The Soul-Searchers – Alan Watts (traduzido)

Um trecho de In My Own Way: Uma Autobiografia, 1915-1965
© 1972 por Alan Watts. Pantheon Books

Traduzido do original em inglês @ Psychedelic-library.org

 

The Soul-Searchers

Retornando a América [em 1958] eu fui apresentado à aventuras psiquiátricas de um tipo muito diferente. Aldous Huxley tinha recentemente publicado “As portas da perceção” sobre seus experimentos com mescalina, e havia por essa época ido à exploração dos mistérios do LSD. Gerald Heard havia se juntado a ele nessas investigações, e em minhas conversas com eles eu percebi uma evidente mudança de atitude espiritual. Em síntese, eles haviam deixado de ser Maniqueístas. Sua visão de divino agora incluía a natureza, e eles se tornaram mais relaxados e humanos, então eu peguei falando a eles sobre minha própria persuasão. No entanto, pareceu-me altamente improvável que uma verdadeira experiência espiritual pudesse se dar pela ingestão de alguma química particular. Visões e êxtase, sim. Um pouquinho do sabor místico, como nadar com bóias nos braços, talvez. E talvez um novo despertar para alguém que tenha feito a jornada antes, ou um insight de uma pessoa experiente na Yoga ou o Zen.

No entanto, nesses “planos interiores” eu sou de uma natureza aventureira, e sou disposto a testar a maioria das coisas. Ambos, Aldous e meu ex-aluno na Academia, o matemático John Whittelsey, mantinham contato com Keith Ditman, psiquiatra encarregado da pesquisa do LSD no departamento de neuropsiquiatria da Universidade de Los Angeles. John estava trabalhando com ele como estatístico em um projeto elaborado para testar os efeitos da droga em dependentes do álcool e para mapear seus efeitos no organismo humano. Como muitos de seus tópicos relatavam estados de consciência que poderiam ser lidos como relatos de experiências místicas, eles estavam interessados em testar em “experts” do campo, apesar de um místico nunca ser realmente especialista da mesma forma que um neurologista ou um filólogo, por seu trabalho não ser uma catalogação de objetos. Mas eu me qualificava como um perito na medida em que eu também tinha um conhecimento considerável intelectual da psicologia e da filosofia da religião: um conhecimento que, posteriormente, me protegeu dos aspectos mais perigosos desta aventura, me garantindo um compasso e algo como um mapa neste território indomável. Ademais eu confiei em Keith Ditman. Ele não estava com medo, como muitos Jungianos, do inconsciente. Não foi imprudente, mas parecia frio, cauteloso, comedido nas opiniões, porém vivo, com olhos brilhantes e intensamente interessado em seu trabalho.

Fizemos então uma experiência inicial no escritório de Keith em Bervely Hills no qual eu estava acompanhado por Edwin Halsey, ex-secretário privado de Ananda Coomaraswamy, então ensinando religiões comparativas em Claremont. Cada um de nós tomou 100 microgramas de dietilamida do ácido lisérgico 25, cortesia da companhia Sandoz, e partimos em uma exploração de 8 horas. Para mim a viagem foi hilariamente linda, como se eu e todas as minhas percepções tivessem se transformado em um maravilhoso arabesco ou um labirinto multidimensional, onde cada coisa se tornou transparente, translúcida e reverberante com duplos ou triplos significados. Cada detalhe da percepção se tornou vívido e importante, cada “Ums” e “Ers” e pigarros quando alguém lia uma poesia, e o tempo parou de uma forma que as pessoas lá fora correndo em seus trabalhos pareciam deficientes em perceber que o destino da vida é este eterno momento. Atravessamos a rua para uma igreja branca de estilo espanhol, rodeada de oliveiras e brilhando ao sol contra um céu de absoluto azul primordial, e vimos a grama e as plantas inexplicavelmente geométricas em cada detalhe, como que sugerindo que nada na natureza era desordenado. Nós voltamos e olhamos para um volume de Sumi Japonês e Chinês, pinturas com tinta preta, todas pareciam fotografias perfeitamente precisas. Havia até mesmo luzes e sombras nos caquis de Mu-ch’i que certamente não foram destinados pelo artista. Em um momento, Edwin sentiu-se um pouco sobrecarregado e comentou: “Mal posso esperar para voltar a ser meu pequeno e velho eu novamente, sentado em um bar.” Entretanto, ele estava olhando como uma encarnação de Apollo com uma gravata sobrenatural, contemplativamente segurando um lírio laranja. (1)

De um modo geral minha primeira experiência estava um tanto mais estética do que mísica, e aí então, o que infelizmente é bastante característico de mim, eu fiz um vídeo para transmissão dizendo que eu havia olhado para este fenômeno e o achei muito interessante, mas dificilmente algo que eu chamaria de místico. Esta fita foi ouvida por dois psiquiatras na Clínica Langley-Porter, em San Francisco, Sterling Bunnell e Michael Agron, que acharam que eu deveria reconsiderar a minha opinião. Afinal eu tinha feito apenas um experimento e havia algo como uma arte para fazê-lo realmente dar certo. Foi então que Bunnell me pôs em uma série de experiências que eu registrei em “The Joyous Cosmology”, e no decurso da qual fui relutantemente forçado a admitir que – pelo menos no meu caso – o LSD tinha me levado inegavelmente um estado místico de consciência. Mas, estranhamente, considerando a minha absorção no Zen na época, o sabor dessas experiências era hindu, em vez de chinês. De alguma forma a atmosfera da mitologia e do imaginário hindu tomou conta, sugerindo ao mesmo tempo que, a filosofia hindu era uma forma local de um tipo oculto de conhecimento, inconcebivelmente antigo, que todos conhecemos nos bastidores de nossa mente mas não admitimos. O conhecimento era simultaneamente santo e de má reputação, e portanto, necessariamente esotéricos, e ele veio vestido de um sentido totalmente lógico, óbvio, e de base comum.

Em suma, eu diria que o LSD e outras substâncias psicodélicas, tais como a mescalina, psilocibina, e haxixe, podem conferir uma visão polar; quero dizer com isso que os pares de base de opostos, o positivo e o negativo, são vistos como os diferentes pólos de um único ímã ou circuito. Este conhecimento é reprimido em qualquer cultura que acentua o positivo, sendo assim um tabu rigoroso. Carrega a psicologia da Gestalt que insiste sobre a interdependência mútua da figura e do fundo, a sua conclusão lógica em cada aspecto da vida e do pensamento. De modo que o voluntário e o involuntário, conhecedor e conhecido, o nascimento e a morte, o bem e o mal, o outline e o inline, o eu e o outro, o sólido e o espaço, o movimento e o descanso, a luz e as trevas, são vistos como aspectos de um processo único e completamente perfeito. A implicação disso pode ser que não há nada na vida para ser adquirido ou atingido que não seja aqui e agora, uma implicação profundamente perturbadora para qualquer filosofia ou cultura que joga seriamente o jogo que eu chamo de “O Branco Deve Vencer”.

A visão polar é inegavelmente perigosa, mas assim é a eletricidade, as facas, e assim é a linguagem. Quando uma pessoa imatura experimenta a identidade do voluntário e involuntário, ela pode sentir-se, por um lado, totalmente impotente, e por de outro, igual ao Deus hebraico-cristão. Primeiramente, ele poderia entrar em pânico a partir da percepção de que ninguém está no comando das coisas. Posteriormente, ele pode contrair uma megalomania ofensiva. Não obstante ele haveria tido a experiência direta do fato que cada um de nós é um organismo-ambiente, dos quais os dois aspectos, indivíduo e mundo podem ser separados somente para propósitos de discussão. Se uma pessoa assim vê claramente a mutualidade do bem e do mal, ele pode saltar para a conclusão de que os princípios éticos são tão relativos quanto sem validade – o que pode ser desmoralizante para qualquer adolescente reprimido. Felizmente para mim, meu deus não é tanto o autocrata hebraico-cristão, estava mais para o TAO chinês, “que ama e nutre todas as coisas e não exerce senhorio sobre elas.”

Hesitei por muito tempo em escrever “The Joyous Cosmology” considerando os perigos de levar o público geral a um conhecimento maior desta potente alquimia. Mas desde que Aldous havia tirado o gato do saco em “As Portas da Percepção” e “Céu e Inferno”, e o tema já estava em discussão tanto em revistas psiquiátricas como na imprensa pública. Eu decidi que algo mais precisava ser dito, principalmente para acalmar o alarde público e para fazer o que eu pudesse para evitar os desastres que dariam sequência à repressão legal. Porque eu estava seriamente preocupado com os equivalentes psicodélicos do gim de banheira e com a perspectiva destes produtos químicos, descontrolados na dosagem e no teor, sendo contrabandeados para uso em ambientes inadequados, sem qualquer supervisão competente. Eu sustento que, por falta de melhor solução, deve ser restrito para prescrição psiquiátrica. Mas os governos estadual e federal eram tão estúpidos quanto eu temia, e pela aprovação de leis inaplicáveis contra o LSD, não só o dirigiu ao undeground, como impediu a investigação científica adequada. Tais leis são inaplicáveis porque qualquer químico competente pode fabricar LSD, ou um equivalente próximo, e a substância pode ser disfarçada em qualquer coisa, de aspirina a blloting-paper. Já foi pintado nas páginas finas de uma pequena Bíblia, e comido folha por folha. Mas por resultado deste terror, o uso indiscriminado do LSD (muitas vezes misturado com estricnina ou beladona, ou psicodélicos de igual periculosidade) afligiram incontáveis jovens com sintomas megalomaníacos, paranóicos, e esquizóides.

