Plantas Alucinógenas – Informações Gerais

Plantas alucinógenas vem sido usadas pelos homens por milhares de anos, provavelmente desde que eles começaram a caçar plantas para comer. Os alucinógenos continuaram recebendo a atenção das civilizações humanas durantes as eras. Recentemente, nós passamos por um período em que a sociedade ocidental sofisticada “descobriu” alucinógenos, e alguns setores da sociedade que assumiram, por uma razão ou outra, o uso de tais plantas. Isso tende a continuar.

Portanto é importante para nós aprender o quando nós possamos sobre plantas alucinógenas. Um grande grupo de literatura científica publicou sobre os seus usos e os seus efeitos, mas a informação é sempre trancada em jornais técnicos. O leigo interessado tem o direito à informação para basear suas opiniões. Esse texto foi escrito parcialmente para fornecer esse tipo de informação.

Não importa se acreditamos que o consumo de alucinógenos por homens nas sofisticadas ou primitivas sociedades constitui uso, falta de uso ou abuso, plantas alucinógenas tiveram uma participação extensa na cultura humana e provavelmente vão continuar tendo. Segue-se que um entendimento claro desse agentes potenciais físicos e sociais deve ser parte da educação geral dos homens.

(nota: o autor considera fungos e plantas como que pertencendo ao mesmo reino)

Plantas alucinógenas apareceram em diversos selos postais: (1, 6) Amanita muscaria, (2) fruto de um Peganum harmala, (3) Atropa belladonna, (4) Pancratium trianthum, (5) Rivea corymbosa, (7) Datura stramonium, (8) Datura candida, (9) Hyoscyamus niger.
Plantas alucinógenas apareceram em diversos selos postais: (1, 6) Amanita muscaria, (2) fruto de um Peganum harmala, (3) Atropa belladonna, (4) Pancratium trianthum, (5) Rivea corymbosa, (7) Datura stramonium, (8) Datura candida, (9) Hyoscyamus niger.

O QUE SÃO PLANTAS ALUCINÓGENAS?

Na sua busca por comida, os primeiros humanos testaram todos os tipos de plantas. Algumas os nutriram, outras, que eles encontraram, os curaram, e outras os mataram. Algumas, para a surpresa deles, tinham estranhos efeitos em suas mentes e corpos, parecendo levá-los para outros mundos. Nós chamamos essas plantas de alucinógenas, porque elas distorcem os sentidos e comumente produzem alucinações – experiências que se afastam da realidade. Embora a maioria dos alucinógenos sejam visuais, eles também envolvem os sentidos de audição, toque, cheiro, ou gosto – e ocasionalmente diversos sentidos estão envolvidos.

A causa atual para as alucinações são substâncias químicas nas plantas. Essas substâncias não são narcóticos verdadeiros. Contrariarmente à opinião popular, nem todos os narcóticos são perigosos e viciantes. Estritamente e etimológicamente falando, um narcótico é uma substância que têm um efeito depressivo, leve ou alto, no sistema nervoso central.

Narcóticos que induzem alucinações são normalmente chamados de alucinógenos (geradores de alucinações), psicomiméticos (imitadores da psiquê), e psicodélicos (manifestadores da mente). Nenhum termo satisfaz totalmente os cientistas, mas “alucinógenos” chega perto. “Psicodélicos” é mais usado nos Estados Unidos, mas ele combina duas raízes gregas incorretamente, é biologicamente doentio, e adquiriu um significado popular além das drogas e seus efeitos.

Na história do gênero humano, alucinógenos têm sido talvez os mais importantes de todos os narcóticos. Os seus efeitos fantásticos fizeram-nos sagradospara os povos primitivos e até mesmo pode ter feito surgir nele a ideia de divindade.

O mais famoso dos alucinógenos com significância religiosa é o cacto peiote. Essa ilustração, chamada “Orador na manhã em uma cerimônia de peyote” é adaptada de uma pintura por Tsa Toke, um indiano Kiowa. Esses indianos são usuários rituais de peiote. O fogo central em forma crescente é ladeado por leques de penas de águias cerimoniais, as penas simbolizam a manhã, e os pássaros, as orações em ascenção.

