What I Believe – Albert Einstein

“A coisa mais bonita que podemos experimentar é o mistério.
Ele é a fonte de toda arte e ciência verdadeiras. Aquele para quem essa emoção é estranha, incapaz de soltar a imaginação e quedar-se extasiado, é como se fosse um morto: seus olhos estão fechados. (…) Saber que aquilo que nos é impenetrável realmente existe, manifestando-se como a maior sabedoria e a beleza mais radiante que nossa pobre capacidade só pode apreender em suas formas mais primitivas – esse conhecimento, essa sensação, está no centro da verdadeira religiosidade.
Nesse sentido, e apenas nesse, pertenço às fileiras dos devotos.”

Texto retirado da Dissertação de Mestrado de Leonardo Celuque, 2004.

“A Série de Fibonacci: um estudo das relações entre as ciências da complexidade e as artes”

Autonomia e Alienação (Atualizado, 06/04)

Autonomia e Alienação, por Cornelius Castoriadis, ” A Instituição Imaginária da Sociedade”, p.122-124.

Sentido da Autonomia.  – O Indivíduo

Se a autonomia está no âmago dos objetivos e dos caminhos do projeto revolucionário, é necessário precisar e elucidar esse termo. Tentaremos essa elucidação primeiro onde ela aparece mais fácil: a propósito do indivíduo, passando em seguida ao plano que mais interessa aqui, o plano coletivo. Tentaremos compreender o que é o indivíduo autônomo – e o que é uma sociedade autônoma ou não alienada.

Freud propunha como máxima da psicanálise “Onde era o Id, será o Ego” – “Seu objeto (dos esforços terapeuticos da psicanálise) é de reforçar o Ego (o eu consciente), de torná-lo mais independente do Superego, de ampliar seu campo de visão estendendo sua organização de tal maneira que ele possa apoderar-se de novas regiões do Id. Onde era Id será o Ego.” – Ego é aqui, numa primeira aproximação, o consciente em geral. O Id, propriamente falando, origem e lugar das pulsões (“instintos”), deve ser tomado nesse contexto como representando o inconsciente num sentido mais amplo. Ego, consciência e vontade, deve tomar o lugar da forças obscuras, que, “em mim”, dominam, agem por mim – “atuam-me” como dizia G. Groddeck. Essas forças não são simplesmente – não são tanto, voltaremos a isto mais adiante – as puras pulsões, libido ou pulsão de morte; são sua interminável, fantasiosa e fantastica alquimia, são também, e sobretudo, as forças de formação e de repressão inconscientes, o Superego e o Eu inconsciente. Uma interpretação da frase torna-se de imediato necessária. O Ego deve tomar o lugar do Id – isso não pode significar nem a supressão das pulsões, nem a eliminação ou a reabsorção do inconsciente. Trata-se de tomar de seu lugar na qualidade de instância de decisão. A autonomia seria o domínio do consciente sobre o inconsciente. Sem prejuízo da nova dimensão em profundidade revelada por Freud, este é o programa de reflexão filosófica sobre o indivíduo há vinte e cinco séculos, o pressuposto e ao mesmo tempo o resultado da ética tal como a viram Platão ou os estóicos, Spinoza ou Kant. (É em si uma imensa importância, porém não para esta discussão, que Freud proponha uma via eficaz para atingir o que permaneceu para os filósofos um “ideal” acessível em função de um saber abstrato). Se à autonomia, a legislação ou a regulação por si mesmo, opomos a heteronomia, legislação e regulação pelo outro, a autonomia é minha lei, oposta à regulação pelo inconsciente que é uma lei outra, a lei de outro que não eu.

Em que sentido podemos dizer que a regulação pelo inconsciente é a lei de um outro? De qual outro? De um outro literal, não de um “outro Eu” desconhecido, mas de um outro em mim. Como diz Jacques Lacan, “O inconsciente é o discurso do Outro”; é em grande parte, o depósito dos desígnos, dos desejos, dos investimentos, das exigências, das expectativas – significações de que o indivíduo foi o objeto, desde sua concepção, e mesmo antes, por parte dos que o engendraram e criaram. A autonomia torna-se então: meu discurso deve tomar o lugar do discurso do Outro, de um discurso estranho que está em mim e me domina: fala por mim. Esta elucidação indica de imediato a dimensão social do problema (pouco importa que o Outro de que se trata no início seja o outro “estreito”, parental; por uma série de articulações evidentes, o par parental remete, finalmente, à sociedade inteira e à sua história).

Mas qual é esse discurso do Outro não mais quanto a sua origem, mas quanto a sua qualidade? E até que ponto pode ser eliminado?

A característica essencial do discurso do Outro, do ponto de vista que aqui interessa, é sua relação com o imaginário. É que, dominado por esse discurso, o sujeito se toma por algo que não é  ( que, de qualquer maneira não é necessariamente para si próprio) e para ele os outros e o mundo inteiro sofrem uma deformação correspondente. O sujeiro não se diz, mas é dito por alguém, existe pois como parte do mundo de um outro (certamente, por sua vez, travestido). O sujeito é dominado por um imaginário vivido como mais real que o real, ainda que não sabido como tal, precisamente porque não sabido como tal. O essencial da heteronomia ou da alienação, no sentido mais amplo do termo – no nível individual, é o domínio por um imaginário autonomizado que se arrojou a função de definir para o sujeito tanto a realidade como o seu desejo. O Jogo Do Bicho é um jogo de loteria com uma história rica e um dos passatempos preferidos do Brasil. Neste jogo, os utilizadores têm a oportunidade de apostar numa variedade de animais, sendo cada animal associado a um grupo único de números. Review do caça-níquel Jogo Do Bicho https://jogodobichooficial.com .A jogabilidade foi pensada para os usuários poderem escolher até cinco animais diferentes em uma única aposta. Veja como o jogo se desenrola:

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Se quiserem depois eu posto a continuação do texto, que é bem grande.

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CONTINUAÇÃO

A “repressão das pulsões” como tal, o conflito entre o “princípio do prazer” e o “princípio da realidade”, não constituem a alienação individual que é, no fundo, o império quase ilimitado de um princípio de des – realidade. A esse respeito o conflito importante não é o que ocorre entre pulsões e realidade (se esse conflito bastasse como causa patogênica, jamais teria havido uma só resoluçõ mesmo aproximativamente normal do complexo de Édipo desde a origem dos tempos e jamais um homem e uma mulher teria andado sobre a terra). É o conflito entre pulsões e realidade, de um lado, e a elaboração imaginária no interior do sujeito, de outro lado.

O Id, nesta máxima de Freud, deve pois ser compreendido como significando essencialmente esta função do insconsciente que investe de realidade o imaginário, autonomiza-o conferindo-lhe poder de decisão – estando o conteúdo deste imaginário em relação com o discurso do Outro (“repetição”, mas também transformação amplificada desse discurso).

É pois lá onde estava essa função do inconsciente, e o discurso do Outro que fornece seu alimento, que o Ego deve advir. Isso significa que meu discurso deve tomar o lugar do discurso do Outro. Mas o que é o meu discurso? O que é um discurso que é meu?

Um discurso que é meu é um discurso que negou o discurso do outro; que o negou, não necessariamente em seu conteúdo, mas enquanto discurso do Outro; em outras palavras que, explicitando ao mesmo tempo a origem e o sentido desse discurso, negou-o ou afirmou-o com conhecimento de causa, relacionando seu sentido com o que se constitui como a verdade própria do sujeito – como minha própria verdade.

Se a máxima de Freud, nesta interpretação, fosse tomada em termos absolutos, ela proporia um objetivo inacessível. Nunca meu discurso será integralmente meu no sentido definido acima. É que evidentemente, eu não poderei jamais retomar tudo, ainda que simplesmente para ratificá-lo. É também  – e voltaremos a isto mais adiante – porque a noção de verdade prórpia do sujeito é em si mesma muito amis um problema do que uma solução.

Isso é também verdade no que se refere à relação com a função imaginária do inconsciente. Como pensar num sujeito que teria totalmente “reabsorvido” sua função imaginária, como poderíamos esgostar essa fonte no mais profundo de nós mesmos, de onde brotam ao mesmo tempo fantasias alienantes e criações livres, mas mais verdadeiras que a verdade, delírios irreais e poemas surreais, esse duplo fundo eternamente recomeçado de toda coisa, sem o qual nada teria fundo, como eliminar o que está na base de, ou pelo menos inextricavelmente ligado a, o que faz de nós homens – nossa função simbólica, que pressupõe nossa capacidade de ver e pensar em uma coisa algo que ela não é?

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Portanto, na medida em que não queremos fazer da máxima de Freud uma simples idéia reguladora definida em referência a um estado impossível – portanto uma nova mistificação – existe um outro sentido a dar-lhe. Ela deve ser compreendida como remetendo não a um estado concluído, mas a uma situação ativa; não a uma pessoa ideal que se tornaria Ego definitivamente, realizaria um discurso exclusivamente seu, jamais produziria fantasmas – mas a uma pessoa real, que não para seu movimento de retomada do que havia sido adquirido, do discurso do Outro, que é capaz de revelar seus fantasmas como fantasmas e não se deixe finalmente ser dominada por eles – a menos que assim o deseje. Não se trata aí de um simples “tender para”, é uma situação, ela é definível por características que traçam uma separação radical entre ela e o estado de heteronomia (ordem de fora, do outro, opressão). Essas características não consistem em uma “tomada de consciência” efetuada para sempre, mas sim uma outra relação entre consciente e inconsciente, entre lucidez e função imaginária, em uma outra atitude do sujeito relativamente a si mesmo, em uma modificação profunda da mistura atividade-passividade, do signo sob o qual esta se efetua, do respectivo lugar dos dois elementos que a compõem. O fato de que poderíamos completar a proposição de Freud pelo seu inverso: onde é o Ego o Id deverá surgir, mostra quão pouco se trata, em tudo isso, de uma tomada de poder pela consciência no sentido estrito. O desejo, as pulsões – quer se trate de Eros ou de Thanatos – sou eu também, e trata-se de levá-los não somente à consciência, mas à expressão e à existência. Um sujeito autônomo é aquele que sabe ter boas razões para concluir: isso é bem verdadeiro, e: isso é bem meu desejo.

A autonomia não é pois elucidação sem resíduo e eliminação total de discurso do Outro não reconhecido como tal. Ela é instauração de uma outra relação entre o discurso do Outro e o discurso do sujeito. A total eliminação do discurso do Outro não reconhecido como tal é um estado não-histórico. O peso do discurso de Outro, não reconhecido como tal, pode ser visto mesmo nos que tentaram mais radicalmente atingir o fundo da interrogação e da crítica dos pressupostos tácitos – quer seja Platão, Descartes, Kant, Marx ou o próprio Freud. Mas existem precisamente o que – como Platão ou Freud – jamais pararam nesse movimento; e existem os que pararam, e que às vezes, por isso, se alienaram em seu próprio discurso tornado outro. Existe a possibilidade permanente e permanentemente atualizável de olhar, objetivar, colocar a distância e finalmente transformar o discurso de Outro em discurso do sujeito.

Mas o que é esse sujeito? Este terceiro termo da frase de Freud que deve advir de lá onde estava o Id, certamente não é o Eu do “eu penso”. Não é o sujeito-atividade pura, sem entrave nem inércia, êste fogo-fátuo dos filósofos subjetivistas, esta flama independente de qualquer suporte, liame e alimento.

A Arte e a Revolução – Terence McKenna

a-hndO renascimento arcaico é um clarim chamando·nos para recuperarmos nosso direito de nascença, por mais desconfortáveis que possamos ficar com isso. É um chamado para percebermos que a vida na ausência da experiência psicodélica sobre a qual se baseia o xamanismo primordial é uma vida trivializada, negada, escravizada ao ego e ao seu medo de se dissolver na misteriosa matriz de sentimento que está ao nosso redor. É no renascimento arcaico que reside nossa transcendência ao dilema histórico.

Há algo mais. Agora está claro que novos desenvolvimentos em muitas áreas – dentre elas a interface entre mente e máquina, a farmacologia da variedade sintética e o armazenamento e as técnicas de recuperação de dados e de imagens – estão se fundindo numa auto-imagem verdadeiramente demoníaca ou angélica de nossa cultura. Os que estão no lado demoníaco do processo têm consciência total desse potencial, e estão correndo a toda com seus planos para capturar o platô tecnológico. É uma posição a partir da qual esperam transformar praticamente todo mundo num consumidor crédulo num fascismo bege, de cuja fábrica de imagens ninguém escapará.

A resposta xamânica, a resposta arcaica, a resposta humana a essa situação deveria ser encontrar o pedal da arte e apertá-lo até o fundo. Essa é uma das funções primárias do xamanismo, e essa função é tremendamente sinergizada pelos psicodélicos. Se os psicodélicos são exoferomônios que dissolvem o ego dominante, então eles são também enzimas que sinergizam a imaginação humana e dão força à linguagem. Eles fazem com que conectemos e reconectemos os conteúdos da mente coletiva de maneiras ainda mais implausíveis, lindas e auto-realizadoras.

Se levarmos o renascimento arcaico a sério, precisaremos de uma nova imagem paradigmática que possa levar-nos rapidamente para diante e através do gargalo histórico que podemos sentir impedindo e resistindo a uma dimensão mais expansiva, mais humana e mais atenta, que insiste em nascer. Nosso sentimento de obrigação política, da necessidade de reformar ou salvar a alma coletiva da humanidade, nosso desejo de conectar o fim da história com o início da história – tudo isso deve nos impelir a ver o xamanismo como um modelo exemplar. Na atual crise global não podemos deixar de levar a sério suas técnicas, mesmo aquelas que podem desafiar os pactos divinamente ordenados da força policial.

EXPANSÃO DE CONSCIÊNCIA

Anos atrás, antes de Humphrey Osmond cunhar o termo “psicodélico”, havia uma descrição corrente para as substâncias psicodélicas; eram chamadas de “drogas expansoras da consciência” . Creio que essa é uma descrição muito boa. Considere nosso dilema neste planeta. Se a expansão da consciência não estiver no futuro humano, que tipo de futuro ele será? Para mim, a posição pró-psicodélicos é mais fundamentalmente ameaçadora para o Sistema porque, quando se pensa total e logicamente, ela é uma posição antidrogas e antivício. E não se engane; a questão são as drogas. O quão drogado você deve ser? Ou, colocando de outro modo, o quão consciente você deve ser? Quem deve ser consciente? Quem deve ser inconsciente?

