Misticismo Molecular – Ralph Metzner

Misticismo molecular: O papel das substancias psicoativas na transformação da consciência
um ensaio exibido em “The Gateway to Inner Space”,Christian Rätsch, editor. Publicada por Prism Press, Dorset, Reino Unido, 1989.

Traduzido do original Molecular Misticism por Ralph Metzner

Existe uma questão que atormentou a mim, e sem dúvida a outros, desde o início das pesquisas psicodélicas nos anos 60, quando muitos grupos de indivíduos estavam preocupados com os problemas de assimilar novas e poderosas substancias alteradoras de consciência na sociedade ocidental. As questões, de forma simples, eram as seguintes: Porque os nativos americanos tiveram tanto sucesso ao integrar o uso do peyote em sua cultura, incluindo seu uso legal nos dias atuais como sacramento, enquanto os interessados em prosseguir a pesquisa da consciência com drogas na cultura dominante branca, só conseguiram transformar o campo inteiro de pesquisa em um tabu, e qualquer uso dessas substâncias em uma ofensa criminal passível de pena de prisão? O uso do Peyote se espalhou do México para as tribos de nativos norte americanos na segunda metade do século XIX, a encontrou aceitação como sacramento em cerimônias da Native American Church. É reconhecido como um tipo de ritual religioso que algumas das tribos praticam; bem como destacado pelos sociólogos pelo papel importante que tem como um antídoto para o abuso de álcool.

Esta intrigante charada da etnopsicologia e da história, era pessoalmente relevante para mim, desde que fui um dos pesquisadores psicodélicos que viu os enormes potenciais transformativos das drogas “expansoras da consciência”, como as chamávamos, e estávamos ansiosos para continuar a investigação sobre a sua significância psicológica. Seria justo afirmar que nenhum dos primeiros exploradores neste campo, nos anos 1950 e início dos anos 1960, tinha alguma noção da crise social que estava por vir, nem da veemência da reação jurídico-política. Certamente o Dr. Albert Hofmann, um exemplo de cientista cuidadoso e conservador, testemunhou a sua consternação e preocupação com a proliferação de padrões de abuso de maneira tão pungente daquilo que ele chamou de seu “filho problema” (Sorgenkind). Assim, resultou o estranho paradoxo que as substâncias consideradas como um mal social e um problema de aplicação da lei na cultura dominante é também o sacramento de uma sub-cultura particular dentro dessa sociedade em geral. Partindo de que a cultura dos nativos americanos é bem mais antiga e ecologicamente mais sofisticada que a cultura branca européia que tentou absorvê-la ou eliminá-la, e uma vez que muitos indivíduos sensíveis têm sustentado que devemos aprender com os índios, não exterminá-los, o exame profundo da questão colocada acima poderia levar a algumas conclusões muito interessantes.

Temazcal

Assim, a reação da sociedade dominante era o medo, seguido pela proibição, mesmo sem pesquisas aprofundadas. Nenhuma das três profissões estabelecidas queria estes instrumentos de expansão da consciência, e também não queriam que mais ninguém os obtivesse por livre escolha. A suposição implícita era de que as pessoas eram muito ignorantes e ingênuas para fazer, de forma razoável, escolhas informadas a respeito de como tratar suas doenças, resolver os seus problemas psicológicos, ou praticar a sua religião. Assim, a condição fragmentada de nossa sociedade se reflete de volta para nós através dessas reações. Para os Nativos Americanos, por outro lado, cura, adoração e resolução de problemas são classificados como o mesmo caminho; o caminho do Grande Espírito, o caminho da Mãe Terra, o caminho tradicional. O entendimento integrativo recebido sob as visões do Peiote não é temido, mas aceito e respeitado. Aqui, a suposição implícita é que cada um tem a capacidade, na verdade o dever, de sintonizar-se às fontes espirituais mais elevadas de conhecimento e de cura, e à finalidade da cerimônia, que com ou sem substâncias medicinais, é considerada como um facilitador da tal sintonia.A resposta do quebra-cabeças etnopsicológico se tornou clara para mim somente após eu ter começado a observar e participar de uma série de cerimônias dos índios americanos, como o círculo de cura (healing cicle), a cabana do suor (the sweat lodge), ou a dança dos espíritos (spirit dance), que não envolvia o uso do Peyote. Pude notar o que muitos etnólogos já haviam reportado: que estas cerimônias eram simultaneamente religiosas, medicinais e psicoterapêuticas. A cabana do suor (Temazcal), como o ritual do Peyote, é considerada uma cerimônia sagrada, como forma de adoração ao Criador; também são ambas vistas e praticadas como uma forma de cura física, e são realizadas para resolver problemas psicológicos pessoais e coletivos. Assim, seria natural às tribos que já tomaram Peyote, adicionarem este meio aos outros quais eles já eram familiarizados, como uma cerimônia que expressa e reforça a integração do corpo, da mente e do espírito. Na sociedade branca dominante, em contraste, medicina, psicologia e espiritualidade religiosa, estão separadas por diferenças paradigmáticas aparentemente intransponíveis. As profissões médicas, psicológicas e religiosas e seus grupos criados, cada um separadamente, considerou o fenômeno das drogas psicodélicas e se assustou com as transformações imprevisíveis de percepção e visão de mundo que elas pareciam desencadear.

 

Psicodélicos como Sacramento ou Recreação

Vários observadores, por exemplo, Andrew Weil (1985), tem chamado atenção para o padrão histórico que, à medida que a sociedade colonial ocidental adotou plantas psicoativas ou outras substancias de culturas nativas (a maioria das quais agora consideradas pertencentes ao “3º mundo”), o padrão de uso desses materiais psicoativos tem se reduzido de sacramental para recrativo. O tabaco era tido como sagrado, uma planta de poder, pelos índios das Américas Do Sul, Central e do Norte (Robiseck 1978); e ainda é sagrado pelos nativos americanos, apesar de na cultura branca ocidental e países influenciados por esta cultura dominante, fumar cigarro ser obviamente recreacional e tem se tornado até um problema de saúde pública. A planta da coca, cultivada e utilizada pelas tribos Andinas, era tratada como divindade – Mama Coca – e valorizada por suas propriedades de manutenção de saúde; a cocaína, por outro lado, é uma droga puramente recreativa e seu uso indiscriminado ainda causa numerosos problemas de saúde. Nessa e em outras instâncias, a dessacralização da planta psicoativa vem sendo acompanhada de criminalização. O Café é outro exemplo: aparentemente descoberto e utilizado pelos Sufi islâmicos, que valorizavam suas propriedades estimulantes para longas noites de oração e meditação, se tornou a bebida recreativa da moda na sociedade européia do século XVII, e foi até banido por um período por ser considerado muito perigoso (cf. Emboden 1972; Weil & Rosen 1983). Mesmo a cannabis, a epítome do “barato recreacional”, é usada por algumas seitas do Tantrismo Hindu como um aplificador da visualização e da meditação.

Uma vez que plantas medicinais, originalmente sacramentais, foram tão rápida e completamente dessacralizadas ao serem adotadas pela cultura cada vez mais materialista do Ocidente, não deveria ser surpresa que recém-descobertos medicamentos psicoativos sintéticos têm sido geralmente muito rapidamente categorizados como recreativos, ou “narcóticos”, ou ambos. Concomitantemente ao uso indiscriminado, excessivo e não sacramental das plantas psicoativas e seus análogos sintetizados, cresceram os padrões de uso abusivo e dependência; previsivelmente, a sociedade estabelecida reagiu com proibições que levaram a atividades de crime organizado. Isto, apesar do fato de que muitos dos descobridores originais dos novos psicodélicos sintéticos, pessoas como Albert Hofmann e Alexander Shulgin, são pessoas de profunda integridade espiritual.Nem eles, nem os esforços dos filósofos como Aldous Huxley e psicólogos como Timothy Leary que advogaram uma respeitosa e sagrada attitude em relação a essas substâncias, foram capazes de evitar a mesma profanação de acontecer.

O recém descoberto MDMA fornece um exemplo instrutivo desse fenômeno. Dois padrões de uso parecem ter se estabelecido durante os anos 70: alguns psicoterapeutas e pessoas inclinadas à espiritualidade começaram a explorar suas possíveis aplicações como adjuvante terapêutico e como um amplificador de prática espiritual; outro grupo muito maior de indivíduos comaçou a utilizá-lo para propósitos puramente recreativos, como droga social comparável em alguns aspectos à cocaína. A disseminação do uso irresponsável desta segunda categoria para um número crescente de pessoas, naturalmente deixou as autoridades fármaco-legais preocupadas, e a reação previsível aconteceu: O MDMA foi classificado como droga de Categoria I nos Estados Unidos, que o coloca no mesmo grupo da heroína, cannabis e o LSD, tornando seu uso ou venda uma ofensa criminosa, e dando um sinal de claros limites aos pesquisadores médicos e farmacêuticos.

Quando Hofmann retornou à xamã mazateca Maria Sabina com a psilocibina sintética objetivando que ela lhe apontasse o quão distante o ingediente sintetizado estava da substância natural, ele estava seguindo o caminho apropriado de reconhecer a primazia do botânico sobre o sintético. O argumento poderia ser feito, e foi feito que, talvez, para cada um dos psicodélicos sintéticos importantes, existe alguma planta natural que tem os mesmos ingredientes e que esta planta é a nossa conexão com o perdido conhecimento mais amplo das culturas indígenas. Talvez isto devesse ser nossa estratégia de pesquisa – achar o hospedeiro botânico para os psicodélicos nascidos no laboratório. No caso do LSD. Pesquisas sobre o uso de sementes de Ipomoea Violacea (Morning Glory) e Argyreia Nervosa (Baby Woodrose) no Havaí, cada uma das quais contém análogos ao LSD, nos permitiria descobrir o complexo xamânico que envolve esta molécula. Se Wasson, Hofmann, e Ruck estiverem corretos em sua perspectiva que alguma bebida similar ao LSD, derivada do ergot (fungo que ataca o centeio), era uma bebida utilizada como sacramento iniciatório em Eleusis, as implicações são profundas (Wasson et al 1978). Utilizando a teoria dos campos morfogenéticos de Rupert Sheldrake, pode-se supor que recriando ou resintetizando uma planta particular, estaríamos reativando o campo morfogenético dos Mistérios de Eleusis, o antigo e mais inspirador ritual místico do mundo.

Não há nenhuma razão intrínseca para que o uso sacramental e uso recreativo de uma substância, com moderação, não possa coexistir. Na verdade, entre os Nativos Americanos, o tabaco eventualmente tem um papel duplo: após o ritual do cachimbo sagrado com tabaco e outras ervas, os participantes as vezes fumam um cigarro pra relaxar. Conhecemos o uso sacramental do vinho no rito da comunhão católica; e certamente conhecemos o uso recreacional do vinho. Conseguimos manter estes dois contextos em separado, e somos capazes de reconhecer quando um uso recreativo de torna uso abusivo e dependência. Pode-se imaginar sofisticação semelhante no desenvolvimento em relação aos vegetais psicoativos. Poderiam ser reconhecidas aplicações sacramentais e terapêuticas; e certos padrões de uso poderiam desenvolver o que fosse de mais lúdico, exploratório, hedonista e ainda pode estar contido dentro de uma estrutura social razoável e aceitável que minimiza danos.

O abuso de uma droga, neste sistema relativamente iluminado, não seria função de quem a usa, ou onde ela se origina, ou se as autoridades médicas a condenam, mas sim nas consequências comportamentais no usuário da droga. Alguém se torna reconhecido como alcoólatra, ou seja, aquele que abusa do álcool, quando suas relações interpessoais e sociais são visivelmente prejudicadas. Não deveria haver dificuldade em estabelecer um critério similar para o abuso de substâncias psicoativas.

 

Psicodélicos como catalisadores de Gnose

Em 1968, em um artigo “Sobre o significado evolutivo dos psicodélicos”, publicado nas principais correntes do pensamento moderno, sugeri que os resultados da investigação LSD nas áreas de psicologia, religião e as artes poderiam ser analisadas no contexto da evolução da consciência: Se o LSD expande a consciência e se, como muito se acredita, a próxima evolução se dará na forma de uma ampliação na consciência, não podemos então olhar para o LSD como um possível instrumento evolucionário?… Temos aqui um dispositivo que, alterando a composição química do meio de processamento de informação cerebro-sensorial, inativa temporariamente os filtros genéticos e culturais, que dominam de forma completamente despercebido nossas percepções habituais do mundo.

Da perspectiva de quase 20 anos de reflexões, eu proponho agora amplificar essa afirmativa em 2 caminhos: (1) a evolução da conciência é um processo de transformação que consiste primeiramente na obtenção de uma intuição e compreensão, ou gnosis; e (2) a aceleração deste processo por meio de moléculas catalisadoras é não só uma consequência das novas tecnologias, mas também um componente integral de sistemas tradicionais de transformação, como o xamanismo, a alquimia e a yoga.

Na pesquisa de psicodélicos, a hipótese do “set & setting”, formulada por Timothy Leary no início dos anos 60, foi aceita pela maioria dos que trabalhavam neste campo. A teoria refere que o conteúdo de uma experiência psicodélica é uma função do conjunto (set: intenção, atitude, personalidade, humor) e a configuração (setting: interpessoal, social e ambiente), e a droga atua como uma espécie de gatilho, ou catalisador, ou amplificador não espécífico, ou sensibilizador. A hipótese pode ser aplicada para a compreensão de qualquer estado de consciência alterado, quando reconhecemos que outros tipos de estímulos podem ser disparadores, por exemplo, a indução hipnótica, a técnica de meditação, o mantra, um som ou música, a respiração, o isolamento sensorial, o movimento, o sexo, paisagens naturais, uma experiência de quase-morte, e assim por diante. Generealizar a hipóteses do set & setting desta forma, nos ajuda a entender as substâncias psicodélicas como uma classe de “gatilhos” dentro de toda uma gama de possíveis catalisadores de estados alterados (Tart 1972; Zinberg 1977).

Um importante e esclarecedor resultado de ter em mente a distinção entre um estado (de consciência) e um traço psicológico; entre mudanças de estado e mudanças de características. Por exemplo, a distinção dos psicólogos entre ansiedade-estado e ansiedade-traço. William James, no seu livro “Varieties of Religious Experience” (1961), discutiu esta questão em termos de saber se uma experiência religiosa ou de conversão levaria necessariamente a mais “santidade”, a traços mais iluminados. Esta distinção é crucial para a avaliação do valor ou significância dos estados alterados induzidos quimicamente. Somente observando ambas as mudanças de estado (visões, insights, sentimentos) e as consequências de longro prazo, ou mudanças comportamentais ou de traço, podemos alcançar uma compreensão abrangente destes fenômenos.

Ter um insight não é o mesmo que ser capaz de aplicar este insight. Não existe conexão inerente entre a experiência mística de unidade e a expressão ou manifestação dessa unidade nos afazeres do dia a dia. Este ponto é provavelmente óbvio, no entanto é frequentemente negligenciada por aqueles que argumentam que, em princípio, uma droga não poderia gerar uma verdadeira experência mística ou desempenhar qualquer papel na vida espiritual. Os fatores internos do “Set”, que incluem a preparação, a expectativa e a intenção, são os determinants de saber se uma determinada experiência é autenticamente religiosa; e de forma igual, a intenção é crucial para saber se estados alterados resultam em mudanças duradouras de personalidade. A intenção é como uma ponte do mundo ordinário, ou a realidade consensual, para o estado de uma consciência mais elevada (de maior estágio de organização); e pode também prover uma ponte deste estado de consciência mais ampla de volta ao estado de realidade ordinária.

Este modelo nos permite entender porque as mesmas drogas são consideradas por alguns, capazes de induzir o nirvana, ou visões religiosas, e para outros (alguém como Charles Manson, por exemplo) podem induzir às violências mais perversas e sádicas. A droga é apenas uma ferramenta, um catalisador, para alcançar certos estados alterados; quais estados alterados, dependerá da intenção.  Ainda, mesmo que o estado quimicamente induzido seja benigno e expansivo, se leva ou não a mudanças positivas e duradouras, também é uma questão de intenção, ou mind-set.

Estas drogas, de fato parecem revelar ou liberar algo que está na pessoa; o que é o fator implícito no termo “psicodélico” — mente manifestada. Na minha opinião, o termo “Enteógeno” é uma escolha infeliz, pois sugere que o deus interios, o princípio divino é de alguma forma “gerado” nesses estados. Minhas experiências me levaram a conclusão oposta: o deus interior é o gerador, a fonte de energia da vida, o despertar e o poder de cura. Para aqueles cuja intenção consciente é uma transformação psicoespiritual, o psicodélico pode ser um catalisador que revela e liberta insights ou conhecimentos de aspectos mais elevados do nosso ser. Isto é, creio eu, o que se entende por Gnose, o sagrado conhecimento sobre as realidades espirituais fundamentais do universo em geral e no destino particular de casa indivíduo.

O potencial das substâncias psicodélicas para agir como catalisadores para uma transformação gnóstica,ou para uma consciência contínua direta da realidade divina, mesmo que apenas em um pequeno número de pessoas, parece ser de extrema importância. Tradicionalmente, o número de indivíduos que costumam ter experiências místicas tem sido muito pequeno; o número daqueles que são capazes de realizar aplicações práticas destas experiências provavelmente tem sido ainda menor. Assim, a descoberta de psicodélicos, no sentido de facilitar tais experiências e processos, poderia ser considerado como um fator muito importante para um despertar espiritual geral da consciência humana coletiva. Outros fatores quepoderiam ser mencionados neste contexto são as mudanças de paradigmas revolucionários nas ciências físicas e biológicas, o crescente interesse em filosofias orientais e disciplinas espirituais, e a crescente consciência da unidade multi-cultural da família humana provocada pela rede de comunicações globais.

 

Psicodélicos nos Sistemas Tradicionais de Transformação

Em meus primeiros escritos, eu enfatizei a novidade das drogas psicodélicas, seus potenciais inimagináveis a serem realizados pela sua aplicação construtiva; e eu pensei neles como primeiro produto de uma nova tecnologia voltada para o espírito humano. Enquanto eu ainda acredito que esses potenciais existem, e que os psicodélicos sintéticos têm um papel a desempenhar na pesquisa da consciência, e talvez na evolução da consciência, minhas opiniões mudaram sob a influência das descobertas e escritos de antropólogos culturais e etnobotânicos, que chamaram a atenção para o papel da alteração da mente, e de elementos botânicos visionários em culturas ao redor do mundo.

Não se pode ler as obras de R. Gordon Wasson sobre os cultos mesoamericanos ao cogumelo (1980), ou o trabalho de Richard E. Schultes e Albert Hofmann (1979) sobre a profusão de alucinógenos nas Américas, ou o trabalho multi cultural de autores como Michael Harner (1973), Joan Halifax (1982), Peter Furst (1976), e Marlene Dobkin de Rios (1984), ou os pesquisadores médicos e psiquiátricos interculturalmente orientados tais como Andrew Weil (1980), Claudio Naranjo (1973), e Stanislav Grof(1985), ou contas pessoais, tais como os escritos de Carlos Castañeda, ou Florinda Donner (1982), ou osirmãos McKenna (1975), ou a biografia de Bruce Lamb de Manuel Cordova (1971), sem obter um forte senso da difusão da busca de visões, idéias e estados incomuns de consciência; e além disso, o senso que plantas psicoativas são usadas em muitas (mas não todas) culturas xamânicas que perseguem tais estados de consciência.Assim, fui levado para um ponto de vista mais próximo à de culturas aborígenes, uma visão da humanidade em uma relação de co-consciência, comunicação e cooperação com o reinoanimal, o reino vegetal, e o mundo mineral.Em tal visão de mundo, a ingestão de preparados de plantasalucinógenas a fim de obter conhecimento para a cura,para a profecia, para a comunicação com os espíritos, para antecipar perigos,ou para a compreensão do universo,aparece como uma das mais antigas e mais valorizadas tradições.

As várias culturas xamânicas por todo o mundo conhecem uma vasta variedade formas para entrar em realidades não ordinárias. Michael Harner (1980) nos mostrou que a “condução auditiva” com batidas prolongadas de tambor, é talvez uma tecnologia para entrar em estados xamanicos alucinógenos tão difundida quanto a ingestão de substâncias. Em algumas culturas, a hiperventilação rítimica produzida por certos tipos de canto podem ser outra forma de disparador de um estado alterado. O espíritos animais tornam-se guias e aliados na iniciação xamânica. Espíritos das plantas podem se tornar “ajudantes” também mesmo quando a planta não é ingerida pelo médico ou pelo paciente. A fumaça do tabaco é usada com purificador, bem como um suporte para a oração. Cristais são usados para focar energia para visões e para cura. Há sintonia, através da oração e meditação, com divindades e espíritos da terra, as 4 direções, os 4 elementos, o Espírito Criador. Através de muitas e diferentes formas, existe uma busca pelo conhecimento oriundo de outros estados, outros mundos, conhecimento que é usado para melhorar a maneira que nós vivemos neste mundo (através da cura, resoluções de problemas, etc.). O uso de plantas alucinógenas, quando ocorre, é parte de um complexo integrado de inter-relações entre a Natureza, o Espírito e a Consciência Humana.
Assim me parece que, as lições que devemos aprender com essas plantas e drogas expansoras da consciência tem a ver não só com o reconhecimento de outras dimensões da psique humana, mas com uma forma de ver o mundo radicalmente diferente; uma forma de ver o mundo que vem sendo mantida nas crenças, práticas e rituais de culturas xamânicas, e quase completamente esquecidas ou suprimidas pela cultura materialista do século XX. Existe, naturalmente, uma deliciosa ironia no fato de uma substância material ser responsável por despertar uma consciência adormecida de muitos de nossos contemporâneos para a realidade de energias, formas e espíritos não materiais.

Ao discutir a alquimia como o segundo dos três sistemas tradicionais de transformação da consciência mencionei acima, eu gostaria de enfatizar primeiro que temos apenas fragmentos de evidências mínimas de que a ingestão de alucinógenos tenha desempenhado qualquer papel na tradição alquímica Europeia. O uso de alucinógenos de solanáceas na bruxaria européia, que está relacionado tanto a xamanismo e alquimia, foi documentado por Harner (1973:125-130). Assim como, na alquimia taoísta chinesa, o uso de preparados vegetais e minerais para induzir o vôo do espírito e outras formas de estados alterados, foi analisado por Strickmann (1979). Um relato completo do papel dos alucinógenos na alquimia ainda não foi escrito. Possivelmente a nossa ignorância neste campo ainda é uma conseqüência do sigilo intencional por parte dos escritores alquímicos.

Mircea Eliade, em seu livro “The Forge and the Crucible” (1962), fez um forte argumento para a derivação histórica da alquimia dos tempos iniciais dos ritos e práticas da metalurgia, mineração e do forjamento de armas, nas Idades do Bronze e do Ferro. Pode-se argumentar que a alquimia é uma forma de xamanismo: o xamanismo dos que trabalhavam com minerais e metais, os fabricantes de ferramentas e armas. Muitas das preocupações dos alquimistas encontram paralelos em temas xamânicos. A o forte interesse na purificação e na cura, em descobrir ou fazer uma “tintura” ou “elixir” que dará saúde e longevidade. Há visões e encontros com espíritos de animais, alguns claramente de reinos imaginários. Há histórias de visões de figuras divinas ou do semi-divinas geralmente personificadascomo deidades da mitologia clássica. Há o reconhecimento da sacralidade, do espírito que anima, em toda a matéria. E há uma visão de mundo integral, que vê a espiritualidade, a religião, saúde e doenças, seres humanos, o mundo natural e seus elementos, todos inter-relacionados em uma totalidade.

Pode-se objetar que parece não haver equivalêcia entre a jornada xamânica e a alquímica; não há indicação clara de estados alterados de consciência nas quais, visões, poderes ou habilidades de cura são obtidos. Parece para mim que o equivalente na alquimia, à jornada xamânica é o opus, o trabalho, a experiência com suas diversas operações, como solutio, sublimatio, martificatio, e assim por diante. O foco é mais nas mudanças físicas e de personalidade à longo prazo que o inciado na alquimia tem que se submeter, assim como o xamã em treinamento também faz. Os experimentos na alquimia eram considerados como rituais meditativos, durante os quais visões poderiam ser vistas na retorta ou no forno, e mudanças interiores psicofisiológicas de estado eram desencadeadas pela observação de processos químicos.

Além disso, num recente e interessante trabalho, R.J. Stewart (1985) argumentou que na tradição occidental de magia e alquimia, que tem raízes na mitologia e crenças Celtas pré-cristãs, cujos traços ainda podem ser encontrados em baladas folclóricas, canções populares e cantigas de roda, a experiência trasnformadora central era uma viagem ao submundo. Esta iniciação ao submundo, ou outro mundoenvolvia fazer uma jornada para outros “reinos”, onde havia encontros com animais e seres espirituais, a sintonia com a terra e os ancestrais, rituais meditativos centrados em torno do simbolismo da árvore da vida, e outras características e colocam essa tradição claramente no fluxo da antiga tradição xamânica encontrada em todas as partes do globo.

Passando agora pasa a Yoga como o terceiro dos sistemas tradicionais de transformação evolutiva da consciência, não precisamos nos preocupar com a questão de saber se o uso de plantas visionárias é uma forma decadente e degradada de yoga, como Eliade (1958) parece acreditar; ou se o uso de alucinógenos era primário no culto do Soma, da antiga tradição Védica Indiana, como Wasson (1968) propôs. Às vezes, como no último ponto de vista, o corolário é proposto que os métodos de Yoga foram desenvolvidos quando a droga já não estava mais disponível, como uma forma alternativa de alcançar estados similares. Basta dizer que nas tradições do Yoga indiano, em particular nos ensinamentos do Tantra, temos um sistema de práticas para provocar uma transformação da consciência com muitos paralelos nas idéias xamânicas e alquímicas.

 

O uso de alucinógenos, como adjuvante das práticas de Yoga é conhecido até hoje na Índia, entre certas seitas Shivaite em particular, (Aldrich 1977). As escolas e seitas que não utilizam drogas tendem a considerer aquelas que usam como decadentes, como pertencentes assim chamado “caminho da mão esquerda” do Tantra, que também incorpora rituais de comida e de sexo (maithuna) como aspectos válidos do caminho da yoga. Sob a influência do ocultismo ocidental do século XIX e as idéias teosóficas, esse caminho do lado esquerdo tende a ser equiparado a “magia negra” ou a “feitiçaria”. Na realidade, a desinação “caminho da mão esquerda” deriva do princípio iogue que o lado esquerdo do corpo é o lado receptivo feminino, e assim, o caminho da esquerda é o caminho daqueles que adoram a Deusa (Shakti), como os tântricos fazem, e incorporam o corpo, o prazer dos sentidos, a nutrição e a sexualidade em seu Yoga. Assim, como no xamanismo e de alquimia, encontramos aqui uma vertente da tradição que envolve respeito e devoção ao princípio feminino, a deusa-mãe, a terra e seus frutos, o corpo de carne e sangue, e a busca de estados visionários extáticos.

É verdade que as tradições do Yoga indiano parecem não ter a mesma preocupação com o mundo natural dos animais, cristais e plantas, como é encontrado no xamanismo e de alquimia. A ênfase aqui, é mais em vários estados internos e sutis de consciência. No entanto, existem paralelos interessantes entre as três tradições. Uma energia de luz/fogo interior em diferentes centros e orgãos do corpo, como praticadas na Yoga Agni e na Kundalini, é similar à pratica alquímica da purificação pelo fogo, e às noções xamânicas de encher o corpo de luz (Metzner 1971, 1986). A tradição alquímica tântrica Indiana possui o conceito de rasa, que se assemelha ao coneito europeu de “tintura” ou “elixir”. Rasa tem significados internos — sentimento, humor, “alma”, e referents externos — essência, sumo, líquido. Rasayano era o caminho do Rasa., o caminho fluido da energia,  que envolve tanto as essencias externa e internas.[1] Como um terceiro paralelo, só vou mencionar o sistema budista tibetano Vajrayana, que é uma fusão notável de idéias budistas tântricas com o original xamanismo Bon dos tibetanos: um sistema onde os vários espíritos animais e demônios dos xamãs e feiticeiros se transformaram em personificações de princípios budistas e guardiões do dharma (Govinda 1960).

Conclusões

Parece incontestável que alucinógenos desempenharam algum papel, de forma imprevisível, nas tradições transformativas do xamanismo, alquimia e yoga. Se considerarmos a psicoterapia como um morderno descendente destes sistemas tradicionais, cooperativamente, de forma controlada, a aplicação de alucinógenos poderia ser usada em muitos aspectos da psicoterapia. E isso de fato já aconteceu, como os vários estudos de psicodélicos em casos de alcoolismo, cancer terminal, neurose obssessiva, depressão e outras condições testemuhadas (Grof 1985; Grinspoon e Bakalar 1979). Parece provável que estes tipos de aplicações de psicodélicos como coadjuvantes para a psicoterapia vão continuar, se não com o LSD e outras drogas de Categoria I, com outros mais novos e talvez mais seguros psicodélicos.

O que parece improvável para mim é que este tipo de aplicação psiquiátrica controlada nunca será suficiente para satisfazer as inclinações e as necessidades daqueles indivíduos que desejam explorar os psicodélicos no seu papel mais antigo, como ferramentas de busca para estados visionários e formas ocultas de conhecimento. O fato de o uso sério de alucinógenos, fora do quadro psiquiátrico, continuar apesar das suas graves sanções legais e sociais, sugere que este é um tipo de liberdade individual que não vai ser fácil de abolir. Sugere também que há uma necessidade forte, em certas pessoas, de restabelecer suas conexões com antigas tradições de conhecimento em que estados visionários de consciência e exploração de outras realidades, com ou sem alucinógenos, eram a preocupação central.

Pode ser que tal caminho seja sempre perseguido apenas por um número muito limitado de pessoas, tanto quanto as iniciações e práticas xamânicas, alquímicas e de yoga era seguidas por poucos indivíduos em cada sociedade. Acho que é um sinal de esperança que alguns, mesmo que poucos, estejam dispostos a explorar como se reconectar com essas fontes perdidas de conhecimento porque, como muitos outros, eu sinto que nossa sociedade material-tecnológica, com sua fragmentada visão de mundo, em grande parte perdeu-se em seu caminho, e não pode se dar ao luxo de ignorar as possíveis ajudas para um maior conhecimento da mente humana. O quadro ecologicamente equilibrado e humanisticamente integrado de entendimento que as tradições antigas certamente tem a nos oferecer.

Além disso, é muito claro que as visões e insights dos indivíduos que buscam estes caminhos são visões para o presente e para o futuro, não apenas de interesse historico ou antropológico. Este sempre foi o padrão: o indivíduo busca uma visão para compreender o seu lugar, ou seu destino, como um membro da comunidade. O conhecimento derivado dos estados alterados tem sido, podem ser, e precisam ser aplicados para a solução dos problemas de escalonamento que confrontam as nossas espécies. É por isso que as descobertas de Albert Hofmann tem imensa importância – para a compreensão do nosso passado, para a consciência da nossa presença, e o salvo-conduto do nosso futuro. Pois, nas palavras da Bíblia: “Onde não há visão, o povo perece.”

 

Nota de rodapé

1. Pode-se dizer que os processos fisico-químicos do rasayana servem como o veículo para operações psíquicas e espirituais. O elixir obtido pela alquimia corresponde à “imortalidade” perseguida pela Yoga Tantrica (Eliade 1958 283).

Ralph Metzner Ph.D. é um psicólogo alemão, escritor e pesquisador, tendo participado das pesquisas de psicodélicos na Universidade de Harvard no início dos 60 com Timothy Leary e Richard Alpert (Ram Dass). Dr. Metzner é um psicoterapeuta, e professor emérito de Psicologia no California Institute of Integral Studies em São Francisco, onde já foi vice presidente acadêmico.

Podem os Cogumelos Mágicos Serem Usados no Tratamento da Ansiedade e da Depressão?

Matéria traduzida do blog do Smithsonian Institute

Nos anos de 1960 e início dos anos 70, pesquisadores como Timothy Leary, de Harvard, promoveram entusiasticamente o estudo dos tão conhecidos cogumelos “mágicos” (denominados formalmente como cogumelos psilocibínicos) e defenderam os benefícios em potencial dos mesmos para a psiquiatria. Por um breve momento, pareceu que experimentos controlados com cogumelos e outros psicodélicos entrariam para a corrente científica.

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Poderia ser a experiência psicodélica um tratamento psiquiátrico?

Mas recentemente, através dos últimos anos, o pêndulo balançou de volta para a outra direção. E agora, novas pesquisas com a substância alteradora da mente, a psilocibina – o ingrediente “mágico” nos cogumelos – indicam que controladas com cuidado, baixas dosagens dela podem ser um meio efetivo de tratar pessoas com depressão clínica e ansiedade. Então, tudo mudou. A repercursão contra a cultura de drogas de 1960 – inclusive contra o próprio Leary – que foi preso por posse de drogas – tornaram a pesquisa quase impossível. O governo federal criminalizou os cogumelos, e a pesquisa parou por cerca de 30 anos.

O último estudo, publicado semana passada no Experimental Brain Research, mostrou que administrando a roedores uma dose purificada de psilocibina reduziu os sinais exteriores de medo dos mesmos. Os roedores no estudo foram condicionados a associar um som em particular com a sensação de serem submetidos a choques elétricos, e todos os ratos do experimentos paralisavam de medo quando o som era tocado, mesmo quando o aparato elétrico estava desligado. Ratos que ingeriram baixas dosagens da droga, entretanto, mantiveram-se calmos muito mais cedo, indicando que eles foram capazes de desassociar o estímulo e a experiência negativa da dor mais facilmente.

É difícil perguntar para um rato torturado porque exatamente ele sente menos medo (e possivelmente ainda mais difícil quando um rato está no meio de uma viagem de cogumelos). Mas diversos outros estudos demonstraram efeitos promissores da psilocibina em um grupo de indivíduos mais comunicativos: Humanos.

Em 2011, um estudo publicado no Archives of General Psychiatry por pesquisadores da UCLA e outros lugares encontrou que baixas doses de psilocibina melhoraram os humores e reduziram a ansiedade de 12 pacientes com câncer terminal por um longo período. Esses eram pacientes de 36 a 58 anos que sofreram com depressão e não responderam às medicações convencionais.

Foi dada a cada paciente uma dose pura de psilocibina ou um placebo, e eles foram questionados sobre os seus níveis de depressão e ansiedade diversas vezes nos meses seguintes. Os que foram administrados com psilocibina tiveram níveis de ansiedade reduzidos começando entre um e três meses, e níveis reduzidos de depressão começando entre duas semanas após o tratamento e continuando por seis meses seguidos, o período inteiro coberto pelo estudo. Adicionalmente, administrando cuidadosamente baixas dosagens e controlando o ambiente preveniu qualquer participante de ter uma experiência negativa sob a influência da psilocibina. (coloquialmente conhecida como “bad trip”.)

Cogumelos Psilocybe cubensis, uma das espécies que contém psilocibina mais conhecidas mundialmente.
Cogumelos Psilocybe cubensis, uma das espécies que contém psilocibina mais conhecidas mundialmente.

Um grupo de pesquisadores de John Hopkins conduziu o estudo controlado dos efeitos da psilocibina mais longo, e as descobertas podem ser as mais promissoras de todas. Em 2006, eles deram a 36 usuários saudáveis (e que nunca tinham experimentado alucinógenos antes) uma dose da droga, e 60% reportaram “uma experiência mística completa”. 14 meses depois, a maioria reportou níveis maiores de bem-estar que antes, e classificaram tomar a psilocibina uma das cinco experiências mais significativas em suas vidas. Em 2011, a equipe conduziu um estudo com um grupo separado, e quando os membros desse grupo foram questionados um ano depois, os pesquisadores encontraram que de acordo com testes de personalidade, a abertura dos participantes para novas ideias e sentimentos aumentou significativamente – uma mudança muito rara em adultos.