Eu vejo esse desastre no contexto mais amplo do proibicionismo americano, que fez mais do que qualquer outra coisa para corromper a polícia e promover o desrespeito à lei, e que graças a nossa pressão econômica, especialmente no problema de abuso drogas, se espalhou pelo mundo. Embora minha visão sobre esse assunto possa ser considerada extrema, eu sinto que em qualquer sociedade onde os poderes do Estado e Igreja são separados, o Estado não tem qualquer direito ou sabedoria na aplicação das leis sumptuárias contra os crimes que não têm qualquer queixa ou vítimas. Quando ordenaram aos policiais serem clérigos armados e aplicar códigos eclesiásticos da moralidade, todos os pecados proibidos da carne, da luxúria e do luxo, tornam-se — uma vez que estamos a legislar contra a natureza humana — empreendimentos extremamente rentáveis para as organizações criminosas que podem pagar tanto a polícia quanto os políticos para ficarem fora do problema. Aqueles que não podem pagar constituem cerca de um terço da população de nossas prisões superlotadas e desesperançosamente mal administradas, e as negociatas de seus julgamentos, por seus devidos processos legais, atrasam e aumentam os custos sobre os tribunais além de qualquer sentido. Estes são crimes nomogênicos, causados por más leis, assim como doenças iatrogênicas são causados pelo mal exercício da medicina. Os criminosos raramente sentem-se culpados, e muitas vezes sentem-se positivamente corretos em sua oposição a esta hipocrisia legal, e então saem da prisão rejeitando e desprezando a ordem social mais do que nunca.

Eu falo com paixão sobre este problema porque servi muitas vezes como consultor para o pessoal das instituições do Estado para desviantes mentais e morais, como os infernos institucionais que o Estado da Califórnia, mantém em San Quentin, Vacaville, Atascadero, e Napa — para citar apenas aqueles que visitei, e sabendo que são consideravelmente mais graves em outras partes do país, e mais especialmente nos estados que sofrem com o fanatismo religioso. Em relação ao nosso tempo, a repressão pelas leis sumptuárias é tão tirânica como qualquer um dos excessos da Santa Inquisição ou a Câmara da Estrela.

Minha atitude em retrospecto ao LSD é que, quando um recebe a mensagem, o outro desliga o telefone. Acho que aprendi com ele tanto quanto pude e, para meu próprio bem, não ficaria triste se não pudesse usá-lo novamente um dia. Mas não é assim. É do conhecimento geral que muitas das pessoas que tiveram experiências construtivas com LSD, ou outros psicodélicos, transformaram-nas de drogas em disciplinas espirituais — abandonando suas bóias de braços e aprendendo a nadar. Sem a experiência catalítica da droga eles poderiam nunca ter chegado a este ponto, e, assim, o meu sentimento sobre as químicas psicodélicas, assim como a maioria das outras drogas (Apesar do sentido vago da palavra), é que elas devem servir de remédio ao invés de dieta.

Foi novamente através de Aldous que ouvi pela primeira vez sobre um tal de Dr. Leary, da Universidade de Harvard, que estava fazendo um trabalho experimental com a psilocibina, derivada de um cogumelo que tinha um antigo uso com propósitos religiosos por alguns nativos mexicanos. A partir dos singulares e eruditos escritos de Aldous sobre o presente trabalho, eu estava esperando que Timothy Leary fosse um formidável guru, mas o homem que eu conheci em um restaurante de Nova York foi um irlandês extremamente charmoso, que usava um aparelho auditivo de forma tão elegante como se estivesse usando um monóculo. Nada poderia me dizer que alguém tão simpático e inteligente se tornaria uma das pessoas mais ilegais do mundo, um fugitivo da justiça, carregando o pecado de Sócrates, e tudo sob o pretexto legal de possuir uma quantidade trivial de maconha.

Acontece que Timothy estava trabalhando em um departamento da Universidade que há muito tempo me interessava, o Departamento de Relações Sociais, que havia sido fundado por Henry Murray. Em várias ocasiões visitei os domínios de Murray, na 7 Divinity Avenue, e fui entretido em almoços onde, como anfitrião, ele mostrou um talento especial para despertar conversas inteligentes e para fazer as outras pessoas apresentarem o seu melhor. Em sua companhia ficariam entusiasmados — possivelmente — I. A. Richards, Mircea Eliade, Clyde Kluckhon, ou Jerome Bruner, pois um discurso tão civilizado e intelectual como esse, é muito raramente ouvido nos círculos acadêmicos, onde parece agora um ponto de honra para manter-se fora de um assunto e discutir as trivialidades da política departamental. Mas estes cavalheiros não se envergonhavam de seu conhecimento, nem sua personalidade, e em uma ocasião — em um antiquado pré-almoço — Ouvi distintamente Richards comentando: “Bem, naturalmente, eu sempre me considero o ser humano perfeito”. Eu estava tão encantado com o ambiente de Murray que, com a ajuda de um amigo rico, eu consegui uma bolsa de dois anos para viajar e estudar sob a sua dispensa e da Universidade — um respiro que me deu tempo para compilar “The two hands os God” e para escrever “Beyond Theology”.

O tempo que eu pude realmente gastar em Harvard foi muito breve, por ser esta uma universidade com uma reputação intelectual tão definida, que suas faculdades se dão ao luxo de serem aventureiras. Mas – mesmo em Harvard – deve–se andar linha em alguns momentos, e Timothy não sabia onde estava essa linha. Sempre que eu estava em Cambridge, eu mantinha um contato próximo com ele e com seus companheiros Richard Alpert e Ralph Metzner, e estes – muito além do fascínio especial do misticismo químico – eram as pessoas mais animadas e criativas do departamento que não seja o próprio Murray, que viu as suas obras com interesse profundo e crítica construtiva, mesmo após sua aposentadoria oficial.

Eu estava também interessado no trabalho de B. F. Skinner, me questionando como um determinista poderia escrever de forma tão absoluta uma utopia, Walden Two, e me aprofundando em seus maravilhosos e bem fundamentados escritos, descobri a falha em seu sistema. Isso eu expliquei em uma palestra que Skinner, embora eu tivesse avisado ele em pessoa, não compareceu.(2) Eu vi que seu raciocínio ainda era assombrado pelo fantasma do homem como uma coisa, presumivelmente um ego consciente, determinada por forças ambientais e outras, por isso não faz sentido falar de um determinismo a menos que haja algum objeto passivo, que é determinado. Mas o seu próprio raciocínio tornou isso claro, não tanto que o comportamento humano fosse determinado por outras forças, mas que não podia ser descrita com distinta das forças e foi, na verdade, inseparável deles. Não parece ter ocorrido a ele que “causa” e “efeito” são apenas duas fases, ou duas maneiras de olhar um mesmo evento. Não é, então, que os efeitos (neste caso, os comportamentos humanos) são determinados por suas causas. A questão é que quando os eventos são total e devidamente descritos, eles se encontram envolvidos e contidos em processos que seriam a primeira vista separados deles, e assim foram chamadas “causas” como distintas de “efeitos”. Levado à sua conclusão lógica, Skinner não está dizendo que o homem é determinado pela natureza, como algo externo a ele: ele está na verdade dizendo que o homem é natureza, e está descrevendo um processo que não é nem determinado nem determinante. Ele simplesmente fornece motivo para a visão essencialmente mística que o homem e o universo são inseparáveis.

Alguns problemas foram envolvidos em minhas tentativas de elaborar uma estrutura intelectual para o que Timothy e seus amigos estavam enfrentando em seus estados de consciência psicodélica. Tanto seu entusiasmo por esses estados foi levando-os cada vez mais longe dos ideais de objetividade racional que o departamento e a universidade estavam se comprometendo; tanto mais que o departamento havia adquirido recentemente um computador e estava estrapolando a abordagem estatística para a psicologia. Por um lado, eu estava tentando convencer clã de Timothy, a manter o comando do rigor intelectual, e para expressar suas experiências em termos científicos que as pessoas entenderiam. Por outro lado eu estava sendo tão conservador quanto David McClelland, sucessor de Murray e Skinner para ver que a chamada descrição “transacional” do homem como um organismo-ambiente foi uma descrição teórica do que a natureza-mística experimenta diretamente, considerando que a maioria dos cientistas continua a se sentir como observadores separados e independente, determinados ou outra coisa. Seus sentimentos estão muito aquém de seus pontos de vista teóricos. Os psicólogos, em particular, estão ainda sob a influência emocional da mecânica newtoniana, e seus sentimentos pessoais de identidade ainda não foram modificados pela mecânica quântica e da teoria do campo.