Precisamos de uma definição aproveitável do que queremos dizer com “droga”. Uma droga é uma coisa que causa comportamento não examinado, obsessivo e habitual. Você não examina o comportamento obsessivo; você simplesmente o tem. Você não deixa nada se interpor no caminho de sua gratificação. Esse é o tipo de vida que nos estão vendendo em todos os níveis. Olhar, consumir e olhar e consumir mais ainda. A opção psicodélica está de lado, num canto minúsculo, jamais mencionada; entretanto ela representa o único fluxo diretamente contrário à tendência de deixar as pessoas em estados programados de consciência. Estados que não são programados por eles mesmos, mas pela Madison Avenue, pelo Pentágono, pelas 500 corporações da Fortune. Isso não é apenas uma metáfora; está realmente acontecendo conosco.

Olhando para Los Angeles de um avião, nunca deixei de perceber que a cidade é como um circuito impresso; todas aquelas rodovias curvas e ruas sem saída com os mesmos pequenos módulos instalados de cada lado. Enquanto a Reader’s Digest continuar sendo assinada e a TV ligada, esses módulos são partes intercambiáveis de uma máquina muito grande. Essa é a realidade de pesadelo que Marshall McLuhan, Wyndham Lewis e outros previram: a criação do publico como um rebanho. O público não tem história nem futuro, o público vive num momento dourado criado por um sistema de credito que liga-o inelutavelmente a uma a uma teia de ilusões jamais criticada. Essa é a conseqüência definitiva de termos rompido o relacionamento simbiótico com a matriz Gaia do planeta. Esta é a conseqüência da falta de igualitarismo; este é o legado do desequilíbrio entre os sexos; esta é a fase terminal de uma longa descida para a confusão existencial tóxica e sem sentido.

O crédito por ter-nos dado instrumentos para resistir a esse horror pertence a heróis desconhecidos, botânicos e químicos, pessoas como Richard Schultes, os Wassons e Albert Hofmann. Graças a eles está em nossas frágeis mãos, neste mais caótico dos séculos, fazer alguma coisa para resolver nossa dificuldade. A psicologia, ao contrário, esteve complacente e silenciosa. Os psicólogos ficaram contentes com a teoria behaviorista durante cinqüenta anos, mesmo sabendo em seus corações que estavam prestando um desserviço potencialmente fatal à dignidade humana, ao ignorar o potencial dos psicodélicos.


A GUERRA CONTRA AS DROGAS

Se há um momento certo para ouvir, para contar e para tentar clarear o pensamento sobre essas coisas, o momento é agora. Durante algum tempo houve um grande ataque contra a Declaração dos Direitos com o pretexto da chamada guerra contra as drogas. De algum modo, a questão das drogas é ainda mais assustadora e insidiosa para o rebanho do público do que o foi o comunismo. A qualidade da retórica que emana da comunidade psicodélica deve melhorar radicalmente. Caso contrário, perderemos o direito de reclamar nosso direito de nascença, e toda a oportunidade de explorar a dimensão psicodélica será cortada. Ironicamente, esta tragédia poderia ocorrer quase como uma nota de rodapé para a supressão dos narcóticos sintéticos e viciantes. Não se pode dizer com muita freqüência: a questão psicodélica é uma questão de direitos e liberdades civis. É uma questão relacionada às mais básicas das liberdades humanas: a da liberdade religiosa e da privacidade da mente individual.

Já se disse que as mulheres não poderiam votar porque a sociedade seria destruída. Antes, os reis não podiam abrir mão do poder absoluto porque disso resultaria o caos. E agora dizem que as drogas não podem ser legalizadas porque a sociedade se desintegraria. Isso é um absurdo pueril! Como vimos, a história humana poderia ser contada como uma série de relacionamentos com plantas, relacionamentos criados e rompidos. Exploramos várias maneiras pelas quais as plantas, as drogas e a política se misturaram cruelmente – desde a influência do açúcar sobre o mercantilismo até a influência do café sobre os trabalhadores de escritórios hoje em dia, desde a Inglaterra forçando o ópio à população chinesa até a CIA usando heroína nos guetos para acabar com a dissidência e a insatisfação.

A história é a história desses relacionamentos com as plantas. As lições a serem aprendidas podem ser trazidas à consciência, integradas na política social e usadas para criar um mundo mais atento, mais significativo, ou podem ser negadas assim como a discussão da sexualidade humana foi reprimida até que o trabalho de Freud e outros a trouxessem à luz. A analogia é válida porque o aumento na capacidade de experiência cognitiva possibilitado pelos alucinógenos vegetais é uma parte tão básica de nossa humanidade quanto nossa sexualidade. A questão de quão rapidamente nos desenvolveremos numa comunidade madura, capaz de discutir essas questões, depende totalmente de nós.


O HIPERESPAÇO E A LIBERDADE HUMANA

A coisa mais temida pelos que defendem a solução inexeqüível do “Diga não” é um mundo em que todos os valores comunitários tradicionais se dissolveram diante de uma busca infinita da autogratificação por parte de indivíduos e populações obcecados com as drogas. Não devemos descartar essa possibilidade muito real. Mas o que deve ser rejeitado é a noção de que esse futuro perturbador pode ser evitado com caças às bruxas, supressão de pesquisas e disseminação histérica de desinformações e mentiras.

As drogas fazem parte da galáxia de interesses culturais desde o início dos tempos. Somente com o advento de tecnologias capazes de refinar e de concentrar princípios ativos de plantas e preparados vegetais, as drogas se separaram do pano de fundo dos interesses culturais e se tomaram um flagelo.

De certo modo, o que temos não é um problema de drogas, e sim um problema com a administração de nossas tecnologias. Será que nosso futuro incluirá o surgimento de novas drogas sintéticas, cem ou mil vezes mais viciantes do que a heroína ou o crack? A resposta é absolutamente sim – a não ser que nos conscientizemos e examinemos a necessidade humana básica de uma dependência química e em seguida encontremos e sancionemos caminhos para a expressão dessa necessidade. Estamos descobrindo que os seres humanos são criaturas com hábitos químicos, com a mesma descrença horrorizada de quando os vitorianos descobriram que os humanos são criaturas com fantasias e obsessões sexuais. Esse processo de nos encararmos como espécie é precondição necessária para a criação de uma ordem social e natural mais humana. É importante recordar que a aventura de encarar quem somos não começou ou terminou com Freud e Jung. O argumento que este livro buscou desenvolver é que o próximo passo na aventura do autoconhecimento só pode começar quando levarmos em conta nossa necessidade inata e legítima de um ambiente rico de estados mentais induzidos através de um ato de vontade. Acredito que podemos iniciar o processo revendo nossas origens. De fato, fiz um grande esforço para mostrar que, no ambiente arcaico em que surgiu a auto-reflexão, encontramos pistas para as raízes de nossa história atormentada.


O QUE É NOVO AQUI

Os indóis alucinógenos, não estudados e legalmente suprimidos, são apresentados aqui como agentes de mudança evolucionária. Eles são agentes bioquímicos cujo impacto definitivo não está na experiência direta do indivíduo, e sim na constituição genética da espécie. Os primeiros capítulos chamaram atenção para o fato de que o aumento na acuidade visual, o aumento no sucesso reprodutivo e o aumento na estimulação das funções protolingüísticas do cérebro são conseqüências lógicas da inclusão de psilocibina na dieta dos primeiros homens. Se puder ser provada a noção de que a consciência humana emergiu da sinergia do neurodesenvolvimento mediado pelos indóis, mudará a imagem que fazemos de nós mesmos, de nosso relacionamento com a natureza e do dilema atual com o uso das drogas na sociedade.

Não há solução para o “problema das drogas” , para o problema da destruição ambiental ou para o problema do arsenal nuclear a não ser que nossa auto-imagem como espécie seja reconectada à terra. Isso começa com uma análise da confluência especial de condições que devem ter sido necessárias para que a organização animal desse pela primeira vez o salto para a auto-reflexão consciente. Uma vez que seja compreendida a centralidade da simbiose homem-planta mediada pelos alucinógenos no cenário de nossa origem, estaremos em posição de avaliar nosso estado atual de neurose. A assimilação das lições contidas naqueles eventos antigos e formativos podem estabelecer as bases para soluções destinadas a atender não somente à necessidade de a sociedade administrar o uso e o abuso de substâncias como também à nossa necessidade profunda e crescente de dar uma dimensão espiritual às nossas vidas.

(Extraído do livro “O Alimento dos Deuses”, de Terence McKenna)

A pesquisa interdisciplinar da Ayahuasca e do DMT

por Marcelo Bolshaw Gomes

Nos últimos anos o fenômeno social e religioso do Ayahuasca, devido a sua enorme complexidade, vem atraindo vários pesquisadores de diferentes especialidades: antropólogos, juristas, psicólogos, biólogos, farmacêuticos, entre outros. Poucas pesquisas, no entanto, alcançam uma visão interdisciplinar de conjunto, se prendendo as particularidades de seu enfoque específico. Por exemplo, há hoje pesquisas de etno-música e de lingüística sobre a poética investigando os cantos do ayahuasca sem se preocupar com sua química ou com suas interações sociais dos cultos atuais. O presente texto pretende fazer uma introdução resumida destes estudos específicos, não só para orientação dos que se iniciam neste assunto multifacetado, mas, sobretudo, para tentar sistematizar de um modo mais abrangente, os resultados dessas diferentes investigações científicas em uma perspectiva interdisciplinar comum.

A PESQUISA NA ÁREA DA ANTROPOLOGIA
A bebida conhecida como Ayahuasca ou Iagé é preparada através da infusão do cipó do Jagube ou Mariri (Banisteriopsis caapi) e da folha da Rainha ou Chacrona (Psychotria viridis) – naturais da região amazônica. A bebida teria origem do Império Inca e seu uso teria se difundido entre várias tribos indígenas, das quais se tem razoável conhecimento antropológico. Ingerindo o chá, os índios absorvem o espírito da planta e, em transe, têm experiências psíquicas e vivenciam fenômenos paranormais, tais como a telepatia, a regressão a vidas passadas, contatos com os espíritos dos seus antepassados mortos, presciência e visão à distância. Há relatos de xamãs usavam a bebida para descobrir qual era a doença de seus pacientes e saber como tratá-la. Diversos antropólogos, inclusive, tomaram o chá e descreveram seus efeitos parapsíquicos.
Ainda hoje, várias tribos praticam rituais com o uso do Ayahuasca no Brasil, como as dos Kampas e dos Kaxinawás, localizadas perto da fronteira com o Peru. Desde o início do século, nos contatos culturais entre seringueiros e índios, a Ayahuasca passou a ser usada pelos migrantes nordestinos, que colonizaram a Amazônia ocidental. Destes contatos surgiram diversos grupos que associaram o uso da bebida a um contexto religioso cristão-espírita, dos quais a União do Vegetal, no estado de Rondônia, o Santo Daime e a Barquinha, no Acre, são os maiores expoentes.

Na Internet, é possível levantar bastante informação sobre o assunto em sites especializados(2). Também é possível ler alguns importantes trabalhos científicos em arquivos pdf. Dentre as diferentes opções, indicamos a tese de doutorado de Sandra Lucia Goulart, Contrastes e Continuidades em uma Tradição Amazônica: as religiões da ayahuasca, dá uma visão panorâmica dos cultos atuais. Especificamente sobre o culto da Barquinha, há o trabalho de Marcelo Simão Mercante, Ecletismo, Caridade e Cura na Barquinha da Madrinha Chica e Ensaio sobre a cura no contexto de um grupo da Barquinha , de Rafael Guimarães dos Santos.
Sobre a história da União do Vegetal (UDV), há poucos trabalhos acadêmicos, mas, na internet, existem pelo menos dois documentos relevantes: um com a versão oficial da entidade e outro com uma visão mais histórica.

Já sobre o Santo Daime, há muita coisa escrita e publicada, sugerimos o trabalho de Débora Carvalho Pereira Gabrich, O Trabalho oculto e exotérico de Raimundo Irineu Serra, sobre as origens do culto e de Armênio Celso de Araújo, Teodicéia Brasileira: Uma Breve História do Santo Daime sobre seu desenvolvimento. Há ainda alguns trabalhos antropológicos sobre aspectos específicos, que transversalmente alcançam patamares universais, como o de Leandro Okamoto da Silva Marachimbé veio foi para apurar. Estudo sobre o castigo simbólico, ou peia, no culto do Santo Daime(3) ou de Arneide Bandeira Cemin, O “Livro Sagrado” do Santo Daime .

Um dos trabalhos antropológicos mais significativos é o pioneiro Guiado pela Lua – Xamanismo e uso ritual da ayahuasca no culto do Santo Daime, de Edward MacRae (1992). Atualmente, há também os livros de Beatriz Caiuby Labate (4): O Uso Ritual da Ayahuasca (2002, em conjunto com Wladimyr Sena Araújo), A Reinvenção do Uso da Ayahuasca nos Centros Urbanos (2004) e O Uso Ritual das Plantas de Poder (2005, em conjunto com Sandra Goulart).

No âmbito internacional, destacamos o trabalho de pesquisa interdisciplinar desenvolvido por Ralph Metzner, Ayahuasca – Human Consciousness and the Spirit of Nature (Tradução Márcia Frazão: Gryphus, 2002). O livro é subdividido em quatro partes: a experiência da Ayahuasca (composta por 25 depoimentos pessoais de pesquisadores com ênfase em descobertas espirituais fora dos paradigmas religiosos tradicionais): Ayahuasca: uma história etnofarmacológica, de Denis Mckenna; A psicologia da Ayahuasca, de Charles S. Grob; e Fitoquímica e neurofarmocologia da Ayahuasca, de Jace C. Callaway. Além, da introdução e conclusão do próprio Metzner, sintetizando os resultados dos textos da coletânea, há também uma revisão histórica completa dentro de um contexto mais amplo da pesquisa da consciência e a espiritualidade.

A PESQUISA NA ÁREA DO DIREITO

Paralelamente ao crescimento dos cultos e à expansão do uso religioso da Ayahuasca, uma forte resistência dos setores conservadores da sociedade brasileira se formou, pressionando o governo para embargar o funcionamento destas instituições nos grandes centros metropolitanos. Porém, no dia dois de junho de l992, o conselho decidiu liberar definitivamente a utilização do chá para fins religiosos em todo o território nacional. Segundo a então presidente do Conselho Federal de Entorpecentes (Confen), Ester Kosovsky, “a investigação, desenvolvida desde l985, baseou-se numa abordagem interdisciplinar, levando em conta o lado antropológico, sociológico, cultural e psicológico, além de análises fitoquímicas”.

O relator do processo de investigação, Domingos Carneiro de Sá, explicou que o fato fundamental para a liberação da bebida foi o comportamento dos daimistas e a seriedade dos centros que utilizam o chá em seus rituais: “Não foram observadas atitudes anti-sociais dos participantes dos cultos, ao contrário, podemos constatar os efeitos integrados e reestruturantes do Daime com indivíduos que antes de participarem dos rituais apresentavam desajustes sociais ou psicológicos”. (SILVA SÁ, Domingos Bernardo Gialluisi. Ayahuasca, a consciência da expansão, in: Discursos sediciosos. Crime, Direito e Sociedade. Rio de Janeiro, Instituto Carioca de Criminologia, 1996, pp. 145-174).