ALUCINÓGENOS NAS SOCIEDADES PRIMITIVAS

Alucinógenos permeiam profundamente qualquer aspecto da vida nas sociedades primitivas. Eles ditam regras na saúde e na doença, paz e guerra, vida em casa e viajem, caça e agricultura; eles afetam as relações entre indivíduos, vilas, e tribos. Acredita-se que eles influenciam a vida antes e depois da morte.

O uso médico e religioso de plantas alucinógenas são particularmente importantes nas sociedades primitivas. Aborígenes atribuem a doença e a saúde ao trabalho das forças espirituais. Consequentemente, toda “medicina” que pode transportar os homens para o mundo espiritual é considerada por muitos aborígenes melhor do que qualquer efeito físico.

As forças psíquicas também vem sido atribuídas aos alucinógenos e têm sido uma parte integral nas religiões primitivas. Em todo o mundo plantas alucinógenas são usadas como mediadoras entre os homens e Deus. As profecias do Oráculo de Delphi, por exemplo, são ditas terem sido influenciadas por alucinógenos.

Outros usos aborígenes de alucinógenos variam de uma cultura primitiva para outra. Muitas plantas alucinógenas são básicas para a iniciação ritual de adolescentes. Os indianos Algonquin dão uma substância intoxicante para seus jovens, a “wysoccan”, e eles então ficam violentamente perturbados por vinte dias. Durante esse período, eles perdem toda a memória, iniciando a fase adulta se esquecendo de que eles já foram meninos. A raíz iboga no Gabão e o caapi na Amazônia são também utilizados nos rituais.

Estátua de Xochipilli, o “Príncipe das flores” Asteca, descoberto nas encostas do vulcão Popocatepetl e agora exposto no Museu Nacional na Cidade do México. As etiquetas indicam as possíveis interpretações botânicas das figuras.
Estátua de Xochipilli, o “Príncipe das flores” Asteca, descoberto nas encostas do vulcão Popocatepetl e agora exposto no Museu Nacional na Cidade do México. As etiquetas indicam as possíveis interpretações botânicas das figuras.

Na América do Sul, muitas tribos tomam ayahuasca para prever o futuro, visualisar disputas, decifrar planos inimigos, produzir ou retirar feitiços, ou comprovar a fidelidade da esposa. Sensações de morte e separação do corpo e alma são algumas vezes experimentados durante um transe.

As propriedades alucinógenas da Datura têm sido muito exploradas, particularmente no Novo Mundo. No México e no Sul, a Datura é utilizada na divinação, profecia, e cura ritualística.

Os índios modernos mexicanos valorizam certos cogumelos como sacramentos e usam Morning glories e o cacto peiote para predizer o futuro, diagnosticar e curar doenças, e invocar bons e maus espíritos.

Os Mixtecs do México comem puffballs para escutar vozes do paraíso que respondem às suas perguntas. Os Waikás do Brasil e Venezuela aspiram a resina em pó de uma árvore da floresta para ritualizar a morte, induzir um estado de transe para diagnosticar doenças, e agradecer aos espíritos por uma vitória em uma guerra. Os Witotos da Colômbia comem a mesma resina poderosa para “falar com as pessoas pequenas”. Os médicos indígenas Peruvianos tomam cimora para fazer eles mesmos portadores de outras identidades. Índios do oeste do Brasil tomam jurema para têr visões gloriosas dos espíritos dos mundos antes de partir para batalhas com os seus inimigos.

USO NO MUNDO OCIDENTAL MODERNO

Nossa sociedade moderna adotou, recentemente, e algumas vezes ilegalmente, o uso de de alucinógenos em grande escala. Muitas pessoas acreditam que eles podem ativar experiências “místicas” ou “religiosas” alterando a química do corpo , raramente percebendo que eles estão simplesmente voltando para a era das velhas práticas primitivas. Se as aventuras induzidas por drogas podem ser idênticas com a visão metafísica reivindicada por alguns místicos, ou são meramente uma falsificação delas, é ainda uma controvérsia. O uso mundial e expansivo de alucinógenos em nossa sociedade pode ter pouco ou nenhum valor e pode algumas vezes até ser perigoso ou prejudicial. Em qualquer caso, é um traço cultural recentemente importado e sobreposto sem as raízes naturais da tradição ocidental.

