crises do ecossistema, bem como a crise da limitação do espaço físico que a nossa situação terrena nos força a atravessar, poderá ser evitada através do cultivo da alma e da prática de um novo xamanismo que use plantas contendo triptaminas.

A psilocibina é, desses compostos, o mais facilmente encontrado e o mais experimentalmente acessível. Portanto, o apelo que faço aos cientistas, administradores e políticos que venham ler as minhas palavras é este: voltem a examinar a psilocibina. Não a confundam com os outros alucinógenos, compreendam que ela é um fenômeno por si mesma, com enorme potencial de transformar os seres humanos – e não somente transformar as pessoas que ingerem, mas transformar a sociedade, tal como um movimento artístico, um novo conhecimento matemático ou um progresso científico transforma a sociedade. A psilocibina tem a possibilidade de transformar espécies inteiras, simplesmente em virtude das informações que transmite. É uma fonte de gnose, e a voz da gnose foi silenciada na mente ocidental há pelo menos mil anos.

Quando os franciscanos e dominicanos chegaram ao México, no século XVI, trataram imediatamente de eliminar a religião do cogumelo ao qual os índios davam o nome de teonanacatl, ”a carne dos deuses”. A religião católica detinha o monopólio da teofagia, e não viu com bons olhos aquela maneira de abordar o assunto. Hoje, quatrocentos anos após esse contato inicial, acredito que Eros, que se retirou da Europa com o advento do cristianismo, refugiou-se na Sierra Mazateca. Finalmente, após sua reclusão nas montanhas, reemerge agora na consciência ocidental.

Nossas instituições, nossas epistemologias estão falidas e exauridas; temos de recomeçar de novo e esperar que, com a ajuda de personalidades inspiradas no xamanismo, possamos cultivar mais uma vez esse antigo mistério. O Logos pode ser liberado; a voz que falou a Platão, Parmênides e Heráclito pode voltar a falar na mente do homem moderno. Quando o fizer, a alienação terminará, porque passaremos a ser o alienígena. Essa é a promessa que se nos apresenta; para alguns, pode parecer uma visão de pesadelo, mas todas as mudanças históricas de imensa magnitude trazem consigo uma carga emocional. Lançam a humanidade em um mundo completamente novo.

Acredito que essa tarefa tem de ser realizada através do uso de alucinógenos. Sempre se acreditou que existem muitos caminhos para o progresso espiritual. Nesse particular, valho-me de minha experiência pessoal. Nenhuma outra técnica me trouxe bons resultados. Passei algum tempo na Índia, pratiquei ioga, visitei vários rishis roshis, geysheys e gurus que existem na Ásia, e acredito que eles devem estar falando de algo tão pálido, tão distanciado do contato o pleno êxtase das triptaminas, que realmente não sei o que pensar deles e das vagas revelações que fazem.

O tantrismo alega ser outro caminho nessa direção. Tantra significa “o caminho mais curto” e certamente pode estar no rumo certo. A sexualidade, o orgasmo, essas coisas possuem qualidades semelhantes às das triptaminas, mas a diferença entre a psilocibina e todos os outros alucinógenos é a informação – enormes quantidades de informação.

O LSD me pareceu ter muito a ver com a estrutura da personalidade. As visões que ele proporciona me pareciam, muitas vezes, ser meramente geométricas, a não ser que fosse sinergizadas por outro composto. A clássica experiência psicodélica relatada por Aldous Huxley foi feita com 200 microgramas de LSD e e 30 miligramas de mescalina. Essa combinação produz uma experiência visual, não uma experiência de alucinações. Em minha opinião, a qualidade especial da psilocibina é que ela revela não luzes coloridas ou configurações móveis, mas lugares – selvas, cidades, máquinas, livros, formas arquitetônicas de incrível complexidade. Não há qualquer possibilidade de confundir tais coisas com qualquer tipo de “estática” neurológica. Trata-se, de fato, da informação visual mais altamente organizada que se pode receber, muito mais altamente organizada que a visão normal do estado de vigília.

E por isto que é muito difícil a quem experimenta um composto alucinógeno trazer de volta informações. É muito difícil transformar essas informações em linguagem; é como tentar fazer uma reprodução tridimensional de um objeto quadrimensional. Somente através da visão pode-se perceber a verdadeira modalidade desse Logos. Por isso é tão interessante o fato de a psilocibina e o ayahuasca – a poção aborígene que contém triptamina – produzirem telepatia e um estado de espírito do qual várias pessoas podem compartilhar. A resultante alucinação em grupo é compartilhada em completo silêncio. É difícil provar isso a um cientista; mas, se várias pessoas participarem desse tipo de experiência, uma delas pode começar a descrever a visão, interromper-se, e outra retomar a descrição. Todos vêem a mesma coisa! É o fato de ser informação visual complexa que faz do Logos uma visão cuja verdade não se pode descrever.