DATA / DOCUMENTO
30/07/1985 RESOLUÇÃO Nº 4 DO CONFEN
04/02/1986 RESOLUÇÃO Nº 6 DO CONFEN
31/01/1986 PARECER DO CONFEN SUBMETIDO À PLENÁRIA
17/08/1998 PORTARIA Nº 117 DO IBAMA
24/11/1991 CARTA DE PRINCÍPIOS DAS ENTIDADES
02/06/1992 ATA DA 5ª REUNIÃO ORDINÁRIA – CONFEN
16/10/2001 PORTARIA Nº 4 DO IBAMA
04/11/2004 RESOLUÇÃO Nº 5 DO CONAD
17/08/2004 PARECER DO CATC
30/05/2006 COMPOSIÇÃO DO GMT-CONAD
e 06/11/2006 RELATÓRIO FINAL DO GMT-CONAD
Fonte: ayahuascabrasil

Com a expansão do Ayahuasca para outros países, surgiram questões jurídicas internacionais referentes a utilização e transporte da bebida. Dentre os vários processos de legalização, uma referência internacional importante é o texto Religious Freedom and United States Drug Laws: Notes on the UDV-USA Legal Case (MEYER, 2005). O site do Santo Daime na Itália também disponibiliza uma página com literatura jurídica internacional, com material sobre vários países.

A PESQUISA NA ÁREA DA BIOLOGIA

O Projeto Hoasca foi uma iniciativa organizada pela União do Vegetal (UDV) sobre a toxidade do Ayahuasca do ponto de vista clínico. Durante o verão de 1993, um grupo multinacional de pesquisadores biomédicos dos Estados Unidos, Finlândia e Brasil encontrou-se em Manaus para conduzir o mais completo exame dos efeitos bioquímicos e psicológicos da bebida. Participaram desta pesquisa interdisciplinar: Grob; McKenna; Callaway; Strassman, entre outros. Mas, além dos resultados atestando a baixa toxicidade do Ayahuasca para usuários de longo prazo, o Projeto Hoasca também deslocou o foco da pesquisa interdisciplinar da bebida para neuroquímica de seus principíos psicoativos, principalmente a DMT.

N,N-DMT ou N,N-dimetiltriptamina (C12H16N2) é um psicoativo que causa intensa emergência visual quando fumado, injetado ou ingerido oralmente. Na Ayahuasca, está presente na folha Psychotria viridis e em combinação com as enzimas MAOI (harmina e harmalina) existentes no cipó Banisteriopsis caapipermite um mais efeito prolongado e potencializado do que se utilizado sozinho em altas dosagens sem inibidores. N,N-DMT é muito chamou freqüentemente só “DMT”, embora este nome cause confusão algumas vezes com seu primo químico 5-MeO-DMT. A DMT é também um neurotransmissor químico presente naturalmente no corpo humano bem como em plantas muitas e em outros mamíferos. Não há registros que ele cause dependência física ou psicológica, mas há contra-indicações: os efeitos do N,N-DMT são dramaticamente aumentado se usados em altas dosagens (fumado, por exemplo) por indivíduos usando MAOIs. MAOIs são enzimas comumente encontradas nos anti-depressivos (phenelzine, tranylcypromine, isocarboxazid, l-deprenyl e moclobemide). Indivíduos propensos à esquizofrenia, com tendências à psicose depressiva ou ainda em estado emocional vulnerável devem ter cuidado com a DMT pois ela pode funcionar como um ‘gatilho’ para a manifestação desses desequilíbrios. Hoje, na internet, encontram-se alguns sites com informação detalhada sobre a substância (http://dmt.lycaeum.org/ ehttp://www.erowid.org/chemicals/dmt/dmt.shtml).

A DMT e as beta-carbolinas são similares em sua estrutura molecular a Serotonina, um neurotransmissor responsável por vários processos cognitivos. Isto levou a uma série de especulações sobre qual seriam os efeitos do Ayahuasca em nosso organismo?
Para Ralph Miller(5), por exemplo, em Ayahuasca – Universidade de Gaia:

A Pineal irá produzir DMT em grandes quantidades em pelo menos dois momentos das nossas vidas: no nascimento e na morte. Talvez ela prepare a chegada e a partida da alma. Pessoas que experimentam “situações de quase morte” – vendo luzes fortes, portais, ícones religiosos – relatam efeitos semelhantes aos das experiências com DMT. As moléculas de DMT são similares às moléculas da Serotonina e se encaixam nos mesmos receptores do cérebro. Isto é extraordinário porque, assim como a Serotonina, a DMT é uma chave específica que naturalmente se encaixa nesta “trava” do cérebro. Assim, você tem a DMT se encaixando aos receptores do cérebro, o que produz visões, enquanto as propriedades pró-Serotonina e pró-Dopamina do chá criam um estado de alerta e receptividade.

Do ponto de vista científico, há várias hipóteses sobre o papel da DMT no cérebro humano. Uma hipótese é de que esta substância estaria relacionada com a manifestação da esquizofrenia e dos distúrbios psicóticos. No entanto, ao se encontrar níveis semelhantes de DMT em sujeitos sadios e em esquizofrênicos, esta hipótese vem sendo abandonada. (FISCHMAN, 1983). Outra hipótese, postulada por Richard Strassman em seu livro, A Molécula do Espírito, diz que a DMT é produzida pela glândula Pineal e está relacionada com experiências de “pico” (nascimento, experiências de quase-morte, morte etc). Uma terceira hipótese feita por Callaway, que se relaciona com as duas primeiras, é que a DMT está relacionada com a regulação do sono, especificamente, na produção das imagens nos sonhos: o sono REM. Neste caso, se a DMT fosse produzida em excesso poderia ocasionar alucinações.

Atualmente, várias pesquisas investigam a utilização de medicamentos a base de DMT para tratamento químico de depressão, neuroses, fobias, síndromes neurológicas, bem como sua utilização como potencializador da consciência em processos terapêuticos psicológicos.

A PESQUISA NA ÁREA DA PSICOLOGIA

Enquanto os pesquisadores das áreas biológicas dão um enfoque enquadrado particularmente aos efeitos químicos da DMT no cérebro, os pesquisadores das áreas clínicas e psicológicas estudam a mudança nos estados de consciência e de percepção, distribuindo sua atenção em três fatores: a bebida, o ambiente (setting) e a intenção (set. A hipótese denominada em inglês de ‘set and setting’, formulada inicialmente por Timothy Leary com LSD nos anos 60, foi adotada pela maioria dos pesquisadores da área. A hipótese afirma que o conteúdo de uma experiência com substancia psicoativa é uma resultante da interação desses três fatores básicos.

Charles S. Grob, também participante do Projeto Hoasca, fez a mais ampla revisão bibliográfica sobre o Ayahuasca na área da psicologia clínica e neuro-psiquiatria (METZNER, 2002, p. 195) e considera a hiper-sugestionabilidade como um dos efeitos psico-químicos, detalhando o aspecto ambiental (setting) em vários fatores (o papel do líder, do grupo, do local). Ele é um dos pesquisadores que concluem que “o contexto, o roteiro e o propósito” são mais importantes do que os efeitos químicos de substância psicoativas (nos processos de “cura” e de autoconhecimento propiciados pela bebida).

Em relação às características dos estados de consciência quimicamente alterados pelo Ayahuasca, Grob aponta: a) Diminuição ou expansão da consciência reflexiva, com alterações de pensamento, mudanças subjetivas na concentração, na atenção, na memória e no julgamento podem ser induzidas voluntariamente em vários níveis de uma mesma experiência. b) Aumento da imaginação visual. Grob também identifica, dentre as experiências de milhares usuários entrevistados, várias recorrências psicológicas durante o transe: medo de perder o controle; resistência do ego (bad trip) e transcendência para estados místicos (entrega); aumento da expressão emocional – tristeza, alegria, desespero, fé; entre outras menos freqüentes.

Bastante significativa é a descrição do transe feita pelo Dr. Regis Barbier, no artigo Ayahuasca como opção espiritual (6)

A Ayahuasca revela que o conhecimento que temos do mundo, da existência, é um estado ou processo psicossomático. (…) A percepção, habitualmente embotada, permite apenas aprender e acessar uma fração distorcida de realidade; uma realidade revestida de projeções pessoais e pressuposições. (…) A Ayahuasca amplifica a capacidade psicossomática de responder a gradações mais sutis de estímulos além de muitas vezes integrar as diversas faculdades sensoriais em processos sinestésicos. Esse efeito de aumentar a capacidade de experienciar, de avaliar e apreciar por si mesmo, é central para a compreensão do seu significado. Esta amplificação, como uma lupa, permite uma (re)visitação intensiva e absorta dos conteúdos mentais – recordações, idéias, fantasias, pensamentos, emoções, medos, esperanças, sensações em gerais. Na dependência da ética e valores morais atuais do indivíduo, além de influir na intensidade e no foco das percepções, a experiência pode motivar a re-significação dos conteúdos sendo observados. Valores morais e atitudes são revistas. Aqui temos uma tecnologia que alterando a composição bioquímica do instrumento e dos meios de processamento da informação, permite a inativação temporária dos filtros culturais e psicodinâmicos que nos bastidores da mente agem determinando, formatando e hierarquizando, nossas experiências quotidianas. Pode se de fato aprender muito, crescer e liberar energia psíquica e vendo, transformando, eliminando, aceitando e se reconciliando com conteúdos incômodos. (…) O grande valor da Ayahuasca, trazidos à nossa atenção pelas sociedades indígenas, é que ela dissolve os limites da mente inconsciente; ela dá acessos aos conteúdos reprimidos e esquecidos. Ela possibilita o reconhecimento das configurações universais da psique, os arquétipos de humanidade, junto com um leque mais abrangente de conhecimentos e maneiras de conscientizar, até eventualmente a vivência dos diversos aspectos da união mística. Na medida em que o indivíduo consegue ver as coisas de uma maneira não distorcida, vendo claramente não apenas o seu passado mais também a presunção e cegueira da sua própria cultura e grupos de referencias, ele necessita, além de tolerar a decepção e o sofrimento, superar sentimentos de desamparo. Nem sempre é fácil ter de ver e aceitar que não somos assim tão vítimas, mas sim responsáveis pelas nossas vidas; aceitar ser capaz, reconhecer o seu potencial e a responsabilidade que isso requer implica coragem e determinação. Podemos até recusar crer que fazemos jus a muita beleza e alegria, bem estar profundo, sem nada ter de pagar além de ser o que já se é; apenas sendo o que já somos. O gerenciamento emocional produtivo dessa reavaliação, a reorganização psíquica, implica um grau suficiente de equilíbrio e bom senso para que se tomam atitudes judiciosas sem precipitações.

Outra grande contribuição ao estudo psicológico do Ayahuasca é o trabalho de Benny Shanon, O Conteúdo das Visões da Ayahuasca, em que além de trabalhar um levantamento das imagens das mirações e da hipótese de aceleração e desaceleração da percepção do tempo durante o transe, se discute também a pesquisa da mente através do ayahuasca (e não mais o efeito da ayahuasca na mente humana).

Shanon já havia escrito sobre o Ayahuasca como instrumento de investigação da mente (in LABATE, 2002; pág. 631), através dos parâmetros teóricos da psicologia cognitiva. Para ele, há questões fenomenológicas de primeira ordem (o que está sendo experimentado?) e de segundo ordem (Há uma ordem e um sentido no que está sendo experimentado?). Há também questões de dinâmica, de contexto e teóricas gerais a serem discutidas sobre o uso do Ayahuasca. Por exemplo, em relação às questões fenomenológicas de primeira ordem, Shanon distingue as questões de conteúdo das de domínio e de estrutura. Assim, felinos, pássaros e répteis são as imagens mais recorrentes nos transes, seguidos de perto pelos palácios, tronos e imagens arquitetônicas celestiais.

serpientes21A pesquisa destaca que as imagens são ‘universais da mente’ (semelhantes ao que Jung chamou de arquétipos), pois surgem em indivíduos sociais e culturalmente diferentes. Esses conteúdos podem surgir de diferentes formas ou domínios e o encadeamento dessas formas com estes conteúdos forma estruturas narrativas paralelas aos rituais. E Shanon entrevê, através deste sistema cognitivo de conteúdos/domínios, os parâmetros estruturais da consciência e destaca pelo menos quatro aspectos relevantes em relação ao efeito do Ayahuasca: a percepção do pensamento como uma cognição coletiva, a indistinção entre o interior e o exterior, e as experiências desindentificação pessoal e de tempo não-linear. Ou seja: quando tomam Ayahuasca as pessoas percebem que seus pensamentos não são individuais, mas sim ‘recebidos em rede’ (a mente como um rádio); que não existe a distinção entre o sensorial e o sensível; podem se transformar em animais (jaguares e águias são freqüentes) ou em outras pessoas; e finalmente percebem o transcorrer do tempo de forma desigual, em que alguns segundos demoram séculos e horas se sucedem rapidamente e em que alguns momentos se experimentam a simultaneidade (ou a sensação de eternidade) temporal. Quando baixamos arquivos no computador, pode-se perceber que alguns segundos demoram mais que outros, em função do peso do arquivo e da aceleração da conexão da internet. O que Shanon suspeita é que o mesmo acontece com o cérebro, mas só é perceptível sob o efeito do Ayahuasca.

Acredito que o desenvolvimento das pesquisas na área da psicologia se dará a partir do aprofundamento neurocientífico das teses de Shanon. Ou seja: não apenas estudar o efeito químico da substância no organismo, mas, sobretudo, compreender quais dimensões de consciência que este efeito propicia (telepatia, regressões mentais a traumas infantis, visualização de imagens do inconsciente profundo, mudanças na percepção do tempo e da realidade). Além de investigar o efeito da DMT no cérebro, observando o aspecto reverso, estudar a mente através da DMT – este será o propósito central das pesquisas psicológicas da ayahuasca.