Detalhe de uma pintura de uma visão primitiva de ayahuasca por Yando del Rios, artista peruviano contemporâneo.
Detalhe de uma pintura de uma visão primitiva de ayahuasca por Yando del Rios, artista peruviano contemporâneo.

COMPOSIÇÃO QUÍMICA

Alucinógenos são limitados a um pequeno número de componentes químicos. Todos os alucinógenos encontrados em plantas são componentes orgâncios – isto é, eles contém carbono como uma parte essencial de suas estruturas e são formados no processo de vida de organismos vejetais. Nenhum componente inorgânico de plantas, como minerais, são conhecidos por terem efeitos alucinógenos. Compostos alucinógenos devem ser divididos convenientemente em dois grandes grupos: os que contêm nitrogênio na sua estrutura e os que não contém. Os que contém nitrogênio são mais comuns. O mais importante dos componentes sem nitrogênio é o princípio ativo da marijuana, componentes terpenofenólicos classificados como dibenzoprianos e chamados canabinóides – em particular, tetrahidrocannabinóis. Os compostos alucinógenos com hidrogênio em sua estrutura são os alcalóides ou bases relacionadas.

ALCALÓIDES são um grupo diverso de mais de 5000 componentes com estruturas moleculares complexas. Eles contém nitrogênio, assim como carbono, oxigênio, e hidrogênio. Todos os alcalóides são são originados de plantas, porém alguns protoalcalóides ocorrem em animais. Todos são ligeiramente alcalinos, daí o seu nome. Eles são classificados em séries baseadas em suas estruturas. Muitos alcalóides alucinógenos são são indóis (veja abaixo) ou estão relacionadas com índoles, e a maioria foram ou provavelmente foram originados na planta partindo do aminoácido conhecido como triptofano. Muitas plantas medicinais e tóxicas, assim como as alucinógenas, devem sua atividade biológica à alcalóides. Exemplos de alcalóides mundialmente usados são a morfina, a quinina, a nicotina e a cafeína.

ÍNDOLES são alcalóides alucinógenos ou bases relacionadas, sendo que todos contém componentes nitrogenados. É mais impressionante que dos muitos milhares de compostos orgânicos que atuam em várias partes do corpo tão poucos são alucinógenos. O núcleo índole de alucinógenos geralmente aparece na forma de derivados de triptamina. Ele é composto por fenil e segmentos pyrrol (veja o diagrama a seguir). Triptaminas podem ser “simples” – isto é, sem substituições – ou elas podem ter vários grupos de “cadeias laterais” conhecidas como hidróxidos (OH), metóxitos (CH3), ou fósfogloxina (OPO3H) em seu anel fenólico. O anel índole (mostrado em vermelho no diagrama) é evidente não somente nas inúmeras triptaminas (dimetiltriptamina, etc.) mas também nos vários alcalóides ergóticos (ergina e outros), nos alcalóides ibogaínicos, e nos alcalóides Beta-carbonílicos (harmina, harmalina, etc.). A dietilamida do ácido lisérgico (LSD) tem um núcleo índole. Uma das razões para a significância dos alcalóides indólicos pode ser a semelhança estrutural com as serotoninas neuro-humorais (5-hidróxidimetiltriptamina), presentes no sistema nervoso de animais de sangue quente. A serotonina possui uma importância principal na bioquímica no sistema nervoso central. Um estudo do funcionamento das triptaminas alucinógenas pode experimentalmente ajudar a explicar a função da serotonina no corpo. Uma relação química similar à esses alucinógenos indólicos e à serotonina existe entre a mescalina, um alucinógeno presente no peiote, e o neuro-hormônio norepinefrina. Essas semelhanças químicas entre componentes alucinógenos e os neuro-hormônios que jogam na neurofisiologia podem ajudar a explicar a atividade alucinógena e até certos processos do sistema nervoso central. Outros alcalóides – as isoquinolinas, tropaminas, quinolizidinas, e isoxazolinas – são mais levemente alucinógenos e podem operar de forma diferente no corpo.