Assim como muitas questões envolvendo o funcionamento da mente, cientistas estão ainda nos estágios iniciais de descobrir se e como a psilocibina desencadeia esses efeitos. Nós sabemos que logo após a ingestão da psilocibina (seja ela na forma pura ou através de cogumelos), ela é quebrada em psilocina, que estimula os receptores da serotonina, um neurotransmissor que acredita-se promover pensamentos positivos (também estimulados por anti-depressivos convencionais.)

“Psicodélicos são proibidos pois eles dissolvem as estruturas da opinião e dos modelos de comportamento culturalizados e até mesmo a forma como se processa informações.” -Terrence McKenna
“Psicodélicos são proibidos pois eles dissolvem as estruturas da opinião e dos modelos de comportamento culturalizados e até mesmo a forma como se processa informações.” -Terrence McKenna

O escaneamento do cérebro humano sob o efeito da psilocibina está somente nos estágios iniciais. Um estudo de 2012 em que voluntários foram administrados enquanto estavam em uma máquina de ressonância magnética de imagem funcional, que mede o fluxo de sangue para várias partes do cérebro, indicou que a droga diminuiu a atividade em um par de áreas de “hub” (o córtex pré-frontal médio e o córtex singulado posterior) que possuem densas concentrações de conexões com outras áreas do cérebro. “Esses “hubs” formam a experiência do mundo e a mantêm em ordem,” disse na época David Nutt, um autor e neurobiologista do Imperial College London. “Nós sabemos que desativando essas regiões somos levados a um estado em que a experiência do mundo ao nosso redor é estranha.” Não é claro como isso pode ajudar na ansiedade e na depressão, ou se é apenas uma consequência não relatada da droga que não tem nada a ver com os efeitos positivos.

Independentemente, o impulso para mais pesquisas nas aplicações potenciais de psilocibina e outros alucinógenos está claramente em andamento. A Wired recentemente citou os cerca de 1600 cientistas que participaram do Terceiro Encontro Anual da Ciência Psicodélica, muitos dos quais estão estudando a psilocibina – conjuntamente com outras drogas como o LSD (conhecido como ácido) e o MDMA (conhecido como ecstasy).

É claro, há um problema óbvio ao se usar cogumelos psilocibínicos como medicina – ou até mesmo pesquisá-los em um ambiente laboratorial. Atualmente, nos Estados Unidos, eles são listados como uma substância controlada, significando que é ilegal comprar, possuir, usar ou vender, e não podem ser prescrevidos por um doutor, porque eles não tem uso médico aceito. A pesquisa que ocorreu foi sob supervisão estrita do governo, e conseguir aprovação para novos estudos é visivelmente difícil.

Dito isso, o fato de a pesquisa estar ocorrendo acima de tudo é um sinal de que as coisas estão mudando lentamente. A ideia de que o uso medicinal da maconha poderia ser um dia permitido em dezenas de estados, o que antes parecia impossível, não é absurdo sugerir que os cogumelos medicinais podem vir em seguida.

Fonte

10 Fatos Surpreendentes sobre Alucinógenos, Psicodélicos e Cogumelos Mágicos

Ao contrário do cientificismo, a ciência no verdadeiro sentido da palavra é abrir para a investigação imparcial todo fenômeno existente.

Stanislav Grof

Psilocybe mushrooms (Psilocybe coprophila) growing on dung. The gills on the underside of two mushrooms can be seen, these hold millions of spores, the reproductive cells of fungi. Photographed in October in Cornwall, UK.
Cogumelos Psilocybe (Psilocybe coprophila) crescendo no esterco. As lamelas, visíveis na foto, produzem milhões de esporos, as células reprodutoras do fungo.

O Instituto Tecnológico Biofarmacológico, que está localizado na companhia Promega em Madison, Wisconsin, recentemente hospedou o décimo Fórum Bioético Internacional chamado “Manifestando a Mente”. Diversos palestrantes notáveis deram apresentações em um assunto um tanto inesperado: o uso de alucinógenos como a psilocibina (encontrada por exemplo em cogumelos mágicos) para a melhor compreensão da natureza da consciência e até mesmo para o tratamento de doenças neuropsicológicas como a depressão, ansiedade e o vício em drogas.

A Psilocibina (O-fosforil-4-hidróxi-N,N-dimetiltriptamina), que é um dos ingredientes ativos nos cogumelos psicodélicos, tem sido utilizada há anos pelos povos indígenas das Américas; em fato, os Astecas chamaram esses cogumelos de teonanacatl, ou “carne dos deuses”. A Mescalina (o ingrediente psicoativo do cacto peyote) é um outro tipo de alucinógeno que foi amplamente utilizado pelos Nativos Americanos vivendo no que são agora partes da América do Sul e do México; até mesmo hoje o cactopeyote se apresenta de forma forte em rituais religiosos celebrados pelos Navajos e outras tribos indígenas. O LSD, (dietilamida do ácido lisérgico), outro tipo de alucinógeno, foi descoberto mais recentemente pelo Dr. Albert Hofmann em 1943 e então popularizado pelo movimento de “contracultura” da década de 1960.

O Estudo dos alucinógenos e seu modo de ação no cérebro humano é conduzido desde os anos de 1800. (1) Por volta de 1960, o estudo dos alucinógenos e seus efeitos na consciência se aceleraram dramaticamente. (2-4) Infelizmente, em vista das aventuras de entusiastas de drogas como o doutor Timothy Leary, o interesse público e científico além do suporte à pesquisa com alucinógenos essencialmente parou. Foi assim até meados da década de 1990, quando controles de estudo aprimorados puderam ser implementados, quando os pesquisadores puderam retomar a investigação das substâncias alucinógenas e o efeito desses agentes na mente e no corpo.

Atualmente, pesquisadores e doutores renovaram seu interesse em substâncias psicodélicas como a psilocibina porque foi descoberto que essas substâncias são efetivas no tratamento de diversos comportamentos e estados mentais desafiantes, como memórias reprimidas, (5), álcool, tabaco e vício em narcóticos (6), dores de cabeça e enxaquecas (7) e até mesmo a depressão, como um resultado de câncer terminal/em estágio avançado. (8) Depois de um estudo de candidatos potenciais com estabilidade mental e sem uso de alucinógenos anteriormente, esses pesquisadores e doutores administraram dosagens controladas da droga alucinógena Psilocibina. As reações dos participantes são então meticulosamente registradas e catalogadas. Em diversos casos, ressonâncias magnéticas ou tomografias por emissão de pósitrons são administradas durante a experiência psicodélica com o objetivo de avaliar a atividade cerebral. Alguns resultados intrigantes já foram coletados desses estudos, incluindo os 10 listados a seguir:

1.A Ausência da Dependência

Drogas narcóticas como a cocaína previnem a recaptação dos neurotransmissores de prazer/aprendizado como a dopamina, eventualmente levando à dependência devido à forte sensação de recompensa que os narcóticos criam. Alternadamente, a psilocibina age como um agonista (ativador) dos receptores 5-hidroxitriptamínicos (5-HT), 5-HT1A, 5-HT2A e 5-HT2C, se assemelhando grandemente ao receptor serotonínico natural 5-HT. A Serotonina, ao contrário da Dopamina, é mais associada com o bem-estar e a memória, e menos com prazeres temporários, uma diferença chave que acredita-se que remova essa substância do caminho da dependência.

Comparação entre a Psilocina (Psilocibina sem o radical fosfórico) e a Serotonina (Abaixo)
Comparação entre a Psilocina (Psilocibina sem o radical fosfórico) e a Serotonina (Abaixo)
Serotonina, principal neurotransmissor ligado à memória/aprendizado
Serotonina, principal neurotransmissor ligado à memória/aprendizado

2.Redução da Ansiedade

O Dr. Stephen Ross estudou a psicoterapia assistida com psilocibina como um método de tratamento para pacientes que estão sofrendo de sensações de ansiedade e depressão como resultado de um diagnóstico de câncer terminal/em estado avançado. As descobertas do NYU Psilocybin Cancer Project, no qual ele é o principal pesquisador, indicam que os pacientes com câncer terminal/em estado avançado se beneficiam da administração de psilocibina em termos do seu bem estar mental e espiritual, além de diminuir os níveis de ansiedade, depressão e dor. Isso não é surpreendente sob a luz das descobertas feitas pelo Dr. Franz X. Vollenweider, que descobriu que a psilocibina reduz o controle do córtex pré-frontal sobre a amídala, o tão chamado centro do medo no cérebro. Incidentalmente, o Dr. Vollenweider também publicou estudos na redução da depressão em pacientes que ingerem psilocibina regularmente.

3. A Mudança no Centro do Comportamento

A percepção geral da sociedade em relação à indivíduos que consomem substâncias psicodélicas é que eles são anti-sociais, desajustados e cabeças-dopadas. Entretando, a pesquisa que está sendo conduzida pelo Dr. Roland Griffiths na Universidade Johns Hopkins indica que ingerir psilocibina pode produzir mudanças positivas na personalidade, atitudes e comportamentos dos participantes. (10) Indivíduos que experimentaram a psilocibina reportaram que tiveram sentimentos de responsabilidade social, empatia com outros e uma compreensão fundamental da inter-conexão entre todas as formas vivas aprimorados e fortificados. As mudanças da percepção e da cognição incorridas durante o encontro com a psilocibina são creditadas em parte para essas mudanças no centro do comportamento.

4. As Experiências de Tipo Místico
10_fatos_4O Insituto das Ciências Intelectuais, de quem o Dr. Roland Griffiths participa, é ativo estudando as experiências místicas que são vividas por participantes que tomaram a psilocibina ou outros alucinógenos. Em muitos casos, respostas neurais e padrões de ondas cerebrais de participantes são extremamente semelhantes aos encontrados durante estados de jejum, oração, meditação ou outro êxtase religioso/espiritual. (11) Existe também um estudo colaborativo planejado entre o Dr. Roland Griffiths e Richard Davidson (Universidade de Wisconsin-Madison) para descobrir se alucinógenos podem ajudar indivíduos que são praticantes regulares e experientes de meditação em termos de foco, duração da sessão, e processo espiritual. Os participantes desse estudo serão selecionados na Universidade Johns Hopkins e então testados via Ressonância Magnética na Universidade Wisconsin-Madison.

5. Abandono do Vício em Tabaco

Estudos-piloto em curso na Universidade Johns Hopkins com psilocibina sugeriram que esse alucinógeno pode ajudar indivíduos superarem seu vício em nicotina. (6, 12) Até agora, dos três voluntários testados, 1 ficou em remissão de nicotina por pelo menos 6 meses enquanto dois outros ficaram em remissão por mais de 12 meses. A pesquisa atual é focada na busca do mecanismo por trás do tratamento do vício em nicotina com alucinógenos assim como vícios em outras drogas.

6. Significado Pessoal Profundo

Indivíduos que tomaram psilocibina reportaram que a experiência foi uma das cinco mais significantes entre as cinco principais de sua vida. Essa opinião continuou por até 14 meses depois da experiência com o alucinógeno (13), provando que a tão chamada “viajem psicodélica” não é algo para ser levado de forma leve ou passageira.

7. Neuroplasticidade

A Neuroplasticidade é definida como uma mudança neural que ocorre tipicamente em resposta a um estímulo, seja ele um hormônio, uma ação do ambiente ou comportamento. No caso da psilocibina, a exposição repetida do cérebro a essa substância pode induzir neuroplasticidade através da modulação discreta de circuitos neurais. O trabalho do Dr. Franz X. Vollenweider do Instituto de Pesquisas Heffter sugeriu que a psilocibina influencia a liberação do glutamato no córtex pré-frontal. O Glutamato ativa o Fator Neurotrófico Derivado do Cérebro (BDNF na sigla em inglês), um fator de crescimento de nervos que é a chave para o crescimento neural, desenvolvimento e sobrevivência. (14) As mudanças psicológicas que foram encontradas nos indivíduos que tomaram a psilocibina, tais como a redução da depressão, podem ser atribuídos ao glutamato elevado.

8. Tratamento do Transtorno Obessivo-Compulsivo

10_fatos_5O Dr. Francisco A. Moreno da Universidade do Arizona está explorando o tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo, ou TOC, com a psilocibina. (15) Os resultados preliminares parecem promissores, com alguns pacientes ficando livres dos sintomas por dias seguindo-se ao tratamento. Um paciente ficou sem sintomas por quase 6 meses. Nenhum tratamento foi encontrado para aliviar os sintomas de TOC rapidamente como a psilocibina.

9. Tratamento de Cefaleias em Salvas

Cefaleias em Salvas são enxaquecas de intensidade incomum que duram aproximadamente de 15 minutos a 3 horas ou mais. Podem ocorrer em uma base periódica, mas também podem estar sujeitas a uma remissão espontânea. Ambas substâncias, psilocibina e LSD, foram descritas como um possível tratamento contra as cefaleias com um sucesso impressionante. (7)

10. Ressurgimento de Memórias Reprimidas

Em alguns casos, a ingestão de psilocibina permitiu que certos indivíduos retomassem memórias emocionais suprimidas. A Fundação Beckley, em colaboração com o especialistas em Ressonâncias Magnéticas, Dr. Karl Friston, estarão estudando indivíduos que ingeriram psilocibina para determinar se e como a psilocibina possibilita essas memórias virem à tona.

É claro, nem tudo são rosas quando se trata de alucinógenos. Roland Griffiths reportou que, mesmo sob supervisão cuidadosa por coordenadores do estudo, indivíduos que tomaram psilocibina experimentaram medo e ansiedade durante a experiência. De modo geral, 1/3 dos indivíduos tiveram sensações de medo e ansiedade quando administradas altas dosagens (30mg/70kg). Outros 9% dos participantes reportaram que a sessão inteira foi dominada por ansiedade, enquanto 26% tiveram pensamentos paranóicos leves e transitórios.

Há também poucas informações sobre os efeitos de longo prazo do uso de psilocibina. Efeitos de curto prazo, como a dependência ou a neurotoxidade/excitotoxicidade, não aparentam ser um problema; entretanto, não é certo que a regulação dos receptores de serotonina (por exemplo a tolerância), o acúmulo de sub-produtos, ou uma doença neurodegenerativa estejam fora de questão após o uso prolongado de alucinógenos. Esses efeitos paralelos podem levar décadas para se tornarem evidentes, e, portanto, não poderiam ser relatados em pesquisas realizadas apenas 15-20 anos atrás.

Enquanto todas as questões não foram respondidas sobre a psilocibina e outros alucinógenos, existem evidências sugerindo que podem haver potenciais terapêuticos para vários problemas mentais e de comportamento. Assim também, os tão famosos psicodélicos podem se tornar uma janela única para a alma humana.

Texto traduzido do blog promega.com

[hr]

  1. Mitchell SW. Remarks on the effects of Anhelonium lewinii (the mescal button). The British Medical Journal. Dec 5 1896, 1625–9.
  2. Huxley, Aldous. Drugs that Shape Men’s Minds.
  3. Cohen, S. (1960) Lysergic acid diethylamide: Side effects and complications. J. Nerv. MentDis130, 30–40.
  4. Unger, S. M. (1963) Mescaline, LSD, Psilocybin and Personality Change. Psychiatry: Journal for the Study of Interpersonal Processes. 26, May 1963.
  5. Psilocybin and Memory. The Beckley Foundation
  6. Psilocybin-Facilitated Treatment of Addiction – A Beckley Foundation/Johns Hopkins Collaboration
  7. Sewell, R.A., Halpern, J.H. and Pope, H.G. Jr. (2006) Response of cluster headache to psilocybin and LSD. Neurology 27 1920–22.
  8. Hallucinogens Have Doctors Tuning In Again http://www.nytimes.com/2010/04/12/science/12psychedelics.html?ref=science
  9. Grob, C.S. et al. (2011) Pilot study of psilocybin treatment for anxiety in patients with advanced-stage cancerArch Gen Psychiatry. Jan;68(1):71–8. Epub 2010 Sep 6.
  10. Psilocybin and quantum change in attitude and behavior” with Roland Griffiths
  11. Griffiths, R.R. et al. (2006) Psilocybin can occasion mystical-type experiences having substantial and sustained personal meaning and spiritual significance. Psychopharmacology (Berl). 187, 268–83; discussion 284-92. Epub 2006 Jul 7.
  12. Psilocybin in Smoking Cessation: A Pilot Study. Horizons 2010: Psilocybin in Smoking Cessation: A Pilot Study – Matthew W. Johnson, Ph.D. and Mary P. Cosimano, MSW
  13. Griffiths, R. et al. (2008) Mystical-type experiences occasioned by psilocybin mediate the attribution of personal meaning and spiritual significance 14 months laterJ Psychopharmacol. 22, 621–32. Epub 2008 Jul 1.
  14. Finsterwald, C. et al .(2010) Regulation of Dendritic Development by BDNF Requires Activation of CRTC1 by Glutamate J. Biol. Chem.285, 28587–95.
  15. Francisco, A. et alSafety, Tolerability, and Efficacy of Psilocybin in 9 Patients With Obsessive-Compulsive Disorder J Clin Psychiatry 2006;67:1735-1740.

Psilocibina: Possibilidades Terapêuticas do Psilocybe

Segue abaixo uma pesquisa sobre a Psilocibina realizada com o apoio do Departamento de Psicologia da Pontifícia Univercidade Católica (PUC) de Minas,  enviada ao micélio por Vinícius Ferraz e com a seguinte justificativa:

“Tendo em vista o complexo e intrigante fenômeno proporcionado pelos psicodélicos, ressalto a importância desta presente pesquisa, que ao investigar as possibilidades terapêuticas de uma destas substâncias, a Psilocibina, da margem a discussão sobre suas aplicações medicinais e propriedades curativas que podem vir a ser de grande préstimo a humanidade.

A pesquisa também contribuirá com o levantamento de material teórico, apresentando ao leitor o que houve de mais importante nos estudos desenvolvidos com psicodélicos na literatura e os modos de investigação e aplicação contemporâneos dessas substâncias, com ênfase na Psilocibina, que disponibilizará a pesquisadores e ao mundo científico informações adicionais para o estudo do tema. A importância deste estudo reside no crescente interesse científico que se apresenta no país com a investigação das mais diversas substâncias psicodélicas nos mais diferentes âmbitos.

Estudo este que é de grande relevância social levando em consideração tão antiga e intrínseca relação entre as substâncias psicodélicas e a humanidade no decorrer de sua história, sustentando a necessidade de elucidar e trazer a tona uma maior compreensão sobre o fenômeno para que a falta de esclarecimento sobre o tema não resulte na falta de critério e discernimento em seu uso e acabe por transformar uma possível ferramenta de pesquisa e terapia em um problema social.”

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Departamento de Psicologia
Psilocibina: Possibilidades terapêuticas do cogumelo psicodélico
Vinícius Ferraz
Caio de Azevedo
Belo Horizonte
2010

Psilocibina: Possibilidades terapêuticas do cogumelo psicodélico
Artigo Cientifico apresentado para o departamento de psicologia, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, unidade Coração Eucarístico.
Belo Horizonte

“Eu vejo a questão dos psicodélicos como uma parte da longa marcha em direção á liberdade humana, que tem certos marcos ao longo do caminho, como a abolição da escravatura, a conquista pelo direito de voto ás mulheres, a inclusão dos negros nos processos da sociedade democrática e agora, a necessidade do estabelecimento do direito universal das pessoas tomarem substâncias alteradoras de consciência.
Tudo se trata da marcha triunfante em direção á uma sociedade onde a dignidade do individuo é sempre o primeiro valor a ser honrado.
Não queremos ser governados pelos medos do fundamentalismo cristão, ou pela superficialidade do cientificismo, ou pelo sombrio vazio espiritual do materialismo.
Nós queremos nos conectar primeiro com nossos corpos, e através dos nossos corpos com o planeta É disso que os alucinógenos, as plantas psicoativas e as substancias psicodélicas se tratam.”
Terence McKenna

Psilocibina: Possibilidades terapêuticas do cogumelo psicodélico

1. Prefácio

As substâncias psicodélicas têm sido estudadas há pouco mais de um século, desde que a ciência ocidental descobriu os seus usos entre as culturas tradicionais. A partir desse período até nossos tempos de ciência contemporânea, diversos estudos foram realizados em campos diferentes de acordo com as décadas e com os interesses envolvidos no estudo dessas substâncias.

A psilocibina (alcalóide pertencente à família das triptaminas) é uma poderosa substância psicodélica encontrada naturalmente em uma diversidade de espécies de cogumelo dos gêneros Psilocybe, Stropharia, Conocybe e Panaeolus, das quais o Psilocybe cubensis e o Psilocybe mexicana são as mais conhecidas. Descoberta em 1953, pelo autor e pesquisador russo Gordon Wasson, a psilocibina é um psicodélico relativamente novo, em termos científicos, já que a sua entrada nos laboratórios foi posterior à descoberta de outras substâncias como a mescalina, 60 anos antes. Logo ganhou grande relevância científica, protagonizando uma série de estudos, principalmente relativos à prática psicoterápica auxiliada por psicodélicos, até cair no silêncio sufocante imposto pela política norte-americana da Guerra às Drogas.

Após um período de quase extinção como linha de pesquisa, o retorno ao interesse envolvido com o intrigante fenômeno proporcionado pelos psicodélicos ocorre no final do século XX (década de 90) e continua seu reflorescimento em pleno século XXI. Apesar dos milhares de estudos desenvolvidos até então, pouco se sabe e menos ainda é desenvolvido no Brasil, país que possui grande biodiversidade dessas substâncias e variabilidades em suas formas de uso social. A cultura de uso de psicodélicos no Brasil e na América em geral atrai os interesses de diversos grupos de pesquisas interessados nesse fenômeno, que têm gerado debates amplos nos campos da neurociência, da ciência cognitiva e das ciências sociais, principalmente da antropologia e etnologia.

A presente dissertação buscou apresentar ao leitor o que houve de mais importante nos estudos desenvolvidos com a psilocibina e o cogumelo psicodélico na literatura, contrastando os dois grandes momentos da psilocibina na ciência, de 1950 a 1960 e de 1990 a 2010, separados por um período marcado pela moratória científica arbitrariamente imposta pela política norte-americana de guerra as drogas. As pesquisas mais relevantes de cada um destes períodos, envolvendo a administração de psilocibina em seres humanos, foram levantadas e analisadas com intuito de investigar a natureza da alteração mental que a psilocibina induz no indivíduo e as possibilidades destas alterações produzirem efeitos terapêuticos. Foi apresentado também um breve histórico, onde se procurou situar historicamente o cogumelo psicodélico e sua relação com a vida e cultura humana.

Tendo em vista o complexo e intrigante fenômeno proporcionado pelos psicodélicos, ressalto a importância desta presente pesquisa, que ao investigar as possibilidades terapêuticas de uma destas substâncias, a Psilocibina, da margem a discussão sobre suas aplicações medicinais e propriedades curativas que podem vir a ser de grande préstimo a humanidade.

A pesquisa também contribuirá com o levantamento de material teórico, apresentando ao leitor o que houve de mais importante nos estudos desenvolvidos com a psilocibina na literatura e os modos de investigação e aplicação contemporâneos dessas substâncias, que disponibilizará a pesquisadores e ao mundo científico informações adicionais para o estudo do tema. A importância deste estudo reside no crescente interesse científico que se apresenta no país com a investigação das mais diversas substâncias psicodélicas nos mais diferentes âmbitos.

Estudo este que é de grande relevância social levando em consideração tão antiga e intrínseca relação entre as substâncias psicodélicas e a humanidade no decorrer de sua história, sustentando a necessidade de elucidar e trazer a tona uma maior compreensão sobre o fenômeno para que a falta de esclarecimento sobre o tema não resulte na falta de critério e discernimento em seu uso e acabe por transformar uma possível ferramenta de pesquisa e terapia em um problema social.

2. Os Cogumelos Psicodélicos e a Psilocibina

Figura 1. Cogumelo da espécie Psilocybe cubensis

2.1 Introdução

A prática humana de promover estados alterados, incomuns ou ampliados de consciência induzidos por substâncias psicoativas é bastante antiga, pré-data a história escrita e é atualmente empregada em várias culturas em diversos contextos socioculturais e ritualísticos (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001).

Diversas substâncias psicoativas conhecidas como alucinógenas verdadeiras, tais como psilocibina, ergotamina, DMT, mescalina, LSD, entre outras de mesma natureza química podem, de acordo com as diferentes descrições dos seus efeitos serem denominadas de substancias psicotomiméticas (substancias que mimetizam a psicose), de substâncias psicodélicas (substancias que manifestam a mente ou “aquele que manifesta o espírito”) ou enteógenos (substancias que induzem experiências de significado espiritual ou “aquele que desperta o divino interior”) (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001). Para os propósitos deste estudo utilizaremos o termo de substâncias psicodélicas, por ser a denominação mais utilizada nos artigos científicos de psicologia e que mais se enquadra nos objetivos desta investigação.

A psilocibina – alcalóide pertencente à família das triptaminas – é uma poderosa substância psicodélica encontrada naturalmente em uma diversidade de espécies de cogumelo dos gêneros Psilocybe, Stropharia, Conocybe e Panaeolus, das quais o Psilocybe cubensis e o Psilocybe mexicana são as mais conhecidas. Estas espécies são geralmente encontradas na América do Sul e na América Central, sendo endêmicos em países como o México e o Brasil, mas podem também ser verificados em outras regiões do globo, principalmente nas localizações equatoriais e tropicais (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001).

Alguns pesquisadores acreditam que a psilocibina abre uma porta para o subconsciente, permitindo que o mundo consciente seja encarado de uma perspectiva o de percepção sensorial ampliada: as cores se destacam, detalhes minúsculos dos objetos são revelados e estruturas coloridas cruzam o campo de visão. O efeito pode degenerar em desorientação, reações paranóicas, inabilidade para distinguir entre fantasia e realidade, pânico e depressão (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001).

2.2 Histórico

Os cogumelos psicodélicos tem sido parte integrante da história humana há muitos milênios e têm desempenhado papel importante em várias cerimônias religiosas. Os maias que habitavam a Guatemala há 3.500 anos utilizavam um fungo conhecido na língua nahuátl como Teonanácatl – a Carne de Deus. Esse Cogumelo provavelmente pertence ao Gênero Psilocybe, embora também possa ser relacionada a duas outras variedades: Conocybe ou Stropharia. O primeiro registro histórico do consumo do cogumelo Psilocybe data de 1502, durante a coroação do imperador Montezuma (Heim, 1972).

Com o início das grandes navegações e “descoberta” do novo continente surge o primeiro contato dos povos europeus com as culturas pré-colombianas que utilizavam o cogumelo em seus rituais. Despreparados e assustados pelos efeitos da droga, os conquistadores espanhóis tomaram a decisão de proibir a religião nativa e o uso dos fungos psicoativos, considerando estes cultos como “obra do diabo”. (Heim, 1972)

Não existe qualquer evidência do emprego cerimonial dos cogumelos ‘mágicos’ por culturas tradicionais na América do Sul, exceto achados arqueológicos no norte da Colômbia datando de 300-100 anos a.C., conquanto seu uso ritualístico ainda é observado em outras partes do continente americano, principalmente México e países vizinhos. Acredita-se que o ritual com cogumelos por povos indígenas no México exista há pelo menos 2.200 a 3000 anos, como demonstra a datação de achados arqueológicos de esculturas de pedra em forma de cogumelos (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001). Um estudo recente sugere que o uso de cogumelos ‘mágicos’, provavelmente Psilocybe cubensis, também tenha ocorrido na história do Egito antigo, utilizado ritualmente e descrito no Livro Egípcio dos Mortos (Berlant, 2005).

Não há dados na literatura acerca do uso de cogumelos no Brasil. A utilização contemporânea de cogumelos, na América do Sul e em diversas localidades do mundo, ocorre em sua maioria de maneira recreacional ou hedonística, devido à facilidade de comércio pela internet, inexistência de legislação reguladora (no caso do Brasil) e pela facilidade de serem encontrados em condições naturais (no estrume de bovinos).

O interesse dos cogumelos pela ciência aconteceu no início do século XX, quando o geógrafo alemão Carl Sapper descreveu em 1898 esculturas de pedra com formas de cogumelos (Figura 2), por ele interpretadas como representações fálicas, mais tarde evidenciadas por se tratarem dos cogumelos que há muito eram utilizados em rituais mágicos. O único conhecimento acerca do uso ritual de cogumelos consistia nas descrições de um guia de missionários de 1656 contra as idolatrias indígenas, incluindo a ingestão de cogumelos e recomendando sua extirpação (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001).

Figura 2. Deuses cogumelos de pedra. (A) Cogumelo de pedra Maya de El Salvador, período formativo em anos de 300 a.C. – 200 d.C. Altura de 33,5 cm. (Retirada de Schultes et al., 2001). (B) Cogumelos de pedra encontrados na Guatemala, datação em anos de 1000 a.C. – 500 d.C.

Figura 2. Deuses cogumelos de pedra. (A) Cogumelo de pedra Maya de El Salvador, período formativo em anos de 300 a.C. – 200 d.C. Altura de 33,5 cm. (Retirada de Schultes et al., 2001). (B) Cogumelos de pedra encontrados na Guatemala, datação em anos de 1000 a.C. – 500 d.C.

Outros documentos antigos que parecem citar o uso de cogumelos na antiguidade são o Rig Veda(Livro dos Hinos hindu) na Índia e o The Westcar Papyrus no Egito, também havendo possibilidade de os gregos terem utilizado (Berlant, 2005).

3. Estudos e pesquisas

3.1 Estudos e pesquisas de 1950 – 1960.

Os estudos científicos com os cogumelos Psilocybe têm origem na década de 50, através de expedições ao México com intuito de obter um maior conhecimento a cerca das culturas tradicionais da região, onde xamãs, através da ingestão de cogumelos psicodélicos em rituais sagrados extraordinários, induziam poderosas visões para curar e guiar o destino de seus povos.

Em 1953, o autor e pesquisador russo Gordon Wasson e sua esposa Valentina Pavlovna realizaram um estudo de expedição de campo para o México, para estudar o uso de cogumelos alucinógenos em rituais e cerimônias de cura. Esta expedição marca o inicio do estudo do cogumelo psicodélico pela ciência. Em 1955, eles se tornaram os primeiros estrangeiros a participar do ritual com cogumelos sagrados dos índios Mazatecas. Gordon Wasson fez muito para divulgar a sua descoberta, publicando o artigo sobre suas experiências em uma influente revista da época, a Life Magazine, em 1957 (Allen, 1987; Wasson, 1957).

O relato de Wasson sobre sua experiência com cogumelos provoca o interesse da comunidade cientifica sobre o fenômeno, descrevendo com fascinação seus efeitos:

“Tudo o que se vê naquela noite se banha na claridade da origem: a paisagem, as casas, os utensílios de uso diário, os animais, tudo é calmamente irradiado pela luz primordial; dir-se-ia que as coisas apenas acabam de serem produzidas pelo criador! Esta novidade total – a aurora da criação – o submerge e o envolve, o dissolve na sua beleza inexplicável (…) Seu espírito está livre, você vive uma eternidade numa noite, vê o infinito no grão de areia. O que você vê e escuta grava-se na sua memória, é gravado ali para sempre. Enfim, você conhece o inefável, sabe o que é o êxtase! (…) Uma simples planta abre as portas, libera o inefável, traz o êxtase. Não é a primeira vez na história da humanidade que as formas mais humildes de vida dão a luz ao divino. Por mais desconcertante que seja, a maravilha que anuncia merece ser ouvida pelos homens.” (Wasson, 1961, pag.8-12)

Auspiciado por Roger Heim, micologista e diretor do Museu Nacional de História Natural de Paris, Wasson desenvolve uma série de contribuições para os campos da botânica e antropologia realizando a identificação do cogumelo psicodélico através da colheita sistemática, cultura em laboratório e análise detalhada das diferentes espécies de cogumelos do gênero Psilocybe e seu uso ritualístico. Mais tarde Wasson e Heim se associam a Sandoz, uma empresa farmacêutica suíça, fornecendo amostras de cogumelos para uma pesquisa mais abrangente a cerca das propriedades químicas e farmacológicas (Forte, 1997; Heim, 1972).

Em 1958, cinco anos após a identificação por Wasson, o cientista suíço (e mais conhecido como o “pai” do LSD) Albert Hoffmann, investiga as propriedades químicas desse cogumelo e extrai a psilocibina e a psilocina, substância de propriedades psicotrópicas e alucinógenas que depois foram sintetizadas. A psilocibina é um psicodélico relativamente novo, em termos científicos, já que a sua entrada nos laboratórios foi posterior à descoberta de outras substâncias como a mescalina, 60 anos antes, e do LSD, anterior em uma década. Albert Hoffman foi o primeiro cientista a isolar o princípio ativo e a descrever sua estrutura molecular: o alcalóide de coloração azulada, na verdade eram dois deles e extremamente similares, foram batizados de Psilocibina e Psilocina, em alusão ao gênero Psilocybe: palavra de origem grega que significa cabeça (cybe) pelada (psilos). Os resultados, obtidos por Hoffman em colaboração com dois colegas (A. Brack e Dr. H. Kobel) e o professor Roger Heim, foram publicados, em março de 1958, em nota no jornal científico Experientia. Os mecanismos de ação, em fato, devem-se a um princípio único, visto que a psilocibina converte-se em psilocina dentro do próprio corpo através de um processo chamado desfoforilação, mas os dois compostos são naturalmente encontrados nos cogumelos, sendo o primeiro deles verificado em maior porcentagem (Hoffmann, Heim, Brack & Kobbel, 1958).

Posteriormente, em parceria com outros quatro colegas (A. J. Frey, H. Ott, T. Petrzilka e F. Troxler), Hoffman descobriu a síntese da psilocibina, cuja fórmula foi patenteada em 1963. Os resultados da pesquisa foram publicados em dezembro de 1958, também no jornal Experientia. A substância foi identificada como similar a outros químicos com o LSD, cujos intensos efeitos psíquicos denunciavam a urgência de novas frentes de pesquisa. A psilocibina entrou, decisivamente, para a família daqueles estranhos e misteriosos alcalóides que vinham desafiando a percepção sobre a natureza da mente humana. A partir da descoberta da sintetização, os laboratórios Sandoz, para o qual Hoffman trabalhava, passaram a disponibilizar a substância, assim como o LSD e outros psicodélicos, para as novas frentes de pesquisa que se disseminavam no início dos anos 60, principalmente norteados pelas vanguardas investigativas da Psiquiatria e Neurologia (Hoffmann, Frey, Ott, Petrzilka & Troxler, 1958).

Em 1959, a psilocibina já se tornava a protagonista de uma série de estudos científicos, principalmente relativos à prática psicoterápica auxiliada por psicodélicos. Uma pesquisa francesa intitulada Les Effets Psychiques de la Psilocybine et les Perspectives Thérapeutiques (Os Efeitos Psíquicos da Psilocibina e as Perspectivas Terapêuticas) liderada pelo médico Jean Delay, pioneiro da pesquisa sistemática da psilocibina nos domínios psiquiátricos, administrou a psilocibina em 13 pacientes saudáveis e em 30 pacientes diagnosticados com desordens mentais e concluiu que a substância, com efeito alucinógeno mais leve do que a mescalina e efeito despersonalizante menor do que o LSD, possuía um significativo potencial enquanto ferramenta terapêutica por sua capacidade de provocar melhor acessibilidade aos conteúdos do paciente, assim como desencadear efeito psicolítico, ou seja, liberar estes conteúdos na forma de revivências (geralmente da infância), estímulos da memória afetiva e eventos traumáticos (Delay, Pichot, Lempérière, Nicolas-Charles & Quétin, 1959). No mesmo ano, Delay, deu continuidade à investigação, publicando o artigo Premiers Essais de la Psilocybine en Psychiatrie (Primeiros Ensaios da Psilocibina na Psiquiatria) (Delay, Pichot & Nicolas-Charles, 1959).