ANTEPROJETO

Além, de pesquisas psicológicas, antropológicas, jurídicas e biológicas (incluindo aqui estudos neuroquímicos, farmacêuticos e clínicos), há também várias pesquisas sobre a música das cerimônias, a poesia dos cantos, as danças do ritual, a arquitetura dos templos, enfim, toda descrição semiótica e lingüística da arte dos cultos, bem como suas concepções doutrinárias. Nosso objetivo aqui, como dissemos no começo, é o de introduzir as diferentes investigações sobre a ayahuasca, buscando observar o que cada tem de essencial em relações às demais. Mais do que uma síntese entre essas pesquisas, o que se pretende é o de estabelecer uma atualização sistemática dessas investigações e observar as suas inter-relações. Teríamos, assim, nesta perspectiva, uma pesquisa interdisciplinar do Ayahuasca cinco linhas específicas de observação e acompanhamento: Antropologia, Direito internacional, Biologia (subdividido em várias áreas), Psicologia e Comunicação Social. Cada linha de pesquisa deve ser coordenada por doutor e, na prática, consistiria na investigação e na sistematização de um aspecto específico da pesquisa inter-disciplinar.

O projeto inter-disciplinar de pesquisa do Ayahuasca e da DMT prevê ainda: a) realização de encontros anuais em diferentes universidades e centros de estudos, em que os pesquisadores, organizados em Grupos de Trabalho segundo as linhas de pesquisa, apresentarão artigos e resenhas sobre a literatura internacional sobre o tema; e b) a criação de uma publicação acadêmica nacional, impressa e na internet, com a produção científica dos pesquisadores e informações sobre as pesquisas internacionais semelhantes

Notas:

(1) Marcelo Bolshaw Gomes < marcelobolshaw@ufrnet.br> é jornalista, professor de comunicação e doutor em ciências sociais pela UFRN, mas o presente texto é resultado da interação de vários pesquisadores através da lista:http://br.groups.yahoo.com/group/pesquisadores_da_ayahuasca/.

(2) V. principalmente www.santodaime.org; www.ayahuasca.com e http://yage.net/

(3) Há um capítulo especialmente interessante: A Peia de todos e a peia de cada um.

(4) Mestre e doutoranda em Antropologia Social pela Unicamp, pesquisadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos e coordenadora do instituto Alto das Estrelas .

(5) Tradução: Sergio Garcia Paim, originalmente publicado em

(6) Originalmente publicado no site: http://www.panhuasca.org.br

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O Cogumelo Sagrado Teonanacatl – Albert Hofmann

Os trechos a seguir são transcrições do capítulo 6 (“Os Parentes Mexicanos do LSD”) do livro “LSD: Minha Criança Problema“, de Albert Hofmann.

Mais tarde, em 1956, uma notícia no jornal despertou meu interesse. Entre alguns índios do México meridional, pesquisadores americanos tinham descoberto uns cogumelos que eram comidos em cerimônias religiosas e isso produzia uma condição inebriada acompanhada por alucinações.

Desde então, além do caso do cacto da mescalina também achado no México, até aquela ocasião, nenhuma outra droga era conhecida que produzissem alucinações como o LSD. Eu gostaria de estabelecer contato com estes pesquisadores para aprender os detalhes sobre estes cogumelos alucinógenos, mas não havia nenhum nome e nem endereços no artigo do pequeno jornal, de forma que foi impossível adquirir qualquer informação adicional. Não obstante, os cogumelos misteriosos cuja investigação química seria um problema tentador, não saíam dos meus pensamentos.

Como isto depois ficou demonstrado, o LSD foi a razão pela qual estes cogumelos acharam o caminho do meu laboratório, sem a minha ajuda, no início do ano seguinte.

Pela mediação do Dr. Yves Dunant, na ocasião diretor da filial de Paris da Sandoz, um pedido de informação chegou à administração da pesquisa farmacêutica na Basiléia, proveniente do Professor Roger Heim, diretor do Laboratório de Criptogamia do “Museum National d’Histoire Naturelle” de Paris, perguntando se nós estávamos interessados em executar uma investigação química sobre cogumelos alucinógenos mexicanos. Com grande alegria eu me declarei pronto para começar este trabalho em meu departamento, nos laboratórios de pesquisas de produtos naturais. Isso seria o meu vínculo às investigações excitantes dos cogumelos sagrados mexicanos que já estavam amplamente avançadas nos aspectos etno-micológico e botânico.

Por muito tempo a existência destes cogumelos mágicos tinha permanecido um enigma. A história do redescobrimento deles foi apresentada, pela primeira vez, em um magnífico trabalho de dois volumes de tratados de etno-micologia, Cogumelos, Rússia e História (Pantheon Books, Nova Iorque, 1957), pelos autores, os investigadores americanos Valentina Pavlovna Wasson e seu marido, R. Gordon Wasson, que representaram um decisivo papel neste redescobrimento. As seguintes descrições da fascinante história destes cogumelos foram tiradas do livro dos Wassons.

A primeira evidência escrita do uso de cogumelos inebriantes, por ocasiões de festival ou no curso de cerimônias religiosas e nas práticas curativas orientadas pela magia, foi achada entre os cronistas espanhóis e naturalistas do décimo sexto século que entraram no país logo em seguida da conquista do México por Hernan Cortez. O mais importante destes testemunhos é o do frade franciscano Bernardino Sahagun que menciona os cogumelos mágicos e descreve seus efeitos e seus usos em várias passagens do seu famoso trabalho histórico, “Historia General de las Cosas de Nueva Espana”, escrito entre os anos 1529 e 1590. Onde, por exemplo, ele descreve como os comerciantes celebravam o retorno para casa, depois de uma próspera viagem empresarial, com uma festa baseada em cogumelos:

Em primeiro lugar, na hora de festejar, eles comiam cogumelos quando, como eles diziam, era chegada a hora do soprar as flautas. Nesta hora eles não usavam comidas; só bebiam chocolate durante a noite e comiam cogumelos com mel. Quando os cogumelos já estavam entrando em ação, havia gente dançando e gente se lamentando… Alguns tinham visões de que morreriam na guerra, outros que seriam devorados por bestas selvagens… Alguns viam nas visões que ficariam ricos. Alguns viam que comprariam escravos, que se tornariam donos de escravos. Alguns tiveram visão de que cometeriam adultério e assim teriam suas cabeças despedaçadas, seriam apedrejados até a morte… Alguns tinham uma visão de que eles morreriam na água. Alguns viam numa visão que eles teriam tranqüilidade na morte. Alguns tinham visões de que eles cairiam do telhado e morreriam… Todas essas coisas eles viam… E quando os efeitos dos cogumelos cessavam, eles conversavam uns com os outros, o que eles tinham visto na visão.

Numa publicação do mesmo período, Diego Duran, um frade dominicano, informou que cogumelos inebriantes eram comidos durante a grande festividade por ocasião da ascensão de Montezuma II ao trono, o famoso imperador dos astecas, no ano 1502. Uma passagem na crônica do décimo sétimo século, de Don Jacinto de la Serna, refere-se ao uso destes cogumelos numa cerimônia religiosa:

E o que aconteceu lá tinha a ver com a vinda [para a aldeia] de um índio… e o nome dele era Juan Chichiton… e ele tinha trazido os cogumelos de cor vermelha que foram colhidos nos planaltos, e com eles ele tinha cometido uma grande idolatria… Na casa onde todo o mundo tinha se reunido por ocasião do banquete de um santo… o teponastli [um instrumento de percussão asteca], estava tocando e cantando durante toda a noite. Depois que a maior parte da noite tinha passado, Juan Chichiton, que era o sacerdote para aquele ritual solene para todos os presentes na “fiesta”, deu os cogumelos para comer e depois, à maneira de uma Comunhão, lhes deu pulque para beber… de forma que todos perderam suas cabeças, uma vergonha de se ver.

Em Nahuatl, o idioma dos astecas, estes cogumelos eram chamados como teonanacatl que pode ser traduzido como “cogumelo sagrado”.

Há indicações de que o uso cerimonial de tais cogumelos cresceu rapidamente em tempos précolombianos muito distantes. Foram achadas pedras em forma de cogumelo em El Salvador, Guatemala, e nos distritos montanhosos contíguos do México. Estas são esculturas de pedra no formato de cogumelo, em cujo talo são esculpidas a face ou a forma de um deus ou um demônio do tipo animal. A maioria é de aproximadamente 30 cm de altura. Os exemplos mais antigos, de acordo com arqueólogos, datam de antes de 500 A.C.

  1. G. Wasson discute, de forma bem convincente, que há uma conexão entre estas pedras em forma de cogumelo e o teonanacatl. Se isto for verdadeiro, significa que o culto do cogumelo, o uso mágico-medicinal e religioso-cerimonial dos cogumelos mágicos, tem mais de dois mil anos de idade.

Para os missionários Cristãos, a inebriação, a visão e os efeitos alucinógenos produzidos por estes cogumelos, pareciam ser o trabalho do Diabo. Eles tentaram então, com todos os meios ao seu alcance, extirpar o uso deles. Mas eles só tiveram um parcial sucesso, porque os índios continuaram secretamente até nosso tempo, a utilizar o teonanacatl na forma de cogumelo, o que era sagrado para a eles.

Estranhamente, os relatórios nas crônicas antigas sobre o uso de cogumelos mágicos permaneceram desapercebidos durante os séculos seguintes, provavelmente porque eles foram considerados produtos da imaginação de uma época supersticiosa.

Todos os traços da existência de “cogumelos sagrados” estava em perigo de esquecimento de uma vez por todas quando, em 1915, um renomado botânico americano, Dr. W. E. Safford, em um relato anterior ao da Sociedade Botânica em Washington e numa publicação científica, lançou a tese de que nunca antes houvera nada semelhante aos cogumelos mágicos: os cronistas espanhóis tinham tomado o cacto da mescalina como um cogumelo! Não obstante isso fosse falso, esta proposição de Safford serviu para dirigir a atenção do mundo científico para o enigma dos cogumelos misteriosos

Foi o médico mexicano Dr. Blas Pablo Reko quem primeiro abertamente discordou com a interpretação de Safford e que achou evidência de que ainda são empregados em nosso tempo, cogumelos em cerimônias medicinais-religiosas, em distritos longínquos, nas montanhas meridionais do México. Mas não foi antes de 1938 que o antropólogo Robert J. Weitlaner e o Dr. Richard Evans Schultes, botânico de Universidade de Harvard, acharam, naquela região, estes tipos de cogumelos que estavam sendo usados lá para propósitos cerimoniais; e só em 1938 pôde um grupo de jovens antropólogos americanos, sob a direção de Jean Bassett Johnson, assistir pela primeira vez uma cerimônia noturna secreta de cogumelo. Isto se passou em Huautla de Jimenez, a capital do território Mazatec, no Estado de Oaxaca. Mas estes investigadores foram só espectadores, não lhes foi permitido participar dos cogumelos. Johnson fez a reportagem da experiência num diário sueco (Ethnotogical Studies 9, 1939).

Então a exploração dos cogumelos mágicos foi interrompida. A Segunda Guerra Mundial tinha começado. Schultes, a mando do governo americano, teve que se ocupar com a produção de borracha no território da Amazônia, e Johnson foi morto por ocasião de uma incursão Aliada na África Norte.

Os investigadores americanos eram: o casal Dra. Valentina Pavlovna Wasson e seu marido, R. Gordon Wasson, que novamente levantou o problema do aspecto etnográfico. R. G. Wasson era banqueiro, vice-presidente do J. P. Morgan Co. de Nova Iorque. Sua esposa, que morreu em 1958, era uma pediatra. Os Wassons começaram seu trabalho em 1953, no território Mazatec em Huautla de Jimenez onde quinze anos antes J. B. Johnson e outros tinham estabelecido a existência continuada do antigo culto indígena do cogumelo. Eles receberam informação especialmente valiosa de uma missionária americana que tinha estado trabalhando por lá durante muitos anos, Eunice V. Pike, participante da “Wycliffe Bible Translators”. Graças ao seu conhecimento do idioma nativo e da sua associação ministerial com os habitantes, Pike obteve a informação sobre o significado dos cogumelos mágicos que ninguém mais tinha. Durante várias estadas em Huautla e arredores, os Wassons puderam estudar em detalhes o presente uso dos cogumelos e comparar isto com as descrições das antigas crônicas. Isto mostrou que a convicção nos “cogumelos sagrados” ainda prevalecia naquela região. Porém os índios mantiveram suas convicções em segredo para os estranhos. Teve grande tato e habilidade para ganhar a confiança da população indígena e obter conhecimento neste domínio de segredo.

Na forma moderna do culto do cogumelo, as antigas idéias religiosas e costumes estão entrosadas com as idéias e terminologias Cristãs. Assim os cogumelos são chamados freqüentemente de “o sangue de Cristo”, porque eles só crescem onde uma gota do sangue do Cristo caiu na terra. De acordo com outra noção, brotam os cogumelos onde uma gota da saliva da boca do Cristo umedeceu o solo e é, todavia, o próprio Jesus Cristo que fala através dos cogumelos.

A cerimônia do cogumelo ocorre na forma de uma consulta. Alguém que pede conselho ou uma pessoa doente ou ele ou sua família questiona um “homem sábio” ou uma “mulher sábia”, também chamados curandeiro ou curandeira, em troca de um pagamento modesto. Curandeiro pode ser traduzido melhor para o inglês como “healing priest” (padre curador), porque sua função nisso é a de um médico e também a de um padre, ambos só são achados raramente nestas regiões distantes. No idioma Mazatec, o padre curador é chamado co-ta-ci-ne que significa “um que sabe”. Ele come o cogumelo durante a cerimônia que sempre ocorre à noite. As outras pessoas presentes à cerimônia às vezes também podem receber cogumelos, contudo, a maior dose sempre vai para o curandeiro. O desempenho é executado com o acompanhamento de orações e solicitações, enquanto os cogumelos são brevemente purificados numa bacia na qual o copal (uma resina parecida com incenso) é queimado. Numa completa escuridão, às vezes através da luz de uma vela, enquanto os outros ficam deitados quietamente nos seus tapetes de palha, o curandeiro, ajoelhando ou sentado, reza e canta ante um tipo de altar que contém um crucifixo, uma imagem de um santo ou algum outro objeto de adoração. Sob a influência dos cogumelos sagrados, o curandeiro aconselha em um estado visionário no qual até mesmo os observadores inativos mais ou menos participam. Na canção monótona do curandeiro, o teonanacatl em forma de cogumelo, dá suas respostas às perguntas colocadas. Diz se a pessoa doente viverá ou morrerá, quais ervas efetuarão a cura; revela o que ou quem matou uma dada pessoa, ou quem roubou o cavalo; ou torna conhecido como serão acontecimentos futuros, e assim sucessivamente.