Mas as informações assim transmitidas não se limitam a modalidade visual. O Logos é capaz de passar de algo que se ouve para algo que se vê, sem qualquer transição perceptível. Isso parece uma impossibilidade lógica; no entanto quanto realmente se tem tal experiência, a pessoa vê – ah-ah! –, é como se o pensamento que a pessoa ouve se transformasse em algo que se vê. O pensamento que a pessoa ouve torna-se cada vez mais intenso, até que, finalmente, sua intensidade é tão grande que, sem transição, a pessoa passa a vê-lo em seu espaço visual e tridimensional. A própria pessoa comanda o fenômeno. Isso é muito típico da psilocibina.

Naturalmente, sempre que introduz algum composto no organismo, a pessoa deve ter cuidado e estar bem informada acerca de possíveis efeitos colaterais. Os pesquisadores profissionais da experiência psicodélica têm conhecimento desses fatores e reconhecem abertamente a importância fundamental de se estar bem informado.

Quanto a mim posso dizer que não abuso dos alucinógenos. Levo muito tempo para assimilar cada experiência visionária. Nunca perco o meu respeito por essas dimensões. O medo é uma das emoções que sinto sempre que vou fazer uma experiência. Trabalhar com um alucinógeno é como navegar em um mar escuro em um pequeno barco. Pode-se ver a lua subindo serenamente por sobre a água escura e calma, ou algo do tamanho de um trem de carga pode passar rugindo, fazer virar o barco e deixar a pessoa na água, agarrada ao remo.

O diálogo com o Desconhecido é o que faz valer a pena repetir essas experiências. O cogumelo nos fala quando falamos com ele. Na introdução do livro que o meu irmão e eu escrevemos (e assinamos com pseudônimos), intitulado Psilocybin: The Magic Mushroom Grower’s Guide há um monólogo de um cogumelo que começa assim: “Sou velho, cinqüenta vezes mais velho que o pensamento é para a espécie a que você pertence, e vim das estrelas.” Palavras textuais: eu vinha anotando tudo furiosamente. Às vezes ele é muito humano. Minha atitude com ele é hassídica. Esbravejo com ele e ele esbraveja comigo. Discutimos quanto ao que vai ou não vai revelar. Digo: “Eu sou um disseminador, você não pode se negar a me dizer coisas.” E ele responde: “Mas se eu lhe mostrasse o disco voador durante cinco minutos, você ficaria sabendo como ele funciona.” E eu digo: “Pois então me mostre.” O cogumelo se manifesta de várias maneiras. Às vezes é como a Dorothy de O Mágico de Oz; outras vezes é como um agiota muito talmúdico. Certa vez perguntei: “O que está fazendo na Terra?” E ele respondeu: “Quando se é um cogumelo, não custa nada ir para onde se quer. Além do mais, isto aqui era um lugar bastante bom até que os macacos escaparam ao controle.”

“Macacos que escaparam ao controle”: é assim que o cogumelo vê a história humana. Para nós, a história é bem diferente: é a onda de choque da escatologia. Em outras palavras, vivemos um momento muito especial de dez ou vinte mil anos de duração, no qual uma enorme transição está ocorrendo. O objeto que há no fim da História e além da História é a espécie humana em união tântrica e eterna com a Supermente/OVNI supercondutora. É esse o mistério cuja sombra se projeta de volta no tempo. Todas as religiões, todas as filosofias, todas as guerras, todos os extermínios e perseguições acontecem porque as pessoas não recebem adequadamente a mensagem. Há, ao mesmo tempo, a progressiva casuística do ser (determinismo causal) e o padrão de interferência que se lhe contrapõe a existência desse hiperobjeto escatológico que lança a sua sombra através da paisagem to tempo. Nós existimos, mas há muita interferência. Essa situação chamada História é totalmente singular; irá durar somente um momento; começou há apenas um instante. Nesse instante, há uma tremenda explosão de estática quando o macaco atinge a divindade, quando o objeto escatológico final mitiga e transforma o fluxo da circunstância entrópica.