Mas Timothy não podia se conter, e parecia-lhe cada vez mais que, na prática, os procedimentos de objetividade e rigor científico eram simplesmente um ritual acadêmico projetado para convencer a instituição universitária que seu trabalho era maçante e banal o suficiente para ser considerado “de confiança.” Acontece que as químicas psicodélicas podem te fazer curiosamente sensível à pomposidade. Qualquer um falando “memorandês”, ou em retórica política ou religiosa, ou alguém bajulando entusiasmadamente um produto no qual não acredita, soa tão ridículo que você não consegue manter uma cara séria: eis um excelente motivo porque o governo não tolera uma população “ligadona”. Tanto Richard Alpert como Timothy começaram a ver, ainda, que uma distinta carreira acadêmica não era tão importante assim, pois a universidade já era uma instituição obsoleta representando a mitologia do século XIX, do naturalismo científico. Mas quando se chega a este ponto de vista posterior, se não por causa de “drogas”, torna-se impossível manter o diálogo racional com o estabelecimento, apesar de alguns dos seus mais distintos cérebros serem conservados em álcool. Assim, as coisas chegaram a tal ponto que Timothy e Richard eram tão suspeitos como se tivessem sido lobotomizados ou se convertido a Testemunhas de Jeová.

Eu estava presente no jantar em que Timothy finalmente concordou com David McClelland para retirar a experimentação de drogas de seu trabalho no âmbito do departamento. David sustentava que eles haviam se tornado entusiásticos demais com seu trabalho para preservar a integridade científica, e com isso eu estava em acordo parcial, porque para ser intelectualmente honesto você deve ser capaz de chegar a um acordo com qualquer crítica inteligível de suas idéias. Quando recebi inspirações durante uma sessão de LSD, eu sempre busquei analisá-las posteriormente à luz da sobriedade fria, onde que alguns poucos, não todos, pareciam nonsense. Mas Davi estava indo tão longe a ponto de insistir que ninguém com um compromisso religioso poderia realmente fazer um trabalho científico de psicologia, e isto me espantou tanto que protestei, “Agora, David, você está seriamente dizendo que, um Quaker, por exemplo, sóbrio, honesto e dedicado, bem-educado e direto da Filadélfia, não poderia ser confiado ao trabalho científico?” Não me lembro de sua reação, mas eu estava inconsciente naquele momento em que ele mesmo era um Quaker interessado.

O que seguiu agora é história. Timotthy e Richard continuaram suas experiências extra-oficialmente, e escandalizaram as autoridades da universidade ao incluírem alunos de graduação em seus trabalhos. Henry Murray, no entanto, com um olhar inteligente em seu rosto, recordava sobre os dias em que a psicanálise chegou à Harvard, e que um clamor de indignação havia acontecido quando um membro psicoanalisado do corpo docente cometera suicídio. No entanto, eu mesmo comecei a me interessar, suavemente, pelo entusiasmo de Timothy, que para o seu próprio círculo de amigos e alunos, havia se tornado um carismático líder religioso que, bem treinado como ele era em psicologia, sabia muito pouco sobre religião e misticismo e suas armadilhas. Um aventureiro psicodélico não instruído, seja com o Zen ou Yoga ou qualquer outra disciplina mística, é uma vítima fácil do que Jung chama de “inflação”, da megalomania messiânica que vem de um sub-entendimento da experiência da união com Deus. Isso leva a cometer o erro inicial de dar pérolas aos porcos, e, conforme o tempo passou, fiquei consternado ao ver Timothy convertendo-se em um popular messias com o seu nome nas luzes, defendendo a experiência psicodélica como uma religião do novo mundo. Ele estava se movendo a uma colisão frontal com as religiões estabelecidas da teocracia bíblica e mecanismo científico, e simplesmente implorando por seu martírio.

A vida com Timothy, como eu vi em suas comunidades, em Newton Center e Millbrook, nunca foi maçante, embora fosse difícil de entender como as pessoas que testemunharam os esplendores da visão psicodélica poderiam ser tão esteticamente cegos a viver em relativa miséria, com camas perpetuamente desarrumadas, pisos por varrer e mobiliário medonho e decrépito. Poderia ser, suponho eu, que “estar ligado” o tempo todo é como olhar através de um caleidoscópio: traz padrões muito mais interessante da bagunça (como cinzeiros sujos) do que de cenas em ordem como livros ordenadamente dispostos em prateleiras. Mas Timothy era o centro de um vórtice que puxou para dentro aventureiros intelectuais e espirituais de todos os quartos, e em seu grupo, estudantes hippies se amontoavam com milionários e eminentes professores, que para passar uma noite com ele em Nova York ou Los Angeles eram varridos de um suntuoso apartamento exótico para outro.

Através de tudo isso, Timothy manteve-se, essencialmente, bem humorado, gentil, amável, e (em alguns sentidos) uma pessoa intelectualmente brilhante e, portanto, era totalmente incongruente – porém previsível – tornar-se consciente da vigilância implacável da polícia nos bastidores. Agora, nada tão facilmente perturba as pessoas usando psicodélicos como uma atmosfera de paranóia, de modo que, pela sua intervenção, o polícia criou males muito maiores do que sua suposta função de nos proteger. Nos princípio, quando o LSD, a psilocibina, a mescalina foram utilizados mais ou menos legitimamente entre pessoas razoavelmente maduras, houve poucos problemas com viagens ruins, e episódios de ansiedade geralmente se transformavam em ocasiões de introspecção. Mas quando as autoridades federais e estaduais começaram a perseguição sistemática, os medos invocados para justificá-la tornaram-se auto-profecias, e agora havia razão real para uma atmosfera de paranóia em todos os experimentos realizados fora do ambiente estéril e clínicos de hospitais psiquiátricos. Embora Timothy tivesse ganho um caso na Suprema Corte que, tecnicamente, anulou a lei federal contra a posse e uso (mas não contra a importação) de maconha, as leis do estado permaneceram em vigor, e ele era assediado por onde passava, até que finalmente fora preso sem fiança com tantos encargos técnicos contra ele que não havia nada mais a fazer, além de fugir e pedir asilo, no primeiro exílio que encontrasse.

Richard Alpert, que em todo este processo teve um papel muito mais silencioso, também foi para o exílio, mas de outra maneira. Enquanto visitava a Índia, ele percebeu que tinha chegado ao fim da identidade de psicólogo que ele tinha representado até agora, tanto que não podia vislumbrar qualquer papel normal ou uma carreira para si mesmo nos Estados Unidos. Além disso, ele se sentia, como eu, tendo aprendido tudo o que poderia começar dos psicodélicos, e que o que restou foi realmente viver uma vida de liberdade longe dos jogos mundiais de ansiedades. Ele, então, assumiu o nome de Baba Ram Dass, e voltou como um sannyasin vestido de branco e barbudo, cheio de humor e energia, dedicado apenas a viver no eterno agora. E, como seria de esperar, as pessoas levantaram suas sobrancelhas e balançaram as cabeças, dizendo que o velho showman estava jogando outro jogo, ou, que infelizmente as drogas tinha se apossado de tal cientista jovem e promissor, ou que era muito fácil ser um grande sannyasin com uma renda independente. Mas eu sentia que ele havia feito a coisa certa para si. Passei muitas horas com ele e senti que ele estava realmente feliz, que sua inteligência estava tão afiada como sempre, e ele estava confiante o suficiente do que estava fazendo para não tentar me convencer a seguir o seu exemplo. Certamente ele via um grande prazer em multidões de jovens que vinham para ouvi-lo,  neste aspecto, ele e eu somos iguais, pois apreciamos tanto pensar em voz alta com uma platéia atenta e inteligente quanto apreciamos desfrutar da paisagem ou da música. Mas estaria ele andando com uma túnica branca, se fosse realmente sincero? De fato, sim. Pois em um país onde a sinceridade de um filósofo é medida pela simplicidade de suas vestes, eu também por algumas vezes usaria um kimono ou um sarong em público, para que, como Billy Graham, atraísse um seguimento enorme de pessoas perigosamente sérias e mal-humoradas.

Agora, em retrospecto, é preciso ser dito, que a década psicodélica de 60 realmente começou a acordar os psicoterapeutas de seus estudos sobre pedestres e atitudes reducionistas de vida. Aqui eu estou usando a palavra “psicodélico” para significar todos os processos de “manifestação da mente”: não apenas químicos, mas também filosóficos, experimentos neurológicos e disciplinas espirituais. No início da década, o sentimento era que os a maioria dos psiquiatras via a si mesmo como guardiões de uma realidade oficial que poderia ser descrita como o mundo visto em uma manhã de segunda-feira sombria. Eles viam como uma boa orientação de como lidar com a realidade – ter uma vida sexual hétero normal (e de preferência monogâmica), uma relação “madura”, como era chamado; assim como estar apto a dirigir um carro e cumprir um trabalho de 8 horas por dia; ser capaz de retirar os produtos de Recall sem hesitar; e ser capazes de participar de atividades em grupo e mostrar qualidades de liderança e iniciativa.