Ainda em 1959, o psiquiatra alemão F. Gnirss desenvolveu uma pesquisa intitulada Untersuchungen mit Psilocybin, einem Phantastikum aus dem Mexikanischen Rauschpilz Psilocybe mexicana (Estudos com psilocibina, um psicodélico do cogumelo Psilocybe mexicana), através da qual administra o alcalóide em um grupo de 18 pacientes saudáveis, através deste estudo Gnirss identifica propriedades psicotrópicas na substância , que significa que a Psilocibina age no Sistema Nervoso Central (SNC) produzindo alterações de comportamento, humor e cognição, possuindo grande propriedade reforçadora sendo, portanto, passíveis de auto-administração. Conclui que a substância é de significativa importância teórica e possibilidade de utilização psicoterapêutica. (Gnirss, 1959).

Em 1960, outra pesquisa francesa, desenvolvida pelo psiquiatra A. M. Quétin, resultou em conclusões similares ao administrar o fármaco em um grupo de 32 pacientes saudáveis e 68 pacientes diagnosticados com quadros psicóticos com idades entre 16-66 (21 esquizofrênicos, 6 com delírios crônicos, 6 com psicoses maníaco-depressiva, 6 oligofrênicos, 29 com neuroses, incluindo 3 alcoólicos). Através da análise exaustiva Quétin afirmou que a droga é certamente de grande interesse para o diagnóstico e, provavelmente, também para a psicoterapia (Quétin, 1960).

Inspirado pelo artigo de Wasson na Life Magazine (Wasson, 1957), o psicólogo, neurocientista, escritor, Ph.D. e professor de Harvard, Timothy Leary, viajou para o México com o intuito de experimentar e pesquisar os cogumelos psicodélicos (Higgs, 2006). Em 1960, ao voltar para Harvard, os psicólogos Timothy Leary e Richard Alpert iniciaram o projeto intitulado de “Harvard Psilocybin Project”, do qual fizeram parte também o ensaísta filosófico e autor de Portas da Percepção Aldous Huxley, o Presidente da Associação Psiquiátrica Americana John Spiegel, o superior de Leary em Harvard David McClelland, o psicólogo e professor da Universidade da Califórnia Frank Barron e dois estudantes graduados que já haviam trabalhado em um projeto à cerca da mescalina. Durante o programa, que durou de 60 a 62, uma série de experimentos foi desenvolvida para investigar as implicações da psilocibina sobre a natureza dos distúrbios psicóticos, tratamento de desordens de personalidade e psicoterapia auxiliada pelo uso do químico. Este projeto fazia parte do programa de pesquisa psicodélica em Harvard (Harvard Psychedelic Drug Research Program) inaugurado em 1960 por 35 professores, instrutores e estudantes graduados que deram luz a várias pesquisas importantes com psicodélicos na época (Higgs, 2006; Leary, 1961).

Em 1961, foi conduzido um dos mais significativos estudos feitos pela Harvard Psilocybin Project intitulado de “Um novo programa de mudança de comportamento para infratores adultos usando psilocibina” (A New Behavior change program for adult offenders using psilocybin), mais conhecido como “A experiência da prisão de Concord”. O experimento foi realizado no período de 1961 a 1963 por uma equipe de pesquisadores da Universidade de Harvard, sob a direção de Timothy Leary, dentro dos muros da Prisão Estadual de Concord, uma prisão de segurança máxima para jovens delinqüentes. O estudo envolveu a administração de psilocibina para auxiliar a psicoterapia de grupo para 32 presos, em um esforço para reduzir as taxas de reincidência criminal. Os registros da Prisão Estadual de Concord sugeriam que 64% dos 32 indivíduos voltariam para a prisão no prazo de seis meses após a liberdade condicional. No entanto, após seis meses, apenas 25% das pessoas em liberdade condicional retornaram a prisão, seis por causa de violação da condicional e dois para novos crimes. Estes resultados são ainda mais dramáticos quando a literatura correcional é pesquisada, poucos projetos de curto prazo com prisioneiros têm sido eficazes até mesmo em menor grau. Além disso, testes de personalidade indicaram uma mensurável mudança positiva no comportamento dos presos depois da experiência com a psilocibina, em comparação com os mesmo antes da experiência (Leary, Metzner, Presnell, Weil, Schwitzgebel & S. Kinne, 1965). Esta é apenas uma de várias pesquisas produzidas pelo Harvard Psilocybin Project nesta época.

O desenvolvimento do projeto, no entanto, foi significativamente prejudicado pela desenvoltura um tanto quanto anti-acadêmica de Timothy Leary, que extremamente fascinado pelas experiências de consciência desencadeadas por tais alcalóides, abandonou gradativamente a figura do pesquisador para investir-se da figura quase mística de um profeta do alucinógeno. Em 1963, Timothy Leary foi expulso de Harvard depois de ter promovido uma experiência psicotrópica com uma turma inteira de estudantes de psicologia (com o consentimento destes, naturalmente) sem monitoramento laboratorial ou intuito de pesquisa. Aos poucos foi se desfazendo da característica científica para tornar-se, anos mais tarde, uma espécie de guru da cultura psicodélica que vinha incitando os fluxos intensos da contracultura. (Higgs, 2006; Leary, 1963) A popularização de enteógenos promovida por Robert Wasson, Timothy Leary, Terence McKenna, entre outros autores e pesquisadores, levou a uma explosão no uso de cogumelos contendo Psilocibina por todo o mundo.

Até o momento drástico em que os psicodélicos escaparam dos laboratórios e tornaram-se os protagonistas de uma batalha política e, em função da política norte-americana da Guerra às Drogas, foram terminantemente proibidos, inclusive no universo científico. Até o final dos anos 60 e início dos 70, quando os Estados Unidos responderam violentamente aos questionamentos da Contracultura, movimento do qual fazia parte expressiva a utilização destas drogas, os principais estudos concentravam-se em traçar paralelos entre as três principais substâncias do grupo – LSD, mescalina e psilocibina – e em examinar a potencialidade psicoterapêutica e possível relação entre os estados alterados de consciência provocados pela adição destes alcalóides e os distúrbios mentais. Com a medida que pôs fim às pesquisas, e através da qual o governo norte-americano arbitrariamente revogou toda e qualquer qualidade científica dos psicodélicos, a psilocibina foi, assim como os demais, silenciada, apenas voltando aos laboratórios após quase trinta anos de moratória (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001).

3.2 Estudos e pesquisas de 1990 – 2010.

De 1953 ao final dos anos 60 as substâncias psicodélicas, como a psilocibina, foram o centro de diversas pesquisas, já citadas anteriormente, até caírem no silêncio sufocante imposto pela política norte-americana da Guerra às Drogas. Aproximadamente três décadas após o período marcado pela moratória científica arbitrariamente fixada, os psicodélicos iniciaram um expressivo movimento de retorno aos domínios científicos (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001). Somente na década de 90 se reiniciaram seriamente as pesquisas com psicodélicos em humanos, principalmente devido aos esforços do Dr. Rick Strassman, da Universidade do Novo México, nos EUA, e do Dr. Franz Vollenweider, da Universidade Psiquiátrica Hospital Zürich, na Suíça (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001). A partir deste momento e até os dias de hoje, a psilocibina tornou-se novamente o centro de diversos estudos.

Em 2004, o psiquiatra norte-americano Charles Grob, da Universidade da Califórnia, desenvolveu a pesquisa intitulada “Pilot Study of Psilocybin Treatment for Anxiety in Patients With Advanced-Stage Cancer” (Estudo Piloto de Tratamento de psilocibina para ansiedade em pacientes com câncer em estágio avançado) que investigou a substância enquanto fator terapêutico em pacientes com câncer em estado terminal explorando a sua segurança e eficácia. O estudo incluiu a administração de uma pequena dose (0,2 mg/kg) de psilocibina em 12 pacientes adultos – dos quais 11 eram mulheres – com câncer em estágio avançado e ansiedade, que ficaram deitados, com os olhos vendados, e ouvindo música a seu gosto durante seis horas sob supervisão de terapeutas treinados. A freqüência cardíaca, a pressão arterial e a temperatura dos voluntários foram monitoradas ao longo de cada tratamento. Os investigadores também verificaram os níveis de depressão, ansiedade e humor em cada um deles. Duas semanas após a experiência com a psilocibina, os voluntários reportaram que se sentiam menos deprimidos e ansiosos. Seis meses depois, o nível de depressão tinha diminuído 30%, conforme os resultados publicados na Archives of General Psychiatry. Alguns voluntários relataram estados de consciência ligeiramente alterados após receber a psilocibina, mas os pesquisadores não notaram efeitos adversos fisiológicos, ainda não foram identificados possíveis efeitos maléficos na utilização de psilocibina. Ainda assim, outros testes são necessários para examinar a segurança e a eficácia do cogumelo. O estudo, que procurava a redução do estresse e dor, obteve resultados animadores no aumento da qualidade de vida dos pacientes e os dados revelaram um aspecto promissor na utilização terapêutica da substância (Grob, Danforth, Chopra, Hagerty, McKay, Halberstadt & Greer, 2010).

Em 2006, o psiquiatra Francisco Moreno, da Universidade do Arizona, iniciou uma pesquisa sobre o uso terapêutico da substância em pacientes diagnosticados com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) que resistiram a outros tipos de tratamento, assim como para fins de teste de segurança do alcalóide no organismo. Em uma clínica com ambiente controlado, a psilocibina foi usada com segurança em pacientes com TOC e foi associado a reduções agudas no TOC sintomas básicos em vários indivíduos. As conclusões reportaram que todos os pacientes, da amostra de nove, experienciaram melhorias nos quadros obsessivos compulsivos durante o período da experiência. Apesar de ser uma pequena pesquisa, com uma amostra e um alcance não tão significativos, Moreno reportou seu ânimo diante da potencialidade da substância: “O que vimos foi uma drástica diminuição dos sintomas durante um período de tempo. As pessoas diziam que não se sentiam tão bem há anos” (Moreno, Wiegand, Taitano & Delgado, 2006).

Em outro estudo, em 2006, o neurocientista Roland Griffiths, da Universidade Johns Hopkins, administrou psilocibina em 36 voluntários saudáveis, que participavam regularmente de atividades religiosas ou espirituais, com o objetivo de investigar os mecanismos da experiência mística/espiritual induzida pela psilocibina. Foram realizadas três sessões em intervalos de dois meses onde a psilocibina foi administrada via oral aos voluntários em doses altas (30 mg/70 kg). Nas sessões de 8 horas, realizadas individualmente, os voluntários eram encorajados a fechar os olhos e dirigir a sua atenção para seu interior. O comportamento dos voluntários foi monitorado e avaliado durante as sessões e questionários foram preenchidos imediatamente após e dois meses após as sessões, avaliando os efeitos da substancia e as características da experiência. Cerca de dois terços dos voluntários relatou haver vivenciado uma completa experiência mística, caracterizada por uma sensação de unidade com todo o universo. Entre os resultados foram relatados uma série de grandes alterações na percepção, experiência subjetiva e humor lábil – incluindo ansiedade – dos participantes. Em dois meses, os voluntários classificaram a experiência como possuidora de substancial sentido pessoal e significado espiritual, além de atribuírem a psilocibina as mudanças positivas em suas atitudes e comportamentos, coerentes com observações e avaliações cientificas (Griffiths, Richards, McCann & Jesse, 2006). Griffiths continuou monitorando os voluntários de sua pesquisa por quatorze meses após este estudo, através de entrevistas periódicas com intuito de avaliar os efeitos agudos e persistentes da administração das doses de psilocibina. Dentre os resultados obtidos pode se observar que os voluntários ainda atribuíam à experiência a causa de seus altos níveis de satisfação com a vida e a associaram ao crescente bem-estar que sentiam desde então. Foi relatado pela maioria dos participantes que seu humor, suas atitudes e comportamentos mudaram para melhor. Entrevistas estruturadas com familiares, amigos e colegas de trabalho em geral, confirmaram as observações dos sujeitos. Testes psicológicos e relatórios dos próprios sujeitos não mostraram nenhum dano aos participantes do estudo, embora alguns admitiram ansiedade extrema ou outros efeitos desagradáveis nas primeiras horas após a administração da psilocibina. Além disto, não foram observadas dependência física ou intoxicações proporcionadas pela substância. Griffiths conclui que sob condições bem definidas, com uma preparação cuidadosa, se pode gerar de forma segura e bastante confiável uma experiência mística que pode trazer mudanças positivas a uma pessoa. Afirma também que seu estudo é um passo inicial de uma série de trabalhos científicos com a psilocibina que acabará por ajudar pessoas (Griffiths, Richards, Johnson, McCann & Jesse, 2008).

Ainda em 2006, o psiquiatra John Halpern, da Universidade de Harvard, liderou um estudo com intuito de investigar os efeitos terapêuticos da psilocibina em pacientes diagnosticados com uma enxaqueca intensa conhecida como cefaléia em salvas. Considerada como a mais forte dor de cabeça que se conhece, a cefaléia em salvas é extremamente dolorosa e de ocorrência rara. É caracterizada por uma dor unilateral que atinge a zona ocular ou temporal, sua duração varia de 15 minutos a 3 horas podendo apresentar de uma até oito crises por dia, a dor é tão insuportável que muitos pensam em suicídio e alguns de fato o cometem. Com o objetivo de trazer alívio para suas excruciantes dores de cabeça, Bob Wold, depois de ter tomado sem eficácia mais de 75 medicamentos prescritos, em mais de 100 combinações diferentes e tendo como ultimo recurso quatro opções cirúrgicas, algumas de alto risco, e todas sem promessa de resultado definitivo, Wold conheceu dois médicos que sabiam que Albert Hofmann, quando sintetizou o LSD, procurava tratamentos para hemorragias durante o parto e para dores de cabeça. Devido à ilegalidade do LSD em todo o mundo e sua difícil síntese, os médicos e Wold decidiram tentar um tratamento com psilocibina. O resultado foi tão expressivo e marcante que Bob se viu, pela primeira vez em duas décadas, livre de suas dores. Bob Wold fundou uma organização, a Clusterbusters, para ajudar pacientes com a mesma condição e estudar os efeitos da psilocibina como tratamento, através da qual mantêm contato com cerca de 200 vitimas, de onde Wold pode levantar uma série imensa de informações – adquiridas em forma de questionários – que foram apresentadas à Harvard. A organização chamou atenção da universidade, que iniciou um estudo, onde seus autores entrevistaram 53 vítimas de cefaléia em salvas que experimentaram psilocibina ou LSD para tratar de sua condição. Vinte e dois dos 26 pacientes em que a psilocibina foi administrada reportaram diminuição dos ataques e alguns até mesmo a remissão por períodos extensos. A associação cresceu e hoje conta com apoio de pesquisadores em instituições formais de pesquisa, ajudando dezenas de pacientes na mesma condição (Sewell, Halpern & Pope, 2006).

As pesquisas atuais têm apontado, com dados promissores, que psicodélicos possuem uma potencialidade ainda pouco conhecida pelos cientistas e que jamais deveriam ter sido condenados a repressão durante longas décadas. Os novos estudos têm inspirado um honesto retorno de alcalóides como a psilocibina aos domínios da ciência e desmentindo a deturpada imagem pintada pelas políticas antidrogas norte-americanas nos anos 60.

4. Metodologia

O estudo foi realizado através de revisões bibliográficas de artigos científicos que tratam sobre o tema. As revisões estão divididas em duas partes: de 1950-1960 e de 1990-2010.

Coletamos os resultados de 8 pesquisas, 4 de cada época, de diversos pesquisadores que administraram psilocibina em humanos. Os resultados foram analisados e separados por tópicos de acordo com a natureza dos efeitos produzidos pela psilocibina (como humor, cognição e comportamento), buscando nestes efeitos as possibilidades do uso da substância em tratamentos, investigando sua eficácia, segurança e contra-indicações.

5. Resultados

1950-1960
1959 – Os Efeitos Psíquicos da Psilocibina e as Perspectivas Terapêuticas.
Autoria: Delay
Objetivo: Pesquisar sistemáticamente os efeitos psíquicos da psilocibina e suas perspectivas terapêuticas.
Metodologia: Administração de psilocibina em 13 indivíduos normais e 30 portadores de transtornos mentais.
Resultados:

  • Humor: Alteração no humor, com predominio de euforia e váriações para sentimentos de desconforto, apreensão ou ansiedade acentuada.
  • Cognição: Disturbios de atenção, ideação, alteração na noção subjetiva de tempo, afastamento da realidade ou isolamento do individuo, pensamentos delirantes.
  •  Comportamento: Excitação, com movimentos compulsivos e gargalhadas sem motivos aparentes, alternando para desânimo e indiferença.
  • Percepção: Alteração na intensidade das impressões sensoriais (predominantemente visuais, mas também acústicas e gustativas), ilusão, alucinação, distorção da imagem corporal, disturbios de propriocepção, despersonalização e interpretação antagonista do ambiente.
  • Memória: Estimulação da memoria da infância, incluindo experiencias traumáticas, acesso ao material esquecido e liberação de inibições (ab-reação emocional).

Conclusão: Para os autores o acesso ao material esquecido e a liberação de inibições (ab-reação emocional) poderia ter grande valor terapêutico e interesse para a psicologia e psiquiatria.
Referência: Delay, Pichot, Lempérière, Nicolas-Charles & Quétin, 1959

1959 – Estudos com psilocibina, um psicodélico do cogumelo Psilocybe mexicana.
Autoria: Gnirss
Objetivo: Verificar os efeitos da substância em populações humanas.
Metodologia: Administração de psilocibina em 18 pacientes saudáveis.
Resultados:

  • Humor: Alteração no humor, com predomínio de euforia.
  • Comportamento: Possui ação direta no Sistema Nervoso Central, produzindo alterações de comportamento, com efeitos iniciais de atividades reduzidas e variando para uma segunda fase com o aumento da atividade e excitação.
  • Percepção: Alterações da imagem corporal, sentimentos de despersonalização e distúrbios de percepção sensorial.
  • Efeitos somáticos: Foram relatadas alterações no funcionamento do sistema nervoso autônomo como bradicardia, aumento da pressão arterial, diminuição da freqüência respiratória e aumento do volume respiratório, dor de cabeça, vertigem e dessincronização do EEG.

Conclusão: O autor afirma que a psilocibina possui ação direta no Sistema Nervoso Central, produzindo alterações de comportamento, humor e cognição, possuindo grande propriedade reforçadora sendo, passíveis de auto-administração.
Referência: Gnirss,1959

1960 – A Psilocibina na psiquiatria e clínica experimental.
Autoria: Quétin
Objetivo:
Metodologia: Administração de psilocibina em 32 pessoas saudáveis, com idade entre 25-35 anos e 68 pacientes diagnosticados com quadros psicóticos.
Resultados:

  • Humor: Não houve mudança
  • Memória: Liberação de memórias reprimidas.
  • Efeitos somáticos: Produz bradicardia, hipoglicemia e uma pequena alteração na esfera psíquica.

Conclusão: O efeito da psilocibina é comparável à do LSD e mescalina, mas difere em manifestações somáticas e não há nenhuma mudança na contagem de leucócitos. O modo de ação é complexo e ainda não esclarecido. A droga é certamente de grande interesse para o diagnóstico e, provavelmente, também para a psicoterapia. A reação dos indivíduos saudáveis podem às vezes ser previsíveis se o tipo de personalidade é conhecido: estudos psicométricos devem ser feitos.
Referência: Quétin,1960

1965 – Um novo programa de mudança de comportamento para infratores adultos usando psilocibina.
Autoria: Leary
Objetivo: Reduzir as taxas de reincidência criminal.
Metodologia: Administração de psilocibina em 32 presos, para auxiliar a psicoterapia de grupo.
Resultados:

  • Comportamento: Houve uma mudança positiva no comportamento dos presos depois da experiência com a psilocibina, em comparação com os mesmos antes da experiência.

Conclusão: O estudo concluiu que o novo programa de psicoterapia de grupo, auxiliada pela administração de psilocibina, e programas de pós-libertação carcerária, reduziria significativamente os índices de reincidência criminal. Os registros da Prisão Estadual de Concord sugeriam que 64% dos 32 indivíduos voltariam para a prisão no prazo de seis meses após a liberdade condicional. No entanto, após seis meses, apenas 25% das pessoas em liberdade condicional retornaram a prisão, seis por causa de violação da condicional e dois por novos crimes.
Referência: Leary, Metzner, Presnell, Weil, Schwitzgebel & S. Kinne, 1965

1990-2010
2006 – Segurança, tolerância e eficácia da psilocibina em 9 pacientes com Transtorno Obsessivo-Compulsivo.
Autoria: Moreno
Objetivo: Uso terapêutico da psilocibina em pacientes diagnosticados com TOC, que resistiram a outros tipos de tratamentos.
Metodologia: Administração de psilocibina em 9 pacientes portadores de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
Resultados:

  • Comportamento: Foi observada uma diminuição acentuada dos sintomas de TOC em todos os pacientes. A diminuição dos sintomas em pacientes que sofrem de transtorno obsessivo-compulsivo durou após as primeiras 24 horas após a ingestão da psilocibina.
  • Efeitos somáticos: Um indivíduo apresentou hipertensão transitória.

Conclusão: As conclusões reportaram que a psilocibina foi usada com segurança em todos os pacientes, da amostra de nove, que experienciaram reduções agudas nos sintomas básicos do TOC e melhorias nos quadros obsessivos compulsivos durante o período da experiência.
Referência: Moreno, Wiegand, Taitano & Delgado, 2006

2006 – Reação da cefaléia em salvas à psilocibina e ao LSD.
Autoria: Halpern
Objetivo: Investigar os efeitos terapêuticos da psilocibina e do LSD em pacientes diagnosticados com uma enxaqueca intensa, conhecida como cefaléia em salvas.
Metodologia: Administração de psilocibina em 53 pacientes com cefaléia em salvas.
Conclusão: Foi confirmada a eficácia completa (definida como a causa da parada total dos ataques) ou a eficácia parcial (definida como diminuição da intensidade ou freqüência dos ataques, mas não a extinção dos mesmos) da psilocibina neste tratamento em 42% dos 53 indivíduos.
Referência: Sewell, Halpern & Pope, 2006

2006 – A psilocibina pode ocasionar experiências místicas possuindo substancial sentido pessoal e significado espiritual.
Autoria: Griffiths
Objetivo: Investigar os mecanismos da experiência mística/espiritual induzida pela psilocibina e avaliar os efeitos psicológicos, agudos e de longo prazo, proporcionados por uma dose alta de psilocibina.
Metodologia: Administração de psilocibina em 36 voluntarios adultos saudaveis, que participavam regularmente de atividades religiosas ou espirituais.
Resultados:

  • Humor: Humor lábil, com sentimentos de transcendência, tristeza, alegria, e/ou ansiedade. Redução de ansiedade de longo prazo após experiencia.
  • Cognição: Senso de significado e/ou idéias de referência. Sensação de bem estar ou satisfação com a vida.
  • Comportamento: Resultados mais elevados de estimulação/excitação e de atividade motora espontânea, sonolência muito baixa, agitação e maior contato físico com os monitores. Mudanças positivas duradouras nas atitudes e comportamentos dos sujeitos.
  • Percepção: Alteração perceptivas como pseudo-alucinações visual, ilusões, e sinestesias.

Conclusão: O estudo, constata que as modificações sofridas no humor, afeto e cognição dos sujeitos, após a expreriência com a psilocibina, são típicas desta substância e produzem uma série de grandes alterações na percepção, experiência subjetiva e humor lábil, incluindo ansiedade, dos participantes. Maiores elevações, a longo prazo, nos índices de atitudes positivas, bom humor, sociabilidade e comportamentos assertivos. Experiência classificada pelos sujeitos como estando dentre as cinco experiências mais significativas de sua vida, considerando-a como possuidora de substancial sentido pessoal e significado espiritual.
Referência: Griffiths, Richards, McCann & Jesse, 2006

2010 – Estudo Piloto de Tratamento de psilocibina para ansiedade em pacientes com câncer em estágio avançado.
Autoria: Grob
Objetivo: Investigar a segurança e eficácia terapêutica da psilocibina para pacientes com câncer terminal
Metodologia: Administração de psilocibina em 12 indivíduos adultos com câncer em estágio avançado e ansiedade.
Resultados:

  • Humor: Melhora de humor que atingiu significância de seis meses, com redução da ansiedade no tempo de até três meses após o tratamento.

Conclusão: O estudo, que procurava a redução do estresse e dor, obteve resultados animadores no aumento da qualidade de vida e melhora do humor e ansiedade dos pacientes e os dados revelaram um aspecto promissor na utilização terapêutica da substância, estabelecendo a viabilidade e segurança da administração de doses moderadas de psilocibina para pacientes.
Referência: Grob, Danforth, Chopra, Hagerty, McKay, Halberstadt & Greer, 2010.

6. Discussão e análise dos dados

A partir da análise dos resultados obtidos nestas 8 pesquisas realizadas através da administração de psilocibina, entre outros conhecimentos sobre o tema, podemos observar alguns aspectos que devem ser levados em consideração:

Em relação aos efeitos somáticos produzidos pela psilocibina, que são divulgados mais amplamente em 3 pesquisas, que consiste nas alterações no funcionamento do sistema nervoso autônomo como bradicardia, aumento da pressão arterial, diminuição da freqüência respiratória e aumento do volume respiratório, dor de cabeça, vertigem e hipoglicemia podem representar riscos para algumas pessoas, necessitando de acompanhamento médico. Outros efeitos somáticos observados como midríase, hipotensão, congestão facial, suor, astenia e sono são aparentemente os mesmos, tanto em pessoas com transtornos mentais quanto em pessoas normais. Andar ébrio e tremores acontecem paralelamente.

Em relação aos efeitos psíquicos, são caracterizados em primeiro lugar por perturbações do humor, como euforia e sensação de bem-estar, é interessante notar uma inversão do humor nos melancólicos. A agitação é freqüente, variando muitas vezes de um estado eufórico para sentimentos de desconforto, mal-estar geral, fadiga com apreensão, perplexidade e até mesmo ansiedade, nos mostrando o quão sensível para emoções a psilocibina deixa o paciente.

O comportamento é alterado, geralmente há uma grande excitação com o uso da substância, podendo ocorrer, por exemplo, movimentos compulsivos que se alternam para desânimo e indiferença. Porém a longo prazo pode ser constatado uma melhora significativa nos comportamentos e atitudes do sujeito.

A cognição é afetada por distúrbios de atenção, alteração na noção subjetiva de tempo, afastamento da realidade, isolamento do indivíduo e ocorre pensamento delirantes. Os fenômenos intelectuais apresentam déficit, como perturbações de concentração, às vezes são de um tipo onírico que pode ser ansioso, e até erótico.

A percepção é alterada, ocorrendo alteração na intensidade das impressões sensoriais, distorção da imagem corporal e podendo ocorrer ilusões e sinestesias. Os contatos com o mundo exterior traduzem modificações que levam, por exemplo, os melancólicos a sorrir, os catatônicos a procurar contato. Às vezes desaparece a timidez e um fenômeno nomeado por um dos autores como reticências, que diz da “omissão voluntária do que se poderia dizer”. Sentimentos de despersonalização não são raros.

A memória é afetada através da estimulação da memória da infância, da liberação de inibições (ab-reação emocional) e liberação de memórias reprimidas. As manifestações mais interessantes aplicam-se as evocações, permitindo aos pacientes reviver suas crises de angústia ou cenas que podem tê-los marcado. A supressão das inibições permanece também como um dos resultados mais dignos de atenção.

Podemos considerar, de um modo geral, que existe grande semelhança entre os efeitos da psilocibina nos sujeitos normais e nos doentes mentais.
A liberação de memórias reprimidas ocorre igualmente a ambos, entretanto, nas pessoas normais são recordações de infância geralmente não penosas, enquanto que nos doentes mentais são, mais freqüentemente, cenas traumatizantes.

Convém separar os efeitos da psilocibina conforme a condição psíquica do sujeito, se ele é psicótico ou neurótico. Nos esquizofrênicos crônicos, nos dementes, toda possibilidade de resposta afetiva parece abolida, os risos discordantes sem nenhum motivo ou razão são freqüentes. Nos paranóicos de evolução recente as reações são violentas, as vezes provocadas por poderosas recordações nas quais as testemunhas presentes podem ser identificadas a personagens ligadas a cenas do passado do doente, que as reencontra, sob o efeito da substância. Assim sendo, a agressividade deste em relação a certas pessoas de seu ambiente renascerá, devido a esta lembrança provocada, necessitando de maio cuidado neste ponto.

Nos casos de neurose, determina-se o interesse da aplicação da psilocibina. Nos psicopatas, a atitude se revelará teatral ou pueril. As lembranças afluem, o sujeito registra-as com todo o cortejo afetivo: reivindicações, frustrações, invejas, culpabilidade (Quétin, 1960). Assim sendo, a supressão das inibições e dos recalques acelera-se, fixa-se. Em alguns casos, essas modificações chegam a uma verdadeira tomada de consciência intelectual do paciente sobre seu estado, o que pode levar a uma espécie de euforia, a qual aguçaria, por exemplo, seu “apetite” renovador, levando o sujeito a novas atitudes.

Nos histéricos, enfim, numa primeira fase ansiosa acentuada pela desconfiança, sucederá um desaparecimento progressivo da hostilidade em relação às testemunhas. Pouco a pouco, as lembranças longínquas se reconstituem, acumulam, as circunstâncias do passado tornam a juntar-se. Também nos portadores de transtorno obsessivo-compulsivo o sentimento de culpa pode exteriorizar-se, fazendo nascer os elementos que permitirão que talvez se desenhem — definidas pelo próprio doente — as etapas sucessivas de sua despersonalização, trazendo uma grande melhora para sua vida e redução, com raros casos de extinção, dos sintomas.

Este efeito sobre a memória humana, provocando o acesso a memórias reprimidas, é de grande interesse para a psicologia, se mostrando um método eficaz no tratamento de algumas desordens mentais e outros transtornos, provocando uma significativa melhora na vida dos pacientes e se mostrando segura para sua aplicação, se mediante a um acompanhamento profissional e um direcionamento terapêutico.

7. Considerações finais

Os efeitos únicos produzidos pela psilocibina fornecem panoramas para o estudo da mente em geral e da consciência humana em particular. Permitem a exploração de diversos parâmetros e mecanismos atrelados ao processo consciente, como a percepção sensorial e a autoconsciência.
Nas mãos do terapeuta, a psilocibina não apenas pode agir francamente sobre o ressurgimento de lembranças reprimidas como também despertar um desejo de aproximação entre o paciente e o terapeuta, formando um vínculo onde seja possível uma colaboração maior de ambas as partes para a revelação da origem das perturbações mentais.

Mostrando-se então uma eficaz ferramenta terapêutica, e comprovando minhas hipóteses de que a proibição desta substância advém antes de uma arbitrariedade preconceituosa de pretextos hediondos do que de um real risco a vida ou bem-estar do ser humano. Porém, para uma aplicação segura e com resultados benéficos da psilocibina, como uma ferramenta auxiliar em processos terapêuticos, mais estudos são necessários.

Referências
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Efeitos da Psilocibina na Cognição

Traduzido do arquivo da Associação Multidisciplinar para o Estudo de Psicodélicos (MAPS)
MAPS – Volume 7 N# 1,  Inverno 1996-97 – pp. 10-11
Pesquisas recentes e suas implicações para o aumento da criatividade

Matthew J. Baggott
Pesquisador Associado, Centro de Pesquisa de Dependência de Drogas
Universidade da California, San Francisco

  • mbagg@itsa.ucsf.edu
  • http://itsa.ucsf.edu/~ddrc

Para uma lista atualizada de estudos sobre psilocibina, clique aqui (em inglês)

Para os estudos de Rick Doblin de acompanhamento a longo prazo da pesquisa com psilocibina originalmente conduzida ou supervisionada por Timothy Leary em Harvard de 1960 a 1963, veja o Good Friday experiment follow-up (em inglês), que investiga o uso da psilocibina como catalizador de experiências místicas, e o Concord Prison experiment follow-up (em inglês), que investiga o uso da psilocibina em promover mudança de comportamento e reduzir reincidências.


Discussão do artigo: Spitzer M, Thimm M, Hermle L, Holzmann P, Kovar KA, Heimann H, Gouzoulis-Mayfrank E, Kischka U, Schneider F (1996); Aumento da ativação de associações semânticas indiretas com o uso de psilocibina. Biol Psychiatry 39:1055-1057. Spitzer e seus colegas chegaram mais perto de compreender os efeitos dos psicodélicos. Como eles apontaram na conclusão do seu trabalho, obtiveram sucesso na utilização dos resultados de uma tarefa simples para teorizar ligações entre os relatos subjetivos dos usuários de psicodélicos, medições objetivas dos efeitos da psilocibina, e a fisiologia cerebral subjacente. No processo, eles levantaram uma série de ligações produtivas a futuras pesquisas.


A primeira onda de pesquisas sobre psicodélicos nos anos 60 viu muitas tentativas de entender os mecanismos e os efeitos dos psicodélicos. Olhando de volta para esses estudos do passado, chega-se a idéia que as substâncias psicodélicas talvez fossem complexas demais para as ferramentas científicas da época. No entanto, a onda atual de pesquisas sobre psicodélicos se mostra muito mais promissora. Desde os 60, ganhamos muitas ferramentas sofisticadas de pesquisa. Essas ferramentas incluem testes neuropsicológicos simples, tarefas repetitivas, jogos, que podem dar valiosos insights de como os psicodélicos afetam a mente. Manfred Spitzer, M.D., Ph.D.,  e seus colegas (1996) publicaram recentemente um fascinante relatório sobre os efeitos da psilocibina em um desses testes neuropsicológicos.

O grupo de Spitzer, de oito homens voluntários, foi oralmente administrado com 0.2 mg de psilocibina, por kg de peso corporal, junto a um grupo de controle que recebeu um placebo.  Em seguida estudaram os efeitos da psilocibina em uma tarefa de reconhecimento de palavras. Nesse teste, o indivíduo identifica se uma sequência de caracteres é uma palavra, ou não. Estudos anteriores descobriram que indivíduos podem identificar uma palavra mais rápido se a sequência de caracteres que a precede for uma palavra proximamente relacionada. Por exemplo, uma pessoa pode reconhecer a palavra “preto” mais rapidamente se ela foi imediatamente precedida pela palavra “branco”. Este efeito é conhecido como “disparo semântico” (semantic priming). Em indivíduos normais, o disparo semântico ocorre somente com palavras de relação próxima. No entanto, palavras indiretamente relacionadas (“doce” e “limão,” por exemplo) produz esse disparo semântico em indivíduos esquizofrênicos de pensamento desordenado (Spitzer et al 1993a, 1993b).

Disparo semântico

Os pesquisadores descobriram que a psilocibina desacelerou o tempo de reação dos indivíduos, ao mesmo tempo que produzia um efeito de disparo semântico das palavras indiretamente relacionadas (“doce” e “limão”), semelhante ao observado na pesquisa de esquizofrenia. A descoberta de que a psilocibina desacelera o tempo de reação  não era inesperada; uma pesquisa anterior com psicodélicos encontrou o mesmo efeito. No entanto, a descoberta que a psilocibina produzia disparo semântico indireto é mais interessante. Em suas discussões, os pesquisadores ressaltam que seus resultados são relevantes para a afirmação que psicodélicos “aumentam a criatividade” ou “expandem a consciência”:

Embora a maioria das medições objetivas tenham falhado em apoiar estas afirmações, nossos dados sugerem que o agente [alucinógeno] de fato leva a um aumento da disponibilidade de associações remotas e, portanto, pode trazer efeitos cognitivos à mente que, em circunstâncias normais, permaneceriam desativados; no entanto, a diminuição geral do desempenho psicológico sob efeito de agentes alucinógenos sugere que o aumento indireto do efeito de disparo se deve à diminuição da capacidade de usar informação contextual para a focalização do processamento semântico. Por isso, a experiência subjetiva de aumento da criatividade, assim como a ampliação da consciência, foram encontradas paralelamente com a diminuição nas medições objetivas de desempenho. (p. 1056-1057).