A cerimônia do cogumelo não só tem apenas a função de uma consulta do tipo descrita, também tem para os índios, em muitos aspectos, um significado semelhante à Santa Comunhão do Cristianismo. De muitas expressões vocais dos nativos poderia ser deduzido que eles acreditam que Deus deu para os índios o cogumelo sagrado porque eles são pobres e não possuem nenhum doutor e medicamentos; e também porque, em particular, eles não podem ler a Bíblia, Deus pode falar então diretamente a eles através do cogumelo. A missionária Eunice V. Pike, mesmo aludindo às dificuldades que resultam de explicar a mensagem Cristã, a palavra escrita, para as pessoas que acreditam que elas possuem os meios – claro que os cogumelos sagrados – podem tornar a vontade de Deus conhecida para eles de uma maneira direta e clara: sim, os cogumelos lhes permitem ver o céu e estabelecer comunicação com o próprio Deus.

A reverência dos índios para os cogumelos sagrados também é evidente na convicção de que eles só podem ser comidos por uma “pessoa limpa”. “Limpa” aqui significa cerimoniamente limpa e esse termo inclui, entre outras coisas, pelo menos a abstinência sexual quatro dias antes e depois da ingestão dos cogumelos. Também devem ser observadas certas regras para juntar os cogumelos. Sem a observação destas ordens, os cogumelos podem tornar louca a pessoa que o come, ou pode até mesmo matar.

Os Wassons tinha empreendido sua primeira expedição para o território Mazatec em 1953, mas não foi antes de 1955 fez eles obtiveram sucesso em superar a timidez e a reserva dos amigos que eles tinham conseguido fazer em Mazatec, ao ponto de serem admitidos como participantes ativos em uma cerimônia de cogumelo. R. Gordon Wasson e seu companheiro, o fotógrafo Allan Richardson, estavam determinados a comerem cogumelos sagrados ao término de junho de 1955, por ocasião de uma cerimônia noturna de cogumelo. Eles se tornariam assim, com toda a probabilidade, os primeiros estranhos, os primeiros brancos a serem permitidos tomar teonanacatl.

No segundo volume de Cogumelos, Rússia e História, em palavras arrebatadas, Wasson descreve como o cogumelo tomou completamente posse dele, embora ele tivesse tentado lutar contra seus efeitos para poder permanecer como um observador objetivo. Primeiro ele viu padrões geométricos, coloridos que então assumiram características arquitetônicas. Visões logo seguidas de colunas esplêndidas, palácios de harmonia sobrenatural e magnificência embelezados com pedras preciosas, carros triunfais puxados por criaturas fabulosas como só são conhecidas na mitologia, e paisagens de brilho fabuloso. Separado do corpo, o espírito planou um tempo incontável por um reino de fantasia, entre imagens de uma realidade mais alta e de um significado mais profundo que o usual do mundo cotidiano. A essência da vida, o inafável, parecia estar à beira de ser destrancado, mas a última porta não se abriu.

Esta experiência foi a prova final para Wasson que os poderes mágicos atribuídos aos cogumelos de fato existiam e não eram somente superstição.

Para apresentar os cogumelos na pesquisa científica, Wasson tinha estabelecido anteriormente uma associação com o micologista Professor Roger Heim de Paris. Acompanhando o Wassons em expedições adicionais no território Mazatec, Heim conduziu a identificação botânica dos cogumelos sagrados. Ele mostrou que eles eram cogumelos pertencentes à família Strophariaceae, sobre uma dúzia de diferentes espécies ainda não descritas cientificamente, a maior parte pertencente ao gênero Psilocybe. O Professor Heim também teve sucesso cultivando algumas das espécies em laboratório. Os cogumelos mexicanos Psilocybe se mostraram serem especialmente satisfatórios para o cultivo artificial.

Investigações químicas correram em paralelo com estes estudos botânicos dos cogumelos mágicos, com a meta de extrair o princípio alucinógeno ativo do material do cogumelo e com isto preparar a forma quimicamente pura. Tais investigações foram executadas, a pedido do Professor Heim, no laboratório químico do Museu Nacional de História Natural de Paris, e grupos de trabalho também se ocuparam com este problema nos Estados Unidos, nos laboratórios de pesquisa de duas grandes companhias farmacêuticas: Merck and Smith, Kline and French. Os laboratórios americanos tinham obtido alguns dos cogumelos de R. G. Wasson e tinham juntado outros eles mesmo em Sierra Mazateca.

Como as investigações químicas em Paris e nos Estados Unidos se mostraram ineficazes, o Professor Heim enviou este assunto para a nossa firma, como mencionado no começo deste capítulo, porque ele sentia que a nossa experiência com o LSD, relacionada aos cogumelos mágicos por sua atividade semelhante, poderia ser usada nas tentativas de isolamento. Assim foi que o LSD mostrou ao teonanacatl o caminho do nosso laboratório.

Como diretor do departamento de produtos naturais do laboratório de pesquisa química-farmacêutica da Sandoz naquele momento, eu quis delegar a investigação dos cogumelos mágicos a um de meu colaboradores. Porém, ninguém mostrou muita ânsia para assumir este problema porque era conhecido que o LSD e tudo relacionado com isto era assuntos muito impopulares junto ao topo da administração. Porque o entusiasmo necessário para o sucesso dos objetivos não pode ser comandado e porque o entusiasmo já estava presente em mim e até onde abrangia este problema, eu mesmo decidi administrar a investigação.

Umas 100 g de cogumelos secos da espécie mexicana de Psilocybe, cultivados pelo Professor Heim no seu laboratório, estavam disponíveis para o começo das análises químicas. Meu assistente de laboratório, Hans Tscherter, um colaborador de longa década, tinha se desenvolvido como um ajudante muito capaz, completamente familiar com minha maneira de trabalho, ele me ajudou na extração e tentativas de isolamento. De vez que não havia nenhuma pista e nada relativo às propriedades químicas do princípio ativo que nós buscávamos, as tentativas de isolamento tiveram que ser administradas com base nos efeitos de frações do extrato. Mas nenhum dos vários extratos mostrou um efeito inequívoco em ratos ou cachorros que pudessem ter apontado a presença de princípios alucinógenos. Ficou duvidoso então se os cogumelos cultivados e secos de Paris ainda eram ativos. Isso só poderia ser determinado experimentando com este material de cogumelo em um ser humano. Como no caso de LSD, eu mesmo fiz este experimento fundamental, de vez que não é apropriado para investigadores solicitarem que um outro execute uma auto-experiência, porque eles já estão envolvidos com suas próprias investigações, especialmente se elas demandam, como neste caso, um certo risco.

Nesta experiência eu comi 32 espécimes secas de Psilocybe mexicano que junto pesaram 2,4 g. Esta quantia correspondia a uma dose comum, de acordo com os relatórios de Wasson e Heim, como era usado pelos curandeiros. Os cogumelos exibiram um efeito psíquico forte, como mostra o seguinte extrato do relatório daquela experiência:

Trinta minutos depois de minha ingestão dos cogumelos, o mundo exterior começou a sofrer uma transformação estranha. Tudo assumiu um caráter mexicano. Como eu estava perfeitamente ciente do meu conhecimento da origem mexicana do cogumelo isto me conduziu a imaginar só paisagens mexicanas, eu tentei deliberadamente olhar meu ambiente como eu o conhecia normalmente. Mas todos os esforços voluntários para olhar as coisas nas suas formas habituais e nas suas cores foram ineficazes. Se meus olhos estivessem fechados ou abertos, eu via só motivos mexicanos e cores. Quando o doutor que supervisionava a experiência se agachou para conferir minha pressão sanguínea, ele foi transformado num sacerdote asteca e eu não teria ficado surpreso se ele tivesse puxado uma faca de sacrifício. Apesar da seriedade da situação, me divertiu ver como a face germânica de meu colega tinha adquirido uma expressão puramente índia. Ao cume da intoxicação, aproximadamente uma hora e meia depois de ingestão dos cogumelos, a rapidez dos quadros interiores, motivos principalmente abstratos que mudavam rapidamente de forma e cor, alcançaram um tal grau alarmante que eu temi que seria rasgado neste redemoinho de água, de forma e cor e que eu me dissolveria. Depois de aproximadamente seis horas, o sonho veio a um fim. Subjetivamente, eu não tive nenhuma idéia de quanto tempo esta condição tinha durado. Eu sentia meu retorno para realidade cotidiana como sendo um retorno feliz de um estranho, fantástico mas bastante real mundo, para uma velha e familiar casa.

Esta auto-experiência mostrou uma vez mais que os seres humanos reagem muito mais sensivelmente que os animais para as substâncias psico-ativas. Nós já tínhamos chegado à mesma conclusão experimentando o LSD em animais, como descrito em um capítulo anterior deste livro. Não foi a inatividade do material do cogumelo, mas sim a capacidade de reação deficiente dos animais de pesquisa em vista do tipo de princípio ativo, que explicou porque nossos extratos tinham parecido inativos no rato e no cachorro.

Porque o ensaio em sujeitos humanos era o único teste à nossa disposição para a descoberta das frações ativas de extrato, nós não tivemos nenhuma outra escolha que a de executar a prova em nós mesmos se nós quiséssemos continuar o trabalho e chegar então a uma conclusão satisfatória. Na autoexperiência há pouco descrita, uma forte reação que durou várias horas foi produzida por 2,4 g de cogumelos secos. Então, em seqüência, nós usamos amostras que correspondiam só a um terço desta quantia, isto é 0,8 g de cogumelos secos. Se estas amostras contivessem o princípio ativo, eles provocariam só um efeito moderado que prejudicaria um pouco a habilidade para trabalhar por um curto intervalo de tempo, mas este efeito ainda seria tão distinto que as frações inativas e aquelas contendo o princípio ativo poderiam ser inequivocamente diferenciadas umas das outras. Vários colaboradores e colegas se ofereceram como “cobaias” para esta série de testes.


6.2. Psilocybin e Psilocin

Com ajuda deste teste fidedigno em objetos humanos poderia ser isolado o princípio ativo, poderia ser concentrado e poderia ser transformado em um estado quimicamente puro por meio dos métodos de separação mais recentes. Duas substâncias novas, que eu nomeei psilocybin e psilocin, foram obtidas assim na forma de cristais incolores.

Estes resultados foram publicados em março de 1958, no jornal Experientia, em colaboração com o Professor Heim e meus colegas Dr. A. Brack e Dr. H. Kobel que tinha provido as maiores quantidades de material de cogumelo para estas investigações depois que eles melhoraram o cultivo dos cogumelos essencialmente em laboratório.

Alguns de meus colaboradores na ocasião – Drs. A. J. Frey, H. Ott, T. Petrzilka e F. Troxler – então participaram dos próximos passos destas investigações, a determinação da estrutura química do psilocybin e do psilocin e a síntese subseqüente destas combinações, os resultados foram publicados em novembro 1958 pelo jornal Experientia. As estruturas químicas destes fatores do cogumelo merecem atenção especial em várias direções. Psilocybin e psilocin pertencem, como o LSD, às combinações de índole, à classe biologicamente importante de substâncias achadas nas plantas e no reino animal. Características químicas particulares comuns às substâncias do cogumelo e do LSD, mostraram que psilocybin e psilocin são relacionados de perto ao LSD, não só com respeito aos efeitos psíquicos, mas também quanto as suas estruturas químicas. Psilocybin é o ácido éster fosfórico do psilocin e, como tal, é o primeiro e até agora ácido fosfórico que contêm combinação de índole descobertos na natureza. O resíduo do ácido fosfórico não contribui para a atividade, porque o psilocin, livre do ácido fosfórico, é igualmente ativo como o psilocybin, mas torna a molécula mais estável. Enquanto psilocin é decomposto prontamente pelo oxigênio do ar, psilocybin é uma substância estável.

Psilocybin e psilocin possuem uma estrutura química bem parecida com o fator serotonina do cérebro. Como já foi mencionado no capítulo das experiências com animais em pesquisas biológicas, serotonina representa um importante papel na química das funções do cérebro. Os dois fatores do cogumelo, como o LSD, bloquearam os efeitos da serotonina em experiências farmacológicas em diferentes órgãos. Outras propriedades farmacológicas do psilocybin e psilocin também são semelhantes aqueles do LSD. A principal diferença consiste na atividade quantitativa, tanto em animal como também na experimentação humana. A dose ativa comum de psilocybin ou psilocin para seres humanos é de 10 mg (0,01 g); de acordo com isso, estas duas substâncias são aproximadamente 100 vezes menos ativas que o LSD, do qual 0,1 mg constitui uma dose forte. Além disso, os efeitos dos fatores do cogumelo duram só de quatro a seis horas, muito menos que os efeitos do LSD (de oito a doze horas).

A síntese total do psilocybin e psilocin sem a ajuda dos cogumelos poderia ser desenvolvida em um processo técnico que permitiria produzir estas substâncias em grande escala. A produção sintética é mais racional e mais barata que a extração dos cogumelos.

Assim, com o isolamento e a síntese dos princípios ativos, a desmistificação dos cogumelos mágicos foi realizada. As combinações, cujos efeitos maravilhosos conduziram os índios a acreditar durante milênios que um deus estava residindo nos cogumelos, teve suas estruturas químicas elucidadas e poderia ser produzido sinteticamente em frascos.

Neste caso, quanto de progresso em conhecimento científico foi obtido através da pesquisa de produtos naturais? Essencialmente, quando tudo é dito e feito, nós só podemos dizer que o mistério dos efeitos maravilhosos do teonanacatl foi reduzido ao mistério dos efeitos de duas substâncias cristalinas – desde que estes efeitos ou não podem ser explicados através de ciência, mas só podem ser descritos.


6.3. Uma Viagem no Universo da Alma com Psilocybin

A relação entre os efeitos psíquicos do psilocybin e aqueles do LSD, o caráter visionário e alucinógeno deles, fica evidente no seguinte relatório de Antaios, de uma experiência de psilocybin pelo Dr. Rudolf Gelpke. Ele caracterizou as experiências dele com o LSD e o psilocybin, como já mencionado no prévio capítulo, “Viagens ao Universo da Alma”.


6.4. Onde o Tempo Permanece Parado

(10 mg de psilocybin, 6 de abril de 1961, 10:20)

Depois de 20 minutos estão começando os efeitos: serenidade, mudez, sensação moderada de

tontura, mas agradável e uma “profunda respiração muito agradável”.

10:50 Forte vertigem, já não posso me concentrar.

10:55 Excitado, intensidade de cores: tudo de tom rosa para vermelho.

11:05 O mundo se concentra lá no centro da mesa. Cores muito intensas.

11:10 Um ser dividido, sem precedente – como eu posso descrever esta sensação de vida?

Ondas, diferentes personalidades, preciso me controlar.