Se bem me lembro, em 1959, fui convidado a falar antes de uma reunião da American Psychiatric Association, em Los Angeles. Trabalhos estatísticos eruditos eram apresentados por horas e horas, até que chegou a minha vez, quando já estávamos atrasados para o almoço. Eu abandonei o meu discurso preparado (o que a imprensa chama de desvio textual) e disse:

“Cavalheiros, isto não será um discurso científico, pois eu sou um simples filósofo, não um psiquiatra, e sei que estão famintos pelo almoço. Nós filósofos somos muito gratos a vocês por nos mostrarem as bases emocionais inconscientes de algumas de nossas idéias, mas o tempo para mostrar as suposições intelectuais inconscientes por trás de alguns de vocês, chegou. A literatura psiquiátrica está cheia de metafísica não examinada. Mesmo Jung, que é tão prontamente repudiado por seu “misticismo”, inclina-se para trás para evitar considerações metafísicas sobre o pretexto de que ele é rigorosamente um médico e um cientista. Isto é impossível. Todo ser humano é um metafísico assim como cada filósofo tem apetites e emoções — e com isso quero dizer que todos nós temos certas suposições básicas sobre a boa vida e a natureza da realidade. Mesmo o típico homem de negócios que afirma ser um homem prático, que não se preocupa com coisas mais elevadas, assim, declara que ele é um pragmático e um positivista, e não uma pessoa muito pensativa sobre isso.

“Pergunto-me, então, quanta consideração vocês dão ao fato de que a maioria de suas próprias suposições sobre a boa vida e da realidade vêm diretamente do naturalismo científico do século XIX, da hipótese estritamente metafísica de que o universo é um mecanismo que obedece as leis de Newton, e que não há outro deus ao seu lado. Psicanálise, que é de fato psicohidráulica seguindo a mecânica de Newton, parte da afirmação mística de que a energia psicossexual do inconsciente é uma explosão cega e estúpida da luxúria pura, seguindo a noção de Haeckel de que o universo em geral é uma manifestação primordialmente indiscriminada e estúpida da energia. Deveria ser óbvio para vocês que este é um parecer de que nunca houve o mínimo de provas, e que, além disso, ignora a evidência de que nós mesmos, supostamente fazendo observações inteligentes, somos manifestações da mesma energia.

Na base desta não examinada, depreciativa e instável opinião quanto à natureza da energia biológica e física, alguns de seus membros psicanalistas vêm durante toda a manhã se referindo aos chamados estados místicos de consciência como “regressivos”, levando-nos de volta a uma dissolução da inteligência individual em um banho ácido de líquido amniótico, reduzindo-a a uma identidade descaracterizada – em primeira instância – como uma bagunça cega de energia libidinosa. Agora, até que vocês achem alguma evidência substancial para suas metafísicas, terão que admitir que não há um meio de saber onde terminam os seu universos, de modo que, enquanto isso, vocês devem abster-se de conclusões fáceis tanto como saber quais direções são progressivas e quais são regressivos. [Risadas]”

Sempre me pareceu, em geral, que faltava aos psicoterapeutas uma dimensão metafísica; em outras palavras, eles afetavam a mentalidade dos acionistas de seguros e viviam em um mundo varrido de todo mistério, mágica, cor, música e temor, sem lugar no coração para o som distante de um gongo em um vale alto e escondido. Este é um exagero de onde eu salvo a maior parte dos junguianos e alguns fora dos padrões como Groddeck, Prinzhorn, Heyer GR, Wilhelm Reich, e outros menos conhecidos. Sobre a escrita da psicologia americana, em 1954, Abraham Maslow observou que era excessivamente pragmática, puritana, e proposital…. Não há outros capítulos sobre diversão e alegria, lazer e meditação, sobre vadiagem e falta de rumo, sobre atividade inúteis ou sem propósito…. A psicologia americana se ocupa excessivamente com apenas metade da vida e negligencia a — talvez mais importante— outra metade.(3)

A publicação de meus livros Psychotherapy East and West e Joyous Cosmology no início dos sessenta me levou a discussões públicas e privadas com muitos membros de liderança do ofício psiquiátrico, e fiquei espantado com o que parecia ser um medo aterrorizante dos estados incomuns de consciência. Eu achava que os psiquiatras deveriam estar tão familiarizados com esses territórios selvagens e inexplorados da mente, quanto os gurus da Índia, mas conforme eu lia algo como dois enormes volumes do American Handbook of Psychiatry, vi apenas mapas da alma tão primitivos quanto os antigos mapas da Terra. Havia algumas descrições vagas e vazias sobre Esquizofrenia, Histeria e Catatonia, acompanhados com informações pouco mais sólidas que ”Aqui há dragões e cameleopards.” Em uma festa em Nova York me peguei conversando com um dos mais eminentes analistas da cidade, e tão logo ele soube que eu havia experimentado o LSD sua personalidade se tornou estritamente profissional. Como se vestisse sua máscara e luvas de borracha e me abordasse como um espécime, querendo saber todos os detalhes superficiais das alterações sinestésicas e da percepção, os quais eu podia vê-lo categorizando com uma mente afiada e calibrada. Eu tomei parte em um debate televisionado sobre “Open End,” com David Susskind tentando mediar duas facções de entusiastas psicodélicos e psiquiatras acadêmicos, e no tumulto que se seguiu e confusão de paixões, encontrei-me flutuando para a posição de moderador, contando a ambos os lados, que não haviam bases evidenciais para seus respectivos fanatismos.

Em todos esses contatos eu comecei a sentir que os únicos psiquiatras que possuíam alguma informação sólida eram neurologistas como David Rioch, da Walter Reed, e Karl Pribram, de Stanford. Eles me diziam coisas que eu não sabia e ainda sim eram os primeiros a admitir o quão pouco sabiam, por estarem percebendo o estranho fato de seus cérebros serem mais inteligentes que suas mentes ou, para simplificar, o sistema nervoso humano ser de tão alta ordem de complexidade que estávamos apenas começando a organizar isso em termos de pensamento consciente. Sentei-me em um seminário interno com Pribram, onde ele me explicou de forma cuidadosamente detalhada como o cérebro não é um mero refletor do mundo externo, mas como sua estrutura quase cria as formas e padrões que vemos, selecionando-as de um imensurável espectro de vibrações como as mãos de um harpista arrancam acordes e melodias de um espectro de cordas. Por Karl Pribram estar trabalhando no mais delicado quebra-cabeças epistemológico: Como o cérebro evoca um mundo que é simultaneamente o mundo onde está, e como o cérebro evoca o próprio cérebro.(4) Colocando em termos metafísicos, psicológicos, físicos ou neurológicos: dava sempre no mesmo. Como podemos saber que sabemos, sem saber que se sabe?

Esta questão deverá ser respondida, se assim puder, antes que possa fazer algum sentido dizer que a realidade é material, mental, elétrica, espiritual, uma realidade, um sonho, ou qualquer outra coisa. Mas sempre, ao contemplar este enigma, um sentimento estranho toma conta de mim, como se eu não pudesse me lembrar do meu nome que está na ponta da língua. Realmente isso faz pensar. . .

De qualquer forma, no fim desses dez anos, tenho a impressão de que o mundo psiquiátrico, se abriu à possibilidade de que há mais coisas no céu e terra que sonhou a sua filosofia. A psicanálise ortodoxa parece cada vez mais um culto religioso, e a psiquiatria institucional, um sistema de lavagem cerebral. O campo está dando lugar a movimentos e técnicas cada vez mais livres da metafísica tácita do mecanismo do século XIX: Psicologia Humanista, Psicologia Transpessoal, Terapia da Gestalt, Psicologia Transacional, Terapia de Encontros, Psicossíntese (Assagioli), Bioenergética (Reich), e dúzias de outras abordagens interessantes com nomes estranhos.

Historiadores e analistas sociais vão tentar descobrir a partir de qualquer autobiógrafo o quanto ele influenciou os movimentos do seu tempo e quanto foi influenciado por eles. Só posso dizer que, conforme fico mais velho eu volto a uma estranha sensação infantil de não ser capaz de definir nenhuma linha entre o mundo e minha própria ação sobre ele, e me pergunto se isso também é sentido por pessoas que nunca estiveram sob o olho público ou nunca tiveram alguma pretensão de influência. Uma pessoa comum pode ter a impressão que existem milhões de si mesmos, e que todos eles, como um só, estão fazendo o que há na humanidade – assim como neles mesmos. Desta forma ele poderia talvez sentir-se mais importante do que alguém que tenha tido uma visão particular e seguiu um caminho solitário.