Assim, os pesquisadores sugerem que os psicodélicos podem de fato “ampliar a consciência” tornando mais disponíveis as associações mentais remotas. No entanto, isso envolve um trade-off. Embora as associações remotas se tornem mais acessíveis, os sujeitos ficam menos capazes de focalizerem a atenção, o que diminui seus tempos de reação.

Redes neurais semânticas

Os pesquisadores interpretam seus resultados utilizando um modelo que afirma que o cérebro contém redes neurais semânticas que podem ser ativadas pela informação semântica.  A propagação dessa ativação pelas redes neurais determina a quantidade de disparo semântico que ocorre no teste de reconhecimento de palavras. Essa ativação se propaga de forma mais profunda e rápida em esquizofrênicos de pensamento desordenado e usuários de psilocibina do que em voluntários normais. Uma explicação para essa quantidade incomum de ativações é a dimuição da eficiência no córtex onde a informação semântica é processada (Servan-Schreiber et al 1990, Cohen and Servan-Schreiber 1992, 1993). Existem evidências de que essa ineficiência de processamento está relacionada com a diminuição da modulação dopaminérgica. Como suporte a essa teoria, os pesquisadores descobriram que a L-dopa, um precursor da dopamina, reduz a propagação da ativação e, dessa forma, reduz indiretamente o disparo semântico (Kischka et al 1995). No contexto dessa teoria, a psilocibina (que atua no sistema serotoninérgico) pode ser vista como um potencializador de ativação das redes semânticas. Essencialmente, a dopamina parece ter um efeito de focalização na ativação das redes semânticas, enquanto a psilocibina tem um efeito de desfocalização.

O teste de reconhecimento de palavras

O teste de reconhecimento de palavras usado pelo grupo de Spitzer é particularmente interessante por várias razões. Primeiro, ele permitiu aos pesquisadores testar o acesso automático, ao invés de voluntário, à memória. Mesmo quando os sujeitos não conseguiam recordar conscientemente as palavras previamente vistas (seja por causa de uma droga ou por desordens neurológicas), o teste de reconhecimento de palavras pode demonstrar se os sujeitos ainda podem acessar automaticamente essa memória.  Além disso, o teste permite que os pesquisadores vejam como o foco das associações mentais do sujeito é modificado por diferentes estados farmacológicos ou psicológicos. Esse aspecto parece potencialmente promissor para a diferenciação entre diferentes tipos de memórias. Por exemplo, em algumas situações, palavras emocionais (“feliz” e “triste”) podem ser ativadas em maior medida do que palavras com pouco conteúdo emocional (“preto” e “branco”).

Spitzer e seus colegas chegaram mais perto de compreender os efeitos dos psicodélicos. Como eles apontaram na conclusão do seu trabalho, obtiveram sucesso na utilização dos resultados de uma tarefa simples para teorizar ligações entre os relatos subjetivos dos usuários de psicodélicos, medições objetivas dos efeitos da psilocibina, e a fisiologia cerebral subjacente. No processo, eles levantaram uma série de ligações produtivas para futuras pesquisas.

Referências

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  3. Kischka U, Kammer T, Weisbrod M, Maier S, Thimm M, Spitzer M (1995); Dopaminergic modulation of semantic network activation (in submission). Servan-Schreiber D, Printz H, Cohen JD (1990); A network model of catcholamine effects: Gain, signal-to-noise ratio, and behavior. Science 249:892-895.
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  5. Spitzer M, Braun U, Hermle L, Maier S (1993b); Associative semantic network dysfunction in thought-disordered schizophrenic patients: Direct evidence from indirect semantic priming. Biol Psychiatry 34:864-877.
  6. Spitzer M, Thimm M, Hermle L, Holzmann P, Kovar KA, Heimann H, Gouzoulis-Mayfrank E, Kischka U, Schneider F (1996); Increased activation of indirect semantic associations under psilocybin. Biol Psychiatry 39:1055-1057.

Novos Mapas do Hiperespaço – Terence McKenna

Por Terence McKenna

Palestra pronunciada a convite de Ruth e Arthur Young, do Instituto para o Estudo da Consciência, de berkeley, Califórnia, em 1984

Extraído do Livro “O Retorno à Cultura Arcaica”

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No Ulysses, de James Joyce, Stephen Dedalus nos diz: “A História é o pesadelo do qual estou tentando despertar”. Eu mudaria a frase e diria que a História é aquilo que tentamos despertar para ingressar no sonho. O sonho é escatológico. O sonho é tempo zero e fora da História. Desejamos fugir para o sonho. O desejo de fuga é a principal acusação que se faz aos que se propõem a experimentar plantas alucinógenas. Quem faz essa acusação mal poderia conceber o quanto os alucinógenos são escapistas. Escapar. Escapar do planeta, da morte, do hábito, e, se possível, do problema do Inexprimível.

Se deixarmos de lado os últimos trezentos anos de experiência histórica na Europa e na América, e examinarmos o fenômeno da morte e a doutrina da alma em todas as suas ramificações – neoplatônica, cristã, dinástica-egípcia etc. -, encontraremos repetidamente a noção de que existe um corpo leve, uma enteléquia associada de alguma forma com o corpo humano durante a vida, e que a morte acarreta uma crise na qual os dois se separam. Uma das partes perde a sua raison d´être e entra em dissolução; o metabolismo pára. A outra vai não sabemos para onde. Talvez não vá para lugar algum, se não se acredita que ela exista; mas, então, tem-se o problema de achar uma explicação para a vida. E embora a ciência alegue saber muitas coisas e tenha conseguido explicar sistemas atômicos simples, a idéia de que os cientistas possam dizer alguma coisa acerca do que é a vida e de onde ela vem é, atualmente, absurda.

A ciência nada tem a dizer acerca de como uma pessoa decide fechar a mão para agarrar um peixe, e, no entanto, isso acontece. Trata-se de algo inteiramente fora do alcance da explicação científica, porque o que vemos nesse fenômeno é o espírito como causa primária. É um exemplo de telecinésia: a mente faz a matéria mover-se. Portanto, não devemos temer o escárnio da ciência na questão do destino ou da origem da alma. Minha forma de sondar o assunto sempre foi a experiência psicodélica, mas recentemente passei a investigar sonhos, porque os sonhos são uma forma muito mais generalizada de experimentar a hiperdimensão na qual a vida e a alma parecem estar imersas.

Observando o que as pessoas com tradições xamanistas dizem a respeito dos sonhos, chega-se à conclusão de que, para elas, a realidade do sonho é, experiencialmente, um contínuo paralelo. O xamã ingressa nesse contínuo através de alucinógenos e de certas outras técnicas, mas o meio mais eficaz são os alucinógenos. No caso de todos os outros, esse ingresso é feito através do sonho. Para Freud, os sonhos eram os “resíduos do dia”, e a pessoa poderia encontrar a origem do conteúdo do sonho na distorção de algo que houvesse acontecido durante o estado de vigília.

Meu argumento é que é muito mais útil tentar construir uma espécie de  modelo geométrico da consciência, encarar seriamente a idéia de um contínuo paralelo, e dizer que a mente e o corpo estão imersos no sonho e que este é uma ordem superior de dimensão espacial. Durante o sono, a pessoa se transfere para o mundo real, do qual o mundo da vigília é apenas a superfície no sentido geométrico literal. Existe um plenum – e certas experiências recentes de física quântica tendem a confirmá-lo -, um plenum holográfico de informação. Toda informação está em toda parte. A informação que não estiver ali não estará em parte alguma. A informação situa-se fora do tempo histórico, em uma espécie de eternidade – uma eternidade que não tem existência temporal, nem mesmo o tipo de existência temporal da qual se poderia dizer “Sempre existiu”. Não possui qualquer tipo de duração temporal. É eternidade. Nós não somos fundamentalmente biológicos, dotados de uma alma que surge como uma espécie de iridescência, uma espécie de epifenômeno nos níveis mais elevados de organização da biologia. Somos objetos hiperespaciais de algum tipo, que projetam sua sombra sobre a matéria. A sombra na matéria é o nosso organismo físico.

Na morte, o objeto que projeta a sombra se retira; o metabolismo cessa. A forma material entra em colapso; deixa de ser uma estrutura dissipativa em uma área muito localizada, sustentada contra a entropia pelo processamento de matéria que entra, extraindo energia e eliminando rejeitos. Mas a forma que ordenou tudo isso não é afetada. Essas afirmações são feitas do ponto de vista da tradição xamanista, que tem a ver com todas as religiões superiores. Tanto o estado do sonho psicodélico como o estado do despertar psicodélico adquirem grande importância, pois revelam uma tarefa para a vida: familiarizar-nos com essa dimensão que causa a existência, para que estejamos familiarizados com ela no momento em que morremos.

Várias tradições valem-se da metáfora do veículo – um veículo para após a morte, um corpo astral. O xamanismo e certas iogas, inclusive a ioga taoísta, afirmam claramente que a finalidade da vida é familiarizar-nos com esse corpo que iremos ter depois da morte, para que o ato de morrer não traga confusão à nossa psique. A pessoa reconhecerá o que está acontecendo. Saberá o que fazer e poderá separar-se ordeiramente. Contudo, parece haver a possibilidade de um problema no ato de morrer. Não é o caso de ser condenado à vida eterna. A pessoa pode confundir-se por ignorância.

Aparentemente há, no momento da morte, uma espécie de separação, como no nascimento – a metáfora é trivial, mas perfeita. Há a possibilidade de dano ou de atividade incorreta. William Blake, poeta e místico inglês, dizia que, à medida que se começa a subir a espiral, há a possibilidade de se cair da trilha dourada para a morte eterna. Contudo, é apenas a crise de um momento – uma crise de transição -, e toda a finalidade do xamanismo e da vida corretamente vivida é fortalecer a alma e reforçar a relação entre o ego e a alma, para que essa transição possa ser feita ordenadamente. Essa é a posição tradicional.

Desejo incluir um abismo nesse modelo – um abismo menos conhecido dos racionalistas, porém familiar a todos nós, a um nível psíquico mais profundo, como herdeiros da cultura judeu-cristã. Trata-se da idéia de que o mundo vai acabar, que haverá um tempo final, que existe não só a crise da morte do indivíduo, mas também a crise da morte na história da espécie.

Aparentemente, trata-se de que, desde o tempo da conscientização da existência da alma até a resolução do potencial apocalíptico, decorrem aproximadamente cem mil anos. Do ponto de vista biológico, isso representa apenas um momento, mas é dez vezes mais do que toda a duração da História. Durante esse período, tudo é incerto, pois há uma corrida louca desde o hominídeo até o vôo espacial. No pulo por sobre esses cem mil anos, há dispersão de energia, religiões se ascendem como centelhas, filosofias nascem e morrem, surgem a ciência e a magia, como também surgem todos os interesses que controlam o poder com maior ou menor grau de respeito à ética. E há a onipresente possibilidade de que a transformação da espécie em uma enteléquia hiperespacial venha a abortar.

Estamos hoje, sem sombra de dúvida, nos segundos históricos finais dessa crise – crise que envolve o fim da História, nossa partida do planeta, o triunfo sobre a morte, e a libertação dos indivíduos em relação ao corpo. Estamos, de fato, nos aproximando do mais profundo evento com o qual uma ecologia planetária pode se deparar – o momento em que a vida se liberta da sombria crisálida da matéria. A velha metáfora da psique como lagarta que se transforma por metamorfose é uma analogia que se aplica a toda a nossa espécie. Temos de passar por uma metamorfose a fim de sobreviver ao ímpeto de forças históricas que já foram deflagradas.

Os biólogos evolucionistas consideram que os humanos são uma espécie que cessou de evoluir. Em algum momento, nos últimos cinqüenta mil anos, com a invenção da cultura, a evolução biológica dos seres humanos cessou e a evolução tornou-se um fenômeno epigenético e cultural. Os instrumentos, as línguas e as filosofias passaram a evoluir, mas o tipo somático humano permaneceu o mesmo. Somos, fisicamente, muito semelhantes a indivíduos que viveram em um passado distante. A tecnologia, porém, é a verdadeira pele da nossa espécie. A humanidade, encarada corretamente no contexto dos últimos quinhentos anos, é um agente extrusivo de material tecnológico. Tomamos matéria com baixo grau de organização, fazemo-la passar por nossos filtros mentais e expelimos em formas de jóias, escrituras sagradas e ônibus espaciais. É isso o que fazemos. Somos como corais incrustados em um recife tecnológico de objetos psíquicos extrudados. Toda a nossa fabricação de instrumentos implica a nossa fé em um instrumento supremo. Esse instrumento é o disco voador ou a alma exteriorizada no espaço tridimensional. O corpo pode tornar-se um objeto holográfico interiorizado, inserido em uma matriz tridimensional, em estado sólido, que é eterna, de modo que todos passamos a viver em um verdadeiro Elísio.

Espécie de paraíso muçulmano, esse Elísio permite-nos gozar de todos os prazeres da carne, contanto que saibamos que somos uma projeção holográfica de uma matriz em estado sólido, microminiaturizada e supercondutora, a qual não se encontra em lugar algum: é parte do plenum. A finalidade de toda a história tecnológica é produzir protótipos dessa situação, cada vez mais próximos do ideal, de modo que os aviões, os automóveis,os ônibus espaciais, as colônias espaciais, as naves interestelares, feitas de parafusos e porcas e capazes de viajar à velocidade da luz, são, como disse Mircea Eliade, “imagens de vôo que se autotransformam e que nos dizem muito a respeito das aspirações humanas de autotranscendência”.

Nosso desejo, nossa salvação e nossa única esperança é pôr fim à crise história, transformando-nos no alienígena, pondo fim à alienação, reconhecendo o alienígena como o Eu – de fato, reconhecendo o alienígena como a Supermente que conserva intatas todas as leis físicas do planeta, da mesma forma que conservamos intata uma idéia em nosso pensamento. Os dados que julgamos indelevelmente a para sempre escritos são, na verdade, apenas estados de ânimo da Deusa, da qual somos o reflexo. Todo o significado da história humana reside em recuperar essas informações perdidas, para que o homem possa ser dirigível ou, parafraseando Joyce em Finnegans Wake, ao referir-se a Moicane, a zona de prostituição de Dublin: “Aqui em Moicane, se caímos na calçada, logo nos levantamos, reunimos as nossas forças e batemos as asas. De modo que, se você quiser renascer, venha sentar-se conosco.”. Como se vê, é muito simples, mas é preciso coragem para permanecer-se sentado quando a Morte se aproxima – a Morte que Joyce chama de “benção disfarçada”.

O que os alucinógenos encorajam – e aquilo que espero venha a merecer atenção assim que os alucinógenos sejam integrados à nossa cultura ao ponto em que grandes grupos de pessoas possam planejar programas de pesquisa sem receio de perseguição – é um modelo do estudo que se segue à morte. Os alucinógenos podem fazer mais do que modelar esse estado; podem revelar a sua natureza. Podem mostrar-nos que é possível alterar as modalidades de aparência e conhecimento de modo a permitir que vejamos a nossa mente no contexto da Mente Única. A Mente Única contém todas as experiências do Desconhecido. Não há qualquer dicotomia entre o universo newtoniano, que se estende através de anos-luz de espaço tridimensional, e o universo mental interior. Ambos são reflexos da mesma coisa.

Se percebemos esses dois universos como dualismos irredutíveis, isso se deve a má qualidade do código que costumamos usar. A linguagem que empregamos para discutir esse problema tem dualismos inerentes. Trata-se de um problema de linguagem. Todos os códigos tem as suas qualidades relativas, exceto o Logos. O Logos é perfeito e, portanto, não compartilha das qualidades de nenhum outro. Uso aqui o termo Logos no sentido em que esse termo é utilizado por Fílon, o Judeu – o de Razão Divina que abrange o complexo arquetípico de ideais platônicos que servem de modelo à criação. Quando não usamos o Logos para traçar os nossos mapas, temos problemas de qualidade de código. O dualismo inerente a nossa linguagem faz com que a morte da espécie e a morte do indivíduo pareçam dois conceitos opostos.

Da mesma forma, há uma dicotomia entre os cenários criados pela biologia, a partir do exame do universo físico, e os mundos de anjos e demônios aos quais a psicologia se refere. A experiência psicodélica atua no sentido de resolver essa dicotomia. Para irmos além de um conhecimento acadêmico das plantas alucinógenas, basta-nos experimentar o êxtase induzido pela triptamina. A molécula de dimetiltriptamina (DMT) tem a singular propriedade de libertar o ego estruturado para que este se reúna ao Superego. Todos os que tiveram essa experiência passaram por um mini-apocalipse, um mini-ingresso e mapeamento do hiperespaço. Para que a sociedade volte a sua atenção nesse sentido, basta que essa experiência se torne objeto do interesse geral.

Não quero dizer com isso que todos devam fazer experiências com cogumelos ou outras fontes de triptaminas psiquicamente ativas que ocorrem na natureza. Devemos procurar assimilar e integrar a experiência psicodélica, uma vez que se trata de um plano experiencial ao qual todos temos acesso direto. O papel que iremos desempenhar em nossa relação com ele determina como iremos nos apresentar naquela anunciada transformação final. Em outras palavras, há nessa noção uma espécie de preconceito teológico; há a crença que existe um hiperobjeto chamado Supermente, ou Deus, que projeta uma sombra no tempo. A História é a nossa experiência grupal dessa sombra. À medida que nos aproximamos cada vez mais da fonte da sombra, os paradoxos aumentam, aumenta o coeficiente de mudança. O que acontece é que o hiperobjeto começa a ingressar no espaço tridimensional.

Uma forma de conceber isso é supor que o mundo da vigília e o mundo do sonho passam a fundir-se, de modo que, até certo ponto, aqueles críticos do OVNI que afirmam que os discos voadores são alucinações estão corretos, no sentido de que as leis que regem o sonho, as leis que regem o hiperespaço, podem as vezes funcionar no espaço tridimensional, quando a barreira entre as duas realidades se dissipa. Nesse caso, a pessoa tem experiências curiosas, as vezes chamadas de falhas psicóticas, as quais sempre exercem tremendo impacto sobre o paciente, uma vez que parece haver um componente externo que absolutamente não pode ser subjetivo. Nessas ocasiões, as coincidências começam a se acumular, até que a pessoa finalmente admite não saber o que está acontecendo. Contudo, é absurdo afirmar que se trata de um fenômenos psicológico, pois o fenômenos é acompanhado de mudanças no mundo exterior. Jung deu a isso o nome de “sincronicidade” e construiu o seu modelo psicológico, mas o que realmente sucede é que uma física alternativa começa a intervir com a realidade local.

Essa física alternativa é uma física da luz. A luz é feita de fótons, e os fótons não possuem antipartículas. Isso significa que não existem dualismos no mundo da luz. As convenções da relatividade dizem que o tempo se atrasa à medida que nos aproximamos da velocidade da luz; mas, se tentarmos imaginar o ponto de vista de uma coisa feita de luz, temos de reconhecer que o que nunca se diz é que, se viajarmos à velocidade da luz, o tempo deixa de existir. Experimentamos o tempo zero. Portanto, se imaginarmos por um instante que somos feitos de luz, ou que estamos de posse de um veículo capaz de mover-se à velocidade da luz, podemos ir de um a qualquer ponto do universo com uma experiência subjetiva de tempo zero. Ou seja, iremos à Alfa Centauro no tempo zero, enquanto o tempo ocorrido no universo relativista é de quatro anos e meio. Mesmo que atravessemos distâncias muito grandes, se viajarmos ao longo de 250 mil anos-luz até Andrômeda, continuaremos a ter a experiência subjetiva de tempo zero.

A única experiência do tempo que podemos ter é a de um tempo subjetivo, criado por nossos próprios processos mentais; em relação ao universo newtoniano, o tempo não existe. Passamos a existir na eternidade, tornamo-nos eternos; em tal situação, o universo envelhece a uma velocidade espantosa à nossa volta, mas isso é percebido como um fato do universo – da mesma forma que percebemos a física newtoniana como um fato deste universo. A pessoa passa para a modalidade eterna; separa-se da imagem transitória; existe na perfeição da eternidade.

Acredito que é nessa direção que estamos sendo levados pela tecnologia. Não há contradição entre equilíbrio ecológico e migração espacial, entre hipertecnologia e ecologia radical. Todas essas questões são especulativas; a única entidade histórica que está se tornando iminente é a alma humana. O corpo do primata serviu para trazer-nos a este momento de liberação, e sempre servirá de foco de nossa auto-imagem, mas estamos passando a existir cada vez mais em um mundo feito de imaginação humana. É isto o que se tem em mente quando se fala do retorno ao Pai, a transcendência da physis, a libertação da prisão gnóstica universal, uma prisão de ferro que detém a luz: nada menos que a transformação da nossa espécie.

Dentro de muito pouco tempo haverá uma aceleração desse fenômeno sob a  forma de exploração espacial e colônias espaciais. O animal chamado Homem, semelhante a um recife de coral, que vem extrudando tecnologia sobre a superfície do planeta, será libertado de todas as limitações, exceto das limitações dos materiais e da imaginação. Já se sugeriu que as primeiras colônias espaciais devem incluir um esforço de duplicar, como ideal, o idílico ecossistema do Havaí. Esses exercícios de conhecimento ecológico demonstrarão que sabemos o que estamos fazendo. Contudo, assim que esses conhecimentos estiverem sob controle, passaremos ao domínio da arte. É isso o que sempre buscamos. Construiremos o nosso mundo – todos os nossos mundos -, e o mundo de onde viemos será mantido como um jardim. O que Eliade discutiu como metáforas de autotransformação através do vôo será realizado brevemente na tecnologia da colonização do espaço.

A transição da Terra para o espaço constituirá um filtro genético tremendamente rigoroso, mais rigoroso que qualquer fronteira jamais o foi no passado, inclusive o filtro genético e demográfico representado pela colonização do Novo Mundo. Já se disse que a vitalidade das Américas se deve ao fato de que somente os sonhadores, pioneiros e fanáticos cruzaram o oceano. Isto se aplicará ainda mais a transição para o espaço. A conquista tecnológica do espaço criará as condições iniciais; em seguida, para a internalização dessa metáfora, trará a conquista do espaço interior e o colapso dos vetores de estado associados a essa tecnologia no espaço newtoniano. Nesse ponto, a espécie humana ter-se-á tornado mais do que dirigível.

Uma tecnologia que interiorize o corpo e exteriorize a alma se desenvolverá paralelamente à transição para o espaço. The Invisible Landscape, livro que o meu irmão e eu escrevemos, faz um esforço no sentido de abreviar essa cronologia e, de certa forma, forçar o resultado. O livro é a história, ou melhor, as bases intelectuais da história de uma expedição à Amazônia que o meu irmão, eu e várias outras pessoas empreendemos em 1971. Durante essa expedição, o meu irmão formulou uma idéia que incluía o uso de harmina e harmalina, compostos que ocorrem no Banisteriopsis caapi, a vinha silvestre que é a base do Ayahuasca. Procuramos usar harmina em conjunto com a voz humana no que chamamos “experiência de La Chorrera”. Tratava-se de um esforço de carregar, através do som, a estrutura das moléculas de harmina que se metabolizavam no organismo, de tal forma que elas formassem ligações, preferencial e permanentemente, com estruturas moleculares endógenas.

Nosso candidato na ocasião era o DNA neural, embora Frank Barr, que vinha pesquisando as propriedades da melanina cerebral, me houvesse convencido de que há igual possibilidade que a harmina atuasse ligando-se a corpos de melanina. Em ambos os casos a farmacologia acarreta ligações com um local de armazenamento, de informações, sendo estas, em seguida, transmitidas de tal forma que a pessoa passa a ter uma leitura mental da estrutura da alma. Nossa experiência foi um esforço no sentido de usar um tipo de tecnologia xamanista para, por assim dizer, colocar um sino no pescoço do gato, pendurar um dispositivo telemétrico supercondutor na Supermente para que houvesse uma leitura contínua de informações a partir daquela dimensão. Deixo a quem assim o deseja julgar o sucesso ou fracasso dessa tentativa.

A primeira parte do livro descreve as bases teóricas da experiência. A segunda descreve a teoria da estrutura do tempo que resultou dos bizarros estados mentais que se seguiram a experiência. Não afirmo que tenhamos tido êxito, apenas que a nossa teoria quanto ao que aconteceu é mais plausível que qualquer teoria proposta pelos críticos. Quer tenhamos tido êxito ou não, esse tipo de raciocínio nos aponta o caminho a seguir. Por exemplo, quando falo da tecnologia da construção de espaçonaves, imagino que esta será obtida com voltagens bem inferiores à voltagem de uma lanterna comum de pilhas. Afinal, é nesse nível que ocorrem os fenômenos mais interessantes da natureza, como o pensamento e o metabolismo. O pensamento e o metabolismo são fenômenos desse tipo.

Uma nova ciência que coloque a experiência psicodélica no centro de seu programa de pesquisas deve buscar a realização prática desse objetivo – o objetivo de eliminar a bareira entre o ego e o Superego, para que o ego possa ver-se como uma expressão do Superego. Assim, a ansiedade de encarar uma tremenda crise biológica como as crises do ecossistema, bem como a crise da limitação do espaço físico que a nossa situação terrena nos força a atravessar, poderá ser evitada através do cultivo da alma e da prática de um novo xamanismo que use plantas contendo triptaminas.

A psilocibina é, desses compostos, o mais facilmente encontrado e o mais experimentalmente acessível. Portanto, o apelo que faço aos cientistas, administradores e políticos que venham ler as minhas palavras é este: voltem a examinar a psilocibina. Não a confundam com os outros alucinógenos, compreendam que ela é um fenômeno por si mesma, com enorme potencial de transformar os seres humanos – e não somente transformar as pessoas que ingerem, mas transformar a sociedade, tal como um movimento artístico, um novo conhecimento matemático ou um progresso científico transforma a sociedade. A psilocibina tem a possibilidade de transformar espécies inteiras, simplesmente em virtude das informações que transmite. É uma fonte de gnose, e a voz da gnose foi silenciada na mente ocidental há pelo menos mil anos.

Quando os franciscanos e dominicanos chegaram ao México, no século XVI, trataram imediatamente de eliminar a religião do cogumelo ao qual os índios davam o nome de teonanacatl, ”a carne dos deuses”. A religião católica detinha o monopólio da teofagia, e não viu com bons olhos aquela maneira de abordar o assunto. Hoje, quatrocentos anos após esse contato inicial, acredito que Eros, que se retirou da Europa com o advento do cristianismo, refugiou-se na Sierra Mazateca. Finalmente, após sua reclusão nas montanhas, reemerge agora na consciência ocidental.

Nossas instituições, nossas epistemologias estão falidas e exauridas; temos de recomeçar de novo e esperar que, com a ajuda de personalidades inspiradas no xamanismo, possamos cultivar mais uma vez esse antigo mistério. O Logos pode ser liberado; a voz que falou a Platão, Parmênides e Heráclito pode voltar a falar na mente do homem moderno. Quando o fizer, a alienação terminará, porque passaremos a ser o alienígena. Essa é a promessa que se nos apresenta; para alguns, pode parecer uma visão de pesadelo, mas todas as mudanças históricas de imensa magnitude trazem consigo uma carga emocional. Lançam a humanidade em um mundo completamente novo.

Acredito que essa tarefa tem de ser realizada através do uso de alucinógenos. Sempre se acreditou que existem muitos caminhos para o progresso espiritual. Nesse particular, valho-me de minha experiência pessoal. Nenhuma outra técnica me trouxe bons resultados. Passei algum tempo na Índia, pratiquei ioga, visitei vários rishis roshis, geysheys e gurus que existem na Ásia, e acredito que eles devem estar falando de algo tão pálido, tão distanciado do contato o pleno êxtase das triptaminas, que realmente não sei o que pensar deles e das vagas revelações que fazem.

O tantrismo alega ser outro caminho nessa direção. Tantra significa “o caminho mais curto” e certamente pode estar no rumo certo. A sexualidade, o orgasmo, essas coisas possuem qualidades semelhantes às das triptaminas, mas a diferença entre a psilocibina e todos os outros alucinógenos é a informação – enormes quantidades de informação.

O LSD me pareceu ter muito a ver com a estrutura da personalidade. As visões que ele proporciona me pareciam, muitas vezes, ser meramente geométricas, a não ser que fosse sinergizadas por outro composto. A clássica experiência psicodélica relatada por Aldous Huxley foi feita com 200 microgramas de LSD e e 30 miligramas de mescalina. Essa combinação produz uma experiência visual, não uma experiência de alucinações. Em minha opinião, a qualidade especial da psilocibina é que ela revela não luzes coloridas ou configurações móveis, mas lugares – selvas, cidades, máquinas, livros, formas arquitetônicas de incrível complexidade. Não há qualquer possibilidade de confundir tais coisas com qualquer tipo de “estática” neurológica. Trata-se, de fato, da informação visual mais altamente organizada que se pode receber, muito mais altamente organizada que a visão normal do estado de vigília.

E por isto que é muito difícil a quem experimenta um composto alucinógeno trazer de volta informações. É muito difícil transformar essas informações em linguagem; é como tentar fazer uma reprodução tridimensional de um objeto quadrimensional. Somente através da visão pode-se perceber a verdadeira modalidade desse Logos. Por isso é tão interessante o fato de a psilocibina e o ayahuasca – a poção aborígene que contém triptamina – produzirem telepatia e um estado de espírito do qual várias pessoas podem compartilhar. A resultante alucinação em grupo é compartilhada em completo silêncio. É difícil provar isso a um cientista; mas, se várias pessoas participarem desse tipo de experiência, uma delas pode começar a descrever a visão, interromper-se, e outra retomar a descrição. Todos vêem a mesma coisa! É o fato de ser informação visual complexa que faz do Logos uma visão cuja verdade não se pode descrever.

Mas as informações assim transmitidas não se limitam a modalidade visual. O Logos é capaz de passar de algo que se ouve para algo que se vê, sem qualquer transição perceptível. Isso parece uma impossibilidade lógica; no entanto quanto realmente se tem tal experiência, a pessoa vê – ah-ah! –, é como se o pensamento que a pessoa ouve se transformasse em algo que se vê. O pensamento que a pessoa ouve torna-se cada vez mais intenso, até que, finalmente, sua intensidade é tão grande que, sem transição, a pessoa passa a vê-lo em seu espaço visual e tridimensional. A própria pessoa comanda o fenômeno. Isso é muito típico da psilocibina.

Naturalmente, sempre que introduz algum composto no organismo, a pessoa deve ter cuidado e estar bem informada acerca de possíveis efeitos colaterais. Os pesquisadores profissionais da experiência psicodélica têm conhecimento desses fatores e reconhecem abertamente a importância fundamental de se estar bem informado.

Quanto a mim posso dizer que não abuso dos alucinógenos. Levo muito tempo para assimilar cada experiência visionária. Nunca perco o meu respeito por essas dimensões. O medo é uma das emoções que sinto sempre que vou fazer uma experiência. Trabalhar com um alucinógeno é como navegar em um mar escuro em um pequeno barco. Pode-se ver a lua subindo serenamente por sobre a água escura e calma, ou algo do tamanho de um trem de carga pode passar rugindo, fazer virar o barco e deixar a pessoa na água, agarrada ao remo.

O diálogo com o Desconhecido é o que faz valer a pena repetir essas experiências. O cogumelo nos fala quando falamos com ele. Na introdução do livro que o meu irmão e eu escrevemos (e assinamos com pseudônimos), intitulado Psilocybin: The Magic Mushroom Grower’s Guide há um monólogo de um cogumelo que começa assim: “Sou velho, cinqüenta vezes mais velho que o pensamento é para a espécie a que você pertence, e vim das estrelas.” Palavras textuais: eu vinha anotando tudo furiosamente. Às vezes ele é muito humano. Minha atitude com ele é hassídica. Esbravejo com ele e ele esbraveja comigo. Discutimos quanto ao que vai ou não vai revelar. Digo: “Eu sou um disseminador, você não pode se negar a me dizer coisas.” E ele responde: “Mas se eu lhe mostrasse o disco voador durante cinco minutos, você ficaria sabendo como ele funciona.” E eu digo: “Pois então me mostre.” O cogumelo se manifesta de várias maneiras. Às vezes é como a Dorothy de O Mágico de Oz; outras vezes é como um agiota muito talmúdico. Certa vez perguntei: “O que está fazendo na Terra?” E ele respondeu: “Quando se é um cogumelo, não custa nada ir para onde se quer. Além do mais, isto aqui era um lugar bastante bom até que os macacos escaparam ao controle.”

“Macacos que escaparam ao controle”: é assim que o cogumelo vê a história humana. Para nós, a história é bem diferente: é a onda de choque da escatologia. Em outras palavras, vivemos um momento muito especial de dez ou vinte mil anos de duração, no qual uma enorme transição está ocorrendo. O objeto que há no fim da História e além da História é a espécie humana em união tântrica e eterna com a Supermente/OVNI supercondutora. É esse o mistério cuja sombra se projeta de volta no tempo. Todas as religiões, todas as filosofias, todas as guerras, todos os extermínios e perseguições acontecem porque as pessoas não recebem adequadamente a mensagem. Há, ao mesmo tempo, a progressiva casuística do ser (determinismo causal) e o padrão de interferência que se lhe contrapõe a existência desse hiperobjeto escatológico que lança a sua sombra através da paisagem to tempo. Nós existimos, mas há muita interferência. Essa situação chamada História é totalmente singular; irá durar somente um momento; começou há apenas um instante. Nesse instante, há uma tremenda explosão de estática quando o macaco atinge a divindade, quando o objeto escatológico final mitiga e transforma o fluxo da circunstância entrópica.

A vida é fundamental para o processo de organização da matéria. Rejeito a idéia de que tenhamos enveredado por um desvio chamado existência orgânica, que o nosso verdadeiro lugar é a eternidade. Essa modalidade de existência é parte importante do ciclo. É um filtro. Há a possibilidade de extinção, a possibilidade de cair para sempre na physis, e, nesse sentido, a metáfora da queda é válida. Há uma obrigação espiritual, uma tarefa a ser cumprida. Mas não é algo tão simples quanto seguir um conjunto de regras ditado por outra pessoa. O empreendimento noético é uma das obrigações primárias da existência. Dele depende nossa salvação. Nem todos precisam ler livros de alquimia ou estudar moléculas supercondutoras para fazer a transição. A maioria das pessoas consegue fazê-la ingenuamente, raciocinando com clareza sobre o presente, mas nós, intelectuais, estamos presos a um mundo onde há informações em demasia. Perdemos a inocência. Não podemos esperar atravessar a ponte estreita mediante um bom ato de contrição; isso não será suficiente.

Precisamos compreender. O Whitehead disse: “O conhecimento é a percepção de um padrão como tal.” Temer a morte é não compreender a vida. A atividade cognitiva é o fato definidor da humanidade. Linguagem, pensamento, análise, arte, dança, poesia, invenção de mitos – estas são as coisas que apontam na direção do éscathos. Nós, humanos, podemos entrar em um reino de pura auto-engenharia. A imaginação é tudo. Foi isso o que Blake percebeu. É de lá que viemos. É para lá que estamos indo. E só podemos chegar lá através da atividade cognitiva.