Imediatamente depois desta nota eu fui para o ar livre e deixei a mesa do café da manhã onde eu tinha comido com o Dr. H. e sua esposa, e deitei no gramado. A inebriação chegou rapidamente a seu clímax. Embora eu tivesse resolvido firmemente tomar notas constantes, agora me parecia um completo desperdício de tempo, o movimento de escritura infinitamente lento, as impossibilidades de expressar, da expressão verbal vil – medida pela inundação da experiência interna que me invadiu e ameaçou me estourar. Parecia para mim que 100 anos não seriam suficientes para descrever a abundância da experiência de um único minuto. No princípio, impressões ópticas predominaram: Eu vi com delícia uma sucessão ilimitada de filas de árvores na floresta próxima. Então nuvens esfarrapadas no céu ensolarado rapidamente se acumulando em cima, com uma majestade silenciosa e empolgante, numa superposição de milhares de capas – céu no céu – e eu fiquei então esperando que, lá em cima, no próximo momento, algo completamente poderoso, desconhecido, não ainda existente, poderia aparecer ou acontecer – veria eu um deus? Mas só a expectativa permaneceu, o pressentimento, isto pairando, “no umbral do último sentimento”… Então eu me movi para mais para longe (a proximidade dos outros me perturbava) e me deitei num recanto do jardim, numa pilha de madeira esquentada pelo sol. Meus dedos acariciavam esta madeira com uma afeição sensual animal transbordante. Ao mesmo tempo eu submergi dentro de mim; foi um clímax absoluto: uma sensação de felicidade me penetrou, uma felicidade contente – eu próprio me encontrei atrás de meus olhos fechados numa cavidade cheia de ornamentos vermelho-tijolo, e ao mesmo tempo, no “centro do universo de calma consumada”. Eu soube que tudo era bom – a causa e origens de tudo eram boas. Mas no mesmo momento eu entendi também o sofrimento e a abominação, a depressão e o desentendimento da vida ordinária: lá onde uma pessoa nunca “é total”, mas ao invés, está dividida, cortada em pedaços e dividida em fragmentos minúsculos de segundos, minutos, horas, dias, semanas e anos: lá a pessoa está escrava do tempo de Moloch que devora as pessoas pedaço por pedaço; a pessoa está condenada a gaguejar, errar e retalhar; a pessoa tem que arrastar consigo mesmo a perfeição e o absoluto, a união de todas as coisas; o momento eterno da idade dourada, este original fundamento de ser – que realmente, não obstante, sempre suportou e sempre suportará – lá num dia da semana da existência humana, como um espinho atormentador enterrado profundamente na alma, como uma recordação de uma reivindicação nunca preenchida, como uma manhã fatal de um prometido paraíso perdido; por este “presente” sonho febril para um “passado” condenado em um “futuro” nublado. Eu entendi. Esta inebriação era um vôo espacial, não do exterior mas sim do homem interior e por um momento, eu experimentei a realidade de um local além da força da gravidade do tempo.

Como eu comecei a sentir novamente a força da gravidade, eu fui infantil o bastante para querer adiar este retorno tomando uma nova dose de 6 mg de psilocybin as 11:45, e uma vez mais 4 mg as 14:30. O efeito foi insignificante, e em todo caso não vale a pena ser mencionando.

Sra. Li Gelpke, uma artista, também participou desta série de investigações, fazendo três autoexperiências com LSD e psilocybin. A artista escreveu dos desenhos que ela fez durante a experiência:

Nada nesta página foi formado conscientemente. Enquanto eu trabalhei nisto, a memória (da experiência sob o psilocybin) era novamente realidade e me conduziu a cada pincelada. Por isso o quadro é como muitas camadas desta memória e a figura do lado direito mais em baixo, realmente é o que capturei dos sonhos… Quando livros sobre arte mexicana depois vieram até minhas mãos três semanas mais tarde, eu achei novamente lá os motivos de minhas visões onde com um começo súbito…

Maria Sabina e Gordon Wasson

Eu também mencionei a ocorrência de motivos mexicanos na inebriação de psilocybin durante minha primeira auto-experiência mexicana com Psilocybe seco, como foi descrito na seção na investigação química destes cogumelos. O mesmo fenômeno também ocorreu com R. Gordon Wasson. Procedendo de tais observações, ele adiantou a conjetura que a arte mexicana antiga poderia ter sido influenciada através de imagens visionárias, como eles aparecem na inebriação de cogumelo.

(…) Um dia depois, nós fizemos nossa visita formal a curandeira Maria Sabina, uma mulher tornada famosa pelas publicações dos Wassons. Foi na cabana dela que Gordon Wasson se tornou o primeiro homem branco a provar os cogumelos sagrados, no curso de uma cerimônia noturna, no verão de 1955. Gordon e Maria Sabina saudaram um ao outro como velhos amigos, cordialmente. A curandeira vivia fora do caminho, ao lado das montanhas de Huautla. A casa na qual a histórica sessão com Gordon Wasson tinha acontecido, tinha sido queimada, presumivelmente por residentes enfurecidos ou algum colega invejoso, porque ela tinha divulgado o segredo do teonanacatl para estranhos. Na nova cabana na qual nós estávamos, prevalecia uma desordem incrível, como provavelmente também devia ter prevalecido na antiga cabana na qual as crianças meio-desnudas, galinhas e porcos viviam em alvoroço. A velha curandeira tinha uma face inteligente, excepcionalmente mutável em expressão. Ela ficou impressionada obviamente quando foi explicado que nós tínhamos conseguido confinar o espírito dos cogumelos em pílulas, e ela prontamente se declarou pronta para “nos servir” com elas, quer dizer, nos conceder uma consulta. Ficou acordado que isto deveria acontecer na próxima noite na casa de Dona Herlinda.


6.8. Uma Cerimônia de cogumelo

Tão logo nós voltamos para a casa de Herlinda, ao entardecer, Maria Sabina já tinha chegado lá com uma grande comitiva, suas duas filhas adoráveis, Apolonia e Aurora (duas curandeiras videntes) e uma sobrinha, todos trouxeram também crianças. Sempre que a criança dela começava chorar, Apolônia ofereceria seu peito a ela. O velho curandeiro, Don Aurélio, também apareceu, um homem poderoso, caolho, vestindo um capote preto-e-branco. Foram servidos Cacao e massa doce na varanda. Fizeramme lembrar do relato de uma velha crônica que descrevia como o “chocolatl” era bebido antes da ingestão de teonanacatl.

Quando escureceu, todos nós fomos para o quarto no qual a cerimônia aconteceria. Ele então foi fechado, isto é, a porta foi obstruída com a única cama disponível. Só uma saída de emergência que dava para os fundos do jardim permaneceu aberta para uma necessidade absoluta. Era quase meianoite quando a cerimônia começou. Até aquele momento, todos os participantes da reunião tinham ficado dormindo na escuridão ou esperando os eventos da noite nas esteiras esparramadas pelo chão. Maria Sabina lançava de vez em quando um pedaço de copal nas brasas de um braseiro, pelo que o ar sufocante do quarto abarrotado ficava pouco suportável. Eu tinha explicado para a curandeira Herlinda, que estava novamente na reunião como intérprete, que aquela pílula continha o espírito de dois pares de cogumelos. (Cada pílula continha 5,0 mg de psilocybin sintético).

Quando tudo estava pronto, Maria Sabina distribuiu as pílulas em pares entre os adultos presentes. Depois de fumar solenemente, ela tomou dois pares (correspondendo a 20 mg de psilocybin). Ela deu a mesma dose para Don Aurélio e para sua filha Apolonia que também serviria como curandeira. Aurora recebeu um par, como também fez Gordon, enquanto minha esposa e Irmgard tomaram só uma pílula cada.

Uma das crianças, uma menina de cerca de dez anos, a pedido de Maria Sabina, tinha preparado para mim o suco de cinco pares de folhas frescas de hojas de la Pastora. Eu queria experimentar esta droga que eu tinha estado impossibilitado de tentar em San Jose Tenango. Foi dito que a poção era especialmente ativa quando preparada por uma menina virgem. A xícara com o suco exprimido foi igualmente purificada e conjurada por Maria Sabina e Don Aurélio, antes que me fosse entregue.

Todas estas preparações e muito da cerimônia seguinte progrediram do mesmo modo como a consulta com a curandeira Consuela Garcia em San Jose Tenango.

Depois que a droga foi consumida e a vela no “altar” foi apagada, nós esperamos os efeitos na escuridão.

Antes que uma meia hora tivesse decorrido, a curandeira murmuraram algo; sua filha e Don Aurélio também ficaram inquietos. Herlinda traduziu e nos explicou o que estava errado. Maria Sabina tinha dito que as pílulas não continham o espírito dos cogumelos. Eu discuti a situação com Gordon que se deitara ao meu lado. Para nós estava claro que a absorção do princípio ativo das pílulas, que precisava primeiro se dissolver no estômago, acontecia mais lentamente do que os cogumelos nos quais alguns dos princípios ativos já eram absorvidos pelas membranas mucosas durante o mastigar. Mas como nós poderíamos dar uma explicação científica sob tal condição? Em lugar de tentar explicar, nós decidimos agir. Nós distribuímos mais pílulas. As curandeiras e o curandeiro, cada um recebeu outro par. Cada um agora tinha tomado uma dose total de 30 mg de psilocybin.

Depois de aproximadamente outro quarto de hora, o espírito das pílulas começou a manifestar seus efeitos que duraram até o amanhecer. As filhas, e Don Aurélio com sua grave voz funda, fervorosamente respondiam às orações e canções da curandeira. Gemidos felizes, ansiosos de Apolonia e Aurora, entre cantar e rezar, deu a impressão que a experiência religiosa das jovens mulheres, na inebriação pela droga, foi combinada com sentimentos sensual-sexuais.

No meio da cerimônia, Maria Sabina perguntou pelo nosso pedido. Gordon perguntou novamente sobre a saúde da filha dele e de seu neto. Ele recebeu a mesma boa informação como a da curandeira Consuela. A mãe e criança de fato estavam bem quando ele voltou para sua casa em Nova Iorque. Porém obviamente isto ainda não representa nenhuma prova das habilidades proféticas de ambas curandeiras.

Evidentemente com o efeito do hojas, eu me achei durante algum tempo em um estado de sensibilidade mental e intensa experiência que, porém, não foi acompanhado de alucinações. Anita, Irmgard e Gordon experimentaram uma condição de euforia da inebriação que foi influenciada através da atmosfera estranha e mística. Minha esposa ficou impressionada pela visão de padrões distintos de linha muito estranhos.

Ela ficou surpresa e perplexa, algum tempo depois, ao descobrir as mesmas imagens justamente na rica ornamentação em cima do altar de uma velha igreja perto de Puebla. Isso aconteceu durante a viagem de retorno para a Cidade do México, quando nós visitamos igrejas de tempos coloniais. Estas igrejas admiráveis oferecem grande interesse cultural e histórico porque os artistas índios e trabalhadores que ajudaram na construção delas se basearam nos elementos do estilo índio. Klaus Thomas, em seu livro Die kunstlich gesteuerte Seele [A mente artificialmente guiada] (Ferdinand Enke Verlag, Stuttgart, 1970), escreve sobre a possível influência de visões da inebriação do psilocybin na arte indígena Meso-americana: “Seguramente uma comparação histórica-cultural das velhas e novas criações de arte índia… precisa convencer o espectador imparcial da harmonia com as imagens, formas e cores de uma inebriação de psilocybin”. O caráter mexicano das visões visto na minha primeira experiência com o Psilocybe seco mexicano e do desenho de Li Gelpke depois de uma inebriação de psilocybin também poderiam apontar para uma tal associação.

Quando nós íamos deixar Maria Sabina e sua clã, ao amanhecer, a curandeira disse que as pílulas tinham o mesmo poder que os cogumelos e que não havia nenhuma diferença. Esta era uma confirmação, por parte de uma autoridade bem competente, de que o psilocybin sintético é idêntico ao produto natural. Como um presente de despedida eu deixei, com Maria Sabina, um frasco de pílulas de psilocybin. Ela radiante explicou, ao nosso intérprete Herlinda, que agora ela poderia dar consultas também na estação quando nenhum cogumelo cresce.

Como nós deveríamos julgar a conduta de Maria Sabina, pelo fato que ela permitiu que estranhos, pessoas brancas, tivessem acesso à cerimônia secreta, e lhes tinha deixado provar do cogumelo sagrado?

Ao crédito dela pode ser dito que ela tinha aberto assim as portas à exploração do culto do cogumelo mexicano, na sua presente forma, para a investigação científica, botânica e química dos cogumelos sagrados. Valiosas substâncias ativas, tais como o psilocybin e o psilocin, resultaram daí. Sem esta ajuda, o conhecimento antigo e a experiência que estavam escondidas nestas práticas secretas iriam possivelmente, mesmo provavelmente, desaparecer sem deixar um rastro, sem frutificar, no avanço da civilização Ocidental.

De outro ponto de vista, a conduta desta curandeira pode ser considerada como uma profanação de um costume sagrado, até mesmo como uma traição. Alguns dos seus compatriotas eram desta opinião o que foi expresso em atos de vingança inclusive com a queima de sua casa.

A profanação do culto do cogumelo não parou com as investigações científicas. A publicação sobre os cogumelos mágicos motivou uma invasão de hippies e procuradores de droga no território Mazatec, muitos dos quais se comportaram mal, alguns mesmo criminalmente. Outra conseqüência indesejável foi o começo de verdadeiro turismo em Huautla de Jimenez, por meio do que a originalidade do lugar foi erradicada.

Tais declarações e considerações são na maior parte, a preocupação da pesquisa etnográfica. Onde quer que os investigadores e os cientistas localizem e elucidam os restos de antigos costumes, que estão ficando mais raros, o primitivismo deles fica perdido. Esta perda só é mais ou menos contrabalançada quando o resultado da pesquisa representa um lucro cultural duradouro.

A partir de Huautla de Jimenez nós fomos primeiro para Teotitlan, num passeio de caminhão escangalhado ao longo de uma estrada meio-pavimentada, e de lá voltamos numa viagem de carro confortável até a Cidade do México, que tinha sido o ponto de partida da nossa expedição. Eu tinha perdido vários quilogramas do peso de meu corpo, mas estava sobremaneira me sentindo compensado e encantando pelas experiências.

As amostras herbárias de hojas de la Pastora, que nós tínhamos trazido conosco, foram submetidas à identificação botânica por Carl Epling e Carlos D. Jativa no Instituto Botânico da Universidade de Harvard em Cambridge, Massachusetts. Eles acharam que esta planta era uma espécie de Salvia ainda não descrita e foi denominada Salvia divinorum por estes autores. A investigação química do suco da salvia mágica, no laboratório da Basiléia, foi um fracasso. O princípio psico-ativo desta droga parece ser uma substância bastante instável, de vez que o suco preparado e preservado com álcool no México provou em, auto-experiência, não ser mais nenhum pouco ativo. No que concerne à natureza química do princípio ativo, o problema da planta mágica ska Maria Pastora ainda espera uma solução.