Parte do problema é que quanto mais eu me aproximo do momento presente, mais difícil se torna ver as coisas em perspectiva. Os eventos de 20, 30 e 40 anos atrás estão mais claros na minha cabeça, e parecem-me mais recentes no tempo do que o que aconteceu há pouco tempo — em anos que pareceram fantasticamente excitantes cheios de pessoas e acontecimentos. Eu sinto que devo esperar outros 10 anos para descobrir o que eu estava fazendo, no campo da psicoterapia, com Timothy Leary e Richard Alpert, Fritz Perls e Ronald Laing, Margaret Rioch e Anthony Sutich, Bernard Aaronson e Stanley Krippner, Michael Murphy e John Lilly; na teoogia com Bishops James Pike e John A. T. Robinson, Dom Aelred Graham e Huston Smith; e na formação da contracultura mística com Lama Anagarika Govinda e Shunryu Suzuki, Allen Ginsberg e Theodore Roszak, Bernard Gunther e Gia-fu Feng, Ralph Metzner e Claudio Naranjo, Norman 0. Brown e Nancy Wilson Ross, Lama Chogyam Trungpa e Ch’ung-liang Huang, Douglas Harding e G. Spencer Brown, Richard Weaver e Robert Shapiro— para citar apenas alguns poucos nomes e rostos reunidos do passado recente que me mostram que eu apenas mal comecei esta história.

Referências

(1)
Vários anos mais arde ele morreria em acidente de automóvel à caminho de Ajijic no México, onde ele havia fixado residência. E então partiu para o obscuro um dos mais extraordinários e brilhantes homens, que escreveu um livro que ninguém publicaria (sua dissertação para Ph.D em Harvard) sobre a história como uma ilusão subjetiva, baseada nas visões conflitantes das críticas modernas ao novo Testamento. Ele era tanto um acadêmico quanto um artista na vida que me engrandeceu profundamente com suas conversas e críticas sobre meu trabalho. No entanto, suas visões liberais eram demais para o Reed College e para Claremont, onde fora recusado — a menos que, como ele disse uma vez, ele se acalmasse e casasse com uma simpática jovem episcopal.

(2)
“The Individual as Man-World,” The Psychedelic Review, Vol. 1, No. 1, (Cambridge, Mass.: June 1963).

(3)
Motivation and Personality
(New York Harper & Row, Publishers, 1954), pp. 291-92.

(4)
see his Languages of the Brain, (Englewood Cliffs, NJ Prentice-Hall, 1971).

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Traduzido do original em inglês:  http://www.psychedelic-library.org/wattsbio.htm

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Comunicação programada durande experiências com DMT

Psychedelic Review No. 8, 1966

por Timothy Leary

Timothy Leary


Durante os primeiros dois anos do Harvard Psychedelic Research Project (Projeto de Pesquisa Psicodélica de Harvard) circularam rumores sobre um “poderoso” agente psicodélico chamado dimetiltriptamina: ou DMT. O efeito dessa substância deveria durar menos que uma hora e produzir efeitos estilhaçantes e aterrorizadores. Dizia-se que era a bomba atômica da família psicodélica.

O farmacologista húngaro Stephen Szara foi quem primeiro reportou, em 1957, que as substâncias N,N-Dimetiltriptamina (DMT) e N,N-Dietiltriptamina (DET) produziam efeitos no homem similares ao LSD e mescalina. A única diferença era na duração: enquanto LSD e mescalina tipicamente duravam de 8 a 10 horas, o DMT durava de 40 minutos a uma hora, e o DET de duas a três horas. Também foi relatado que os homólogos dipropiltriptamina e dibutiltriptamina eram ativos, mas menos potentes. A substância-mãe, triptamina, por si só não tem efeito. Quimicamente, o DMT está intimamente relacionado com a psilocibina e a psilocina (4-hidroxi-N-dimetiltriptamina), assim como à bufotenina (5-hidroxi-N-dimetiltriptamina). O mecanismo de ação do DMT e componentes relacionados ainda é um mistério científico. Como LSD e psilocibina, o DMT tem a propriedade de aumentar o modificação metabólica da serotonina no corpo. Uma enzima capaz de converter triptamina natural do corpo em DMT foi recentemente descoberta em alguns tecidos de mamíferos. Isso sugere que pode haver mecanismos para o corpo converter substâncias internas naturais em componentes psicodélicos. (1,2,3,4,5).

O DMT foi identificado como um dos componentes da semente Mimosa hostilis, de onde os índios Pancaru do Pernambuco, Brasil, preparam uma bebida alucinógena que eles chamam de Vinho da Jurema. Também é, junto com a bufotenina, um dos componentes das sementes da Piptadenia peregrina, de onde os índios do Orinoco Basin e Trinidad preparam um pó alucinógeno que eles chamam de yopo (6).

William Burroughs experimentou a substância em Londres e relatou-a nos termos mais negativos. Burroughs estava trabalhando na época em uma teoria da geografia neurológica — algumas áreas corticais seriam celestiais; outras, diabólicas. Como exploradores chegando a um novo continente, seria importante mapear as áreas amistosas e as hostis. Na cartografia farmacológica de Burroughs, o DMT lançava o viajante em um território estranho e decididamente não amigável.

Burroughs contou uma história interessante sobre um psiquiatra em Londres que experimentou DMT com um amigo. Após alguns minutos, o assustado amigo começou a pedir ajuda. O psiquiatra, ele mesmo já rodopiando em um universo de pigmentos móveis e vibratórios, alcançou sua agulha hipodérmica (que já tinha se fragmentado em um composto trêmulo de mosaicos ondulares) e se inclinou para aplicar o antídoto. Para seu desgosto, seu amigo — se contorcendo de pânico — foi subitamente transformado em um réptil serpenteante, encrustado de jóias e faiscante. O dilema do doutor: onde aplicar uma injeção intravenal em uma cobra marciana-oriental se debatendo?

Alan Watts tinha uma história de DMT a contar. Ele experimentou a droga como parte de uma pesquisa na Califórnia e tinha planejado provar que poderia manter controle racional e fluência verbal durante a experiência. O equivalente mais próximo disso seria tentar uma descrição momento-a-momento das reações de alguém que foi atirado de um canhão atômico de neon bizantino. O Dr. Watts deu uma descrição assombrada sobre fusão perceptiva.

No outono de 1962, durante uma série de três dias de palestras na Southern California Society of Clinical Psychologists, me encontrei em uma discussão com um psiquiatra que estava coletando dados sobre o DMT. Ele havia ministrado a droga para mais de 100 cobaias e apenas 4 tiveram experiências prazeirosas. Isso era um desafio para a hipótese de “ambiente-condição” (set-setting). Conforme nossas evidências — e alinhado com nossa teoria — encontramos poucas diferenças entre drogas psicodélicas. Estávamos ceticamente convencidos que as elaboradas variações clínicas alegadamente encontradas em reações a diferentes drogas eram puro folclore psicodélico. Estávamos firmes em nossa hipótese de que drogas não têm efeitos específicos na consciência, com exceção daqueles da expectativa, preparação, clima emocional e relações com o “fornecedor” da droga — fatores responsáveis por todos os diferentes tipos de reação.

Estávamos ansiosos para ver se a lendária “droga do terror”, o DMT, se enquadraria na teoria do “ambiente-condição”.

Uma sessão foi arranjada. Fui para a casa do pesquisador, acompanhado de um psicólogo, um monge Vedanta e duas amigas. Após uma longa e amigável discussão com o médico, o psicólogo deitou em um sofá. A cabeça de sua amiga repousava em seu peito. Me sentei na extremidade do sofá, sorrindo reconfortantemente. Uma dose intramuscular de 60 mg de DMT foi aplicada.

Em dois minutos, o rosto do psicólogo já estava brilhando de alegria serena. Pelos próximos 25 minutos ele respirou profundamente e murmurou de prazer, mantendo um relato divertido e de êxtase sobre suas visões.

“Os rostos na sala se tornaram mosaicos de bilhões de faces em tons ricos e vibrantes. As características faciais de cada um dos observadores em volta da cama eram a chave para suas heranças genéticas. Dr. X (o psiquiatra) era um índio americano bronzeado com pintura cerimonial completa no corpo; o monge hindu era um profundo e espiritual habitante do oriente médio com olhos que, de uma só vez, refletiam perspicácia animal e a tristeza de séculos; Leary era um irlandês malandro, um capitão com pele encouraçada e rugas nos cantos de olhos, que já haviam olhado longa e duramente o inescrutável, um comandante aventureiro ansioso por mapear novas águas, explorar o próximo continente, exsudando a confiança que vem com a bem-humorada consciência cósmica de sua missão — genética e imediata. Próximo a mim, ou melhor, sobre mim, ou melhor, dentro de mim, ou melhor, além de mim: Billy. A pele dela estava vibrando em uma harmonia com a minha. Cada estalar de músculo, o exato curso do sangue em suas veias… era um assunto de intimidade absoluta… Mensagens do corpo de uma suavidade e sutileza tanto estranhamente eróticas quanto deliciosamente familiares. Profundamente dentro, um ponto de calor em minha virilha lentamente — mas poderosa e inevitavelmente — irradiou por todo meu corpo até que cada célula se tornou um sol emanando seu próprio fogo originador da vida. Meu corpo era um campo de energia, um conjunto de vibrações com cada célula pulsando em fase com todas as outras. E Billy, cujas células agora dançavam a mesma dança, não era mais um entidade discreta, mas uma parte ressonante do conjunto único de vibrações. A energia era amor”.