O tempo é a noção que reforça noções como esta, pois elas implicam um novo conceito de tempo. Durante a experiência de La Chorrera, o Logos demonstrou que o tempo não é simplesmente um meio homogêneo no qual as coisas ocorrem, e sim uma densidade flutuante de probabilidade. Embora a ciência possa, às vezes, nos dizer o que pode e o que não pode acontecer, não temos uma teoria que explique porque, de tudo o que poderia acontecer, certas coisas passam pelo que Whitehead chama de “a formalidade de realmente ocorrer”. Foi isto o que o Logos tentou explicar, o motivo pelo qual, de toda uma miríade de coisas que podiam acontecer, certas coisas passam pela formalidade de ocorrer. É porque existe uma hierarquia modular de ondas de condicionamento temporal, de densidade temporal. Determinado evento, considerado altamente improvável, é mais provável em certos momentos do que em outros.

Tomando essa simples percepção e guiado pelo Logos, pude construir um modelo fractal do tempo, passível de ser programado em computador e produzir um mapa da introdução do que chamo “novidade” – a introdução da novidade no tempo. Como norma geral, a novidade está obviamente aumentando. Vem aumentando desde o começo do universo. Imediatamente após o “Big Bang”, havia somente a possibilidade de interação nuclear; depois, quando as temperaturas caíram abaixo do ponto da resistência do núcleo, tornou-se possível a formação de sistemas atômicos. Mais tarde ainda, à medida que as temperaturas continuaram a cair, surgiram os sistemas moleculares. E, muito mais tarde, a vida se tornou possível: surgiram formas muito complexas de vida, o pensamento se tornou possível, a cultura foi inventada. Inventaram-se a imprensa e a transferência eletrônica de informações.

O que está acontecendo em nosso mundo é uma invasão de novidades, na direção daquilo que Whitehead chamava de “concrescência”, uma espiral que vai afunilando cada vez mais. Tudo flui e se une. A lapis autopoetica, a pedra alquímica que está no fim do tempo, coalesce quando tudo flui e se une. Quando as leis da física são neutralizadas, o universo desaparece, e o que resta é o plenum fortemente unido, a mônada, capaz de se expressar por si mesma, em vez de apenas lançar a sua sombra na physis como reflexo de si própria. Neste ponto, eu me aproximo muito do pensamento clássico milenário e apocalíptico em minha noção da rapidez com que as mudanças vão se acelerando. Pela forma como a espiral vai se estreitando, prevejo que a concrescência se dará em breve – por volta do ano 2012 d.C. Será o ingresso de nossa espécie no hiperespaço, mas parecerá ser o fim das leis da física, acompanhado pela liberação da mente, que passará a existir na imaginação.

Todas essas imagens – a nave espacial, a colônia espacial, a lapis – são imagens percursoras. Seguem-se naturalmente da idéia de que a História é a onda de choque da escatologia. À medida que nos aproximamos do objeto escatológico, os reflexos que ele lança, mais se assemelham ao próprio objeto. No último instante, o Inefável é revelado. Não há mais reflexos do Mistério. O Mistério é visto em toda a sua nudez, e nada mais existe. Mas o que ele é, mal podemos supor; não obstante, o prazer máximo do futurismo é tentar adivinhá-lo.

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Retirado do Livro “O Retorno à Cultura Arcaica” (Terence Mckenna)


 

O Micélio como a Internet da Natureza – Paul Stamets

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Para iniciar esse ano de 2010,  segue traduzido o primeiro capítulo do livro “Mycelium Running (How Mushrooms Can Help Save the World)“, ainda sem nome em português, do Micologista e Escritor Paul Stamets.


 

O Micélio como a Internet da Natureza

A rede de micélios é composta por uma membrana entrelaçada de cadeias celulares, continuamente se ramificando, como uma única parede celular grossa.

A História das redes de fungos

Animais tem uma relação mais próxima com os fungos do que qualquer outro reino. Mais de 465 milhões de anos atrás nós dividimos um ancestral comum. Os fungos evoluíram meios de digerir externamente a comida secretando ácidos e enzimas em sua área imediata de contato e então absorver nutrientes usando cadeias celulares em forma de redes. Muitos fungos se associaram a plantas, que careciam enormemente desses sucos digestivos. Micologistas acreditam que essa aliança permitiu às plantas habitarem a Terra por volta de 400 milhões de anos atrás.
Muitos milhões de anos mais tarde, um ramo evolucionário dos fungos deu início ao desenvolvimento de animais. Este ramo dos fungos evoluiu para capturar nutrientes cercando sua comida com sacos celulares, em essência estômagos primitivos. Quando as espécies emergiram dos ambientes aquáticos, organismos adaptaram meios de prevenir a perda de umidade. Nas criaturas terrestres, emergiram peles compostas por muitas camadas de células como uma barreira contra a infecção. Tomando um diferente caminho evolucionário, o micélio conservou sua forma de rede de cadeias celulares entrelaçadas e foi para o subsolo formando uma vasta teia de alimentos onde várias vidas floresceram.

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A Revista “Mycology” destacou este âmbar de 15 a 20 milhões de anos com um cogumelo incrustado,denominado Aureofungus Yaniguaenses, que data do período Mioceno, e coletado na República Dominicana. Estima-se que o mais antigo cogumelo em âmbar tem de 90 a 94 milhões de anos.

Cerca de 250 milhões de anos atrás, na fronteira entre o período Permiano e o Triássico, uma catástrofe erradicou 90% das espécies da Terra quando, de acordo com alguns cientistas o choque de um meteorito aconteceu. Maremotos, rios de lava, gases quentes e ventos de 1000 milhas por hora açoitaram o planeta. A Terra escureceu sob a nuvem de destroços, causando extinção em massa de plantas e animais. Os fungos herdaram a Terra surgindo para reciclar os campos de destroços pós-cataclísmicos. A Era dos Dinossauros começou, e então terminou 185 milhões de anos mais tarde quando outro choque de meteorito causou uma segunda extinção em massa. Mais uma vez os fungos emergiram e muitos se associaram simbioticamente a plantas para a sobrevivência. Os clássicos cogumelos, rígidos e de chapéu, tão comuns hoje, são descendentes de variedades que precedem esse segundo evento catastrófico. (O mais antigo cogumelo conhecido – conservado em âmbar e coletado em Nova York – data do Cretáceo, 92 a 94 milhões de anos atrás. Cogumelos evoluíram suas formas básicas bem antes do mais distante ancestral mamífero dos humanos.) Os micélios guiaram o curso dos ecossistemas favorecendo sucessões de espécies. Fundamentalmente o micélio prepara seu ambiente imediato para eu benefício cultivando ecossistemas que abastecem suas cadeias de alimentos.

Micrografia de astrócitos(células e forma de estrela)cerebrais. Redes de neurônios criam caminhos para a distribuição da informação. Redes de micélios compartilham esta mesma estrutura.
Micrografia de astrócitos(células e forma de estrela)cerebrais. Redes de neurônios criam caminhos para a distribuição da informação. Redes de micélios compartilham esta mesma estrutura.

Os Eco-teóricos James Lovelock e Lynn Margulis, vieram com a ‘Hipótese de Gaia’, que sugere que a biosfera do planeta pilotou inteligentemente seu curso para sustentar e gerar novas vidas. Eu enxergo o micélio como a teia viva que manifesta a inteligência natural imaginada pelos teóricos de Gaia. O micélio é uma membrana sensitiva exposta, consciente e reativa a mudanças em seu ambiente. Conforme pessoas, cervos ou insetos andam através das redes de filamentos sensitivos, deixam impressões e o micélio percebe e responde a esses movimentos. Uma estrutura complexa e cheia de recursos para compartilhar informação, o micélio pode se adaptar e evoluir através das sempre mutantes forças da natureza. Eu sinto especialmente que isso é verdade ao entrar em uma floresta depois de uma chuva quando, eu acredito, que as membranas entrelaçadas do micélio despertam. Essas membranas sensitivas agem como uma consciência coletiva de fungos. Conforme seu metabolismo avança o micélio emite atrativos, conferindo doces fragrâncias à floresta e conectando ecossistemas e suas espécies por meio de rastros aromáticos. Como uma Matrix, uma super auto-estrada biomolecular, o micélio está em constante diálogo com seu ambiente, reagindo e governando o fluido de nutrientes essenciais de forma cíclica através das cadeias de alimentos.

 

Um diagrama de sistemas de compartilhamento de informação sobrepostos que compreende a Internet.
Um diagrama de sistemas de compartilhamento de informação sobrepostos que compreende a Internet.

Eu acredito que o micélio opera em um nível de complexidade que excede os poderes computacionais dos nossos mais avançados computadores. Eu vejo o micélio como a Internet natural da Terra, uma consciência com a qual podemos ser capazes de nos comunicar. Através de ‘cross-species interfacing’, nós podemos um dia trocar informações com essas sensitivas redes celulares. Pelo fato destas redes neurológicas externalizadas perceberem qualquer impressão sobre elas, de pegadas a galhos de árvores caídos, elas podem transmitir enormes quantidades de informação considerando os movimentos de todos os organismos através da paisagem. Uma nova Bio ciência Pioneira pode nascer, dedicada a programar redes microneurológicas para monitorar e responder a ameaças ambientais. Teias de micélios podem ser usadas como plataformas de informação para ecossistemas de mico engenharia.

 

Limo, Physarum Polycephalum, escolhe o caminho mais curto entre duas rotas de um labirinto que levam à comida. Evitando caminhos sem saída. Em um artigo controverso Toshuyki Nakagaki sugere se tratar de uma forma de inteligência celular.
Limo, Physarum Polycephalum, escolhe o caminho mais curto entre duas rotas de um labirinto que levam à comida. Evitando caminhos sem saída. Em um artigo controverso Toshuyki Nakagaki sugere se tratar de uma forma de inteligência celular.

A idéia de que um organismo celular pode demonstrar inteligência pode parecer radical se não for trabalhada por pequisadores comoToshuyiki Nakagaki (2000). Ele colocou um labirinto sobre uma placa de petri cheia de nutriente agar e introduziu nutritivos flocos de aveia na entrada e na saída. Ele então inoculou a entrada com uma cultura do mofo viscoso Physarum Polycephalum sob condições estéreis. Conforme ele cresceu pelo labirinto, constantemente escolheu o caminho mais curto para os flocos de aveia no final, rejeitando caminhos sem saída e saídas vazias, demonstrando uma forma de inteligência de acordo com Nakagami e seus companheiros pesquisadores. Se isso for verdade, então as redes neurais de micróbios e micélios podem ser profundamente inteligentes.

Alguns estudos recentes apóiam este nova perspectiva – que fungos podem ser inteligentes e podem ser nossos aliados em potencial, talvez sendo programados para coletar informação ambiental, como sugerido acima, ou para se comunicar com chips de silício em uma interface de computador. Imaginando fungos como nano condutores em mico computadores, Gorman (2003) e seus companheiros  pesquisadores da Universidade North Western, manipularam o micélio da Aspergillus Níger para alojar ouro em seu DNA, em efeito criando micélios condutores de potencias elétricas. A NASA comunicou que microbiólogos da Universidade do Tennesee, guiados por Gary Sayler , desenvolveram um acidentado chip de computador biológico acomodando bactérias que brilham ao sentirem poluentes de metais pesados à PCB’s (Miller 2004). Tais inovações fazem alusão à nova microbiologia em um horizonte próximo. Trabalhando em conjunto, redes de fungos e bactérias ambientalmente reativas poderiam nos prover com informação sobre PH, detectar nutrientes e dejetos tóxicos e até medir populações biológicas.

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Culturas como esta do, ainda sem nome, cogumelo Psilocybe californiano se enrolam em espiral como um ciclone enquanto crescem; a taxa de crescimento aumenta com o tempo.
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Várias esteiras de micélios do cogumelo Armillaria crescem em espiral, matando uma floresta em Montana. Uma vez mortas essas árvores se tornam altamente inflamáveis.(Veja a figura 60 para uma amostra maior do Armillaria, o maior

Fungos no Espaço?

Furacão Isabella se aproxima da América do Norte em outubro de 2003.
Furacão Isabella se aproxima da América do Norte em outubro de 2003.

Fungos podem não ser únicos da Terra. Cientistas teorizam que a Vida está espalhada pelo Cosmos a fora, e que é provável de existir em qualquer lugar que exista água em estado líquido. Recentemente cientistas detectaram um distante planeta, a 5600 anos-luz de distância, que se formou há 13 bilhões de anos atrás, velho o bastante para a que a vida tenha se desenvolvido e se tornado extinta várias vezes (Savage ET AL. 2003). (Levou 4 bilhões de anos para a vida evoluir na Terra). Dessa forma, mais de 120 planetas fora do nosso sistema solar foram descobertos e mais estão sendo descobertos de poucos em poucos meses. Astrobiólogos acreditam que os precursores do DNA, ácidos prenucléicos, estão formando Cosmos a fora uma inevitável conseqüência de matéria enquanto se organiza, e eu tenho poucas dúvidas que eventualmente iremos vislumbrar planetas para comunidades micológicas. O fato da NASA ter fundado o Instituto de Astrobiologia e a imprensa da Universidade de Cambridge ter iniciado o  International Journal of Astromycologyé é um forte apoio para a teoria que a Vida brota da matéria e é
provavelmente distribuída vastamente pelas galáxias. Eu prognostico que um Interplanetary Journal of AstroMycology surgirá quando fungos forem descobertos em outros planetas. É possível que o protogermplasma possa viajar através da expansão galática em cometas ou carregados por ventos estelares. Esta forma de migração protobiológica interestelar, conhecido como panspermia, não soa tão forçado hoje como soava quando foi incialmente proposta por Sir Fred Doyle e Chandra Wickramasinghe no início dos anos 70. A NASA considerou a possibilidade de usar fungos para colonização interplanetária. Agora que aterrissamos em Marte, a NASA leva a sério as conseqüências desconhecidas que nossos micróbios terão ao colonizar outros planetas. Esporos não tem fronteiras.


O Arquétipo Micelial

Galáxias em espiral conforme o mesmo padrão arquetípico dos furacões e micélios
Galáxias em espiral conforme o mesmo padrão arquetípico dos furacões e micélios

A natureza tende a basear-se nos seus sucessos. O arquétipo micelial pode ser visto em toda parte do Universo: padrões de furacões, matéria negra e a Internet. A similaridade de forma com o micélio talvez não seja mera coincidência. Sistemas biológicos são influenciados pelas leis da física, e pode ser que o micélio explore o ímpeto natural da matéria, assim como o salmão tira vantagem das marés. A arquitetura do micélio se assemelha com padrões previstos na teoria das cordas, e astrofísicos teorizam que as formas mais conservadoras de energia no universo seriam organizadas como filamentos de matéria-energia. A combinação desses fios se assemelha a arquitetura do micélio. Quando a Internet foi projetada, sua estrutura de teia maximizou a inundação de dados e o poder computacional, minimizando os pontos críticos sobre os quais o sistema é dependente. Eu acredito que essa estrutura da Internet é simplesmente uma forma arquetípica, uma conseqüência inevitável de um modelo evolucionário previamente provado, que é também visto no cérebro humano; diagramas de redes de computadores carregam semelhanças tanto com matrizes miceliais quanto neurológica nos cérebros dos mamíferos (ver figura 3 e 4). Nossa compreensão das redes de informações em suas muitas formas levará a um salto quântico no poder computacional humano.

 

Micélio na Rede da Vida

Como uma estratégia evolucionária, a arquitetura micélial é fascinante: uma parede celular espessa, em contato direto com uma miríade de organismos hostis, e ainda assim tão penetrante que um único centímetro cúbico de solo contém células fúngicas suficiente para cobrir mais de 8 milhas se colocado de ponta a ponta. Eu calculo que cada passo que eu dou gera impacto em mais de 300 milhas de micélio. Esses tecidos fúngicos se estendem através dos poucos centímetros de topo de praticamente todas as massas de terra que suportam a vida, compartilhando o solo com legiões de outros organismos. Se você fosse um organismo minúsculo no solo de uma floresta, você estaria enredado em uma atividade carnavalesca, com micélios constantemente se movendo pelas paisagens subterrâneas como ondas celulares, através de bactérias dançantes e protozoários nadadores com nematóides correndo como baleias através de um oceano microcósmico da vida.

Ao longo do ano, fungos decompõe e reciclam restos de plantas, filtram micróbios e sedimentos que escoam, e restauram o solo. No fim, um solo apto para sustentar vida é criado dos detritos, particularmente madeira morta. Estamos agora entrando em um tempo onde “micofiltros” de certas espécies de cogumelos podem ser construídos para destruir resíduos tóxicos e prevenir doenças, como infecções por coliformes ou por bactérias “staph”, e protozoários e pragas causados por organismos que carregam doenças. Em um futuro próximo poderemos orquestrar espécies selecionadas de cogumelos para administrar sucessões de espécies. Enquanto os micélios nutrem as plantas, os cogumelos em si são nutrientes para, vermes, insetos, mamíferos, bactérias e outros fungos parasitas. Eu acredito que a ocorrência e a decomposição de um cogumelo pré-determina a natureza e a composição das populações abaixo de si em seu “nicho habitativo” .

Close em um micélio.
Close em um micélio.

Em qualquer lugar que uma catástrofe gere um campo de detritos – sejam árvores caídas ou derramamento de óleo, vários fungos responderão com ondas de micélios. Essas habilidades adaptativas refletem a profunda ancestralidade e diversidade dos fungos – resultando na evolução de todo um reino com cerca de 1 a 2 milhões de espécies. Fungos superam as plantas em números em pelo menos 6 para 1. Cerca de 10% dos fungos são chamados de cogumelos (Hawkswoth 2001), e cerca de 10% apenas de espécies de cogumelos foram identificadas, o que mostra que nosso conhecimento taxonômico dos fungos é excedido pela nossa ignorância em pelo menos uma ordem de magnitude. A diversidade surpreendente dos fungos exprime a complexidade necessária para um meio-ambiente saudável. O que vem se tornando incrivelmente claro para os micologistas é que proteger a saúde do ambiente está diretamente relacionado ao nosso entendimento dos papéis complexos das populações de fungos. Nossos corpos e o que nos cerca são habitats com sistemas imunológicos; fungos são a ponte comum entre os dois.

Todos os habitats dependem diretamente desses aliados fungos, sem os quais o sistema de suporte à vida na Terra rapidamente entraria em colapso. As redes de micélios mantêm o solo unido e aerado. Enzimas de fungos, ácidos e antibióticos afetam dramaticamente a estrutura dos solos (Ver pág 16). Dando seguimento às catástrofes, a diversidade de fungos ajuda a restaurar habitats devastados. Tendências evolucionárias geralmente levam ao aumento da biodiversidade. Entretanto, graças às atividades humanas estamos perdendo muitas espécies antes mesmo de conseguirmos identificá-las. De fato, conforme perdemos espécies estamos experimentando a degeneração – voltando atrás no relógio da biodiversidade, o que é um terreno perigoso em direção ao colapso ecológico em massa. A interconectividade da Vida é uma verdade óbvia que ignoramos para nosso próprio risco.

Nos anos 60, o conceito de “viver melhor através da química” se tornou o ideal enquanto, plásticos, fusão de metais, pesticidas, fungicidas e petroquímicos nasceram em laboratório. Quando esses sintéticos eram liberados na natureza, eles freqüentemente tinham um efeito dramático e inicialmente desejável sobre seus alvos. Porém eventos nas últimas décadas têm demonstrado que muitas dessas invenções eram de fato frutos amargos da ciência que cobrariam taxas pesadas à nossa biosfera. Aprendemos agora que precisamos caminhar suavemente pela teia da vida, ou então ela vai de desfiar sob nossos pés.
Fungicidas tóxicos como methyl bromide, uma vez lançados, não só afetam as espécies alvo mas também organismos que nada tem a ver, e suas cadeias alimentares, além de ameaçar a camada de ozônio. Inseticidas tóxicos freqüentemente conferem uma solução temporária até que a tolerância seja atingida. Quando os benefícios naturais dos fungos foram sendo reprimidos, as necessidades por fertilizantes artificiais aumentaram, criando um ciclo de dependência química, em último caso interrompendo a sustentabilidade. No entanto podemos criar ambientes micológicos sustentáveis introduzindo parcerias de plantas e fungos (mycorrhisal e endothytic ) em combinação com matéria vegetal em decomposição com  micélios de cogumelos saprofíticos. Os resultados dessas atividades fúngicas incluem um solo saudável, comunidades biodinâmicas e ciclos renováveis sem fim. A cada ciclo, a profundidade do solo aumenta assim como a capacidade para a biodiversidade.

Viver em harmonia com nosso ambiente natural é a chave para nossa saúde, tanto como indivíduos quanto como espécie. Nos somos um reflexo do ambiente que nos deu a luz. Destruir brutalmente os ecossistemas que suportam a vida é a mesma coisa que suicídio. Recrutando fungos como aliados, podemos compensar os danos ambientais gerados pelos humanos, acelerando a decomposição orgânica de campos inteiros de detritos que nós criamos – tudo desde devastar florestas até construir cidades. Nosso crescimento, relativamente súbito, como uma espécie destrutiva está desgastando os sistemas fúngicos de reciclagem da natureza. A cascata de toxinas e detritos gerada pelos humanos, desestabiliza os ciclos de retorno de nutrientes, causando colheitas infrutíferas, aquecimento global, mudanças climáticas, e num cenário mais assustador, acelerando o passo para uma eco catástrofe por nossas próprias mãos. Como ruptores ecológicos, humanos desafiam os sistemas imunológicos dos ambientes até seus limites. A regra da natureza é que quando uma espécie excede a capacidade de seu ambiente hospedeiro, sua cadeia alimentar entra em colapso e a doença surge devastando os organismos mais ameaçados. Eu acredito que podemos nos reequilibrar com o ambiente utilizando micélios para regular o fluxo de nutrientes. A era da medicina micológica está à nossa frente. Agora é a hora de assegurar o futuro de nosso planeta e nossas espécies com a parceria dos micélios.

 

fig0075Figura 7 –  Modelo de computador da matéria escura do universo. Em conjunto com a “teoria das cordas”, mais de 96% da massa do universo é teorizada como composta por estes filamentos moleculares.note que as galáxias se entrelaçam como uma matrix micelial.

 

 

 

 


Texto traduzido e imagens retiradas do Livro “Mycelium Running” de Paul Stamets

A Cura Através dos Cogumelos

A seguir, o capítulo VI do livro “A vida de Maria Sabina, a sábia dos cogumelos” escrito por Álvaro Estrada. Neste capítulo Maria Sabina relata a experiência onde curou sua irmã ingerindo cogumelos que contém psilocibina e invocando sua força, como os antigos mazatecas faziam.


– Capítulo VI –

Vários anos, não sei quantos, depois de eu ter ficado viúva pela primeira vez, minha irmã María Ana adoeceu. Sentia dores no ventre: eram pontadas agudas que a faziam dobrar-se e gemer de dor. Eu via que ia ficando cada vez mais grave. Quando ela se sentia mais ou menos aliviada, voltava aos afazeres domésticos. Mas, sem que ela pudesse se controlar, uma vez desmaiou na estrada.

Seus desmaios ocorreriam freqüentemente mais tarde.

Temendo por sua saúde, contratei curandeiros para tratá-la, mas pude ver, com angústia, que seu mal aumentava. Certa manhã, não se levantou da cama; tremia e gemia. Fiquei preocupada como nunca. Chamei vários curandeiros, mas foi inútil. Eles não puderam curar a minha irmã.

Naquela tarde, vendo minha irmã estirada, pensei que estivesse morta. Minha única irmã. Não, isso não podia acontecer. Ela não podia morrer. Eu sabia que os meninos santos tinham o poder. Eu os tinha comido quando criança, e me lembrava que não faziam mal. Eu sabia que nossa gente os comia para curar doenças. Então, tomei uma decisão; naquela mesma noite, eu comeria os cogumelos santos. Fiz isso. Dei a ela três pares. Eu comi muitos, para que me dessem poder imenso. Não poso mentir, devo ter comido trinta pares de “derrumbe” ¹. (¹ Variedade de cogumelo. Psilocybe Caerulescen)

Quando os meninos estavam trabalhando dentro de meu corpo, rezei e pedi a Deus que me ajudasse a curar María Ana. Pouco a pouco, senti que podia falar cada vez com mais facilidade. Aproximei-me da enferma. Os meninos santos guiaram minhas mãos para apertar seus quadris.Suavemente, fui fazendo massagem onde ela dizia que doía. Eu falava e cantava. Sentia que cantava bonito. Dizia o que osmeninos me obrigavam a dizer.

Continuei apertando minha irmã, no ventre e nos quadris; finalmente, veio muito sangue. Água e sangue, como se estivesse parindo. Nunca me assustei, porque sabia que o pequeno que brota a estava curando através de mim. Os meninos santos aconselhavam, e eu executava. Fiquei com minha irmã até que o sangue parou de sair. Logo ela parou de gemer e dormiu. Minha mãe sentou-se junto dela para socorrê-la.

Eu não pude dormir. Os santinhos continuavam trabalhando em meu corpo. Lembro que tive uma visão: apareceram uns personagens que me inspiraram a respeito. Eu sabia que eram os Seres Principais de que falavam meus ascendentes. Eles estavam sentados atrás de uma mesa sobre a qual havia muitos papéis escritos. Eu sabia que eram papéis importantes. Os Seres Principais eram vários, uns seis ou oito. Alguns me olhavam, outros liam os papéis da mesa. Outros pareciam procurar logo entre os mesmos papéis. Eu sabia que não eram de carne e osso. Sabia que não eram seres de água ou de tortilla. Sabia que era uma revelação que os meninos santos me entregavam. Logo escutei uma voz. Uma voz doce mas autoritária ao mesmo tempo. Como a voz de um pai que gosta dos filhos mas cria-os com firmeza. Uma voz sábia que disse: “Esses são os Seres Principais…”. Compreendi que os cofumelos falavam comigo. Senti uma felicidade infinita. Na mesa dos Seres Principais apareceu um livro, um livro aberto que foi crescendo, até ficar do tamanho de uma pessoa. Em suas páginas havia letras. Era um livro branco, tão branco que resplandecia.

Um dos Seres Principais falou comigo, e disse: “María Sabina, este é o Livro da Sabedoria. É o Livro da Linguagem. Tudo o que nele está escrito é para você. O Livro é seu, pegue-o para trabalhar…” . Eu exclamei, emocionada: “Isso é para mim! Recebo-o…”

Os Seres Principais desapareceram e me deixaram só diante do imenso Livro. Eu sabia que era o Livro da Sabedoria.

O Livro estava diante de mim, eu podia vê-lo, mas não tocá-lo. Tentei acariciá-lo, mas minhas mãos não tocaram nada. Limitei-me a contemplá-lo e, então, comecei a falar. Então me dei conta que estava lendo o Livro Sagrado da Linguagem. Meu Livro. O Livro dos Seres Principais.

Eu tinha atingido a perfeição. Já não era mais uma simples aprendiz. Por isso, como um prêmio, como uma nomeação, o Livro me tinha sido outorgado. Quando se tomam os meninos santos se pode ver os Seres Principais, de outro modo não² . É que os cogumelos são santos; dão Sabedoria. A Sabedoria é a Linguagem. A Linguagem está no Livro. O Livro é outorgado pelos Principais. Os principais aparecem com o grande poder dos meninos.
Aprendi a sabedoria do Livro. Depois, em minhas visões posteriores, o Livro já não aparecia, porque eu já guardava seu conteúdo na memória.

Fiz a velada em que curei minha irmã María Ana como os antigos Mazatecos. Usei velas de cera pura; flores, açucenas e gladíolos (pode-se usar qualquer tipo de flor desde que tenha cheiro e cor). Também se usa copal (Resina de árvores usada como incenso) e São Pedro.

Queimei o copal em um braseiro e com a fumaça defumei os meninos santos que tinha nas mãos. Antes de comê-los falei com eles, pedi-lhes favor. Que nos abençoasse, que nos indicasse o caminho, a verdade, a cura. Que nos desse o poder de rastrear as pegadas do mal, para acabar com ele. Eu disse aos cogumelos: “Tomarei seu sangue. Tomarei seu coração. Porque minha consciência é pura, é limpa como a sua. Dêem-me a verdade. Que me acompanhe São Pedro e São Paulo…”. Ao sentir-me enjoada, apaguei as velas. A Escuridão serve de fundo para o que se vê ali.

Nesta mesma velada, logo que o Livro desapareceu, tive outra visão: vi o Supremo Senhor dos Montes, o Chicón Nindó. Vi que era um homem a cavalo que vinha até minha choça. Eu sabia, a voz me dizia, que aquele ser era um personagem. Sua cavalgadura era bela: um cavalo branco, tão branco quanto à espuma. Um belo cavalo.

O personagem parou sua cavalgadura diante da porta de minha choça. Eu podia vê-lo através das paredes. Eu estava dentro da casa, mas meus olhos tinham o poder de ver além de qualquer obstáculo. O personagem esperava que eu saísse.

Com decisão, saí ao seu encontro. Parei junto dele. Sim, era o Chicón Nindó, o que mora no Nindó Tocoxho, o que é dono das montanhas. O que tem poder para encantar os espíritos. E que , assim mesmo, cura os doentes. Para o qual sacrificam perus e ao qual os curandeiros entregam moedas (cacau), para que cure.

Parei junto dele e me aproximei mais. Vi que não tinha rosto, embora usasse um chapéu branco. Seu rosto, sim, era como uma sombra. A noite era negra, as nuvens cobriam o céu, mas o Chicón Nindó era como um ser coberto com um halo. Emudeci.

O Chicón Nindó não disse nem uma palavra. Logo fez sua cavalgadura andar para seguir seu caminho. Desapareceu pela estrada, rumo a sua morada: o enorme Monte da Adoração. O Nindó Tocoxho. Ele vive lá, eu no Monte do Fortim, o mais próximo do Nindó Tocoxho. Quer dizer que somos vizinhos. O Chicón Nindó tinha vindo porque, em minha sábia linguagem, eu o tinha chamado.

Entrei em casa e tive outra visão: vi que algo caía do céu com um grande estrondo, como um raio. Era um objeto luminoso que cegava. Vi que caía por um buraco que havia na parede. O objeto caído foi se transformando em uma espécie de ser vegetal, também coberto por um halo, como o Chicón Nindó. Era como uma planta, com flores de muitas cores, na cabeça tinha um grande resplendor. Seu corpo estava coberto de folhas e talos. Ficou ali parado, no centro da choça, olhei-o de frente. Seus braços e pernas eram como ramos, e estava empapado de frescor, e por trás dele apareceu um fundo avermelhado. O ser vegetal foi se perdendo nesse fundo avermelhado até se perder completamente. Ao esfumar-se a visão eu suava, suava. Meu suor não era morno, mas fresco. Dei-me conta de que eu chorava e minhas lágrimas era de cristal, e quando caíam no chão, tilintavam. Continuei chorando, mas assobiei e aplaudi, toquei e dancei. Dancei porque sabia que era a Polichinela grandiosa e a Polichinela Suprema… De madrugada, dormi placidamente. Dormi, mas não um sono profundo, eu sentia que me movia num sonho… Como se meu corpo se movesse uma rede gigante, pendurada no céu, qu oscilava de uma montanha a outra.

Despertei quando o mundo já estava ensolarado. Era de manhã. Lancei meu corpo no chão para ter certeza que já tinha voltado ao mundo dos humanos. Já não estava perto dos Seres Principais… ao ver o que me cercava, procurei minha irmã María Ana. Estava dormindo, não quis acordá-la. Também vi que uma parte das paredes da chocinha estava derrubada, outra estava para cair. Agora acho que enquanto osmeninos santos estavam trabalhando em meu corpo, eu mesma derrubei as paredes com o peso de meu corpo. Suponho que enquanto eu dançava choquei-me contra a parede e derrubei-a. Nos dias seguintes, as pessoas que passavam perguntavam o que tinha acontecido na casa. Limitava-me a dizer-lhes que as chuvas e vendavais dos últimos dias tinham conseguido afrouxar as paredes de barro e canabrava, acabando por destruí-las.

E María Ana sarou. Sarou para sempre. Atualmente vive bem, com seu marido e seus filhos, perto de Santa Cruz de Juárez.

A partir daquela cura, tive fé nos meninos santos. As pessoas se deram conta do quanto era difícil curar minha irmã. Muita gente ficou sabendo e dentro de poucos dias vieram procurar-me. Traziam seus doentes. Vinham de lugares muito afastados. Eu os curava com a Linguagem dos meninos. As pessoas vinham de Tenango, Río Santiago ou San Juan Coatzospan³. (³ povoado de raça mísxteca incrustado em plena região mazateca). Os doentes chegavam pálidos. Mas os cogumelos diziam-me qual era o remédio. Diziam-me o que fazer para curar. As pessoas continuaram a me procurar. E desde que recebi o Livro, passei a fazer parte dos Seres Principais. Se eles aparecem, sento-me com eles e tomamos cerveja ou aguardente. Estou entre eles desde a vez em que, agrupados atrás de uma mesa com papéis importantes, entregaram-me a sabedoria, a palavra perfeita: A Linguagem de Deus.

A Linguagem faz com que os moribundos voltem à vida. Os doentes recuperam a saúde quando escutam as palavras ensinadas pelos meninos santos. Não há mortal que possa ensinar essa Linguagem.
Depois que curei minha irmã María Ana, compreendi que tinha encontrado meu caminho. As pessoas sabiam disso, e vinham a mim para que eu curasse seus doentes. Vinham em busca de cura aqueles que tinham sido encantados por duendes, os que tinham perdido o espírito por um susto no monte, no rio ou na estrada. Alguns não tinham remédio e morriam. Eu curo com a Linguagem, a Linguagem dos meninos santos. Quando eles aconselham sacrificar franguinhos, estes são colocados em cima das partes onde dói. O resto é da Linguagem. Mas meu caminho em direção a sabedoria em breve será interrompido.

(…)

 

² De acordo com explicações que nos deram os anciãos de Huautla, os Seres Principais são personagens que encabeçam um cargo municipal, ou é o título que se dá a pessoas que têm cargos importantes. Em mazateco se diz ”Chotáa-tjí-tjón“ . No que diz respeito às visões de María Sabina, os Seres Principais são a personificação dos cogumelos que ela comeu.Os cogumelos se transformam em “personagens que manuseiam papéis importantes”. Outra pessoa em Huautla, disse-nos que os Seres Principais são como “sombras” ou pessoas que se “vêem” vestidas como camponeses, mas com roupas brilhantes e coloridas quando vistas durante o transe.

 


 

 

 

 

Texto Retirado de “A vida de Maria Sabina, a sábia dos cogumelos” de Álvaro Estrada

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A odisséia psiconáutica: A História de um século e meio de pesquisas sobre plantas e substâncias psicoativas

*Artigo extraído do livro “O Uso Ritual das Plantas de Poder” (Beatriz Caiuby Labate e Sandra Lucia Goulart [ORGS] )

 Henrique Carneiro (1)

  1.  Doutor em História Social pela USP (Universidade de São Paulo), professor adjunto do Departamento de História da USP, autor de Amores e sonhos da flora. Alucinógenos e afrodisíacos na botânica e na farmácia (2002) e de Filtros, mezinhas e triacas. As drogas no mundo moderno (1994).

Grave incerteza, todas as vezes em que o espírito se sente ultrapassado por si mesmo, quando ele, o explorador, é ao mesmo tempo o país obscuro a explorar e onde todo o seu equipamento de nada lhe servirá. (Marcel Proust, No Caminho de Swann)

O uso de plantas e substâncias psicoativas passou, no último século e meio, a ser objeto de um estudo científico. Ludwig Lewin, o pioneiro farmacologista alemão, dizia sobre as drogas que, “com a única excessão dos alimentos, não existe na Terra substâncias que estejam tão intimamente associadas com a vida dos povos em todos os países e em todos os tempos” (apud Brau 1974, p. 7). Essa ubiquidade da droga em todas as épocas e culturas permite supor que o consumo de substâncias alteradoras da consciênciafaz parte da condição humana, que buscou sempre meios para interferir quimicamente no psiquismo. Essa é a conclusão do médico Andrew Weil (apud Furst 1980, p. 25), ao afirmar que “o desejo de alterar periodicamente a consciência é um impulso inato, normal, análogo à fome ou ao impulso sexual”. As regras sociais que disciplinam esse impulso, ou seja, o uso do álcool e de outras substâncias psicoativas, são investigadas pela história da normatização das drogas.