Tão longamente neste livro eu descrevi meu trabalho científico e assuntos principalmente relativos à minha atividade profissional. Mas este trabalho, por muito de sua natureza, tiveram repercussões em minha própria vida e personalidade, não menos porque me colocou em contato com contemporâneos interessantes e importantes. Eu já mencionei alguns deles: Timothy Leary, Rudolf Gelpke, Gordon Wasson… Agora, nas páginas que seguem, eu gostaria de abdicar da reserva do cientista natural para retratar encontros que foram pessoalmente significantes para mim e que me ajudaram a resolver perguntas colocadas pelas substâncias que eu tinha descoberto.

Just Say “KNOW” – Timothy Leary

por Timothy Leary

*Estou reproduzindo um post muito interessante do blog http://avisospsicodelicos.blogspot.com. O título deste artigo é uma sátira com a campanha anti-drogas norte americana, denominada “Just Say No”.

A “guerra contra as drogas” é absolutamente indecente. A proibição do uso de substâncias psicotrópicas beneficia a violência do tráfico às custas do dinheiro público, além de não impedir na prática a utilização de drogas, que devido a procedência duvidosa e adulteração, ficam ainda mais perigosas. Neste texto procurarei destrinchar a ideologia duvidosa que proíbe coisas como a maconha e os alucinógenos, ignorando o uso milenar dessas substâncias com fins religiosos, hedonistas ou medicinais.

A raiz da proibição de substâncias está na igreja medieval, que por razões dogmáticas proibia o uso de todo o tipo de especiarias (não só psicotrópicos) como perfumes, açúcar, etc. O que quer que causasse prazer era controlado pelo clero. Mesmo a música demorou anos para se livrar da proibição da dissonância e mesmo da polifonia, a base de toda a música ocidental após o período renascentista.

O sexo até hoje é desconsiderado pela igreja como um ato sublime e religioso por si só, sem a reprodução como finalidade precípua, e a proibição de anticoncepcionais pelo Papa só endossa esta afirmação. Mesmo drogas medicinais eram atacadas, principalmente por serem utilizadas por “bruxos”, que não passavam de médicos camponeses, parteiras, etc., que tinham o conhecimento das ervas. O descobrimento da América, já numa época onde essas substâncias eram toleradas, criou nações, como o Brasil, que dependiam e criavam sua riqueza (que, claro, ia para os colonizadores) quase que unicamente de uma substância psicotrópica que causa dependência, o café, e do açúcar, especiarias antes com o uso restringido na Europa. Isso sem falar no tabaco, hábito dos índios americanos que se espalhou pelo mundo com uma velocidade alarmante, apesar das restrições da Igreja, que não poderia tolerar uma coisa “infernal” como aquela, que queimava e produzia fumaça.

No século passado, já com o iluminismo absolutamente consolidado, em pleno positivismo, fez-se a descoberta de inúmeras drogas, entre elas os anestésicos, que revolucionaram a cirurgia. Intelectuais faziam uso de Absinto (uma bebida com um efeito ligeiramente diferente do álcool), cocaína, ópio, tabaco sob a forma de rapé e cigarros, e o uso dessas substâncias (com exceção talvez do ópio) era requintada e dândi. Mas entre as classes populares ainda havia o preconceito (além da falta de dinheiro, claro) reminiscente da Igreja, principalmente entre os Protestantes, mas o álcool sempre foi largamente utilizado.

O século XX entrou com a psicanálise do Dr. Freud, que era um notável usuário de tabaco e cocaína, que na época não era considerado, como normalmente se entende hoje, um ponto negativo para ele. Na Sears, loja de departamentos Norte-Americana, se podia comprar um kit com um seringa e diversas substâncias para o senhor de família relaxar ou se divertir. A antropologia estava em alta e diversos estudiosos viajavam para lugares remotos e experimentavam as drogas religiosas de diversos povos.

De fato quase toda cultura têm uma droga específica. Alguns casos chegam ao extremo, como algumas tribos vikings, que usavam um cogumelo extremamente tóxico. Eles faziam o guerreiro mais forte tomar uma poção com o cogumelo e depois toda a tribo bebia a urina do guerreiro, que mantinha o efeito psicotrópico mas não o efeito tóxico, o guerreiro passava mal alguns dias. Os índios mexicanos que usam cactus Peyote vomitam por dias a fio, com a boca lanhada e seca, apenas para ter alucinações. Normalmente quem faz o uso dessas substâncias é o xamã, ou pagé, da tribo, e ele a partir disso faz previsões ou curas.

Zoroastrismo, Igreja Cóptica, esquimós da Sibéria, índios por toda a América (aliás 80% das plantas alucinógenas se concentra na América), sufis do islã, tribos africanas, todos usam ou usavam substâncias psicotrópicas, sem contar o álcool, com fins religiosos, de prazer ou medicinais. Acredita-se que na Grécia antiga, nos ritos de Eleusis, se utilizava um derivado do Ergot, o mofo do centeio, como um alucinógeno semelhante ao LSD. Se isso for verdade, gregos ilustres como Platão, que participavam das cerimônias utilizavam (ou viam pessoas utilizar) alucinógenos.

Mas com tudo isso, a maior nação Protestante do mundo, os Estados Unidos, em 1914 resolveram baixar uma lei proibindo o uso de diversas substâncias psicotrópicas, feito imitado por todo o mundo algum tempo depois. Além disso, na década de 30, talvez devido a depressão econômica, tentaram proibir o álcool. O tráfico foi tanto, a violência tanta, que voltaram atrás.

Enquanto isso se descobria o LSD e Aldous Huxley fazia experimentos com a mescalina e escrevia um livro muito influente até hoje “As portas da percepção”. As bases estavam lançadas para o primeiro movimento contracultural, os Beatniks, nos anos 50. Usuários de drogas pesadas, intelectuais, apreciadores do Jazz, este grupo razoavelmente pequeno de pessoas foi a base cultural da revolução dos anos 60. Através de seus livros uma geração inteira de pessoas direcionadas para o uso sem preconceitos, e até exagerado, de drogas foi criada. E com ela a revolução sexual e cultural que todos conhecemos.

As pesquisas com o uso psiquiátrico do LSD caminhavam (com resultados controversos até hoje) muito bem, quando o governo percebeu havia toda uma geração não voltada para o consumo, despreocupada com o trabalho e pacifista (isso em plena e inútil guerra do Vietnã). Esse foi o ultimato para as drogas. O governo americano proibiu o LSD em 1966, e acabou com as verbas para sua pesquisa (o estudo psiquiátrico do LSD continua apenas na Suíça). O tráfico internacional de drogas começou. Ouve toda uma campanha de desinformação sobre drogas. O usuário de drogas não podia confiar em nenhuma informação técnica sobre a substância, reportagens exageradas mostravam fatos duvidosos, etc. Até hoje existe algo disso, embora seja muito mais fácil conseguir informação confiável sobre drogas.

É isso mesmo. Você achava que o governo proíbe as drogas porque elas “fazem mal”, mas na verdade o governo as proíbe porque elas são contraproducentes numa sociedade de zumbis consumistas, trabalhadores incansáveis de corporações sem rosto e pessoas naturalmente deprimidas e sem religião. É verdade que algumas drogas fazem mal e provocam uma dependência terrível, como a heroína, é verdade que se pode morrer de overdose de cocaína, e é verdade que uma pessoa despreparada e deprimida, num ambiente desfavorável, pode se suicidar pelo efeito do LSD. Mas o álcool e o tabaco também provocam muitos malefícios e são liberados. Você não acha que o cidadão é que deveria decidir o que utilizar? Você gosta de ser tratado como um bebê que não pode comer um doce porque papai não quer? Você, cidadão respeitável, gosta de pagar a busca e apreensão de drogas, que podiam render impostos para o governo e ainda ter uma qualidade bem melhor, o que evitaria muitas mortes? Você acha que seu filho merece a informação dos amigos e traficantes ou a de uma bula? Você não confia nas pessoas?

Não prego aqui a liberação de heroína ou cocaína, o que seria impossível aqui, embora a experiência da Holanda não seja o que pregam. Lá pelo menos os Junkies, que são doentes, têm o auxílio do governo. E sempre vão haver Junkies, pesquisas mostram que pelo menos 10% da população desenvolve algum tipo de dependência que não seja café ou tabaco. Mas alucinógenos não provocam dependência e geralmente são experiências enriquecedoras. Quase não existe tráfico de LSD, simplesmente porque ele não vicia, a pessoa sequer sente uma vontade reincidente (como na cocaína, outra droga que não causa dependência física, apenas uma forte dependência psicológica) – ou seja, drogas seguras não são normalmente traficadas, e o lugar comum chega a pensar (já me vieram com essa diversas vezes) que o “Ácido” é muito mais perigoso do que a cocaína. Sem falar na maconha, que nunca deveria ter sido proibida, e que leva a fama de quase tudo que não é, aditiva, destruidora de cérebro, etc. E as pessoas que falam isso bebem todo o dia, ou todo o fim de semana.

Não prego aqui que todos devam usar drogas. Apenas os xamãs modernos, os artistas e os intelectuais, as pessoas criativas em geral é que normalmente se beneficiam, e que arcam o pequeno preço que algumas drogas cobram. Mas todos temos o direito de experimentar. Todos temos o direito de saber.

Drogas – Just Say “Know”.

A odisséia psiconáutica: A História de um século e meio de pesquisas sobre plantas e substâncias psicoativas

*Artigo extraído do livro “O Uso Ritual das Plantas de Poder” (Beatriz Caiuby Labate e Sandra Lucia Goulart [ORGS] )

 Henrique Carneiro (1)

  1.  Doutor em História Social pela USP (Universidade de São Paulo), professor adjunto do Departamento de História da USP, autor de Amores e sonhos da flora. Alucinógenos e afrodisíacos na botânica e na farmácia (2002) e de Filtros, mezinhas e triacas. As drogas no mundo moderno (1994).

Grave incerteza, todas as vezes em que o espírito se sente ultrapassado por si mesmo, quando ele, o explorador, é ao mesmo tempo o país obscuro a explorar e onde todo o seu equipamento de nada lhe servirá. (Marcel Proust, No Caminho de Swann)

O uso de plantas e substâncias psicoativas passou, no último século e meio, a ser objeto de um estudo científico. Ludwig Lewin, o pioneiro farmacologista alemão, dizia sobre as drogas que, “com a única excessão dos alimentos, não existe na Terra substâncias que estejam tão intimamente associadas com a vida dos povos em todos os países e em todos os tempos” (apud Brau 1974, p. 7). Essa ubiquidade da droga em todas as épocas e culturas permite supor que o consumo de substâncias alteradoras da consciênciafaz parte da condição humana, que buscou sempre meios para interferir quimicamente no psiquismo. Essa é a conclusão do médico Andrew Weil (apud Furst 1980, p. 25), ao afirmar que “o desejo de alterar periodicamente a consciência é um impulso inato, normal, análogo à fome ou ao impulso sexual”. As regras sociais que disciplinam esse impulso, ou seja, o uso do álcool e de outras substâncias psicoativas, são investigadas pela história da normatização das drogas.

Dentre as drogas existe, entretanto, uma categoria especial, que se distingue dos inebriantes (como o álcool), dos excitantes (como o café e a cocaína), ou dos sedativos (como o ópio), que é um conjunto de plantas e de substâncias sintéticas que produzem efeitos psicoativos muito peculiares e característicos. Esses efeitos foram chamados de “fantásticos”, por Ludwig Lewin, e se tornaram conhecidos mais vulgarmente como “alucinógenos” ou “psicodélicos”. Essas drogas são basicamente as seguintes: o LSD, a mescalina, a psilocibina, a DMT e também as anfetaminas psicodélicas como o MDMA, das quais existem ao menos algumas centenas de análogas. Suas características fisio-químicas são a muito baixa toxicidade e a também baixíssima dose mínima necessária. Quase não produzem efeito fisiológico, exceto certa midríase (aumento da pupila) e taquicardia. A natureza fundamental do seu efeito é psíquica, esfera que sofre uma ação impactante dessas drogas.

O poderoso efeito psíquico foi o que tornou plantas como o cogumelo teonanacatl, o cacto peiote, o cipó ayahuasca, a trepadeira ololiuqui etc., substâncias sagradas de diversas religiões americanas. O fascínio do olhar antropológico sobre esses cultos e as utilizações dessas drogas em diversas culturas desencadeou uma crescente e sistemática investigação etnobotânica. O uso seletivo das plantas de poder foi identificado por diversos pesquisadores (Huxley, Escohotado, Szasz, Wasson, Allegro, McKenna, Narby, Ott, entre outros) como característico do fenômeno religioso. Diferentes estudos históricos e antropológicos têm destacado o uso específico de diferentes plantas em culturas distintas, desvendando significações particulares em cada rito e em cada substância, cuja diversidade engloba desde o tabaco em seu uso tradicional americano (Wilbert, 1987), até um conjunto de plantas muito singulares cuja denominação é objeto de controvérsia, sendo chamadas de “alucinógenas”, “enteógenas” ou “psicodélicas”.

No último século e meio, os estudos sobre as substâncias alucinógenas abrangeram tanto os usos sagrados tradicionais em diferentes culturas, como o uso contemporâneo internacional, onde diferentes consumos de tais drogas produziram diversos fenômenos dentro de uma ampla cultura da droga, que inclui o surgimento de novas religiões e de círculos científicos de pesquisa e experimentaçã, além de uma influência estética disseminada e de um uso recreacional popular, que supera a cultura exclusiva do álcool como lubrificante social. (2)

  1. Esse uso recreacional intensificou-se com a cultura rave, dos anos 1990, onde se despreza o álcool e se consomem psicodélicos. Ver Saunders (1995)

No início do século XX, desde que a mescalina foi isolada de amostras do cacto peyote, em 1897, por Arthur Heffter, e sintetizada em laboratório, em 1919, por Ernst Späth, difundiram-se diversas experiências de cientistas, psicólogos, escritores e artistas com esta droga. Mais tarde, Aldous Huxley, que identificava nas viagens psicodélicas veículos para o transporte dos antípodas mentais, tornou-se a partir dos anos 1950 um expoente marcante de uma aventura cultural de desbravamento pioneiro de um novo campo epistemológico, quando se difundiu o LSD, descoberto por Albert Hoffman em 1943.

O que caracterizou o final da segunda metade do século XX, entretanto, foi o quase desaparecimento da pesquisa científica oficial de algumas das substâncias mais fascinantes da farmácia contemporânea e de seus promissores e florescentes usos em terapia, arte e psicologia experimental. Ao invés disso, uma política de guerra contra as drogas igualou psicodélicos, opiáceos e cocaína numa lista oficial de substâncias proibidas pela ONU e consideradas como não-possuidoras de qualquer uso médico, provocando o sufocamento da investigação sobre o LSD e outras substâncias análogas.