Exatamente 25 minutos após a administração, o psicólogo sorriu, suspirou, sentou jogando as pernas no lado do sofá e disse: “Durou por um milhão de anos e uma fração de segundo. Mas acabou e agora é a sua vez”.

Com esse precedente assegurador, tomei posição no sofá. Margaret sentou no chão segurando minha mão. O psicólogo sentou ao pé do sofá, irradiando benevolência. A droga foi administrada.

Minha primeira experiência com DMT

“Minha experiência com DMT ocorreu na mais favorável condição. Tínhamos acabado de presenciar a experiência extática de meu colega e a radiância de sua reação forneceu uma estrutura otimista e segura. Minhas expectativas eram extremamente positivas.”

“Cinco minutos após a injeção, deitado confortavelmente na cama, senti os sintomas típicos da aproximação psicodélica — uma soltura somática prazeirosa, um afinamento sensitivo a sensações físicas.”

“Olhos fechados… visões típicas de LSD, a beleza rara do maquinário retinal e físico, transcendência da atividade mental, desapego sereno. Consciência reconfortante da mão de Margaret e a presença de amigos.”

“De repente, abri meus olhos e sentei… a sala era celestial, brilhando com iluminação radiante… luz, luz, luz… as pessoas presentes estavam transfiguradas… criaturas que pareciam deuses… estávamos todos unidos em um organismo. Abaixo da superfície radiante pude ver o delicado e fantástico maquinário de cada pessoa, a rede de músculos, veias e ossos — excelentemente lindo e unido, tudo parte do mesmo processo.”

“Nosso grupo estava comungando uma experiência paradisíaca — cada um no seu turno estava recebendo a chave da eternidade — agora era a minha vez, eu estava experimentando esse êxtase pelo grupo. Mais tarde, outros iriam embarcar. Éramos membros de uma coletividade transcendente.”

“O Dr. X me auxiliou delicadamente… me deu um espelho onde vi meu rosto como um retrato em vidro manchado.”

“O rosto de Margaret era como o de todas as mulheres — esperta, bela, eterna. Seus olhos eram completamente femininos. Ela murmurou exatamente a mensagem certa: ‘Pode ser sempre desse jeito’.”

“A incrível unidade complexa do processo evolutivo — incrível, infinita em sua variedade — por quê? Para onde está indo? etc… etc. As velhas perguntas e então a gargalhada de aceitação divertida, extática. Demais! Muito! Esqueça! Não pode ser deduzida. Ame-a em gratidão e aceite! Iria me inclinar para buscar significado na face tingida e chinesa de Margaret, mas caí de volta no travesseiro em reverência. Gargalhada estupefata.”

“Gradualmente, a iluminação brilhante foi recuando para o mundo tridimensional e me sentei. Renascido. Renovado. Radiante com afeição e reverência.”

“Essa experiência me levou ao ponto mais alto da iluminação com um enteógeno — um satori -pedra-preciosa. Foi menos interno e mais visual e social que minhas experiências usuais com LSD. Não houve um segundo de medo ou emoção negativa. Só alguns momentos de paranóia benigna (agente do grupo divino etc).”

“Fui deixado com a convição de que o DMT oferece muito potencial como um gatilho transcendental. A brevidade da reação tem muitas vantagens — fornece segurança com a certeza de que acabará em meia hora e pode possibilitar a exploração precisa de áreas transcendentais específicas.”

Ambiente-condição na experiência programada

Imediatamente depois de minha primeira viagem com DMT, a droga foi administrada ao monge hindu. Esse dedicado homem esteve 14 anos em meditação e renúncia. Era um sannyasin, ordenado para vestir o manto sagrado laranja. Ele havia participado de diversas sessões com drogas psicodélicas, com resultados extremamente positivos, e estava convencido de que a estrada bioquímica para o samadhi era não apenas válida mas talvez o método mais natural para pessoas vivendo em uma civilização tecnológica.

Sua reação ao DMT foi, contudo, confusa e desconfortável. Catapultado na súbita perda do ego, ele lutou para racionalizar sua experiência em termos de técnicas hindús clássicas. Se manteve olhando indefeso e perdido para o grupo. Prontamente, em 25 minutos ele se sentou, riu e disse: “Que viagem foi essa?! Realmente terminei preso em alucinações cármicas!”.

A lição era clara. O DMT, como outras chaves psicodélicas, podia abrir uma infinidade de possibilidades. Mas ambiente, condição, sugestionabilidade e estrutura da personalidade estavam sempre lá como filtros, através dos quais a experiência extática podia ser distorcida.

Na volta a Cambridge, arranjos foram feitos com uma empresa farmacêutica e com nosso consultor médico para conduzirmos uma pesquisa sistemática com a nova substância. Durante os próximos meses fizemos mais de 100 sessões — no início, exercícios de treino para pesquisadores experientes e, depois, testes com pessoas completamente inexperientes em assuntos psicodélicos.

A porcentagem de sessões de sucesso, extáticas, foi alta — acima de 90%. A hipótese ambiente-condição claramente contou a favor do DMT, em relação a experiências positivas. Mas havia certas características definidas da experiência que eram notavelmente diferentes de psicodélicos clássicos — LSD, psilocibina e mescalina. Primeiro de tudo, a duração. A transformação de 8 horas do LSD foi reduzida para 30 minutos. A intensidade também era maior. Isso significa que o estilhaçamento da percepção “aprendida” das formas, o colapso da estrutura adquirida, era muito mais pronunciado. “Olhos fechados” produziam uma suave, silenciosa, na velocidade da luz, dança redemoinhante de formas celulares incríveis — acre sobre acre, milha sobre milha de formas orgânicas em giro suave. Uma volta de foguete convolutiva, acrobática e suave através da fábrica de tecidos. A variedade e irrealidade dos precisos, fantásticos e delicados mecanismos da maquinaria orgânica. Muitos que experimentam LSD reportam odisséias sem fim através da rede de túneis circulatórios. Não com DMT. No lugar disso, uma volta na nuvem sub-celular em um mundo de beleza móvel e ordenada que desafia a busca por metáforas.

“Olhos abertos” produziam um colapso similar da estrutura adquirida — mas desta vez dos objetos externos. Rostos e coisas não mais tinham forma, mas eram vistos como um fluxo tremeluzente de vibrações (que é que elas são). A percepção de estruturas sólidas era vista como uma função de redes visuais, mosaicos, teias de energia luminosa.

A transcendência do ego-espaço-tempo foi o relato mais frequente. As pessoas frequentemente reclamavam que se tornavam tão perdidas no amoroso fluxo de existências infinitas que a experiência terminava muito rápido, e era tão suave que faltavam pontos de referência para tornar as memórias mais detalhadas. As costumeiras referências de percepção e memória estavam faltando! Não podia haver memória da sequência de visões porque não havia tempo — e nenhuma memória de estrutura porque o espaço foi convertido em um processo fluído.

Para lidar com esse problema, instituímos sessões programadas. Seria solicitado que a pessoa respondesse a cada dois minutos, ou ela seria apresentada a um estímulo para resposta a cada dois minutos. Os pontos de referência seriam, assim, fornecidos pelo pesquisador — a sequência temporal poderia ser quebrada em estágios e o fluxo de visões seria dividido em tópicos.

Como exemplo de uma sessão programada usando DMT, vamos considerar o relatório que se segue. O plano para essa sessão envolveu a “máquina de escrever experimental”. Esse dispositivo, descrito em uma artigo anterior (7), é projetado para permitir comunicação não-verbal durante sessões psicodélicas. Há dois teclados com dez botões para cada mão. As 20 teclas são conectadadas com um polígrafo de 20 canetas que registra uma marca em um rolo de papel em movimento cada vez que uma tecla é pressionada.

A pessoa precisa aprender os códigos de classificação da experiência antes da sessão e é treinada para responder automaticamente, indicando a área de sua consciência.

Nesse estudo foi combinado que eu seria questionado a cada dois minutos, para indicar o conteúdo de minha consciência.

A sessão aconteceu em uma sala especial, de 8 por 20, completamente coberta: teto, paredes e piso, por telas indianas alegres e coloridas. A sessão seguiu o modelo de “revezamento de guia”: outro pesquisador, uma psicofarmacologista, iria agir como interrogador para minha sessão. O farmacologista então repetiria a sessão, com Leary como interrogador.