Dentre as drogas existe, entretanto, uma categoria especial, que se distingue dos inebriantes (como o álcool), dos excitantes (como o café e a cocaína), ou dos sedativos (como o ópio), que é um conjunto de plantas e de substâncias sintéticas que produzem efeitos psicoativos muito peculiares e característicos. Esses efeitos foram chamados de “fantásticos”, por Ludwig Lewin, e se tornaram conhecidos mais vulgarmente como “alucinógenos” ou “psicodélicos”. Essas drogas são basicamente as seguintes: o LSD, a mescalina, a psilocibina, a DMT e também as anfetaminas psicodélicas como o MDMA, das quais existem ao menos algumas centenas de análogas. Suas características fisio-químicas são a muito baixa toxicidade e a também baixíssima dose mínima necessária. Quase não produzem efeito fisiológico, exceto certa midríase (aumento da pupila) e taquicardia. A natureza fundamental do seu efeito é psíquica, esfera que sofre uma ação impactante dessas drogas.

O poderoso efeito psíquico foi o que tornou plantas como o cogumelo teonanacatl, o cacto peiote, o cipó ayahuasca, a trepadeira ololiuqui etc., substâncias sagradas de diversas religiões americanas. O fascínio do olhar antropológico sobre esses cultos e as utilizações dessas drogas em diversas culturas desencadeou uma crescente e sistemática investigação etnobotânica. O uso seletivo das plantas de poder foi identificado por diversos pesquisadores (Huxley, Escohotado, Szasz, Wasson, Allegro, McKenna, Narby, Ott, entre outros) como característico do fenômeno religioso. Diferentes estudos históricos e antropológicos têm destacado o uso específico de diferentes plantas em culturas distintas, desvendando significações particulares em cada rito e em cada substância, cuja diversidade engloba desde o tabaco em seu uso tradicional americano (Wilbert, 1987), até um conjunto de plantas muito singulares cuja denominação é objeto de controvérsia, sendo chamadas de “alucinógenas”, “enteógenas” ou “psicodélicas”.

No último século e meio, os estudos sobre as substâncias alucinógenas abrangeram tanto os usos sagrados tradicionais em diferentes culturas, como o uso contemporâneo internacional, onde diferentes consumos de tais drogas produziram diversos fenômenos dentro de uma ampla cultura da droga, que inclui o surgimento de novas religiões e de círculos científicos de pesquisa e experimentaçã, além de uma influência estética disseminada e de um uso recreacional popular, que supera a cultura exclusiva do álcool como lubrificante social. (2)

  1. Esse uso recreacional intensificou-se com a cultura rave, dos anos 1990, onde se despreza o álcool e se consomem psicodélicos. Ver Saunders (1995)

No início do século XX, desde que a mescalina foi isolada de amostras do cacto peyote, em 1897, por Arthur Heffter, e sintetizada em laboratório, em 1919, por Ernst Späth, difundiram-se diversas experiências de cientistas, psicólogos, escritores e artistas com esta droga. Mais tarde, Aldous Huxley, que identificava nas viagens psicodélicas veículos para o transporte dos antípodas mentais, tornou-se a partir dos anos 1950 um expoente marcante de uma aventura cultural de desbravamento pioneiro de um novo campo epistemológico, quando se difundiu o LSD, descoberto por Albert Hoffman em 1943.

O que caracterizou o final da segunda metade do século XX, entretanto, foi o quase desaparecimento da pesquisa científica oficial de algumas das substâncias mais fascinantes da farmácia contemporânea e de seus promissores e florescentes usos em terapia, arte e psicologia experimental. Ao invés disso, uma política de guerra contra as drogas igualou psicodélicos, opiáceos e cocaína numa lista oficial de substâncias proibidas pela ONU e consideradas como não-possuidoras de qualquer uso médico, provocando o sufocamento da investigação sobre o LSD e outras substâncias análogas.

A política da guerra contra as drogas tem sido criticada como uma “Inquisição” que busca suprimir a dissidência psicofarmacológica e proibir o exercício da liberdade de consciência para produzir uma hipertrofia de lucros e de violência com laboratórios clandestinos, policiamento mental, lavagem de bilhões de dólares, milhões de prisioneiros, fiscalização através de testes compulsórios de urina, devastação aérea de plantações, guerras, cercos e invasões militares. Tal é o sentido do conceito de “inquisição farmacrática”, empregado por Thomas Szasz e Jonathan Ott, entre outros, para definir o fenômeno da campanha do proibicionismo das drogas, iniciada com a Lei Seca contra o álcool nos Estados Unidos, no início do século XX, e intensificada desde os anos 1960, por Nixon, através de uma “guerra” de conteúdo militar, comercial, industrial, financeiro, político e ideológico.

Vivemos simultaneamente, entretanto, a ampliação de um novo camp0o epistemológico em meio a uma guerra que utiliza os instrumentos desse potencial científico e tecnológico como armas. Por um lado, a ciência química amplia os conhecimentos e os domínios sobre as sínteses refinadas de novos arranjos moleculares, e, por outro, produz uma intersecção com os domínios das ciências da subjetividade humana. A analogia molecular entre o LSD e a serotonina (cristalizada e nomeada em 1948 por Rapport) foi o que levou a identificação da segunda como neurotransmissor (Chast 1995, p. 128). A farmácia e a psicologia se unem na psicofarmacologia. A constituição desse campo, definido sistematicamente por François Dagognet, seu primeiro epistemólogo, no texto La raison et les rémèdes (1964), une a filosofia do sujeito com a história das formas de controle e normatização da subjetividade. O estudo desse campo de atividade do pensamento estimulado na fonte neurotransmissora dos impulsos e suas consequências na determinação das formas da consciência e dos modelos de subjetividade culturalmente determinados, constitui-se como um foco de inquietação que busca instrumentos nas mais divrsas ciências – farmácia, psicologia, medicina, história, antropologia – para investigar e experimentar os psicofármacos. Em 1972, Charles Tart propôs num artigo na revista Science, a criação de ciências específicas para os estados alterados de consciência, desenvolvendo uma abordagem que se insere no campo mais amplo das “ciências da consciência” (Tart 1998)

Os estudos sobre as drogas possuem uma extensa e multidisciplinar bibliografia. Este texto não pretende realizar nenhuma descrição panorâmica, mas apenas apontar algumas obras essenciais dos estudos históricos e antropológicos sobre o papel dos alucinógenos na cultura e historiar brevemente alguns usos dessas substâncias no decorrer do século XX.

Albert Hoffman

O estabelecimento e a classificação de uma bibliografia sobre plantas alucinógenas, usos enteogênicos e o psicodelismo é uma tarefa que ainda não foi feita. Diversas gerações se perfilam: desde os primeiros psicofarmacólogos como Arthur Heffter e Ludwig Lewin, no início do século XX; passando pelos trabalhos mais antropológicos sobre o peiote, de Alexandre Rouhier e Weston La Barre, nos anos 1930 (mesma época dos escritos literários de Michaux, Sartre e Artaud), chegando à descoberta (por serendipidade) do LSD por Albert Hoffman, em 1943; até a fermentação dos anos 1950, quando se destacam as obras de Aldous Huxley, Gordon Wasson e de Richard Evans-Schultes; e a explosão dos anos 1960, com o psicodelismo, Timothy Leary e Richard Alpert. Nos anos 1970 e 1980, formularam-se as visões críticas mais maduras em autores como Alexander Shulguin e Jonathan Ott. Autores como Thomas Szasz, emCerimonial chemistry (1974), e Antonio Escohotado em História de las drogas (1989), apresentam uma visão crítica do papel social, econômico e cultural das drogas e de sua regulamentação na história universal.

O enfoque sistemático de Escohotado sobre os mecanismos de controle e regulamentação do uso das plantas e dos fármacos é uma das análises mais agudas sobre a questão. A interpretação da guerra contemporânea contra as drogas como uma “inquisição farmacrática” e o próprio conceito de “farmacracia”, que Escohotado comparte com o psiquiatra Thomas Szasz, fazem parte da vertente que mais buscou, no terreno das ciências humanas, uma interpretação teórica e histórica dos regimes de consumo e regulamentação de drogas. Outros trabalhos pioneiros buscaram exposições gerais sobre a história das drogas, como é o caso de Jean Louis Brau, mas sem entrarmos nas vertentes psiquiátrica e farmacológica, podemos nos referir à etnobotânica, com Gordon Wasson e Richard Evans Schultes, e à antropologia, especialmente com os estudos do peiote e do xamanismo amazônico(3), como as disciplinas que mais contribuíram para a formação de um campo do conhecimento histórico e antropológico das drogas em geral e, especialmente, dos alucinógenos.

  1. Entre os quais estão Aguire Beltrán, Jean-Pierre Chaumeil, Jeremy Narby, Michael Harner, Michael Taussig, Terence McKenna, Weston La Barre e, especialmente no contexto amazônico, Esther Jean Langdon, Haydée Seijas, Homer Pinkler, Luis Eduardo Luna, Melvin Bristol, M. Winkelman, Néstor Uscategui, Plutarco Naranjo e Scot Robinson, muitos dos quais alunos de Evans Schultes.

O tema do xamanismo e das plantas de poder penetrou a cultura de massas do Ocidente, a partir dos anos 1970, com o amplo sucesso dos livros de Carlos Castaneda, cuja consistência antropológica foi, entretanto, questionada, mas que inegavelmente divulgou as plantas sagradas e seus mestres xamãs. Pesquisas antropológicas e trabalhos de campo se realizaram desde então em todos os continentes, mas especialmente nas Américas, onde o número de substâncias vegetais psicoativas conhecidas pelas culturas tradicionais é superior a todo o resto do mundo.

Alguns historiadores da América abordaram as consequências do impacto da regulamentação do consumo das drogas sobre as sociedades coloniais americanas, entre os quais Aguirre Beltrán e Serge Gruzinski. Igualmente importantes também foram os autores que trabalharam sobre a questão da história das práticas de consumo alcoólico, em particular no caso do encontro intercultural entre a Europa e a América, como é o caso de Sonia Corcuera de Mancera e de William Taylor. Entre outros trabalhos que estudaram as práticas de consumo alcoólico e de alucinógenos na América podemos citar Borrachera y Memoria(Saignes 1993) e os estudos levados a cabo no Peru desde os anos 1960 (especialmente os de Marlene Dobkin de Rios), que tratam do curandeirismo psicodélico da sierra e da selva, com grande tradição de uso de San Pedro e ayahuasca. O conceito de psiquiatria folclórica, desenvolvido por Carlos Alberto Seguín, que fundou o Instituto de Psiquiatria Social, na Universidade de San Marcos, em Lima, em 1967, também constitúi uma contribuição pioneira e fundamental para a discussão do uso tradicional de alucinógenos na América do Sul. No Brasil, após algumas passagens pioneiras de Gilberto Freyre e Câmara Cascudo sobre a maconha e a Jurema(4), tem havido desde os anos 1980 um crescente interesse pelo fenômeno da religião do Santo Daime, com o surgimento de diversos livros, artigos e teses acadêmicas.(5)

  1. A Jurema (Mimosa hostilis e Mimosa nigra), elevada por José de Alencar, em Iracema, à condição de “licor de Tupã”, e onipresente no context do catimbó, teve o seu principal alcalóide, a DMT, isolado em 1946 por Gonçalves Lima que o chamou de nigerina. Ele foi o primeiro químico no mundo a isolar a DMT, anteriormente sintetizado em laboratório em 1931, de um produto natural.
  2. No Brasil, encontramos os trabalhos de Alberto Groisman, Anthony Henman, Ari Sell, Beatriz Labate, Edward MacRae, Sandra Goulart, Wladimyr Araújo, entre outros.

O renascimento psicodélico dos anos 1990 não se restringiu à revalorização da cultura juvenil das raves,da busca dos estados alterados de consciência, mas também se expressou numa intensa atividade editorial e na articulação através da Internet(6) de círculos de investigação e debate sobre tais substâncias. Algumas obras de investigação histórica e jornalística desvendaram a complexa e misteriosa história recente dos psicodélicos (Lee e Shlain, Stafford, Lyttle, Devereux) e centros como a MAPS (Multidisciplinary Association of Psychedelics Studies), a Società Italiana per lo Studio degli Stati di Conscienza, e a Albert Hoffman Foundation têm consituído bancos de dados e bibliografias e estimulando a pesquisa.

  1. Tão grande é a gama de publicações e instituições com sites na Internet que foi publicada em 1996 uma compilação por Jon Hanna, intitulada Psychedelic Resource List.

As diversas formas de uso dos psicodélicos têm se constituído como um campo original de conhecimento e de produção cultural, onde a psicologia, a farmácia, a medicina, a história, a literatura e a antropologia uniram-se para buscar compreender o papel das plantas e dos sintéticos produtores de estados de êxtase e que tiveram um papel histórico determinante como produtos de grande valor comercial, religioso e cultural.

Gordon Wasson

Poderíamos descrever as três visões mais importantes do uso dessas drogas a partir da própria opção pelo termo que deve denominá-las. Três são as opções fundamentais: alucinógenos, psicodélicos ou enteógenos. A primeira corresponde ao da pesquisa científica oficial dos anos 1930 a 1950 e, até hoje, é o termo considerado científico para descrever em termos farmacológicos os efeitos de uma gama de substâncias que vão da maconha ao LSD. A segunda é a denominação criada pelo psiquiatra canadense Humphry Osmond, em 1953, e que foi adotada pelo movimento político-cultural dos anos 1960. A terceira foi proposta em 1978 pelo investigador Gordon Wasson e outros (C.A.P Ruck, D. Staples, J.Bigwood e J. Ott) para referir-se às plantas que têm sido usadas como instrumentos sagrados de êxtase (Ott 1995).

Mais recentemente, as pesquisas levadas a cabo por Alexader Shulguin e sua equipe desenvolveram diversas novas substâncias de tipo semelçhante aos psicodélicos, mas com importantes distinções. As meta-anfetaminas, concebidas a partir do anel molecular da mescalina, possibilitaram diferentes tipos de efeitos, alguns dos mais característicos, no caso do MDMA, são os de intensificação das interações interpessoais, o que levou este pesquisador a propor a denominação de entactogen para esse tipo de substância (Shulguin 1991, p. 229), que também são chamadas de empatógenos.

Prefiro, para uma designação mais genérica desse campo específico dos psicoativos, o termopsicodélico, por achá-lo mais estético, mais preciso semanticamente, e imbuído de um conteúdo político e laico. O termo enteógeno, embora seja preciso para denominar usos de tipo religioso, como os identificados nas raízes culturais de inúmeros cultos, é inapropriado para definir o uso laico contemporâneo das mesmas substâncias. O termo alucinógeno, embora seja o mais corrente, é incorreto, refletindo um preconceito que atribui à ocorrência de supostas “alucinações” o principal ou único efeito de drogas que possuem uma natureza muito mais complexa. Como termo mais vasto que abrangeria diferentes vertentes das diversas formas de usos modernos e contemporâneos e os distintos enfoques culturais dos psicodélicos, utilizarei o conceito de psiconáutica que faz parte do movimento atual de renascimento psicodélico dos anos 1990 (segundo J. Ott, o termo psiconauta foi cunhado por Ernst Jünger, em 1970).

As vertentes da psiconáutica

O uso de drogas alteradoras da consciência foi uma das fontes do estudo científico da mente humana, dando origem a diversas vertentes fundadoras do campo da psicologia no século XIX. Desde muito antes dessa época, entretanto, que as especulações sobre a consciência humana estão entrecruzadas com experiências de estados alterados de consciência por uso de substâncias psicoativas. O pharmakón grego se tornou psicofármaco, ou “remédio da alma”, quando Reinhard Lorichius publicou, em 1548, um livro chamado Psychopharmakon, hoc est: medicina animae. Um dos primeiros estudos sistemáticos sobre as drogas foi a tese doutoral de um aluno de Lineu, Olavus Reinh Alander, que escreveu em 1762,Inebriantia, que pode ser considerado o primeiro tratado sobre psicoativos. Claude Bernard (1813 – 1878) é o pioneiro da medicina e da farmacologia experimentais, tendo publicado, em 1857, Lições sobre os efeitos das substâncias tóxicas e medicamentosas e, em 1865, Introdução à medicina experimental, realizando experimentos com o “curare” (substância paralisante) dos indígenas sul-americanos. Em 1817, a morfina foi isolada como o principal alcalóide do ópio e, alguns anos depois, Thomas De Quincey publicou The Confessions of an English Opium Eater (1821) que foi o primeiro best-seller da, desde então, prolífica literatura de experiência com drogas.

O primeiro laboratório de farmacologia experimental teria se estabelecido em 1860 na cidade de Dorpat (atual Tartu), na Estônia (Ribeiro do Valle 1978). O estudo científico das drogas psicoativas tem entre seus principais iniciadores alguns cientistas como Ernst Freiherr von Briba (1806 – 1878), que, em 1855 publicou, na Alemanha, Die narkotichen Genussmittel und der Mensch, onde estudou 17 plantas; e J. J. Moreau de Tour, que, em 1845, publicou na França o primeiro estudo sistemático realizado com o haxixe,Du hachich et de l’alienation mentale, onde compara o estado produzido pela droga com a loucura, Em 1860, Mordecai Cooke (1825 – 1913) publicou The Seven Sisters of Sleep, onde divulgava de forma popular diversas informações sobre plantas narcóticas e, no mesmo ano, também era publicado, na França, Les Paradis artificiels, de Charles Baudelaire, obras que traziam para o público descrições literárias e, quase sempre, exageradas dos efeitos de certas drogas. E. Kraepelin publicou, em 1883, um artigo intitulado “Sobre a ação de algumas substâncias medicamentosas na duração de certos fenômenos psíquicos elementares” e, em 1892, um livro que abordava os efeitos comparados do chá, do álcool, da morfina, do éter et., intitulado Sobre a influência de alguns medicamentos em determinados fenômenos psíquicos elementares, onde teria utilizado pela primeira vez a palavra farmacopsicologia.

Sigmund Freud contribuiu com o campo de estudo das drogas ao teorizá-las como um dos mecanismos culturais destinados a evitar o sofrimento e buscar o prazer – o mais eficaz, enfatizou Freud -, em O Mal-Estar na Civilização, tendo experimentado entretanto apenas a cocaína e o tabaco, dos quais se tornou adepto. Nos Estados Unidos, William james experimentou o óxido nitroso e escreveu, em 1902, The Varieties of Religious Experience, comparando o êxtase religioso com o efeito provocado por drogas.

O isolamento da mecalina, como princípio ativo do peyote, cacto alucinógeno do México, por Arthur Heffter, em 1897, trouxe ao panorama da farmácia o primeiro alucinógeno quimicamente puro. Nessa época, Havelock Ellis empregou mecalina para estudos sobre a criatividade, tendo ministrado essa droga para poetas como Yeats e para pintores. Em 1911, Karl Hartwich escreveu Die menschlichen Genussmittel, onde superou a obra anterior de von Briba, enfocando sob um ângulo interdisciplinar cerca de 30 plantas. Em 1924, surgiu Phantastica, de Ludwig Lewin, a obra mais influente na classificação das substâncias psicoativas, apresentando um estudo detalhado de 28 plantas e de alguns compostos sintéticos (Evans – Schultes e Hoffman 1993, p. 185). Os cinco tipos de psicoativos eram, para Lewin, os fantásticos, os excitantes, os sedativos, os euforizantes e os inebriantes. Esta taxonomia evolui posteriormente para o odelo de três categorias: os psicolépticos, psicoanalépticos e os psicodislépticos, englobando respectivamente os depressores, os estimulantes e os alteradores da consciência(7).

  1. Tal classificação, proposta por J.Delay desde 1952, derivou do uso psiquiátrico da cloropromazina, classificada como um psicoléptico timoléptico ou neuroléptico, ou seja, um tranquilizante não-sonífero, assim como os anti-depressivos foram classificados como timoanalépticos, enquanto os soníferos seriam noolépticos e os excitantes, como a anfetamina, nooanalépticos. Tal nomeclatura tornou-se oficial desde o II Congresso Internacional de Psiquiatria, em 1957. Ver Pöldinger (1968).

Nos anos 1930, o estudo dos alucinógenos (ou psicodislépticos) começou a desenvolver-se no período de arrancada da farmacoquímica na Alemanha. A história da consciência alcançou na era dos psicofármacos psicodélicos de síntese inaugurada com as pesquisas sobre a mescalina, sobretudo as de Heinrich Klüver, uma abordagem experimental dos universos mentais, A experimentação permitia um domínio empírico sobre o quadro de alterações de consciência que nenhuma outra verificação científica poderia aferir. Além dos depoimentos, dos testemunhos, da observação clínica ou psicológica dos sujeitos experimentadores, cabia ao pesquisador o conhecimento direto e insubstituível da vivência pessoal da experiência. Também na década de 1930, setores da intelectualidade se interessaram pelos psicodélicos. Jean-Paul Sartre, após tomar mescalina, escreveu Náusea, onde expressou certos aspectos de suas vivências mescalínicas, e Henri Michaux escreveu O conhecimento pelos abismos, Infinito turbulento e O miserável milagre.

A tipologia dos “arquétipos” provocados pela mescalina, sobretudo os efeitos visuais, foram objeto de extensos estudos experimentais. A natureza do alucinógeno permitiria compreender a natureza da alucinação e da percepção da realidade. A definição precisa das “constantes alucinatórias” foi para Klüver uma das chaves para se tentar compreender a natureza dos efeitos da mescalina. A característica principal dos fenômenos alucinatórios tinha sido definida por Havelock Ellis como a sua “indescritibilidade” (indescribableness), mas Klüver irá buscar as formas constantes, tais como: “a) grade, treliça, trama, cordas, filigrana, favos de abelha, exadrezado; b) teia de aranha; c) túnel, funil, viela, cone, ou barco; d) espiral” (Klüver 1971, p. 66). As pioneiras e, em muitos aspectos, interessantes pesquisas desse período sofreram, no entanto, a limitação de buscarem enfoques parcelares e laboratoriais de uma experiência cuja natureza múltipla, polissêmica e subjetiva tornava-se inabordável pelos métodos e testes psicológicos tradicionais destinados a verificar “alucinações visuais”. O que mais se destacava na experiência dessas drogas era sua inefabilidade, sua singularidade e sua intensidade. Mais recentemente, diferentes autores identificaram nas percepções geométricas visuais um elemento recorrente em diversas culturas, desde as pinturas rupestres paleolíticas até os padrões psicodélicos contemporâneos, representando o que R. Rudgley denomina “fenômenos entópticos”, também chamados de fosfenos ou imagens eidéticas. Os efeitos dos alucinógenos produziriam dois tipos básicos de imagens: padrões geométricos entópticos, que derivariam da estrutura universal do sistema nervoso humano, e imagens icônicas alucinatórias, derivadas de elementos psicológicos e culturais (Rudgley 1995, p. 18).

aldous-huxley
Aldous Huxley

Em 1953, Aldous Huxley tomou mescalina e escreveu As Portas da Percepção, que se tornou a mais famosa apologia intelectual da experiência psicodélica. O psiquiatra canadense que o iniciara na experiência era Humphry Osmond, que foi quem propôs a denominação de psicodélicos.Huxley prosseguiria desde então um estudo insaciável sobre os psicodélicos, correspondendo-se, entre outros, com o círculo de Albert Hoffman, o inventor do LSD, e o de Timothy Leary.

Nos anos 1960, despontaram movimentos culturais (ou “contraculturais”) que reinvidicavam a extensão dos direitos de livre-disposição do corpo e de autonomia sobre si próprio. Como parte desses movimentos, destacavam-se os que discutiam questôes de política sexual, de gênero (o movimento feminista) e de opção sexual (o movimento homossexual). O uso voluntário do corpo para fins de prazer sexual se coligava à reinvidicação da autonomia crítica da consciência, da recusa em se permitir ao Estado uma jurisdição química sobre a mente que busca controlar o que se ingere ou se introduz voluntariamente no interior do corpo. O movimento psicodélico representou uma defesa política oficial do proibicionismo estatal, caracterizado como Inquisição farmacrática contra o direito de escolha na estimulação química do espírito. A humanidade alcançou com os recursos de alteração química deliberada da consciência um novo patamar para o florescimento da auto-consciência do espírito. A consciência deixou de ser a mera auto-referência psicológica, sujeito filosófico do conhecimento ou identidade para tornar-se a matéria plástica, passível de programação química voluntária. Tal perspectiva trouxe a baila uma questão moral e política decisiva: quais os limites para a liberdade de autoprogramar-se quimicamente? A liberdade de consciência, os direitos do homem, a liberdade na busca dos meios de obtenção de prazer incluem o direito ao uso de drogas?

A autonomia crítica da consciência exigiu o acesso ao arsenal do saber herbário e da tecnologia psico-farmacoquímica como um dos direitos do espírito humano na busca do conhecimento de si próprio. A resposta política do Ocidente a essa demanda pelas chaves vegetais e químicas da consciência até hoje, contudo, foi negativa. O proibicionismo reinou sempre, inicialmente sob a égide da Igreja e, mais tarde, da Medicina. A Igreja Católica proibiu os frutos das árvores do conhecimento, como o ópio, os cogumelosamanita ou a cannabis, herança combatida do paganismo euroasiático e, durante a colonização moderna, desencadeou uma campanha para extirpar as “idolatrias” indígenas, e particularmente as suas plantas sagradas. A América proveu o mundo, entretanto, com algumas das mais fantásticas substâncias extraídas de plantas: a mescalina do cacto, a psilocibina do cogumelo, a harmalina do cipó, as triptaminas da leguminosa jurema, e o LSD análogo da trepadeira ipoméia.

O uso militar

O uso de técnicas de alteração de consciência por meios médicos ou químicos sempre foi objeto de pesquisa científica de uso militar. A psiquiatria do śeculo XX desenvolveu uma vasta gama de técnicas reunidas sobre a denominação de “sismoterapia”. O abalo de pacientes esquizofrênicos, antes produzido com água gelada e outros métodos rudimentares, se aperfeiçoou através de febres induzidas (paludoterapia), comas hipoglicêmicos (choque de insulina), epilepsias induzidas (choque de cardiazol) e eltro-choques. Estes últimos foram especialmente empregados quando na Primeira Guerra Mundial para os chamados “neuróticos de guerra”, soldados em trauma que se recusavam a lutar. Freud teve uma posição ambígua diante desse tipo de “tratamento”, inclusive depondo numa comissão de inquérito durante um processo movido por um oficial das forças armadas austríacas, mas a conclusão oficial continuou a legitimar o uso de eletro-choques para “arrancar o doente de suas fixações e permitir-lhe voltar ao fronte” (Rousseau 1998).

O exército alemão interessou-se pela mescalina e na época nazista floresceram os estudos médicos sobre prisioneiros em campos de concentração. No pós-guerra, os Estados Unidos recrutaram mais de seiscentos cientistas alemães de diferentes áreas, entre os quais o principal investigador responsável pelos estudos de mescalina, Dr. Hubertus Strughold, que, segundo os pesquisadores norte-americanos Martin A. Lee e Bruce Shlain, “depois de Werner von Braun, foi o segundo cientista nazista de primeiro plano a ser empregado pelo governo dos Estados Unidos, tendo sido, mais tarde, saudado pela NASA como “o pai da medicina do espaço” (Lee e Shlain 1994, p. 26). A medicina do espaço foi um dos campos onde se investigaram os estados de consciência alterada, especialmente em condições de confinamento, e se experimentaram novas drogas psicoativas potencialmente úteis para a manutenção da saúde psíquica em viagens espaciais.

O código deontológico da pesquisa científica estabelecido pelos juízes dos processos de Nuremberg, que estabelecia que nenhuma experiência poderia ser levada a cabo sem o consentimento total e voluntário, nunca foi seguido nos Estados Unidos. Após a guerra, a CIA dedicou-se a uma vasta pesquisa sobre drogas. Utilizando cientistas nazistas davam continuidade à utopia reacionária da manipulação cerebral total. Constituíram-se os projetos Blue bird e Artichoke, que se dedicavam a desenvolver técnicas de controle mental e de interrogatórios, com o uso de drogas, tortura e hipnose. Em 10 de abril de 1953, Allen Dulles, novo diretor da CIA, proferiu um discurso em Princeton, onde se referiu ao “sinsitro combate dos soviéticos para se apoderarem dos espíritos”, referindo-se a supostas técnicas de “lavagem cerebral”. Três dias depois foi lançado o projeto da CIA chamado MK Ultra, que consistiu no estudo experimental, com voluntários e não-voluntários, de diversas drogas, entre as quais o LSD, que por suas características peculiares de ínfima dosagem e magnitude dos efeitos, tornou-se uma das principais. O LSD é ativo na proporção de milésimos de miligramas, ou seja, em poucas dezenas de milionésimos de grama. Praticamente nenhuma outra substãncia age sobre o metabolismo humano nessa dosagem.

Alan Ginsberg

Ironicamente, alguns dos sujeitos recrutados por anúncios em jornais, que foram iniciados no LSD nesses testes de ácido, tornaram-se, depois, os maiores críticos à política oficial de drogas nos Estados Unidos, como o poeta Allen Ginsberg. A questão moral central do uso de drogas em geral, mas particularmente dessas intensas novas drogas mentais, dizia e continua dizendo respeito ao problema da liberdade de opção. Inicialmente se manteve um uso restrito às investigações militares e médicas, nas quais, na maior parte das vezes, os sujeitos que consumiam as drogas não o faziam voluntariamente. O que a CIA buscava era justamente uma droga que vencesse a vontade e as convicções, que tornasse voluntário o involuntário. Desenvolviam pesquisas para técnicas de interrogatório, armas de guerra a se usarem em bombardeios ou infiltração de sistemas de abastecimento de água (o que se verificou impossível, pois o cloro neutraliza o LSD). No uso médico e psicoterapêutico, embora tenha havido trabalhos sérios em profusão nos anos 1950 e 1960, até a proibição legal do LSD em 1966, também houve muito uso experimental psiquiátrico e todo tipo de aberrações numa época que consagrara a lobotomia com um prêmio Nobel (o português Esgas Moniz, em 1949), chegando até mesmo à prática da lobotomia num paciente a quem se havia dado LSD, para que o mesmo descrevesse verbal e conscientemente o que estava sentindo ao mesmo tempo em que lhe extirpavam pedaços do cérebro.

Ao mesmo tempo, o LSD se popularizava entre a elite norte-americana. Os agentes da CIA tomavam ácido como parte obrigatória de sua preparação. Atores famosos, milionários, generais e até mesmo presidentes norte-americanos como John Kennedy contavam entre os que experimentavam LSD. Nas universidades se desenvolviam programas de reabilitação de alcoólatras e de delinquëntes que obtinham grande êxito. O problema para as autoridades surgiu quando esse uso extravasou as comportas da CIA, da elite e das cúpulas universitárias e, a partir de Harvard, os professores de psicologia começaram a fazer proselitismo público. O resultado foi a proibição do LSD em 1966. O uso voluntário passa a ser considerado crime, o território interior da carne e mente torna-se jurisdição química do Estado que decide quais substâncias e em que momentos estamos autorizados a consumir. Ao mesmo tempo em que os serviços secretos do mundo desenvolviam ou subsidiavam pesquisas sobre drogas, especialmente os novos sintéticos, a polícia intensificava a repressão e um movimento cultural começava a desenvolver-se em torno do uso ilegal destas novas substâncias.

Usos psicoterapêuticos

Na psicoterapia, centenas de tratamentos alcançavam resultados surpreendentes; como inspirador de artistas e potencializador de criatividade, repetia-se exaustivamente, em todas as artes, as experiências do final do século XIX, quando Havelock Ellis deu mescalina para poetas e pintores. Retomava-se, com os sintéticos como o LSD, a traddição literária baseada no uso de drogas como via para a poesia.

Diversas vertentes utilizaram psicodélicos como coadjuvantes para tratamentos, com sucesso excepcional na recuperação de alcoólicos, em pacientes terminais, e em tratamentos os mais variados. Em Harvard, após experimentar cogumelos em 1960, o psicólogo Timothy Leary, aos 39 anos, converteu-se a um apostolado dos psicodélicos. Aproximou-se dos beats como Allen Ginsberg, que vinham de uma tradição de uso do peiote, e realizou algumas experiências autorizadas com recuperação de dependentes de álcool e de delinquentes. Quando o uso dos psicodélicos extravasou o controle acadêmico, Richard Alpert e Timothy Leary tornaram-se os primeiros casos de expulsão no quadro de professores de Harvard, em 1963.

Nos anos 1960, Alberto Fontana adotou, na Argentina, psicodélicos em terapia psicanalítica. Na Tcheco-Eslováquia, Stanislav Grof começou um trabalho de pesquisas, que foi desenvolvido posteriormente na Califórnia, como investigação dos estados perinatais, utilizando psicodélicos em experiências de regressão. No Brasil, houve uma utilização científica de LSD no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, inclusive com experiências sobre criatividade(8), vertente já explorada desde Havelock Ellis e, mais recentemente, por Stanley Krippner, nos Estados Unidos, mas que foram abortadas pela interdição legal de experimentação científica com psicodélicos.

  1. O livro de memórias de Fauzi Arap, Mare Nostrum, Sonhos, viagens e outros caminhos, relata a influência lisérgica sobre o panorama cultural brasileiro dos anos 1960 e sobre diversos artistas em particular como, além dele próprio, a escritora Clarice Linspector, que deveria a uma intensa experiência com LSD a inspiração para o seu livro A Paixão segundo G. H.

A bibliografia médica sobre usos de LSD e outros psicodélicos é de muitos milhares de títulos, que compreendem usos psiquiátricos e psicoterapêuticos os mais diversos, resultado sobretudo das experimentaçoes realizadas antes da proibição legal em 1966. Entre os pesquisadores que relatam essas experiências, podemos citar autores como Masters e Houston, Claudio Naranjo e Andrew Weil, que escreveram livros sobre as virtudes médicas e terapêuticas dos psicodélicos. Durante o começo dos anos 1980, o uso de MDMA generalizou-se em diversos tratamentos psicoterapêuticos e até sua proibição, em 1986, foi apresentado como um eficiente afrodisíaco ou droga pró-sexual.

O uso político dos alucinógenos e o movimento psicodélico

O uso aristocrático por Ernst Jünger, do círculo diretamente ligado a Hoffman, na Suiça, ou por militares norte-americanos, como o capitão Alfres M. Hubbard, são vertentes de uso restrito dos psicodélicos que sempre advogaram por um acesso muito seletivo. Contra tal controle insurgiam-se, nos anos 1960, diversos apostulados do ácido. Talvez, como advertiria André Breton no Segundo Manifesto do Surrealismo, eles quiseram “distribuir o pão maldito aos passarinhos” e pagaram o preço dessa ousadia.

A expulsão, em maio de 1963, de Richard Alpert e Timothy Leary do quadro de professores de Harvard simbolizou o mergulho na clandestinidade das pesquisas científicas com LSD. O livro Politics of Ecstasy, publicado em 1968, resumiu as posições de Leary em defesa da experimentação ampla dos psicodélicos.