PSEUDO-ALUCINÓGENOS

Esses são compostos venenosos de plantas que causam o que pode ser chamado de alucinações secundárias ou pseudo-alucinações. Como não possuem agentes alucinógenos reais, eles bagunçam a função normal do corpo induzindo um estado de delírio acompanhado por aquilo que por todos os motivos práticos são alucinações. Alguns componentes dos óleos essenciais – os elementos aromáticos responsáveis pela característica odorífera das plantas – parecem agir nesse caso. Componentes da noz-moscada são um exemplo. Muitas plantas possuindo tais componentes são extremamente perigosas para se tomar, especialmente quando ingeridas em doses elevadas o suficiente para induzir alucinações. As pesquisas ainda não deram muita luz no tipo de psicoatividade produzido por essas substâncias.

COMO OS ALUCINÓGENOS SÃO CONSUMIDOS

Plantas alucinógenas são usadas de variadas formas, dependendo do tipo de planta, dos elementos químicos envolvidos, das práticas culturais, e outras considerações. O homem em sociedades primitivas em diversos locais, mostrou um grande talento e perspicácia em preparo de plantas alucinógenas para seus usos.

PLANTAS PODEM SER COMIDAS, frescas ou secas, como o peiote e o teonanacatl, ou o suco das folhas maceradas pode ser bebido, como a Salvia divinorum (no México). Ocasionalmente um derivado de vejetais pode ser comido, como o haxixe. Mais frequentemente, uma beberagem pode ser tomada: ayahuasca, caapi, ou yagé da casca de uma trepadeira; o cacto San Pedro; vinho de jurema, iboga; folhas de toloache, ou sementes amassadas das Morning glories mexicanas. Originalmente peculiar às culturas do Novo Mundo, onde era uma forma de usar tabaco, fumar agora é um método espalhado de usar cannabis. Outros narcóticos além do tabaco, como a tupa, podem ser vulcanizados.

ASPIRAR é um método preferido de usar diversos alucinógenos – yopo, epena, sébil, rapé dos índios. Assim como fumar, cheirar é um novo costume mundial. Alguns poucos indios do Novo Mundo costumam tomar alucinógenos de forma retal – como no caso da Anadenathera. Um método curioso de induzir os efeitos dos narcóticos é o método africano de fazer incisões no couro cabeludo e esfregar o suco da do bulbo de uma espécie de Pancratium através das incisões. Esse método é um tipo de contrapartida primitiva do método hipodérmico atual. Muitos métodos foram usados no caso de algumas plantas alucinógenas. Resina de Virola, por exemplo, é lambida inalterada, é geralmente preparada na forma de rapé, e é feita ocasionalmente em pequenos volumes a serem consumidos, e pode por vezes ser fumada.

ADITIVOS DE PLANTAS ou misturas para as principais espécies alucinógenos estão se tornando cada vez mais importantes na pesquisa. Plantas auxiliares são por vezes adicionadas à preparação para alterar, aumentar, ou prolongar os efeitos narcóticos dos ingredientes principais. Assim, para tornar o ayahuasca, caapi, yajé ou bebidas, preparadas basicamente a partir de Banisteriopsis caapi ou inebrians B., vários aditivos são frequentemente usados: folhas de Psychotria viridis ou rusbyana Banisteriopsis, que contenham triptaminas alucinógenas, ou Brunfelsia ou Datura, as quais são alucinógenas, por si próprias.

Fonte: Hallucinogenic Plants – A golden Guide, Golden Press. (Tradução do Original)

Curando a Dissociação – Jung

Extraído de “O Homem e seus Símbolos” – Carl G. Jung


jung2Nosso intelecto criou um novo mundo que domina a natureza, e ainda a povoou de máquinas monstruosas. Estas máquinas são tão incontestavelmente úteis que nem podemos imaginar a possibilidade de nos descartarmos delas ou de escapar à subserviência a que nos obrigam. O homem não resiste às solicitações aventurosas de sua mente científica e inventiva, nem cessa de congratular-se consigo mesmo pelas suas esplêndidas conquistas. Ao mesmo tempo, sua genialidade revela uma misteriosa tendência para inventar coisas cada vez mais perigosas, que representam instrumentos cada vez mais eficazes de suicídio coletivo.