Às 20h10, recebi 60 mg de DMT

Deitado no travesseiro, arrumando almofadas… relaxado e aguardando… de certa forma entretido por nossa tentativa de impor referências ao conteúdo temporal no fluxo do processo… ruído, suor, zunindo… olhos fechados… de repente, como se alguém tivesse apertado um botão, a escuridão estática da retina é iluminada… fábrica gigante de relógios preciosos de brinquedo, a fábrica de Papai Noel… não impessoal ou arquitetada, mas alegre, cômica, leve. A dança evolucionária, zunindo de energia, bilhões de formas derivadas girando, estalando através de seus turnos determinados no suave balé…

2º MINUTO. TIM: ONDE ESTÁ VOCÊ AGORA? A voz de Ralph, declarativa, gentil… o quê? onde? você? olhos abertos… ali espalhados perto de mim estão dois insetos magníficos… pele polida, com metal brilhante, com jóias incrustadas… ricamente adornados, eles olham para mim docemente… queridos grilos venusianos radiantes… um tem um bloco em seu colo e está segurando uma caixa encrustada de jóias com brilhantes seções ondulantes trapezóides… olhar interrogativo… incrível… e perto dele o Sr. Grilo Diamante entra suavemente em vibrações… o Dr. Grilo Rubi-Esmeralda sorri… TIM ONDE ESTÁ VOCÊ AGORA?… move a caixa na minha direção… ah sim… tente dizer a eles… onde…

DMT TRIP-5

Aos dois minutos, o paciente está sorrindo de olhos fechados. Ao ser questionado ele abriu os olhos, olhou para os observadores curiosamente, sorriu. Quando a pergunta sobre orientação foi repetida ele deu de ombros, moveu seu dedo procurando a máquina de escrever e (com um olhar de tolerância entretida) golpeou a tecla de “atividade cognitiva”. Ele então caiu de volta com um suspiro e fechou seus olhos.

Use a mente… explique… olhe para baixo nas caixas ondulantes… lutando para focar… use a mente… sim COGNITIVA… ali…

Olhos fechados… de volta ao workshop dançante… alegria… beleza incrível… a maravilha, maravilha, maravilha… obrigado… obrigado pela chance de ver a dança… tudo se encaixa junto… tudo se adequa ao padrão úmido, pulsante… um gigantesco penhasco acinzentado-branco, se movendo, cravado de pequenas cavernas e, em cada caverna, uma tira de antena de radar, insetos-elfos alegremente trabalhando, cada caverna a mesma, a parede cinza-branca infinitamente adornada por… infinitude de formas de vida… redes de energia alegres e eróticas…

4º MINUTO. TEMPO, ONDE ESTÁ VOCÊ AGORA? Rodando pela tapeçaria do espaço, vem um voz lá de baixo… voz terrestre bondosa e querida… base na Terra chamando… onde está você?… que piada… como responder… estou no tubo de ensaio borbulhante do alquimista cósmico… não, agora o pó de estrela cadente suave me explode gentilmente… rostos estilhaçados em mosaico de vidro manchado… Dr. Lagosta da Tiffany segura o cesto de seções trapezóides… olha para chave brilhante… onde está a chave venusiana do êxtase?… onde está a chave para a explosão estelar do ano 3000?… IMAGENS DE PROCESSOS EXTERNOS… sim… pegou a chave…

Aos quatro minutos, o paciente ainda estava sorrindo de olhos fechados. Ao ser contatado para reportar, abriu seus olhos e riu. Olhou para os observadores com olhos brilhantes, examinou o teclado da máquina de escrever experimental e apertou a tecla de IMAGEM DE PROCESSO EXTERNO. Então caiu de volta e fechou seus olhos.

Que bom… eles estão aqui embaixo… esperando… sem palavras aqui para descrever… eles têm palavras lá embaixo… ondas de formas coloridas girando… repicando alegremente… de onde eles vêm… Quem é o arquiteto… impiedoso… cada fábrica dançante e ondulante devorando a outra… me devorando… padrão cruel… o que fazer… terror… ah deixa vir… me devorem… me engolfem no oceano de bocas de flocos de neve… tudo bem… como tudo se encaixa… piloto-automático… está tudo pensado… tudo no piloto-automático… de repente meu corpo estala e começa a desintegrar… fluindo para o rio de energia… tchau… fui… o que eu era está agora absorvido em um flash de elétrons… dirigido através do espaço sideral em pulsos orgásmicos de movimentos de partículas… libertação… emitindo luz, luz, luz…

6º MINUTO. TIM, ONDE ESTÁ VOCÊ AGORA? Voz terrestre chamando… você aí em órbita nuclear… incorporação… agarre a partícula com feixe de energia… devagar… pare na estrutura do corpo… volte… com o abrir dos olhos a dança nuclear subitamente congela em forma fixa… vendo dois blocos de elétrons tremeluzindo… a galáxia Ralph chamando… a galáxia Sr. Ralph sorrindo… a dança de energia capturada momentaneamente na forma de robô amigável… olá… perto dele uma vela brilha… o centro da teia de um milhão de fechos de luz… a sala é capturada em uma rede de energia-luz… tremeluzindo… toda visão é luz… nada a enxergar a não ser ondas de luz… fótons refletidos do sorriso enigmático de Ralph… espera a resposta… fótons quicando das teclas da vibrante máquina de escrever… como é fácil transmitir uma mensagem… o dedo aperta IMAGENS DE PROCESSOS EXTERNOS…

Aos seis minutos, o paciente terminou de fazer caretas que pareciam ser de algum medo ou problema passageiro. Ao ser contatado para reportar, espiou pela sala e sem hesitar pressionou a tecla PROCESSOS EXTERNOS. Então fechou os olhos.

Olhos fechados… mas pós-imagens da chama da vela persistem… globos oculares presos em órbita em torno de um centro de luz interno… radiância celestial no centro de luz… luz do sol… toda luz é sol… luz é vida… vida, lux, luce, vida… tudo é uma dança de luz-vida… toda vida é o fio… carregando luz… toda luz é o frágil filamento de luz… som solar silencioso… transmitido das chamas do sol… luz-vida…

8º MINUTO. TIM, ONDE ESTÁ VOCÊ AGORA? No coração da explosão de hidrogênio do sol… nosso globo é um globo de luz… abrir os olhos joga cortina sobre o clarão do sol… olhos abertos trazem cegueira… trancam a radiância interna… vendo Deus em contraste-escuro segurando uma caixa de sombra… onde é a vida?… pressione a TECLA DA LUZ BRANCA. Aos oito minutos, o paciente, que estava deitado imóvel sobre as almofadas, abriu seus olhos. Sua expresão era de confusão, surpresa. Sem expressão, pressionou a tecla LUZ BRANCA.

Mantendo olhos fechados… parado… capturado… hipnotizado… toda a sala, paredes floridas, almofadas, vela, formas humanas todas vibrando… todas as ondas não tendo nenhuma forma… imobilidade terrível… apenas fluxo de energia silencioso… se você se mover, vai destroçar o padrão… todas as memórias de formas, significados, identidades… sem significado… foi… tudo é uma emanação impiedosa de ondas físicas… fenômenos são pulsos televisivos estalando através de um programa interestelar… nosso sol é um ponto em uma tela de TV astrofísica… nossa galáxia é um minúsculo agregado de pontos em um canto de uma tela de TV… cada vez que uma supernova explode é apenas aquele ponto na tela mudando… o ciclo de dez milhões de anos do universo é um flash de milissegundo de luz na tela cósmica que flui infinita e rapidamente com imagens… sentado imóvel… não desejando movimento ou impor movimento no padrão… ausência de movimento em movimento na velocidade da luz…

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10º MINUTO. TIM, ONDE ESTÁ VOCÊ AGORA? Torre de controle transmitindo mensagem de averiguação… inundação de amor fantástico por podermos nos contatar… permanecemos em contato… onde estava aquele agregado mesmo… alucinando… metáforas de ficção científica… onde está a chave… ali… ALUCINAÇÕES EXTERNAS…

Dos oito aos dez minutos o paciente sentou-se imóvel, olhos abertos em um estado de transe. Não houve tentativa de comunicação. Contatado, ele se moveu devagar mas determinado e pressionou a TECLA DE ALUCINAÇÕES EXTERNAS.

Trechos do Questionário de Pesquisa preenchido depois da sessão: perda do espaço-tempo… fusão com fluxo de energia… vendo todas as formas de vida como ondas físicas… perda do corpo… existência como energia… consciência de que nossos corpos são blocos momentâneos de energia e de que somos capazes de nos afinar com padrões não-orgânicos… certeza de que processos vitais estão no “piloto-automático”… nada a temer ou se preocupar… a complexidade e infinitude do processo vital… entendimento repentino do significado de termos da filosofia indiana como “maya”, “maha-maya”, “lila”… insight dentro da natureza e diversos estados transcendentais… a vazia-luz-branca-do-não-conteúdo, êxtase da estruturação temporária da forma-meta-vida-inorgância da estrutura do código genético musical e o…

12º MINUTO. TIM, ONDE VOCÊ ESTÁ AGORA? Olhos abertos… risada… pego pela torre de controle vigilante ao orbitar em torno de uma área da mente terrena e descobridora… onde é a tecla para pensamentos terrenos?… alucinações… não, o jogo do pensamento… pressione TECLA COGNITIVA…

Do 10º ao 12º minuto, o paciente sentou olhando sem expressão e sem movimento para a parede da sala. Ao ser contatado, sorriu e pressionou a tecla COGNITIVA.