Por um lado, os militares e a CIA prosseguiram com suas experiências secretas, enquanto que, por outro, um imenso movimento juvenil iria iniciar-se nos arcanos da farmácia clandestina. Em 23 de novembro de 1963, morre aldous Huxley, no mesmo dia em que Kennedy é assassinado. Huxley, ao morrer, pratica o ensinamento do Bardo Todol, o Livro Tibetano dos Mortos, que ele havia interpretado como um manual para o êxtase, e pede à sua mulher Laura que lhe injete uma dose de LSD.

Em 1965, a fabricação e venda do LSD tornaram-se ilegais. Em 1966, a Sandoz parou a fabricação. No debate que se abre no congresso norte-americano, o senador Robert Kennedy argumenta contra a proibição, alegando que sua esposa usava LSD com êxito num tratamento psicoterapêutico. Em 1968, não obstante, a posse de LSD tornou-se um crime nos Estados Unidos.

Timothy Leary

Muitos são os “apóstolos do ácido” que começam a fazer a sua distribuição como sagrada hóstia espiritual. Ken Kesey e o grupo de rock Merry Pranksters, saem num ônibus promovendo os Eletric-Cool-Aid-Acid-Test (tema do livro de Tom Wolfe, O teste do ácido do refresco elétrico). O próprio Leary funda a IFIF (International Federation for Internal Freedom) e instala-se em Cuernavaca, no México, onde faz sessões com LSD. Na esteira da radicalização do movimento estudantil, surgem as seitas psicodélicas, como os Diggers, os Yippies e a “Fraternidade do Amor Eterno”. No final de 1968, Nixon é eleito e lança a War on drugs. Em 1969, Leary declara que o LSD é perseguido por “ciúme metamórfico”, porque “as moscas invejam as borboletas”, e lança sua candidatura ao governo da Califórnia, contra Ronald Reagan, recebendo o apoio de John Lennon, que escreve a música Come Together, para a campanha.

Em 1965, Leary havia sido preso junto com a mulher e a filha por porte de pequena quantidade de maconha na fronteira com o México e condenado a trinta anos de prisão e, em 1970, após nova apreensão e recusa de recursos, é encarcerado. Após alguns meses, foge espetacularmente e exila-se na Argélia, onde se reúne com o líder pantera negra, também lá exilado, Eldridge Cleaver, renega o pacifismo e torna-se um revolucionário psicodélico. Em 1973, é preso no Afeganistão e levado para os Estados Unidos, onde colabora com a polícia, denunciando antigos companheiros. Devido ao fato de Leary aceitar capitular, no que se torna conhecido como o “Watergate hippie”, o movimento contracultural convoca uma conferência chamada de “PILL” (People Against Leary Lies). Em 1976, Leary é solto por “bom comportamento”. Nesse mesmo ano, tornam-se públicos os documentos relativos às experiências secretas da CIA com LSD, que resultaram na morte, por suicídio, de um de seus agentes, Frank Olson, em 1953. Após escrever sua autobiografia, Flashbacks, Timothy Leary dedica seus últimos anos à exaltação da Internet, constituindo-se num internauta anunciador da alteração de consciência através da realidade virtual, estado de todas as imponderabilidades.

De Woodstock à chacina de Charles Manson, a divulgação de bad trips e a proibição criaram o clima paranóico que tornou as experiências lisérgicas influenciadas por expectativas negativas, condição que apenas multiplicou o número de casos de más viagens ofuscando a época idílica do flower power.

O uso religioso

O tema do uso de drogas ligado às religiões já fora motivo de debate nos Estados Unidos com a organização da Igreja Nativa do Peyote, no início do século XX, estudada em profundidade pelo antropólogo Weston La Barre, nos anos 1930. Quando surgiu o movimento psicodélico dos anos 1960, capitaneado por Leary, argumentou-se novamente que o uso dos psicodélicos era um direito religioso. Mais ainda: Leary teorizou que um dos efeitos específicos produzido por essas drogas era a devoção. Pesquisas como as realizadas pelo psiquiatra Oscar Janinger e pelo psicólogo William McGlothlim com centenas de pacientes, mostravam que em 75% dos casos ocorriam intensas e transformadoras experiências religiosas, o que levou muitos a acreditarem que o LSD e outras substâncias eram um sacramento e a proporem, como Leary, que cada um formasse a sua própria religião fazendo a experiência da revelação lisérgica.

Richard Gordon Wasson, norte-americano, conheceu sua esposa Valentina, médica russa, em 1921. Em agosto de 1927, casados e residindo nos Estados Unidos, ao passarem a lua de mel nas montanhas Catskills, descobriram uma notável diferença cultural entre eles: ela adorava colher cogumelos e prepará-los em diversos pratos e ele simplesmente não podia conceber que se comessem coisas tão nojentas e perigosas. Essa diferença na valorização dos cogumelos, que eles denominaram de micofobia oumicofilia, levaria-os a uma verdadeira obsessão durante toda a vida: estudar os cogumelos em todo o mundo.

Em 1949, Valentina telefonou para Robert Graves, escritor britânico, autor de uma autobiografia ficcional do imperador Cláudio, para indagar-lhe sobre o último prato de cogumelos de Cláudio, que supostamente teriam sido envenenados por sua mulher, Agripina. De fato, há ao menos três tipos de Amanita bem distintos: Amanita muscaria é o alucinógeno; Amanita caesarea é um tipo comestível muito apreciado pelos imperadores; e, finalmente, o Amanita phalloides é um terrível e poderoso veneno de efeito retardado. O suco deste último teria sido posto num Amanita caesarea para Cláudio.

Três anos depois, Graves enviou aos Wasson uma notícia sobre a descoberta de um culto dos cogumelos no México pelo botânico Richard Evans Schultes, que teria estado já em duas ocasiões na região mazateca, em 1938 e 1939, e obtido amostras de cogumelo. Gordon e Valentina passaram a viajar para o México e, na sua terceira visita, em 1955, conheceram Maria Sabina, e foram os primeiros ocidentais a participarem da cerimônia secreta dos cogumelos. Valentina morreu em 1958, logo depois que publicaram seu primeiro livro: Mushrooms, Russia and History. Gordon Wasson aposentou-se da vicepresidência do banco Morgan e dedicou-se ao estudo dos cogumelos. Foi uma dezena de anos seguidos ao México, levou os cogumelos, por intermédio do micólogo Roger Heim, para Albert Hoffman, o qual, após isolar os princípios ativos, denominou-os psilocibina e psilocina (do grego psilo, “careca”, e cybe, “cabeça”). Em 1962, Hoffman acompanhou Gordon Wasson numa viagem ao México e levaram um frasco de pílulas de psilocibina para Maria Sabina, que as usou numa sessão noturna com a presença de ambos.

Se nos anos 1950 o centro da pesquisa de Wasson concentrou-se em torno do cogumelo psilocybe, nos anos 1960 ele se deslocou para a ìndia e a questão da identificação da planta sagrada dos Vedas, o Soma, que para Wasson teria sido o Amanita Muscaria.

As obras de Gordon Wasson não apenas chocaram os especialistas de diferentes áreas de erudição acadêmica como causaram um enorme impacto, pois, pela primeira vez, se apresentava uma tese global justificada com sérias investigações que afirmava a ligação indissolúvel entre droga e religião. Em 1938, Weston La Barre, ao estudar o culto do peiote, já havia argumentado em prol da idéia de uma “religião-UR”, mas a descoberta do culto dos cogumelos generalizava essa hipótese. A comprovação da permanência do uso dos cogumelos sagrados do México levou Wasson para uma investigação exaustiva de todos os usos de cogumelos e outros enteógenos através do mundo. Os Mistérios de Elêusis, o xamanismo siberiano, os magos persas e os invasores arianos da Índia foram alguns dos utilizadores das bebidas sagradas que foram investigados por Wasson, e uma equipe de pesquisadores que durante muitos anos buscou evidências do uso das plantas alucinógenas nos ritos destes cultos. A partir do uso boreal do cogumelo siberiano Amanita Muscaria, Wasson desenvolveu a tese de uma proto-religião baseada no uso dos cogumelos que teria se propagado com as invasões indo-arianas, nas formas do soma hindu e do haoma persa. O cristianismo, no entanto, elevou o vinho à condição de única droga sagrada e baniu todas as demais, proibindo o ópio, os ritos de Elêusis, os usos de plantas curativas pelos camponeses e as práticas vegetais de todos os paganismos. Tal restrição proscritiva a certas plantas se inscreve até mesmo na mitologia teogônica do Gênesis com as árvores dos frutos proibidos.

A liberdade de religião se tornou, no segundo pós-guerra, a bandeira democrática com a qual diversos movimentos buscaram legitimar o seu uso religioso de diferentes plantas. Um primeiro exemplo foi o da Igreja Nativa do Peiote nos Estados Unidos, mas foi particularmente o movimento psicodélico dos anos 1960, liderado por Timothy Leary, que transformou a defesa do direito de uso de drogas por razões religiosas numa causa popular, inicialmente nos Estados Unidos, mas com repercussões internacionais.

Terence Mckenna

A partir do final dos anos 1970, o interesse renovado pelos saberes vegetalistas indígenas, especialmente na Amazônia, culminou na ampliação do campo de estudos da etnobotânica, e levou muitos autores, como Terence McKenna, por exemplo, a retomarem a tese de Gordon Wasson de uma proto-religião xamânica enteógena como inspiração para um neo-xamanismo como retorno da cultura arcaica.

A expansão no Brasil de religiões usuárias da ayahuasca, como o Santo Daime e a União do Vegetal, também trouxe um renovado interesse no estudo, especialmente antropológico, desse fenômeno, cujos únicos paralelos são a Igreja Nativa do Peiote, nos Estados Unidos, e o culto Buiti, da iboga, no Gabão.

O renascimento neo-psicodélico desde os anos 1980

Nas últimas décadas do século XX, ocorreu uma retomada internacional dos temas do psicodelismo dos anos 1960. O xamanismo, a etnobotânica, as religiões enteógenas e a onda das raves trouxeram um renovado interesse pelas formas de alteração química da consciência.

Nos anos 1980, com o uso do MDMA, conhecido como ecstasy, refleresceram diversas experiências terapêuticas psicodélicas até a decretação da sua proibição legal, adotada a partir de 1986. O mais representativo dos pesquisadores científicos dessa época é o químico e farmacologista Alexander Shulgin. Seus livros PIHKAL (Phenethylamines I Have Know and Loved) A chemical love story (1991) e TIHKAL (Tryptamines I Have Know and Loved) The continuation (1997), escritos em parceria com sua esposa Ann, são uma verdadeira síntese das repercussões da pesquisa científica com drogas psicoquímicas, resumem o que há de mais avançado na pesquisa psicofarmacológica dos psicodélicos e produzem um relato auto-biográfico intimista entretecido com as fantásticas imbricações da guerra contra as drogas nas últimas décadas. Ambos os livros contêm, na sua metade final, uma parte destinada aos farmacoquímicos, onde se reproduzem as fórmulas, receitas e descrições dos efeitos de mais de quatrocentas novas drogas.

A síntese que realiza Alexander Shulgin é, antes de tudo, a do laboratório. Ele é um importante cientista no ramo da psicofarmacologia, tendo trabalhado anos para um grande laboratório, montou um laboratório particular onde se dedicou à pesquisa dos psicodélicos e inventou cerca de duzentas novas drogas por ele testadas junto a um grupo de amigos psiconautas. Constatou que essas drogas de dividem em dois grande grupos: o das fenetilaminas e o das triptaminas. Ao primeiro pertencem a mescalina e as novas moléculas derivadas da manipulação do seu anel molecular para se tornarem diferentes meta-anfetaminas psicodélicas, da qual a mais popular se tornou o chamado ecstasy (MDMA). Ao segundo pertencem o LSD, a DMT e a psilocibina. Cada um dos seus livros é dedicado a um dos grupos: PIHKAL, às fenetilaminas (daí o seu título: “Fenetilaminas que eu conheci e amei”), e TIHKAL, às triptaminas.

Ao fornecer ao grande público as fórmulas das drogas proibidas, Shulgin adotou uma postura política que teve como consequências a perseguição e a cassação de seu laboratório pela DEA (Drug Enforcement Agency). Durante anos, Shulgin havia trabalhado no programa de pesquisas com drogas na NASA, enquanto o governo norte-americano proibia internacionalmente a liberdade de pesquisa acadêmica sobre as substâncias psicodélicas, com a exceção dos laboratórios da CIA e do exército norte-americano. Apesar das legislações que incluíram o LSD, assim como todos os demais psicodélicos, no terreno das drogas proibidas, até mesmo para experimentação acadêmica e científica, criando no final do século XX, uma guerra contra as drogas que assume dimensões inquisitoriais, houve uma continuidade no interesse e nas investigações sobre tais substâncias.

As pesquisas psicoterapêuticas, cognitivas, estéticas, entre outras, que existiam com grande atividade, foram limitadas a uma verdadeira semi-clandestinidade. Alexander Shulgin foi praticante de uma metodologia revolucionária. Ao contrário de outros cientistas estudiosos dos psicodélicos, como o ex-nazista Strughold, ele se filia à tradição libertária norte-americana, ao movimento anti-establishment dos anos 1960. Diferentemente do ativismo psicodélico, não se dedicou, no entanto,a nenhum proselitismo, mas se tornou um pesquisador de vanguarda numa área oficialmente proibida até mesmo para fim de estudos científicos. O livro PIHKAL é o resumo de trinta anos de trabalho de laboratório e apresenta a lista de 179 fenetilaminas, com os procedimentos para a síntese química, as dosagens, a duração, comentário qualitativo e extensão dos comentários. É uma verdadeira “história natural da química da mente”, uma taxonomia das fenetilaminas que correspondem cada uma a um estímulo específico de uma atividade psíquica, de um “caminho cerebral” (brain pathway), que são descritas em seus efeitos subjetivos específicos a partir de uma experimentação dirigida.

Alexander Shulgin

A obra de Shulgin contribui para os campos científicos da psicofarmacologia e da neurologia. Além da perspectiva farmacológica, de suas técnicas e receitas de sínteses, e da perspectiva neurobiológica que pode, a partir da localização dos mecanismos de ação destes compostos químicos, localizar e compreender também os processos naturais dos neurotransmissores, há uma contribuição metodológica de Shulgin que é revolucionária do ponto de vista científico e político ao estabelecer uma indagação sobre o direito do Estado em intervir no terreno da jurisdição química da mente acima da pesquisa científica. Seu desafio é epistemológico, exigindo, como Galileu, que todos os instrumentos da ciência sejam utilizados, em particular esses telescópios químicos interiores que quanto mais se aperfeiçoam, mais permanecem inacessíveis como “psicoscópios” indexados como substâncias proibidas, mas seu gesto também é corajosamente político num momento em que a demonização das drogas e o pânico moral construído em torno delas o torna alvo de uma perseguição governamental que invadiu sua casa e o multou em milhares de dólares após a publicação destes livros.

A metodologia de Shulgin, controle experimental voluntário dos efeitos subjetivos de novos fármacos, por ele mesmo sintetizados, produziu um dos mais vastos corpora de dados científicos relativos às fenetilaminas e às triptaminas. Durante um período nos anos 1980, o MDMA foi usado livremente por médicos e psicólogos, nos mais diversos tratamentos, com amplo sucesso, e até mesmo exaltado como “droga do amor”, por sua qualidade de intensificar a empatia humana, ou seja, muito mais do que um suposto “afrodisíaco”, ele intensificaria a dimensão afetiva das interações humanas.

Num mundo em que o sucesso comercial de “Viagras” e “Prozacs” esconde uma proibição injustificável de outras substâncias de uma utilidade e de um campo de aplicações vastíssimo, é preciso um esclarecimento das manipulações políticas e comerciais que impedem um uso mais adequado do imenso e maravilhoso arsenal que a farmacoquímica coloca ao alcance da humanidade. A dieta psicoquímica deveria ser encarada da mesma forma que a dieta alimentar. Tal distinção é puramente cultural, e a busca do bem-estar e de estados mentais atrativos constitui formas diferenciadas do consumo sensorial e de seus rituais. Tanto uma dieta alimentar como psicoquímica inadequada podem ser perniciosas e daninhas à saúde, aliás é exatamente o que ocorre na sociedade contemporânea em níveis alarmantes., As substâncias mais nocivas como o tabaco, o álcool ou os benzodiazepínicos são legais, enquanto que as antigas plantas de poder, veículos sagrados dos povos da terra e herança de um conhecimento botânico milenário, são proibidas. Seus princípios ativos, localizados pela análise química e depois sintetizados sem necessidade de matérias-primas vegetais pelo engenho da farmácia, sofrem proscrições e permanecem clandestinos até mesmo para os usos médicos. Após um século e meio de história da odisséia psiconáutica, o saber e o poder desses fármacos extraordinários ainda são perseguidos e ocultados.

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O Alimento dos Deuses – Terence McKenna (pt 3)

Seguem os principais trechos dos capítulos 2 e 3

 

Capítulo 2 – A magia nos alimentos

 

O modo como os seres humanos usam plantas, alimentos e drogas faz mudar os valores dos indivíduos e, em última instância, de sociedades inteiras. Comer alguns alimentos nos deixa felizes, comer outros nos deixa sonolentos e ainda outros nos deixam em alerta. Somos joviais, inquietos, excitados ou deprimidos, dependendo do que comemos. A sociedade encoraja tacitamente certos comportamentos que correspondem a sentimentos internos, encorajando assim o uso de substãncias que produzem comportamentos aceitáveis.

A supressão ou a expressão da sexualidade, a fertibilidade e a potência sexual, o grau de acuidade visual, a sensibilidade aos sons, a velocidade de resposta motora, a taxa de maturação e o tempo de vida são apenas algumas das características dos animais que podem ser influenciadas por plantas alimentícias com químicas exóticas. A formação simbólica do homem, sua facilidade lingüística e sensibilidade a valores comunitários também podem se alterar sob a influência de metabólitos psicoativos e fisioativos. Uma noite de observação num bar de solteiros basta como trabalho de campo para confirmar essa observação. De fato, a atividade de encontrar um parceiro sempre deu grande importância à capacidade lingüística, como atesta a atenção perene aos estilos dos bate-papos e das cantadas.

Ao pensar em drogas tendemos a nos concentrar em episódios de intoxicação, mas muitas drogas são usadas normalmente em doses de aperitivo ou de manutenção; o café e o tabaco são exemplos óbvios em nossa cultura. O resultado disso é uma espécie de “ambiência da intoxicação”. Como peixes dentro d’água, as pessoas dentro de uma cultura nadam no meio virtualmente invisível dos estados mentais culturalmente sancionados, ainda que artificiais.

As linguagens parecem invisíveis para quem as fala, e mesmo assim criam o tecido da realidade para seus usuários. O problema de confundir a linguagem com a realidade é bem conhecido no mundo cotidiano. O uso das plantas é um exemplo de uma linguagem complexa de interações químicas e sociais. Ainda assim, a maioria de nós não tem consciência dos efeitos das plantas sobre nós mesmos e sobre nossa realidade, em parte porque esquecemos que as plantas sempre mediaram o relacionamento cultural dos homens com o mundo.

Uma história de primatas

 

No Parque Nacional de Gombe Stream, na Tanzânia, primatologistas descobriram que folhas de uma determinada espécie apareciam sempre não digeridas nas fezes de chimpanzés. Eles descobriram que, a intevalos de alguns dias, os chimpanzés, em vez de comer frutas silvestres como sempre, caminhavam durante vinte minutos ou mais até um lugar onde crescia uma espécie de Aspilia. Os chimpanzés colocavam repetidamente os lábios numa folha de Aspilia e prendiam-na na boca. Pegavam uma folha, colocavam na boca, reviravam-na durante alguns instantes e em seguida engoliam-na inteira. Desse modo podiam ser comidas até trinta folhas pequenas.

O bioquímico Eloy Rodriguez, da Universidade da Califórnia em Irvine, isolou o princípio ativo da Aspilia – um óleo avermelhado agora chamado de thiarubrina-A. Neil Towers, da Universidade da Colúmbia Britânica, descobriu que esse composto pode matar bactérias comuns em concentrações de menos de uma parte por milhão. Registros de herbários estudados por Rodriguez e Towers mostraram que os povos africanos usavam folhas de Aspilia para tratar de feridas e dores de estômago. Das quatro espécies nativas da África, os povos nativos usavam apenas três, as mesmas três utilizadas pelos chimpanzés.

Rodriguez e Towers continuaram observando as interações entre chimpanzés e plantas e agora podem identificar cerca de doze plantas – uma verdadeira matéria médica – usadas entre as populações de chimpanzés.

Você é o que você come

 

A história que propomos para o surgimento do homem à luz da auto-reflexão é uma história de você-é-o-que-você-come. Grandes mudanças climáticas e uma dieta recém-ampliada, e portanto mutagênica, proporcionaram muitas oportunidades para que a seleção natural afetasse a evolução das principais características humanas. Cada contato com um novo alimento, uma nova droga, ou um condimento estava carregado de risco e consequências imprevisíveis. E isso é ainda mais verdadeiro hoje em dia, quando nossa comida contém centenas de preservativos e aditivos mal estudados.

Como exemplo de plantas com impacto potencial sobre uma população humana, considere a batata-doce do gênero Dioscorea. Em boa parte do mundo tropical as batatas-doces proporcionam uma fonte de alimento confiável e nutritiva. Não obstante, várias espécies muito próximas contêm compostos que interferem na ovulação. (Estas se tornaram a fonte de matéria-prima para as modernas pílulas anticoncepcionais.) Algo próximo do caos genético cairia sobre uma população de primatas que passasse a se alimentar dessas espécies de Dioscorea. Muitas situações assim, ainda que de magnitude menos espetacular, devem ter ocorrido enquanto os primeiros hominídeos experimentavam novos alimentos ao mesmo tempo em que expandiam seus hábitos de dieta onívora.

Comer uma planta ou um animal é um modo de invocar o seu poder, um modo de assimilar sua mágica. Na mente dos povos anteriores à escrita raramente são claras as linhas divisórias entre drogas, alimentos e condimentos. O xamã que se empanzina de pimenta para aumentar o calor interno dificilmente estará num estado menos alterado do que o entusiasta de óxido nitroso após uma longa inalação. Em nossa percepção do sabor e em nossa busca de variedade na sensação de comer, somos marcadamente diferentes até mesmo de nossos parentes primatas. Em algum ponto do caminho, nossos novos hábitos onívoros e nosso cérebro em evolução, com sua capacidade de processar dados sensórios, uniram-se na feliz idéia de que a comida pode ser uma experiência. Nasceu a gastronomia – para juntar-se à farmacologia, que certamente a precedeu, já que a manutenção da saúde através da dieta é vista entre muitos mamíferos.

A estratégia dos primeiros hominídeos era comer tudo que parecesse comestível e vomitar o que não era palatável. Plantas, insetos e pequenos animais vistos como comestíveis através desse método eram introduzidos na dieta. Uma dieta em mudança ou uma dieta onívora significa exposição a um equilíbrio químico sempre em alteração. Um organismo pode regular esse insumo químico através de processos internos, mas, em última instância, as influências mutagênicas crescerão e um número maior do que o usual de indivíduos será ofertado ao processo de seleção natural. O resultado dessa seleção natural são mudanças aceleradas na organização neural, nos estados de consciência e no comportamento. Nenhuma mudança é permanente, cada uma dá caminho a outra. Tudo flui.

Simbiose

 

À medida que influenciavam o desenvolvimento dos seres humanos e de outros animais, também as plantas eram afetadas. Essa co-evolução atrai a idéia de simbiose. “Simbiose” tem vários significados; uso o termo para falar de um relacionamento entre duas espécies conferindo benefícios mútuos a seus membros. O sucesso biológico e evolucionário de cada espécie está ligado ao – e é estimulado pelo – sucesso da outra. Esta situação é o oposto do parasitismo, ainda que feliz seja o parasita que evolui para se tornar um simbionte. Os relacionamentos simbióticos, onde cada membro precisa do outro, podem ter uma ligação genética muito forte ou podem ser mais abertos. Apesar das interações entre os homens e as plantas serem simbióticos em seu padrão de ganhos e vantagens mútuas, esses relacionamentos não são geneticamente programados. Em vez disso são vistos claramente como hábitos profundos, quando comparados com exemplos de verdadeira simbiose no mundo da natureza.

Um exemplo de um relacionamento ligado geneticamente, e portanto realmente simbiótico, envolve o pequeno peixe-palhaço, Amphiprion ocellaris, que passa a vida perto de certa espécie de anêmona -do-mar. Esse peixe é protegido dos grandes predadores pelas anêmonas, e o suprimento de comida das anêmonas é aumentado pelo peixe-palhaço, que atrai peixes maiores para a área onde as anêmonas estão se alimentando. Quando um arranjo mutuamente agradável como esse acontece por muito tempo, ele termina por eventualmente se “institucionalizar”, turvando cada vez mais a distinção genética entre os simbiontes. Em última instância, um organismo pode tornar-se parte do outro, como aconteceu com as mitocôndrias, as usinas de força das células animais, ao se juntarem com outras estruturas para formar a célula. As mitocôndrias têm um componente genético separado, cuja origem pode remontar às bactérias eucarióticas que, há centenas de milhões de anos, eram organismos independentes.

Outro exemplo instrutivo de simbiose, e que pode ter profundas implicações para nossa situação, é o relacionamento que se desenvolveu entre as formigas-cortadeiras e uma espécie de basilomiceto, um cogumelo. E. O. Wilson aborda esse relacionamento:

No fim da trilha as carregadoras descem apressadas pelo buraco do formigueiro, em meio a multidões de companheiras e ao longo de canais tortuosos que terminam perto do lençol freático cinco metros abaixo ou mais. As formigas largam pedaços de folhas no chão de uma câmara, para serem apanhados por trabalhadoras de um tamanho ligeiramente menor, que partem-nas em fragmentos de cerca de um milímetro. Dentro de minutos, formigas ainda menores assumem o trabalho, amassando e moldando os fragmentos em bolotas úmidas e cuidadosamente inserem-nas numa massa de material semelhante. Essa massa varia entre o tamanho de um punho fechado e uma cabeça humana, é cheia de canais e parece uma esponja cinza. É a horta das formigas: em sua superfície crescem fungos simbiontes que, junto com a seiva das folhas, formam o único alimento das formigas. O fungo se espalha como uma geada branca, penetrando suas hifas na pasta de folhas para digerir a celulose abundante e as proteínas que estão ali numa solução parcial.

O ciclo da horticultura prossegue. Formigas trabalhadoras ainda menores do que as descritas acima arrancam tiras soltas do fungo de lugares de crescimento denso e plantam-nas nas superfícies recém-construídas. Finalmente, as trabalhadoras menores de todas – e mais abundantes – patrulham as plantações de fungos sondando-os com suas antenas, lambendo as superfícies e arrancando os esporos e as hifas de espécies diferentes. Essas anãs da colônia conseguem andar através dos canais mais estreitos dentro das massas da horta. De tempos em tempos arrancam tufos de fungos e levam-nos para suas companheiras maiores.

Nenhum outro animal desenvolveu a capacidade de produzir cogumelos a partir de vegetação fresca. Esse evento evolucionário aconteceu apenas uma vez, há milhões de anos, em algum lugar da América do Sul. Isso deu enorme vantagem às formigas: agora elas podiam mandar trabalhadoras especializadas colher a vegetação, ao mesmo tempo em que mantinham o grosso da população em segurança nos abrigos subterrâneos. Em resultado disso, os diferentes tipos de formigas-cortadeiras juntos, o que compreende quatorze espécies do gênero Atta e vinte e três do Acromyrmex, dominam grande parte dos trópicos americanos. Elas consomem mais vegetação do que qualquer outro grupo de anim,ais, inclusive as formas mais abundantes de lagartas, gafanhotos, pássaros e mamíferos.

 

Podemos perdoar E. O. Wilson, o maior expoente na sociobiologia, por achar que apenas uma vez na história da terra um animal e um cogumelo formaram um relacionamento mutuamente benéfico. Sua descrição das formigas-cortadeiras e de seu relacionamento com a agricultura dos fungos antecipa e introduz considerações fundamentais em meu esforço de revisão do nosso complexo relacionamento com as plantas. Já que, como veremos, um subproduto do estilo de vida dos pastores nômades foi a disponibilidade cada vez maior e o uso dos fungos psicoativos. Como a atividade agrícola das formigas, os padrões de comportamento das sociedades humanas nômades serviu como um modo eficaz para a expansão do alcance de alguns cogumelos.

Uma nova visão da evolução humana

 

Os primeiros contatos entre os hominídeos e os cogumelos contendo psilocibina podem ter precedido em um milhão de anos ou mais a domesticação do gado na África. E durante esse período de um milhão de anos os cogumelos não foram somente colhidos e comidos, mas provavelmente também alcançaram o status de um culto. Mas a domesticação do gado selvagem, um grande passo na evolução cultural humana, ao trazer os homens para mais perto do gado, também permitiu um contato maior com os cogumelos, porque esses cogumelos crescem apenas nas fezes do gado. Em resultado disso, a interdependência entre os homens e o cogumelo foi aumentada e aprofundada. Foi nessa época que os rituais religiosos, a criação dos calendários e a magia natural começaram a existir.

Pouco depois dos homens encontrarem os fungos visionários das pradarias africanas, e como as formigas-cortadeiras, nós também nos tornamos a espécie dominante em nossa área, e também aprendemos como “manter o grosso de nossa população segura em refúgios subterrâneos”. Em nosso caso esses refúgios foram as cidades muradas.

Ao ponderar sobre o curso da evolução humana alguns observadores sérios questionaram o cenário apresentado pelos antropólogos físicos. A evolução dos animais superiores demora um tempo maior para acontecer, operando em períodos de tempo raramente menores do que um milhão de anos e mais comumente em dezenas de milhões de anos. Mas o surgimento dos humanos modernos a partir dos primatas superiores – com as enormes mudanças em tamanho de cérebro e comportamento – aconteceu em menos de três milhões de anos. Fisicamente, nos últimos cem mil anos mudamos aparentemente muito pouco. Mas a espantosa proliferação de culturas, instituições sociais e sistemas linguísticos aconteceu tão depressa que os modernos biólogos evolucionários praticamente não a podem explicar. A maioria nem mesmo tenta.

De fato, a ausência de um modelo teórico não é surpreendente; há muita coisa que não sabemos sobre a situação complexa dos hominídeos no período imediatamente anterior ao surgimento do homem e durante o tempo em que os modernos seres humanos começavam a entrar em cena. As evidências fósseis e biológicas indicam claramente que o homem descende de ancestrais que não são radicalmente diferentes de espécies primatas que ainda existem. E mesmo assim, o Homo sapiens pertence obviamente a uma classe separada dos outros membros da ordem.

Pensar sobre a evolução humana significa em última instância pensar sobre a evolução da consciência humana. Nesse caso, quais são as origens da mente humana ? Em suas explicações, alguns investigadores adotaram uma ênfase principalmente cultural. Eles apontam para nossas capacidades linguísticas e simbólicas especiais, nosso uso de ferramentas e nossa capacidade de guardar informações epigeneticamente – como em canções, artes plásticas, livros, computadores -, e com isso criando não somente cultura mas também história. Outros, assumindo uma abordagem um pouco mais biológica, enfatizaram nossas peculiaridades fisiológicas e neurológicas, inclusive o tamanho excepcional e a complexidade do neocórtex, grande parte do qual é dedicada a processos linguísticos complexos, ao armazenamento e à recuperação de informações, além de estar associada aos sistemas motores que controlam atividades como a fala e a escrita. Mais recentemente reconheceu-se que as interações de feedback entre influência cultural e ontogenia biológica estão envolvidas em certas estranhezas desenvolvimentais, como infância e adolescência prolongadas, o atraso da maturidade sexual e a persistência de muitas características essencialmente neonatais através da vida adulta. Infelizmente a união desses pontos de vista ainda não levou ao reconhecimento do poder dos constituintes psicoativos e fisioativos da dieta na modelação de genomas.

Há três milhões de anos, e através de uma combinação dos processos discutidos acima, existiam pelo menos três espécies claramente reconhecidas de proto-hominídeos no leste da África. Eram o Homo africanus, o Homo boisei e o Homo robustus. E também nessa época o onívoro Homo habilis, o primeiro hominídeo verdadeiro, surgira claramente a partir da uma divisão da espécie que também deu surgmento a dois homens-macacos vegetarianos.

As pradarias se expandiam devagar; os primeiros hominídeos moviam-se através de um mosaico de pradarias e florestas. Essas criaturas, com cérebros proporcionalmente apenas um pouco maiores do que os dos chimpanzés, já andavam eretas e provavelmente carregavam comida e ferramentas entre trechos de florestas que elas continuavam a procurar em busca de tubérculos e insetos. Seus braços eram proporcionalmente maiores que os nossos e possuíam mão mais forte para agarrar. A evolução para a postura ereta e a expansão inicial para um ambiente de pradarias ocorreram antes, entre nove e cinco milhões de anos atrás. Infelizmente não temos evidências fósseis dessa transição anterior.

Os hominídeos provavelmente expandiram sua dieta original de frutas e pequenos animais incluindo raízes, tubérculos e bulbos. Uma simples vara para cavar daria acesso a essa fonte de alimentos anteriormente indisponível. Os modernos babuínos das savanas subsistem principalmente de bulbos de capim durante certas estações. Os chimpanzés acrescentam quantidades substanciais de feijões à sua dieta quando se aventuram na savana. Tanto os babuínos quanto os chimpanzés caçam cooperativamente e atacam pequenos animais. Mas geralmente não usam ferramentas na caçada, e não há evidência de que os primeiros hominídeos tampouco as usassem. Entre os chimpanzés, os babuínos e os hominídeos a caçada parece ser uma atividade masculina. Os primeiros hominídeos caçavam tanto cooperativamente quanto sozinhos.

Com o Homo sapiens começou uma expansão súbita e misteriosa do tamanho do cérebro. O cérebro do Homo habilis pesava em média 770 gramas, comparada às 530 gramas dos outros hominídeos. O período seguinte de 2.250.000 anos trouxe uma evolução surpreendentemente rápida no tamanho e na complexidade do cérebro. Entre 750.000 e 1.100.000 anos atrás, um novo tipo de hominídeo, o Homo erectus, estava amplamente disseminado. O cérebro desse novo hominídeo pesava entre 900 e 1.100 gramas. Há boas evidências de que o Homo erectus usava ferramentas e possuía algum tipo de cultura rudimentar. Na Caverna de Choukoutien, na África do Sul, há evidências do uso de fogo junto a ossos queimados, sugerindo o cozimento de carne. Esses eram atributos do Homo erectus, que foi o primeiro hominídeo a deixar a África há cerca de um milhão de anos.

Teorias mais antigas sugerem que os homens modernos evoluíram do Homo erectus em diversos lugares. Porém, cada vez mais, os primatologistas evolucionários da atualidade aceitam a noção de que o moderno Homo sapiens também surgiu na África, há cerca de 100.000 anos, e fez uma segunda grande migração para povoar todo o planeta. Na Caverna Border e na Caverna da foz do Rio Klasies, na África do Sul, há evidências dos primeiros Homo sapiens modernos vivendo num ambiente misto de floresta e pradarias. Numa das muitas tentativas para compreender essa transição importantíssima, Charles J. Lumsden e Edward O. Wilson escreveram:

Os ecologistas comportamentais desenvolveram gradualmente uma teoria para explicar por que foi feito o avanço para uma postura ereta, uma teoria que responde por muitas das características biológicas específicas do homem moderno. Os primeiros homens-macacos saíram das florestas tropicais para habitats mais abertos, sazonais, onde passaram a uma existência exclusivamente terrestre. Construíram acampamentos-base e tornaram-se dependentes da divisão de trabalho, através da qual alguns indivíduos, provavelmente as fêmeas, andavam menos e dedicavam mais tempo ao cuidado dos jovens; outros, principalmente ou exclusivamente os machos, se dispersavam amplamente em busca de caça. O bipedalismo conferia grande vantagem na locomoção em espaços abertos. Também deixava livre os braços, permitindo que os homens-macacos ancestrais usassem ferramentas e carregassem animais mortos e outros alimentos de volta ao acampamento. A divisão da comida e formas relacionadas de reciprocidade seguiram-se automaticamente como processos centrais da vida social dos homens-macacos. O mesmo aconteceu com a ligação sexual íntima e de longo prazo e o aumento da sexualidade, que foram postos a serviço da criação dos jovens. Muitas das formas mais distintas de comportamento social humano são produto desse complexo adaptativo profundamente entrelaçado.