Em vista da crescente e súbita avalancha de nascimentos, o homem já começou a buscar meios e modos de sustar esta explosão demográfica. Mas a natureza pode vir a antecipar esta tarefa, voltando contra ele as suas próprias criações. A bomba de hidrogênio, por exemplo, seria um freio seguro para este aumento de população. A despeito da nossa orgulhosa pretensão de dominar a natureza, ainda somos suas vítimas na medida em que não aprendemos nem a nos dominar a nós mesmos. De maneira lenta, mas que nos parece fatal, atraímos o desastre.

Já não existem deuses cuja ajuda possamos invocar. As grandes religiões padecem de uma crescente anemia, porque as divindades prestimosas já fugiram dos bosques, dos rios, das montanhas e dos animais e os homens-deuses desapareceram no mais profundo do nosso inconsciente. Iludimo-nos julgando que lá no inconsciente levam vida humilhante entre as relíquias do nosso passado. Nossas vidas são agora dominadas por uma deusa, a Razão, que é a nossa ilusão maior e mais trágica. É com a sua ajuda que acreditamos ter ”conquistado a natureza”.

Esta expressão é um simples slogan, pois esta pretensa conquista nos oprime com o fenômeno natural da superpopulação e ainda acrescenta aos nossos problemas uma incapacidade psicológica total para realizarmos os acordos políticos que se fazem necessários. Continuamos a achar natural que homens briguem e lutem com o objetivo de afirmar cada um a sua superioridade sobre o outro. Como pensar, então, em “conquista da natureza?”

Como toda mudança deve, forçosamente, começar em alguma parte, será o indivíduo isoladamente que terá de tentar e experimentar levá-la avante. Esta mudança só pode principiar, realmente, em um só indivíduo; poder á ser qualquer um de nós. Ninguém tem o direito de ficar olhando à sua volta, à espera de que alguma outra pessoa faça aquilo que ele mesmo não está disposto a fazer.

Mas como ninguém parece saber o que fazer, talvez valha a pena que cada um de nós se pergunte se, por acaso, o seu inconsciente conhecerá alguma coisa que nos possa ser útil a todos. A mente consciente, decididamente, parece incapaz de ajudar-nos. O homem hoje dá-se conta dolorosamente de que nem as suas grandes religiões nem as suas várias filosofias parecem capazes de fornecer-lhe aquelas idéias enérgicas e dinâmicas que lhe dariam a segurança necessária para enfrentar as atuais condições do mundo.

Sei bem o que haveriam de dizer os budistas: as coisas andariam bem se as pessoas seguissem “a nobre trilha óctupla” do Dharma (lei, doutrina) e compreendessem verdadeiramente o self (ou si-mesmo) . Já os cristãos afirmam que se as pessoas tivessem fé em Deus teríamos um mundo melhor. Os racionalistas insistem que se as pessoas fossem inteligentes e ponderadas todos os nossos problemas seriam controlados. A verdadeira dificuldade é que nenhum deles trata de resolver estes problemas pessoalmente.

Os cristãos muitas vezes perguntam por que Deus não se dirige a eles, como se acredita que fazia em tempos passados. Quando ouço este tipo de questionamento lembro-me sempre do rabi a quem perguntaram por que ninguém mais hoje em dia vê Deus, quando no passado Ele aparecia às pessoas com tanta freqüência. Resposta do rabi: ”É que hoje em dia já não mais existe gente capaz de curvar-se o bastante.”

Resposta absolutamente certa. Estamos tão fascinados e envolvidos por nossa consciência subjetiva que nos esquecemos do fato milenar de que Deus nos fala, sobretudo através de sonhos e visões. O budista despreza o mundo das fantasias inconscientes considerando-as ilusões inúteis; o cristão coloca sua Igreja e sua Bíblia entre ele próprio e o seu inconsciente; e o racionalista ainda nem sabe que a sua consciência não é o total da sua psique. Este tipo de ignorância continua a existir apesar de o inconsciente ser, há mais de 70 anos, um conceito científico básico e indispensável a qualquer investigação psicológica séria.