Acima da cabeça está a lâmpada coberta com enfeites de escurecimento para luz azul… circulando a sombra brilhante estão faixas ondulares… silenciosas… acenando… convidando… junte-se a dança… deixe seu robô… um universo inteiro de coreografias aéreas prazeirosas aguarda… sim, juntar-se a eles… de repente, como fumaça subindo de um cigarro, a consciência subiu… indo em caminhos de gaivota até a fonte da luz e, silenciosamente, para outra dimensão…

Do questionário de pesquisa: uma descrição do nível atingido é uma yoga em prosa além da realização atual… havia bilhões de cartas de arquivo, em hélice, que num passar de olhos me confortava com uma biblioteca sem fim de eventos, formas, percepções visuais — não abstratas, mas empíricas… um bilhão de anos de experiências codificadas, classificadas, preservadas em claridade brilhante, pulsante e fria, que fazia a realidade ordinária parecer um show barato, fora de foco, esfarrapado, desengonçado, indeciso, gasto e de mau gosto… qualquer pensamento, uma vez pensado, instantaneamente se tornava vivo e piscava através do diafragma da consciência… mas ao mesmo tempo não havia ninguém para observar… eu… ele… aquele que está consciente… todos vibrando em uma visão eletrônica em technicolor, VEJA!, para aquele que tem estado cego por séculos…

14º MINUTO. TIM, ONDE VOCÊ ESTÁ AGORA? Oh, onde estamos agora?… oh, escute, aqui está onde estamos… uma vez havia um ponto elétrico brilhante… piscar repentino em lama pré-crambriana… o ponto se balança e se agita em uma contorção tremida com traços de alegria, cantoria, soluçar e calafrios… para cima… uma serpente começa a se torcer em direção à suave e quente fenda… minúsculo, do tamanho de um vírus… crescendo… o comprimento enorme de um bacilo microscópico… fluindo exultante, sempre cantando a melodia da flauta hindu… sempre explodindo, se esfoliando… agora do tamanho de uma raiz de musgo, zunindo através de espamos úmidos… crescendo… crescendo… sempre desfolhando sua própria visão… sempre cego, exceto pelo ponto frontal da luz-olho… agora correias de pele de cobra, sacudindo mosaicos de jóias ritmicamente, adiante como cobra… agora do tamanho de um tronco de árvore, sensual com o graxa espérmica correndo dentro… agora inchando em uma enchente de esticamento de tecido… rosa, corrente lamaçal de fogo melodioso… agora circulando o globo, apertando oceanos salgados verdes e montanhas marrom-argila entalhadas em um abraço constritor… serpente fluindo cegamente, agora uma torcida cobra de vértebras elétricas de um bilhão de milhas sem fim cantando a melodia hindu da flauta… cabeça de pênis palpitando… mergulhada em todos os odores, toda a tapeçaria colorida de tecido… contorcimento cego, serpente intumescida circular cega, cega, cega, exceto pelo único olho de jóia que, por um fragmento de piscar, a cada célula no desfile progressivo é permitido aquele momento cara-a-cara de insight de chama solar no futuro-passado.

TIM, TIM, ONDE VOCÊ ESTÁ AGORA? A torre de La Guardia repete solicitações de contato com um navio perdido além do abrangência do radar… onde?… sou o olho da grande cobra… uma dobra na pele da serpente, dando mergulhos trapezóides… registrando conteúdos da consciência… onde está você?… aqui… ALUCINAÇÕES INTERNAS.

Do 12º ao 14º minutos, o paciente sentou silenciosamente com olhos fechados. Ao ser contatado, falhou em responder e, após 30 segundos, foi contatado novamente. Então pressionou a tecla ALUCINAÇÃO EXTERNA.

A sessão continuou com interrupções de dois minutos até o 20º minuto no mesmo padrão: vôos atemporais pelos alucinantes campos de vibração de energia pura com repentinas contrações em direção à realidade para responder às questões do observador.O relatório da sessão preenchido no dia seguinte continha os seguintes comentários sobre esse método de sessão programada:Essa sessão sugeriu algumas soluções para o problema da comunicação durante experiências psicodélicas. A pessoa “lá em cima” está passando por experiências que rodopiam tão rápido e contêm conteúdo estrutural tão diferente de nossas formas macroscópicas familiares que ela, possivelmente, não consegue descrever onde está ou o que está experimentando. Considere a analogia do piloto de avião que perdeu a orientação e que fala com a torre de controle. O piloto está experimentando muitos eventos — pode descrever as formações de nuvens, flashes de luz, a cristalização de gelo na asa visível da janela — mas nada disso faz qualquer sentido para os técnicos da torre que tentam traçar o curso na linguagem tridimensional de navegação. A pessoa “lá em cima” não pode fornecer coordenadas. A equipe de controle no chão deve transmitir: “Cessna 64 Bravo, nosso radar mostra que você está a 15 milhas a sudoeste do Aeroporto Internacional. O brilho vermelho que você vê é o reflexo de Manhattan. Para entrar na rota para Boston você precisa mudar o curso em 57 graus e manter uma altitutde de 5500″.

Mas a linguagem da psicologia não é sofisticada o suficiente para fornecer tais parâmetros. Nem há compassos empíricos para determinar a direção.

O que podemos fazer, nesse ponto, é configurar “planos de vôos”. O paciente pode trabalhar, antes da sessão, as áreas de experiência com que quer interagir; e ele pode planejar a sequência temporal de sua viagem visionária. Ele não será capaz, durante o vôo, de dizer aos “controladores” onde está, mas eles podem contatá-lo e dizer como ele deve proceder. Assim, durante essa sessão, quando Ralph perguntou, ONDE VOCÊ ESTÁ AGORA?, não pude responder. Tive que descer, diminuir o fluxo da experiência e então contar a ele onde acabei chegando.

Quando fizeram a pergunta de contato, eu poderia estar esbarrando em outras galáxias. Para poder responder, tive que parar minha jornada livre e errante, chegar perto da terra e dizer: “Estou sobre New Haven”.

Essa sessão foi um contínuo e serial venha-para-baixo. Repetidamente, tive que parar o fluxo para poder responder. Meu cortex estava recebendo centenas de impulsos por segundo, mas para responder às perguntas da torre de controle tive que reduzir a nave para uma marcha lenta: “Estou aqui”.

Essa sessão sugere que um modo mais eficiente de mapear experiências psicodélicas seria:

1 – Memorizar o teclado da máquina de escrever experimental, para que a comunicação com o controle de solo seja automática.
2 – Planejar a sessão de modo que os controladores não perguntem coisas irrespondíveis — “Onde realmente estou?” — mas digam ao paciente onde ir. Então a tarefa de comunicação do viajante seria indicar se ele está no curso, isto é, se ele está ou não seguindo as instruções de vôo transmitidas pelos controladores.

O controle de solo deveria enviar estímulos. A sugestionabilidade está totalmente aberta. A torre La Guardia direciona o vôo.

VOCÊ APRENDEU ALGO DE VALOR COM ESSA SESSÃO? SE SIM, POR FAVOR ESPECIFIQUE: “A sessão foi de grande valor. Estou forte e claramente motivado a desenvolver métodos de controle de solo e vôos planejados”.

APROXIMADAMENTE QUANTO DA SESSÃO (EM %) FOI GASTO EM CADA UM DESSES ASPECTOS?

1 – JOGOS INTERPESSOAIS (afeição pelos observadores) – 10%
2 – EXPLORAÇÃO OU DESCOBERTA DE SI, OU JOGOS DO EGO – 0%
3 – OUTROS JOGOS (SOCIAIS, INTELECTUAIS, RELIGIOSOS) – 70% (intelectuais, lutando com o problema da comunicação)
4 – TRANSCENDÊNCIA ALÉM DOS JOGOS – 20% (continuamente)

Referências

1 – Szara, S: Hallucinogenic effects and metablism of tryptamine derivatives in man. Fed. Proc. 20: 858-888, 1961.
2 – Szara, S: Correlation between metabolism and behavioral action os psychotropic tryptamine derivatives. Biochem. Pharmacol., 8: 32, 1961.
3 – Szara, S: Behavioral correlates of 6-hydroxylation and the effect of psychotropic tryptamine derivatives on brain serotonin levels. Comparative Neurochemistry, ed. D. Richter, pp. 432-452. Pergamon Press, Oxford, 1964.
4 – Szara, S. & Axelrod, J.: Hydroxylation and N-demethylation N,N-dimethyltryptamine. Experientia, 153: 216-220, 1959.
5 – Szara, S., Hearst E. & Putney F.: Metabolism and behavioral action of psychotropic tryptamine homologues. Int. J. Neuropharmacol., 1: 111-117, 1962.
6 – Schultes, R.E. Botanical Sources of the New World Narcotics. In Weil, G.M., Metzner, R. & Leary, T. (eds). The Psychedelic Reader, University Books, New Hyde Park, 1965.
7 – Leary, T. The Experiential Typewriter. Psychedelic Review, No. 7. 1965.

* Texto gentilmente retirado do blog http://avisospsicodelicos.blogspot.com/