A vida é fundamental para o processo de organização da matéria. Rejeito a idéia de que tenhamos enveredado por um desvio chamado existência orgânica, que o nosso verdadeiro lugar é a eternidade. Essa modalidade de existência é parte importante do ciclo. É um filtro. Há a possibilidade de extinção, a possibilidade de cair para sempre na physis, e, nesse sentido, a metáfora da queda é válida. Há uma obrigação espiritual, uma tarefa a ser cumprida. Mas não é algo tão simples quanto seguir um conjunto de regras ditado por outra pessoa. O empreendimento noético é uma das obrigações primárias da existência. Dele depende nossa salvação. Nem todos precisam ler livros de alquimia ou estudar moléculas supercondutoras para fazer a transição. A maioria das pessoas consegue fazê-la ingenuamente, raciocinando com clareza sobre o presente, mas nós, intelectuais, estamos presos a um mundo onde há informações em demasia. Perdemos a inocência. Não podemos esperar atravessar a ponte estreita mediante um bom ato de contrição; isso não será suficiente.

Precisamos compreender. O Whitehead disse: “O conhecimento é a percepção de um padrão como tal.” Temer a morte é não compreender a vida. A atividade cognitiva é o fato definidor da humanidade. Linguagem, pensamento, análise, arte, dança, poesia, invenção de mitos – estas são as coisas que apontam na direção do éscathos. Nós, humanos, podemos entrar em um reino de pura auto-engenharia. A imaginação é tudo. Foi isso o que Blake percebeu. É de lá que viemos. É para lá que estamos indo. E só podemos chegar lá através da atividade cognitiva.

O tempo é a noção que reforça noções como esta, pois elas implicam um novo conceito de tempo. Durante a experiência de La Chorrera, o Logos demonstrou que o tempo não é simplesmente um meio homogêneo no qual as coisas ocorrem, e sim uma densidade flutuante de probabilidade. Embora a ciência possa, às vezes, nos dizer o que pode e o que não pode acontecer, não temos uma teoria que explique porque, de tudo o que poderia acontecer, certas coisas passam pelo que Whitehead chama de “a formalidade de realmente ocorrer”. Foi isto o que o Logos tentou explicar, o motivo pelo qual, de toda uma miríade de coisas que podiam acontecer, certas coisas passam pela formalidade de ocorrer. É porque existe uma hierarquia modular de ondas de condicionamento temporal, de densidade temporal. Determinado evento, considerado altamente improvável, é mais provável em certos momentos do que em outros.

Tomando essa simples percepção e guiado pelo Logos, pude construir um modelo fractal do tempo, passível de ser programado em computador e produzir um mapa da introdução do que chamo “novidade” – a introdução da novidade no tempo. Como norma geral, a novidade está obviamente aumentando. Vem aumentando desde o começo do universo. Imediatamente após o “Big Bang”, havia somente a possibilidade de interação nuclear; depois, quando as temperaturas caíram abaixo do ponto da resistência do núcleo, tornou-se possível a formação de sistemas atômicos. Mais tarde ainda, à medida que as temperaturas continuaram a cair, surgiram os sistemas moleculares. E, muito mais tarde, a vida se tornou possível: surgiram formas muito complexas de vida, o pensamento se tornou possível, a cultura foi inventada. Inventaram-se a imprensa e a transferência eletrônica de informações.

O que está acontecendo em nosso mundo é uma invasão de novidades, na direção daquilo que Whitehead chamava de “concrescência”, uma espiral que vai afunilando cada vez mais. Tudo flui e se une. A lapis autopoetica, a pedra alquímica que está no fim do tempo, coalesce quando tudo flui e se une. Quando as leis da física são neutralizadas, o universo desaparece, e o que resta é o plenum fortemente unido, a mônada, capaz de se expressar por si mesma, em vez de apenas lançar a sua sombra na physis como reflexo de si própria. Neste ponto, eu me aproximo muito do pensamento clássico milenário e apocalíptico em minha noção da rapidez com que as mudanças vão se acelerando. Pela forma como a espiral vai se estreitando, prevejo que a concrescência se dará em breve – por volta do ano 2012 d.C. Será o ingresso de nossa espécie no hiperespaço, mas parecerá ser o fim das leis da física, acompanhado pela liberação da mente, que passará a existir na imaginação.

Todas essas imagens – a nave espacial, a colônia espacial, a lapis – são imagens percursoras. Seguem-se naturalmente da idéia de que a História é a onda de choque da escatologia. À medida que nos aproximamos do objeto escatológico, os reflexos que ele lança, mais se assemelham ao próprio objeto. No último instante, o Inefável é revelado. Não há mais reflexos do Mistério. O Mistério é visto em toda a sua nudez, e nada mais existe. Mas o que ele é, mal podemos supor; não obstante, o prazer máximo do futurismo é tentar adivinhá-lo.

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Retirado do Livro “O Retorno à Cultura Arcaica” (Terence Mckenna)