Não podemos mais nos permitir uma atitude de “Deus Todo -Poderoso”, elegendo-nos juizes dos méritos ou das desvantagens dos fenômenos naturais. Não baseamos nossos conhecimentos de botânica na ultrapassada classificação entre plantas úteis e inúteis, ou os de zoologia na ingênua distinção entre animais inofensivos e perigosos. Mas, complacentemente, continuamos a admitir que consciência é razão e inconsciência é contra-senso. Em qualquer outra ciência tal critério faria rir, tal a sua improcedência. Os micróbios, por exemplo, são razoáveis ou absurdos?

Seja o que for a inconsciência, sabe-se que é um fenômeno natural que produz símbolos provadamente relevantes. Não podemos esperar que alguém que nunca tenha olhado através de um microscópio seja uma autoridade em micróbios. Do mesmo modo, quem não fez um estudo sério a respeito dos símbolos naturais não pode ser considerado juiz competente do assunto. Mas a depreciação geral da alma humana é de tal extensão que nem as grandes religiões, nem as várias filosofias, nem o racionalismo científico se dispõem a um estudo mais profundo.

Apesar de a Igreja Católica admitir a ocorrência dos somnia a Deo missa (sonhos enviados por Deus), a maioria dos seus pensadores não faz um esforço sério para compreender os sonhos. Duvido que exista um tratado ou uma doutrina protestante que se humilhe a ponto de aceitar a possibilidade de a vox Dei ser percebida em algum sonho. Mas se o teólogo acredita mesmo na existência de Deus, com que autoridade pode afirmar que Deus é incapaz de nos falar através dos sonhos?

Passei mais de meio século investigando os símbolos naturais e cheguei à conclusão de que tanto os sonhos como seus símbolos não são fenômenos inconseqüentes ou desprovidos de sentido. Ao contrário, os sonhos fornecem as mais interessantes revelações a quem quiser se dar ao trabalho de entender a sua simbologia. O resultado, é bem verdade, pouco tem a ver com problemas cotidianos como vender ou comprar. Mas o sentido da vida não está de todo explicado pela nossa atividade econômica, nem os anseios mais íntimos do coração humano atendidos por uma conta bancária.

Neste período da história humana em que toda a energia disponível é dedicada ao estudo e à investigação da natureza, dedica-se pouquíssima atenção à essência do homem — a sua psique — enquanto multiplicam-se as pesquisas sobre as suas funções conscientes. No entanto, as regiões verdadeiramente complexas e desconhecidas da mente, onde são produzidos os símbolos, ainda continuam virtualmente inexploradas. E é incrível que, apesar de recebermos quase todas as noites sinais enviados por estas regiões, pareça tão tedioso decifrá-los que poucas pessoas se tenham preocupado com o assunto. O mais importante instrumento do homem, a sua psique, recebe pouca atenção e é muitas vezes tratado com desconfiança e desprezo. “É apenas psicológico” é uma expressão que significa, habitualmente: “Não é nada.”

De onde exatamente virá este imenso preconceito? Estivemos sempre tão manifestamente ocupados com o que pensamos que nos esquecemos por completo de indagar o que pensará a nosso respeito a psique inconsciente. As idéias de Sigmund Freud vieram acentuar, em muitas pessoas, o desdém existente com relação à psique. Antes dele descurava-se e ignorava-se sua existência; agora a psique tornou-se uma espécie de depósito onde se despeja tudo que a moral refuga.

Este ponto de vista moderno é, certamente, unilateral e injusto. Nosso conhecimento atual do inconsciente revela que é um fenômeno natural e, tal como a própria Natureza, pelo menos neutro. Nele encontramos todos os aspectos da natureza humana — a luz e a sombra, o belo e o feio, o bom e o mau, a profundidade e a sandice. O estudo do simbolismo individual, e do coletivo, é tarefa gigantesca e que ainda não foi vencida. Mas ao menos já existe um trabalho inicial. Os primeiros resultados são encorajadores e parecem oferecer resposta às muitas perguntas — até aqui sem nenhuma réplica — que se faz à humanidade de hoje.