 

A um tipo avançado de hominídeo seguiu-se outro, no laboratório evolucionário da África. E, começando com o Homo erectus, representantes de cada tipo se irradiaram através da massa eurasiana nos períodos interglaciais. Durante cada glaciação, a migração para fora da África era bloqueada; novos hominídeos eram “preparados” no ambiente africano de forças intensificadas de mutação através de dietas exóticas e seleção natural climaticamente induzida.

No final desses notáveis três milhões de anos na evolução da espécie humana, o cérebro humano havia triplicado! Lumsden e Wilson chamam isso de “talvez o avanço mais rápido registrado para qualquer órgão complexo em toda a história da vida”. Uma taxa tão notável de mudança evolucionária no principal órgão de uma espécie implica a presença de pressões seletivas extraordinárias.

Como os cientistas não puderam explicar essa triplicação do tamanho do cérebro humano em período evolucionário tão pequeno, alguns dos primeiros paleontólogos estudiosos de primatas e teóricos evolucionários previram e buscaram evidências de esqueletos de transição. Hoje em dia a idéia de um “elo perdido” foi praticamente abandonada. O bipedalismo, a visão binocular, o polegar em oposição e o braço capaz de fazer lançamentos – tudo isso já foi colocado como ingrediente-chave na mistura que fez com que os humanos auto-reflexivos se cristalizassem fora do caldeirão de tipos e estratégias dos hominídeos em competição. No entanto, tudo que realmente sabemos é que a mudança no tamanho do cérebro foi acompanhada por mudanças notáveis na organização social dos hominídeos. Eles se tornaram usuários de ferramentas, de fogo e da linguagem. Iniciaram o processo como animais superiores e saíram dele, há cerca de 100.00 anos, como indivíduos conscientes e com percepção de si próprios.

O verdadeiro elo perdido

 

Meu ponto de vista é que os componentes químicos mutagênicos e psicoativos existentes na dieta dos primeiros humanos influenciou diretamente a rápida reorganização das capacidades de o cérebro processar informações. Os alcalóides contidos nas plantas, especificamente os compostos alucinógenos como a psilocibina, a dimetiltriptamina (DMT) e a harmalina podem ter sido os fatores químicos da dieta que catalisaram o surgimento da auto-reflexão humana. A ação dos alucinógenos presentes em muitas plantas comuns aumentou nossa atividade de processamento de informações e nossa sensibilidade ambiental, com isso contribuíndo para a súbita expansão do tamanho do cérebro. Como aconteceu num estágio posterior desse mesmo processo, os alucinógenos atuaram como catalisadores no desenvolvimento da imaginação, alimentando a criação de estratagemas internos e esperanças que podem ter sinergizado o surgimento da linguagem e da religião.

Em pesquisas realizadas no final dos anos 60. Roland Fisher deu pequenas quantidades de psilocibina a estudantes de pós-graduação e em seguida mediu sua capacidade de detectar o momento em que linhas anteriormente paralelas se desviavam. Ele descobriu que a capacidade de desempenhar essa tarefa específica era aumentada depois de pequenas doses de psilocibina.

Quando discuti essas descobertas com Fisher, ele sorriu, depois de explicar suas conclusões, e em seguida resumiu: “Você vê, o que se provou conclusivamente aqui é que, sob certas circunstâncias, somos mais bem-informados sobre o mundo real se tomamos uma droga do que se não tomamos.” Sua resposta jacosa ficou em minha mente, primeiro como uma anedota acadêmica, depois como um esforço de sua parte para comunicar uma coisa profunda. Quais seriam as consequências, para a teoria da evolução, de admitir que alguns hábitos químicos conferem vantagem adaptativa e, portanto, tornam-se profundamente gravados no comportamento e até mesmo no genoma de alguns indivíduos?

Três grandes passos para a raça humana

 

Ao tentar responder essa pergunta construí um cenário – algumas pessoas podem chamá-lo de fantasia; é o mundo observado de um ponto de vista para o qual os milênios são apenas estações, uma visão para a qual fui levado por anos pensando nesses temas. Imaginemos, por um instante, que estamos fora da agitação genética que é a história biológica, e que podemos ver as consequências entrelaçadas de mudanças na dieta e no clima, que certamente devem ter sido muito lentas para serem percebidas por nossos ancestrais. O cenário que se desdobra envolve os efeitos interconectados e mutuamente reforçados da psilocibina tomada em três níveis. Por ser especial em suas propriedades, creio que a psilocibina é a única substância que poderia produzir esse cenário.

No primeiro nível de uso, o mais baixo, há o efeito que Fisher observou: pequenas quantidades de psilocibina, consumida sem consciência de sua psicoatividade, e talvez mais tarde consumida conscientemente, provocam um aumento notável na acuidade visual, especialmente na detecção periférica. Como a acuidade visual é valorizada entre os caçadores-coletores, a descoberta de um equivalente de “binóculos químicos” não poderia deixar de ter um impacto sobre o sucesso da caçada e da coleta por parte dos indivíduos que dispunham dessa vantagem, Devido ao aumento de comida disponível, os descendentes desses grupos terão uma probabilidade maior de chegar à idade reprodutiva. Numa situação assim, a não-proliferação (ou o declínio) dos grupos não-usuários de psilocibina seria uma consequência natural.

Como a psilocibina é um estimulante do sistema nervoso central, quando tomado em doses ligeiramente maiores ela tende a provocar a inquietação e a excitação sexual. Assim, nesse segundo nível de uso, ao aumentar a ocorrência da copulação os cogumelos favorecem diretamente a reprodução humana. A tendência de regular e programar a atividade sexual dentro do grupo, ligando-a a um ciclo lunar de disponibilidade dos cogumelos, pode ter sido importante como um primeiro passo em direção ao ritual e à religião. Sem dúvida, no terceiro e mais alto nível de uso, as preocupações religiosas estariam no primeiro plano da consciência da tribo, simplesmente por causa do poder e da estranheza da experiência em si.

Esse terceiro nível, então, é o nível do êxtase xamânico totalmente desabrochado. A intoxicação por psilocibina é um êxtase cujo sopro e profundidade são o desespero da prosa. É totalmente Outro, e não menos misterioso para nós do que era para nosso ancestrais que mastigavam cogumelos. A capacidade de dissolução de fronteiras do êxtase xamânico predispõe os grupos tribais usuários de alucinógenos aos laços comunitários e a atividades sexuais grupais, o que promove a mistura de genes, taxas maiores de nascimento e um senso comunitário de responsabilidade pela prole do grupo.

Em qualquer dose que o cogumelo fosse usado, ele possuía a propriedade mágica de conferir vantagens adaptativas sobre os usuários arcaicos e seus grupos. O aumento da acuidade visual, a excitação sexual e o acesso ao Outro transcendente levaram ao sucesso na obtenção de comida, à capacidade e ao vigor sexual, à prole abundante e ao acesso a esferas de poder sobrenatural. Todas essas vantagens podem ser facilmente auto-reguladas através da manipulação das doses e da frequência de ingestão. O capítulo 4 detalhará a notável propriedade da psilocibina, estimulando a capacidade do cérebro de formar linguagem. Seu poder é tão extraordinário que a psilocibina pode ser considerada a catalisadora do desenvolvimento da linguagem entre os homens.

Afastando-se de Lamarck

 

Uma objeção a essas idéias surge inevitavelmente e deve ser enfrentada. Esse cenário de surgimento do homem pode ter cheiro de lamarckismo, que teoriza que as características adquiridas por um indivíduo durante seu tempo de vida podem ser passadas à sua prole. O exemplo clássico é a afirmação de que a girafa tem pescoço comprido porque o estica para alcançar ramos mais altos. Essa idéia fácil de compreender e que faz bastante sentido é um completo anátema entre os neo-darwinistas, que atualmente estão na vanguarda da teoria evolucionária. A posição deles é que as mutações são totalmente aleatórias, e que somente depois das mutações serem expressas como características dos organismos a seleção natural cumpre inconsciente e desapaixonadamente sua função de preservar os indivíduos que receberam vantagem adaptativa.

A objeção deles pode ser colocada da seguinte forma: ainda que os cogumelos possam ter-nos dado melhor visão, sexo e linguagem quando comidos, como esses desenvolvimentos entraram no genoma humano e se tornaram inatamente humanos? Os desenvolvimentos não-genéticos do funcionamento de um organismo feitos através de agentes externos retardam os reservatórios genéticos correspondentes a essas facilidades, tornando-os supérfluos. Em outras palavras, se um metabólito necessário é comum na comida disponível, não haverá pressão para desenvolver uma característica para a expressão endógena desse metabólito. Assim, o uso dos cogumelos criariam individuos com menos acuidade visual, menos facilidade de linguagem e menos consciência. A natureza não proporcionaria esses desenvolvimentos através da evolução orgânica porque o investimento metabólico necessário à sua sustentação não valeria a pena, comparado ao minúsculo investimento metabólico necessário para comer cogumelos. E mesmo assim todos temos hoje em dia esses desenvolvimentos, sem ingerir cogumelos. Então, como as modificações proporcianadas pelos cogumelos entraram no genoma?

A resposta curta a essa pergunta, uma resopsta que não exige defender as idéias de Lamarck, é que a presença da psilocibina na dieta dos hominídeos mudou os parãmetros do processo de seleção natural ao mudar os padrões comportamentais sobre os quais essa seleção vinha operando. A experimentação com muitos tipos de alimentos estava causando um aumento geral no número de mutações aleatórias oferecidas ao processo de seleção natural, ao passo que o aumento da acuidade visual, do uso de linguagem e da atividade ritual através do uso de psilocibina representavam novos comportamentos. Um desses novos comportamentos, o uso da linguagem – que era anteriormente uma característica de importância apenas marginal – subitamente tornou-se muito útil no contexto dos novos estilos de vida caçadora e coletora. Nesse caso a inclusão de psilocibina na dieta mudou os parâmetros do comportamento humano em favor dos padrões que promoviam o maior uso da linguagem; a aquisição da linguagem levou a um maior vocabulário e à expansão da capacidade de memória. Os indivíduos usuários de psilocibina desenvolveram regras epigenéticas ou formas culturais que lhes permitiram sobreviver e se reproduzir melhor do que outros indivíduos. Finalmente, os estilos epigenéticos de comportamento mais bem-sucedidos se espalharam entre as populações junto com os genes que os reforçam. Desse modo, a população evoluiria genética e culturalmente.

E quanto à acuidade visual, talvez a ampla necessidade de lentes corretivas entre os homens modernos seja um legado do longo período de aumento “artificial” da visão através do uso de psilocibina. Afinal de contas, a atrofia das capacidades olfativas dos seres humanos é vista por uma escola como o resultado da necessidade de os famintos onívoros tolerarem cheiros e gostos fortes, talvez até de carniça. Permutas desse tipo são comuns na evolução. A supressão da agudeza no olfato e no paladar permitiria a inclusão, na dieta, de alimentos que seriam deixados de lado como “fortes demais”. Ou isso pode indicar alguma coisa mais profunda em nosso relacionamento evolucionário com a dieta. Meu irmão Dennis escreveu:

A aparente atrofia do sistema olfativo humano pode representar uma mudança funcional num conjunto de receptores químicos primitivos externamente dirigidos, levando-os a uma função reguladora interna. Essa função pode estar relacionada com o controle do sistema feromonal humano que, em grande parte, está sob controle da glândula pineal, e que media, num nível subliminar, uma quantidade de interações psicossociais e psicosexuais entre os indivíduos. A pineal tende, entre outras funções, a suprimir o desenvolvimento gronadal e o surgimento da puberdade, e esse mecanismo pode representar um papel na persistência das características neonatais na espécie humana. O atraso na maturação e a infãncia e adolescência prolongadas representam um papel crítico no desenvolvimento neurológico e psicológico do indivíduo, já que proporcionam as circunstãncias que permitem o desenvolvimento pós-natal do cérebro nos primeiros anos de infância, os anos formativos. Os estímulos simbólicos, cognitivos e linguísticos que o cérebro experimenta durante esse período são essenciais para seu desenvolvimento, e são os fatores que nos tornam os seres únicos, conscientes, manipuladores de símbolos e usuários da linguagem que somos, As aminas neuroativas e os alcalóides presentes na dieta dos antigos primatas podem ter representado um papel na ativação bioquímica da glândula pineal e nas adaptações resultantes disso.

 

Gostos adquiridos

 

Os seres humanos sentem-se ao mesmo tempo atraídos e repelidos por substâncias cujo sabor esteja no limite da aceitabilidade. Comidas muito temperadas, amargas ou aromáticas provocam fortes reações em nós. Dizemos que é preciso “adquirir o gosto” por esses tipos de comida. Isso é verdade para alimentos como queijos macios ou ovos em conserva, mas também acontece, e é mais verdadeiro, com relação às drogas. Lembrar o primeiro cigarro ou a primeira dose de conhaque é lembrar-se de um organismo rejeitando violentamente a aquisição de um gosto em particular. A repetição do contato parece ser a chave para se adquirir um gosto, o que sugere que o processo é complexo e envolve adaptações comportamentais e bioquímicas.

Isso que estamos falando começa a se parecer estranhamente com o processo do vício em drogas. Uma coisa estranha ao corpo é repetidamente introduzida nele através da decisão consciente. O corpo se ajusta ao novo regime químico como sendo correto e adequado e dá sinais de alarme quando esse regime é ameaçado. Esses sinais podem ser psicológicos e fisiológicos e serão sentidos sempre que o novo ambiente químico dentro do corpo correr algum tipo de perigo, inclusive a decisão consciente de interromper o uso da substância química em questão. Dentre o vasto número de substâncias químicas que constituem o armazém molecular da natureza, temos discutido um número relativamente pequeno de componentes que interagem com os sentidos e o processo neurológico de processar dados. Esses compostos incluem todas as aminas psicoativas, os alcalóides, os fermônios e os alucinógenos – na verdade, são todos componentes que podem interagir com quaisquer dos sentidos, do paladar e do olfato até a visão e audição e combinação de todos eles. A aquisição de um gosto por esses compostos, a aquisição de um hábito reforçado comportamental e fisiologicamente, é o que defende a síndrome básica do vício químico.

Esses compostos têm a capacidade notavel de, ao mesmo tempo, lembrar-nos de nossa fragilidade e de nossa capacidade para as coisas magníficas. As drogas, como a realidade, parecem destinadas a confundir quem procura fronteiras nítidas e uma divisão fácil do mundo em termos de preto e branco. O modo como iremos enfrentar o desafio de definir nossos relacionamentos futuros com esses componentes, e com as dimensões de risco e oportunidade que eles oferecem, pode dar a palavra final sobre nosso potencial para a sobrevivência e para a evolução como espécie consciente.

Capítulo 3 – A Busca da Árvore Primal do Conhecimento

 

Os aluconógenos como o verdadeiro elo perdido

 

A noção que estamos explorando neste livro é que uma família particular de compostos químicos ativos, os alucinógenos indóis, representaram um papel decisivo no surgimento de nossa humanidade essencial, da característica humana de auto-reflexão. Por isso é importante saber exatamente o que são esses compostos e que papel eles desempenham na natureza. As características definidoras desses alucinógenos são estruturais: todos têm um grupo pentexil, de cinco lados, em associação com o anel benzeno, mais conhecido (ver Figura 28). Esses anéis moleculares tornam os indóis altamente reativos quimicamente e, portanto, moléculas ideais para a atividade metabólica no mundo de alta energia da vida orgânica.

Os alucinógenos podem ser psicoativos e/ou fisiologicamente ativos e podem ter como alvo muitos sistemas dentro do corpo. Alguns indóis são endógenos ao corpo humano – um bom exemplo é a serotonina. Muitos outros são exógenos, encontrados na natureza e nas plantas que podemos comer. Alguns se comportam como hormônios e regulam o crescimento ou a taxa de maturação sexual. Outros influenciam o humor e o estado de alerta. São quatro as famílias dos compostos indóis que são fortes alucinógenos visionários e que também ocorrem em plantas:

1. Os compostos do tipo LSD. Encontrados em três gêneros relacionados de ipoméias e fungos de cereais, os LSDs são raros na natureza. O fato de serem os alucinógenos mais conhecidos deve-se indubitavelmente a milhares de doses de LSD terem sido fabricadas e vendidas durante os anos 60. O LSD é um psicodélico, mas são necessárias doses relativamente grandes para provocar o paradis artificiel de alucinações vívidas e absolutamente transmundanas que é produzido pela DMT e pela psilocibina em doses bastante tradicionais. Não obstante, muitos pesquisadores enfatizaram a importância dos efeitos não-alucinógenos do LSD e de outros psicodélicos. Dentre esses efeitos pode-se citar um sentimento de expansão mental e aumento na velocidade do pensamento; a capacidade de compreender e de se relacionar com questões complexas de pensamento, com a estruturação da vida e com redes complexas e decisórias de ligação conectiva.

O LSD continua a ser fabricado e vendido em quantidades maiores do que qualquer outro alucinógeno. Foi visto como auxiliar na psicoterapia e no tratamento do alcoolismo crônico: “Sempre que foi experimentado, em todo o mundo, mostrou-se um interessante tratamento para uma doença muito antiga. Nenhuma outra droga até hoje pôde igualar-se a ele em salvar as vidas atormentadas dos alcoólatras inverterados – diretamente, como tratamento, ou indiretamente, como meio de produzir informações valiosas.” Mas, em consequência da histeria da mídia, pode ser que seu potencial jamais venha a ser conhecido.

2. Os alucinógenos triptamínicos, especialmente a DMT, a psilocina e a psilocibina. Os alucinógenos triptamínicos são encontrados em todas as famílias de plantas superiores – por exemplo, nos legumes – e a psilocina e a psilocibina ocorrem nos cogumelos. A DMT também ocorre endogenamente no cérebro humano. Por esse motivo, talvez não se deva pensar na DMT como uma droga, mas a intoxicação por DMT é o mais profundo e visualmente espetacular dos alucinógenos, notável por sua breviedade, intensidade e atoxidade.

3. As betacarbolinas. As betacarbolinas, como a harmina e a harmalina, podem ser alucinógenos perto do nível tóxico. São importantes para o xamanismo visionário porque podem inibir sistemas enzimáticos do corpo que, caso isso não acontecesse, despotencializariam os alucinógenos do tipo DMT. Portanto as betacarbolinas podem ser usadas em conjunção com a DMT para prolongar e intensificar as alucinações visuais. Essa combinação é a base da infusão alucinógena ayahuasca ou yagé, usada na Amazônia. As betacarbolinas são drogas legais, e até muito recentemente eram virtualmente desconhecidas do público geral.

4. A família de substâncias ibogana. Essas substâncias ocorrem em dois gêneros aparentados de árvores africanas e sul-americanas, a Tabernanthe e a Tabernamntana. A Tabernathe iboga é um pequeno arbusto de flores amarelas aparentado com o café e tem uma história de utilização como alucinógeno na África ocidental tropical. Seus componentes ativos têm uma relação estrutural com as betacarbolinas. A ibogana é mais conhecida como poderoso afrodisíaco do que como alucinógeno. Não obstante, em doses suficientes ela é capaz de induzir uma podrosa experiência visionária e emocional.

Esses poucos parágrafos numerados podem conter as informações mais importantes e excitantes, relativas ao mundo vegetal, que os seres humanos coletaram desde o esquecido nascimento da ciência. Mais precioso do que as notícias sobre o antineutrino, mais cheio de esperança para a humanidade do que a detecção de novos quasares é o conhecimento de que certas plantas, certos compostos, destrancam portas esquecidas levando a mundos de experiência imediata que confundem nossa ciência e, de fato, nos confundem. Adequadamente entendida e aplicada, essa informação pode se tornar uma bússola que nos guie de volta ao jardim perdido de nossas origens.

Em busca da árvore do conhecimento

 

Na tentativa de compreender quais alucinógenos indóis e quais plantas podem ter tido implicação causal no surgimento da consciência, vários pontos importantes devem ser observados:

A planta que estamos procurando deve ser africana, já que há enormes evidências de que o gênero humano surgiu na África. Mais especificamente, a planta africana deveria ser nativa das pradarias, já que foi aí que os nosso ancestrais recém-onívoros aprenderam a se adaptar, a coordenar seu bipedalismo e a refinar os métodos de sinalização existentes.

A planta não deve exigir qualquer preparação; deve ser ativa em seu estado natural. Supor algo diferente é forçar a credulidade – misturas, drogas compostas, extratos e concentrações pertencem a estágios posteriores de cultura, quando a consciência humana e o uso da linguagem já estavam bem estabelecidos.

A planta deve estar continuamente disponível para uma população nômade, facilmente perceptível e em grande quantidade.

A planta deve conferir benefícios imediatos e tangíveis para os indivíduos que a estão comendo . Somente assim ela se estabeleceria e se manteria como parte da dieta dos hominídeos.

Essas exigências reduzem dramaticamente o número de concorrentes. A África tem poucas plantas alucinógenas. Essa escassez e a contrastante superabundância desse tipo de planta nos trópicos do Novo Mundo nunca foram satisfatoriamente explicadas. Será mera coincidência que, quanto maior o tempo pelo qual um ambiente foi exposto aos seres humanos, menor o número de alucinógenos nativos e menor o número de espécies de plantas em que eles ocorrem naturalmente? A África atual praticamente não tem plantas nativas que sejam bons candidatos para a catálise da consciência entre os hominídeos em evolução.

As pradarias têm muito menos espécies vegetais do que as florestas. Devido a essa escacez, é muito provável que um hominídeo testasse qualquer planta que encontrasse nas pradarias em busca de seu potencial alimentício. O eminente geógrafo Carl Saur achava que não existem pradarias naturais. Ele sugeriu que todas as pradarias eram artefatos humanos, resultantes do impacto cumulativo das queimadas sazonais. Baseou esse argumento no fato de que todas as espécies das pradarias podem ser encontradas na base das florestas que as margeiam, ao passo que uma grande percentagem das espécies encontradas nas florestas estão ausentes nas pradarias. Saur concluiu que as pradarias são tão recentes que podem ser vistas como concomitantes às populações humanas usuárias de fogo.

Eliminando os candidatos

 

Hoje em dia, apenas a religião do Bwiti, dos fang do Gabão e do Zaire, pode ser chamada de um verdadeiro culto africano baseado numa planta alucinógena. É concebível que a planta utilizada, a Tabernanthe iboga, possa ter tido alguma influência sobre os povos pré-históricos do século XIX. Em nenhuma época, por exemplo, ela foi mencionada pelos portugueses, que tiveram uma longa história de comércio e exploração na África Ocidental. Essa falta de evidências é difícil de se explicar, caso se acredite que o uso da planta seja muito antigo.

Analisando sociologicamente, o Bwiti é uma força não somente de coesão grupal como de manutenção de casamentos. Historicamente, o divórcio é uma fonte crônica de ansiedade grupal entre os fang. Isso deve-se ao fato de que o divórcio é facilmente obtido, mas logo depois ele deve ser acompanhado de negociações complicadas, longas e potencialmente caras com a famíla do cônjuge, relativas à devolução de parte do dote. Talvez a iboga, além de ser um alucinógeno, ative um feromônio que promova a união do casal. Sua reputação como afrodisíaco poderia estar parcialmente relacionada a essa promoção do laço entre o casal.

A planta em si é um arbusto de tamanho médio, não é nativa das pradarias, e sim das florestas tropicais. Raramente é encontrada fora da área de cultivo.

Como resultado dos contatos dos europeus com a África tropical, a iboga tornou-se o primeiro indol a entrar em voga na Europa. Tônicos baseados no extrato da planta tornaram-se extremamente populares na França e na Bélgica depois da iboga ser apresentada ao público na Exposição de 1867 em Paris. Esse extrato simples era vendido na Europa com o nome de Lambarene, como cura para tudo, da neurastenia à sífilis e, acima de tudo, um afrodisíaco.

Somente em 1901 o alcalóide foi isolado. A onda inicial de pesquisas que se seguiu parecia promissora. Antecipou-se ansiosamente a cura para a impotência masculina. No entanto, a ibogaína, depois de caracterizada quimicamente, foi logo esquecida. Ainda que não surgisse qualquer evidência de que fosse perigoso ou viciante, o composto foi colocado, nos Estados Unidos, na Lista I, a categoria mais restritiva e controlada, tornando extremamente improváveis outras pesquisas. Até hoje a ibogaína continua praticamente sem ser estudada nos seres humanos.

O que sabemos sobre o culto da iboga aprendemos com o trabalho de campo dos antropólogos. Raspas das raízes da planta são tomadas em quantidades prodigosas. Os fang acreditam que esse hábito foi adquirido durante uma migração que durou séculos, na qual eles estiveram algum tempo próximos ao povo pigmeu, que lhes ensinou o poder espiritual contido no Bwiti. A casca da raiz da Thabernathe iboga contém a parte psicoativa da planta. De acordo com os fang, devem ser comidos muitos gramas desse material da raiz para “abrir a cabeça”. A partir daí, quantidades menores tornam-se eficazes pelo resto da vida da pessoa.

Apesar do culto da iboga ser muito interessante, não creio que essa planta tenha sido o catalisador da consciência nos humanos em evolução. Como já foi mencionado antes, não foi demonstrada uma longa história de sua utilização, e ela não é uma planta de pradarias. Além disso, em pequenas doses ela diminui a visão comum ao facilitar a persistência de imagens, halos e “listras” visuais.

Não é conhecido o uso de qualquer planta contendo LSD na África. Tampouco existe qualquer exemplo marcante de plantas ricas nesses compostos.

A Peganum Harmala, a gigantesca arruda da Síria, é rica na harmina betacarbolina e atualmente ocorre em estado selvagem em todas as partes áridas da África do Norte junto ao Mediterrâneo. Mas não há qualquer registro de seu uso na África como alucinógeno, e , de qualquer modo, ela deve ser concentrada e/ou combinada com DMT para ativar seu potencial visionário.

A planta de UR

 

Então ficamos, por um processo de eliminação, com os alucinógenos do tipo triptamina – a psilocibina, a psilocina e a DMT. Num ambiente de pradarias pode-se esperar que esses compostos ocorram num cogumelo coprófilo (que nasce sobre esterco) contendo psilocibina ou numa erva contendo DMT. Mas, a não ser que a DMT fosse extraída e concentrada, algo além do alcance técnico dos primeiros seres humanos, essas ervas jamais poderiam suprir quantidades suficientes de DMT para proporcionar um alucinógeno eficaz. Por um processo de eliminação, somos levados a suspeitar de um cogumelo que pudesse estar envolvido no processo.

Quando nossos ancestrais remotos afastaram-se das árvores e passaram a ocupar as pradarias, cada vez mais encontraram gado selvagem que comia vegetação. Esses animais tornaram-se uma grande fonte de sustento potencial. Nossos ancestrais também encontraram o esterco desse gado selvagem e os cogumelos que cresciam sobre ele.

Vários desses cogumelos das pradarias contêm psilocibina: os da espécie Panaeolus e o Stropharia cubensis, também chamado de Psilocybe cubensis (ver a Figura 1). Este último é o conhecido “cogumelo mágico”, atualmente cultivado por entusiastas em todo o mundo.

Dessas espécies de cogumelo, apenas o Stropharia cubensis contém psilocibina em quantidades concentradas e está livre de compostos que produzam náusea. Só ele é pandêmico – ocorre em todas as regiões tropicais, pelo menos em todos os lugares onde exista gado do tipo zebu (Bos indicus). Isso levanta várias questões. Será que o Stropharia cubensis ocorre exclusivamente no esterco de zebu ou pode ocorrer também o esterco de outro tipo de gado? Há quanto tempo ele chegou aos seus vários habitats? O primeiro espécime de Psilocybe cubensis foi coletado pelo botânico americano Earle em Cuba, em 1906, mas o atual pensamento botânico coloca o ponto de origem da espécie no sudeste da Ásia. Numa escavação arqueológica na Tailândia, num local chamado Non Nak Thadatado em quinze mil anos – , foram encontrados ossos de gado zebu junto com túmulos humanos. Atualmente o Stropharia cubensis é comum na área de Non Nak Tha. O sítio de Non Nak Tha sugere que o uso dos cogumelos foi uma característica que surgiu sempre que populações de homens e gado evoluíram juntos.

Amplas evidências apóiam a noção de que o Stropharia cubensis é a superplanta ou o umbigo da mente feminina do planeta, que, quando seu culto estava intacto – o culto paleolítico da Grande Deusa de Chifres – , transmitia o conhecimento de que somos capazes de viver num equilíbrio dinâmico com a natureza, com os outros e com nós mesmos. O uso de cogumelos alucinógenos evoluiu como uma espécie de hábito natural com consequências comportamentais e evolucionárias. Esse relacionamento entre seres humanos e cogumelos teria de incluir também o gado, os criadores da única fonte dos cogumelos.

Esse relacionamento provavelmente não tem mais de um milhão de anos, já que data dessa época a era dos caçadores nômades. Os últimos cem mil anos são provavelmente uma quantidade de tempo mais do que generosa para permitir a evolução do pastoralismo a partr de seu primeiro vislumbre. Como todo o relacionamento não passa de um milhão de anos, não estamos discutindo uma simbiose biológica que pode levar muitos milhões de anos para se desenvolver. Em vez disso falamos de um costume profundamente arraigado, um hábito cultural extremamente poderoso.

Independentemente de como a chamamos, a interação dos homens com o cogumelo Stropharia cubensis não foi um relacionamento estático,e sim dinâmico, através do qual fomos levados, por méritos próprios, a níveis culturais cada vez mais altos e a níveis de autoconsciência individual. Acredito que o uso dos cogumelos alucinógenos nas pradarias da África nos deu o modelo para o surgimento de todas as religiões. E quando, após longos séculos de lento esquecimento, de migrações e mudanças climáticas, o conhecimento do mistério finalmente se perdeu, em nossa angústia trocamos a parceria pelo domínio, a harmonia com a natureza pelo estupro da natureza, a poesia pelo sofisma da ciência. Resumindo, trocamos nosso direito inato de parceiros no drama da mente viva do planeta pelos cacos da história, pela guerra, pela neurose e – se não acordarmos rapidamente para a nossa situação difícil – pela catástrofe planetária.

O que são os alucinógenos vegetais?

 

À luz da sua importância, conforme sugeri, para a evolução humana, é natural investigar o que os mutagenes e outros subprodutos secundários estão fazendo pelas plantas em que eles ocorrem. Esse é um mistério botânico que permanece controvertido entre os biólogos evolucionários da atualidade. Foi sugerido que os compostos tóxicos e bioativos são produzidos nas plantas para torná-las não-palatáveis e portanto indesejáveis como alimento. Também sugeriu-se, por outro lado, que esses compostos foram desenvolvidos para atrair insetos ou pássaros que polinizam ou distribuem sementes.

Uma explicação mais provável para a presença de compostos secundários baseia-se no reconhecimento de que, na verdade, eles não são secundários ou periféricos. A evidência disso é que os alcalóides, geralmente vistos como secundários, são formados na maior quantidade em tecidos que são mais ativos no metabolismo geral. Os alcalóides, inclusive todos os alucinógenos mencionados aqui, não são produtos inertes nas plantas onde ocorrem, mas estão num estado dinâmico, flutuando em concentração e na taxa de declínio metabólico. O papel desses alcalóides na química do metabolismo deixa claro que eles são essenciais à vida e à estratégia de sobrevivência do organismo, mas agem de maneiras que ainda não compreendemos.

Uma possibilidade é que alguns desses compostos possam ser exoferomônios. Os exoferomônios são mensageiros químicos que não atuam entre os membros de uma única espécie, mas sim entre as espécies, de modo que um indivíduo influencia membros de uma espécie diferente. Alguns exoferomônios agem de modo a permitir que um pequeno grupo de indivíduos afete uma comunidade ou todo um nicho biológico.

A noção de natureza como um todo organísmico e planetario que medeia e controla seu próprio desenvolvimento através da liberação de mensagens químicas pode ser um tanto radical. Nossa herança do século XIX é que a natureza não passa de “dentes e garras”, onde uma ordem natural impiedosa e irracional promove a sobrevivência dos que são capazes de garantir sua própria existência continuada à custa dos concorrentes. Concorrentes, nessa teoria, significa todo o resto da natureza. Entretanto, a maioria dos biólogos evolucionários há muito considera incompleta essa visão darwinista clássica da natureza. Hoje em dia há uma compreensão geral de que a natureza, longe de ser uma guerra infinita entre as espécies, é uma infinita dança de diplomacia. E a diplomacia é em grande parte questão de linguagem.

A natureza parece maximizar a cooperação mútua e a coordenação mútua de objetivos. Ser indispensável aos organismos com os quais compartilhamos um ambiente é a estratégia que garante a reprodução bem-sucedida e a sobrevivência contínua. É uma estratégia onde a comunicação e a sensibilidade ao processamento de sinais são de importância vital. Essas são habilidades de linguagem.

Só agora começa a ser estudada com atenção a idéia de que a natureza pode ser um organismo cujos componentes interconectados agem uns sobre os outros e se comunicam mutuamente através da liberação de sinais químicos no ambiente. Mas a natureza tende a agir com uma certa economia; uma vez desenvolvida, uma determinada resposta evolucionária a um problema será aplicada repetidamente em situações onde seja adequada.

O Outro Transcendente

 

Se os alucinógenos funcionam como mensageiros químicos entre espécies, então a dinâmica da relação íntima entre primata e planta alucinógena é uma dinâmica de transferência de informações entre uma espécie e outra. Onde não existem alucinógenos vegetais, essas transferncias de informação acontecem muito mais devagar, mas na presença dos alucinógenos uma cultura é rapidamente apresentada a informações cada vez mais novas, a dados sensórios e a comportamentos, e assim é elevada a estágios cada vez mais altos de auto-reflexão. Chamo isso de contato com o Outro Transcendente, mas este é apenas um rótulo, e não uma explicação.

De certo ponto de vista, o Outro Transcendente é a natureza percebida como coisa viva e inteligente. De outro, ele é a união espantosamente estranha de todos os sentidos com a memória do passado e a antecipação do futuro. O Outro Trascendente é o que encontramos nos alucinógenos poderosos. É o ponto crucial do Mistério de existirmos, tanto como espécie quanto como indivíduos. O Outro Transcendente é a Natureza sem sua máscara alegremente confortadora de espaço comum, tempo comum e causalidade comum.

Claro que não é fácil imaginar esses elevados estágios de auto-reflexão. Porque quando procuramos fazer isso estamos agindo como se esperássemos que a linguagem, de algum modo, abarcasse algo que, no presente, está além da linguagem, algo translinguístico. A psilocibina, o alucinógenos que só ocorre nos cogumelos, é um instrumento eficaz nessa situação. O principal efeito sinergístico da psilocibina parece estar, em última instância, no âmbito da linguagem. Ela exercita a verbalização; dá força à articulação; transmuta a linguagem em algo visível. Ela poderia ter provocado um impacto sobre o aparecimento súbito da consciência e da linguagem usada pelos primeiros homens. Nós podemos, literalmente, ter comido o caminho para a consciência mais elevada. Nesse contexto é importante observar que os mais poderoso mutagenes que existem no ambiente natural ocorrem nos bolores e nos fungos. Os cogumelos e os grãos de cereal infectados por bolores podem ter tido grande influência sobre as espécies animais, inclusive os primatas, evoluindo nas pastagens