A política da guerra contra as drogas tem sido criticada como uma “Inquisição” que busca suprimir a dissidência psicofarmacológica e proibir o exercício da liberdade de consciência para produzir uma hipertrofia de lucros e de violência com laboratórios clandestinos, policiamento mental, lavagem de bilhões de dólares, milhões de prisioneiros, fiscalização através de testes compulsórios de urina, devastação aérea de plantações, guerras, cercos e invasões militares. Tal é o sentido do conceito de “inquisição farmacrática”, empregado por Thomas Szasz e Jonathan Ott, entre outros, para definir o fenômeno da campanha do proibicionismo das drogas, iniciada com a Lei Seca contra o álcool nos Estados Unidos, no início do século XX, e intensificada desde os anos 1960, por Nixon, através de uma “guerra” de conteúdo militar, comercial, industrial, financeiro, político e ideológico.

Vivemos simultaneamente, entretanto, a ampliação de um novo camp0o epistemológico em meio a uma guerra que utiliza os instrumentos desse potencial científico e tecnológico como armas. Por um lado, a ciência química amplia os conhecimentos e os domínios sobre as sínteses refinadas de novos arranjos moleculares, e, por outro, produz uma intersecção com os domínios das ciências da subjetividade humana. A analogia molecular entre o LSD e a serotonina (cristalizada e nomeada em 1948 por Rapport) foi o que levou a identificação da segunda como neurotransmissor (Chast 1995, p. 128). A farmácia e a psicologia se unem na psicofarmacologia. A constituição desse campo, definido sistematicamente por François Dagognet, seu primeiro epistemólogo, no texto La raison et les rémèdes (1964), une a filosofia do sujeito com a história das formas de controle e normatização da subjetividade. O estudo desse campo de atividade do pensamento estimulado na fonte neurotransmissora dos impulsos e suas consequências na determinação das formas da consciência e dos modelos de subjetividade culturalmente determinados, constitui-se como um foco de inquietação que busca instrumentos nas mais divrsas ciências – farmácia, psicologia, medicina, história, antropologia – para investigar e experimentar os psicofármacos. Em 1972, Charles Tart propôs num artigo na revista Science, a criação de ciências específicas para os estados alterados de consciência, desenvolvendo uma abordagem que se insere no campo mais amplo das “ciências da consciência” (Tart 1998)

Os estudos sobre as drogas possuem uma extensa e multidisciplinar bibliografia. Este texto não pretende realizar nenhuma descrição panorâmica, mas apenas apontar algumas obras essenciais dos estudos históricos e antropológicos sobre o papel dos alucinógenos na cultura e historiar brevemente alguns usos dessas substâncias no decorrer do século XX.

Albert Hoffman

O estabelecimento e a classificação de uma bibliografia sobre plantas alucinógenas, usos enteogênicos e o psicodelismo é uma tarefa que ainda não foi feita. Diversas gerações se perfilam: desde os primeiros psicofarmacólogos como Arthur Heffter e Ludwig Lewin, no início do século XX; passando pelos trabalhos mais antropológicos sobre o peiote, de Alexandre Rouhier e Weston La Barre, nos anos 1930 (mesma época dos escritos literários de Michaux, Sartre e Artaud), chegando à descoberta (por serendipidade) do LSD por Albert Hoffman, em 1943; até a fermentação dos anos 1950, quando se destacam as obras de Aldous Huxley, Gordon Wasson e de Richard Evans-Schultes; e a explosão dos anos 1960, com o psicodelismo, Timothy Leary e Richard Alpert. Nos anos 1970 e 1980, formularam-se as visões críticas mais maduras em autores como Alexander Shulguin e Jonathan Ott. Autores como Thomas Szasz, emCerimonial chemistry (1974), e Antonio Escohotado em História de las drogas (1989), apresentam uma visão crítica do papel social, econômico e cultural das drogas e de sua regulamentação na história universal.

O enfoque sistemático de Escohotado sobre os mecanismos de controle e regulamentação do uso das plantas e dos fármacos é uma das análises mais agudas sobre a questão. A interpretação da guerra contemporânea contra as drogas como uma “inquisição farmacrática” e o próprio conceito de “farmacracia”, que Escohotado comparte com o psiquiatra Thomas Szasz, fazem parte da vertente que mais buscou, no terreno das ciências humanas, uma interpretação teórica e histórica dos regimes de consumo e regulamentação de drogas. Outros trabalhos pioneiros buscaram exposições gerais sobre a história das drogas, como é o caso de Jean Louis Brau, mas sem entrarmos nas vertentes psiquiátrica e farmacológica, podemos nos referir à etnobotânica, com Gordon Wasson e Richard Evans Schultes, e à antropologia, especialmente com os estudos do peiote e do xamanismo amazônico(3), como as disciplinas que mais contribuíram para a formação de um campo do conhecimento histórico e antropológico das drogas em geral e, especialmente, dos alucinógenos.

  1. Entre os quais estão Aguire Beltrán, Jean-Pierre Chaumeil, Jeremy Narby, Michael Harner, Michael Taussig, Terence McKenna, Weston La Barre e, especialmente no contexto amazônico, Esther Jean Langdon, Haydée Seijas, Homer Pinkler, Luis Eduardo Luna, Melvin Bristol, M. Winkelman, Néstor Uscategui, Plutarco Naranjo e Scot Robinson, muitos dos quais alunos de Evans Schultes.

O tema do xamanismo e das plantas de poder penetrou a cultura de massas do Ocidente, a partir dos anos 1970, com o amplo sucesso dos livros de Carlos Castaneda, cuja consistência antropológica foi, entretanto, questionada, mas que inegavelmente divulgou as plantas sagradas e seus mestres xamãs. Pesquisas antropológicas e trabalhos de campo se realizaram desde então em todos os continentes, mas especialmente nas Américas, onde o número de substâncias vegetais psicoativas conhecidas pelas culturas tradicionais é superior a todo o resto do mundo.

Alguns historiadores da América abordaram as consequências do impacto da regulamentação do consumo das drogas sobre as sociedades coloniais americanas, entre os quais Aguirre Beltrán e Serge Gruzinski. Igualmente importantes também foram os autores que trabalharam sobre a questão da história das práticas de consumo alcoólico, em particular no caso do encontro intercultural entre a Europa e a América, como é o caso de Sonia Corcuera de Mancera e de William Taylor. Entre outros trabalhos que estudaram as práticas de consumo alcoólico e de alucinógenos na América podemos citar Borrachera y Memoria(Saignes 1993) e os estudos levados a cabo no Peru desde os anos 1960 (especialmente os de Marlene Dobkin de Rios), que tratam do curandeirismo psicodélico da sierra e da selva, com grande tradição de uso de San Pedro e ayahuasca. O conceito de psiquiatria folclórica, desenvolvido por Carlos Alberto Seguín, que fundou o Instituto de Psiquiatria Social, na Universidade de San Marcos, em Lima, em 1967, também constitúi uma contribuição pioneira e fundamental para a discussão do uso tradicional de alucinógenos na América do Sul. No Brasil, após algumas passagens pioneiras de Gilberto Freyre e Câmara Cascudo sobre a maconha e a Jurema(4), tem havido desde os anos 1980 um crescente interesse pelo fenômeno da religião do Santo Daime, com o surgimento de diversos livros, artigos e teses acadêmicas.(5)

  1. A Jurema (Mimosa hostilis e Mimosa nigra), elevada por José de Alencar, em Iracema, à condição de “licor de Tupã”, e onipresente no context do catimbó, teve o seu principal alcalóide, a DMT, isolado em 1946 por Gonçalves Lima que o chamou de nigerina. Ele foi o primeiro químico no mundo a isolar a DMT, anteriormente sintetizado em laboratório em 1931, de um produto natural.
  2. No Brasil, encontramos os trabalhos de Alberto Groisman, Anthony Henman, Ari Sell, Beatriz Labate, Edward MacRae, Sandra Goulart, Wladimyr Araújo, entre outros.

O renascimento psicodélico dos anos 1990 não se restringiu à revalorização da cultura juvenil das raves,da busca dos estados alterados de consciência, mas também se expressou numa intensa atividade editorial e na articulação através da Internet(6) de círculos de investigação e debate sobre tais substâncias. Algumas obras de investigação histórica e jornalística desvendaram a complexa e misteriosa história recente dos psicodélicos (Lee e Shlain, Stafford, Lyttle, Devereux) e centros como a MAPS (Multidisciplinary Association of Psychedelics Studies), a Società Italiana per lo Studio degli Stati di Conscienza, e a Albert Hoffman Foundation têm consituído bancos de dados e bibliografias e estimulando a pesquisa.

  1. Tão grande é a gama de publicações e instituições com sites na Internet que foi publicada em 1996 uma compilação por Jon Hanna, intitulada Psychedelic Resource List.

As diversas formas de uso dos psicodélicos têm se constituído como um campo original de conhecimento e de produção cultural, onde a psicologia, a farmácia, a medicina, a história, a literatura e a antropologia uniram-se para buscar compreender o papel das plantas e dos sintéticos produtores de estados de êxtase e que tiveram um papel histórico determinante como produtos de grande valor comercial, religioso e cultural.

Gordon Wasson

Poderíamos descrever as três visões mais importantes do uso dessas drogas a partir da própria opção pelo termo que deve denominá-las. Três são as opções fundamentais: alucinógenos, psicodélicos ou enteógenos. A primeira corresponde ao da pesquisa científica oficial dos anos 1930 a 1950 e, até hoje, é o termo considerado científico para descrever em termos farmacológicos os efeitos de uma gama de substâncias que vão da maconha ao LSD. A segunda é a denominação criada pelo psiquiatra canadense Humphry Osmond, em 1953, e que foi adotada pelo movimento político-cultural dos anos 1960. A terceira foi proposta em 1978 pelo investigador Gordon Wasson e outros (C.A.P Ruck, D. Staples, J.Bigwood e J. Ott) para referir-se às plantas que têm sido usadas como instrumentos sagrados de êxtase (Ott 1995).

Mais recentemente, as pesquisas levadas a cabo por Alexader Shulguin e sua equipe desenvolveram diversas novas substâncias de tipo semelçhante aos psicodélicos, mas com importantes distinções. As meta-anfetaminas, concebidas a partir do anel molecular da mescalina, possibilitaram diferentes tipos de efeitos, alguns dos mais característicos, no caso do MDMA, são os de intensificação das interações interpessoais, o que levou este pesquisador a propor a denominação de entactogen para esse tipo de substância (Shulguin 1991, p. 229), que também são chamadas de empatógenos.

Prefiro, para uma designação mais genérica desse campo específico dos psicoativos, o termopsicodélico, por achá-lo mais estético, mais preciso semanticamente, e imbuído de um conteúdo político e laico. O termo enteógeno, embora seja preciso para denominar usos de tipo religioso, como os identificados nas raízes culturais de inúmeros cultos, é inapropriado para definir o uso laico contemporâneo das mesmas substâncias. O termo alucinógeno, embora seja o mais corrente, é incorreto, refletindo um preconceito que atribui à ocorrência de supostas “alucinações” o principal ou único efeito de drogas que possuem uma natureza muito mais complexa. Como termo mais vasto que abrangeria diferentes vertentes das diversas formas de usos modernos e contemporâneos e os distintos enfoques culturais dos psicodélicos, utilizarei o conceito de psiconáutica que faz parte do movimento atual de renascimento psicodélico dos anos 1990 (segundo J. Ott, o termo psiconauta foi cunhado por Ernst Jünger, em 1970).

As vertentes da psiconáutica

O uso de drogas alteradoras da consciência foi uma das fontes do estudo científico da mente humana, dando origem a diversas vertentes fundadoras do campo da psicologia no século XIX. Desde muito antes dessa época, entretanto, que as especulações sobre a consciência humana estão entrecruzadas com experiências de estados alterados de consciência por uso de substâncias psicoativas. O pharmakón grego se tornou psicofármaco, ou “remédio da alma”, quando Reinhard Lorichius publicou, em 1548, um livro chamado Psychopharmakon, hoc est: medicina animae. Um dos primeiros estudos sistemáticos sobre as drogas foi a tese doutoral de um aluno de Lineu, Olavus Reinh Alander, que escreveu em 1762,Inebriantia, que pode ser considerado o primeiro tratado sobre psicoativos. Claude Bernard (1813 – 1878) é o pioneiro da medicina e da farmacologia experimentais, tendo publicado, em 1857, Lições sobre os efeitos das substâncias tóxicas e medicamentosas e, em 1865, Introdução à medicina experimental, realizando experimentos com o “curare” (substância paralisante) dos indígenas sul-americanos. Em 1817, a morfina foi isolada como o principal alcalóide do ópio e, alguns anos depois, Thomas De Quincey publicou The Confessions of an English Opium Eater (1821) que foi o primeiro best-seller da, desde então, prolífica literatura de experiência com drogas.

O primeiro laboratório de farmacologia experimental teria se estabelecido em 1860 na cidade de Dorpat (atual Tartu), na Estônia (Ribeiro do Valle 1978). O estudo científico das drogas psicoativas tem entre seus principais iniciadores alguns cientistas como Ernst Freiherr von Briba (1806 – 1878), que, em 1855 publicou, na Alemanha, Die narkotichen Genussmittel und der Mensch, onde estudou 17 plantas; e J. J. Moreau de Tour, que, em 1845, publicou na França o primeiro estudo sistemático realizado com o haxixe,Du hachich et de l’alienation mentale, onde compara o estado produzido pela droga com a loucura, Em 1860, Mordecai Cooke (1825 – 1913) publicou The Seven Sisters of Sleep, onde divulgava de forma popular diversas informações sobre plantas narcóticas e, no mesmo ano, também era publicado, na França, Les Paradis artificiels, de Charles Baudelaire, obras que traziam para o público descrições literárias e, quase sempre, exageradas dos efeitos de certas drogas. E. Kraepelin publicou, em 1883, um artigo intitulado “Sobre a ação de algumas substâncias medicamentosas na duração de certos fenômenos psíquicos elementares” e, em 1892, um livro que abordava os efeitos comparados do chá, do álcool, da morfina, do éter et., intitulado Sobre a influência de alguns medicamentos em determinados fenômenos psíquicos elementares, onde teria utilizado pela primeira vez a palavra farmacopsicologia.

Sigmund Freud contribuiu com o campo de estudo das drogas ao teorizá-las como um dos mecanismos culturais destinados a evitar o sofrimento e buscar o prazer – o mais eficaz, enfatizou Freud -, em O Mal-Estar na Civilização, tendo experimentado entretanto apenas a cocaína e o tabaco, dos quais se tornou adepto. Nos Estados Unidos, William james experimentou o óxido nitroso e escreveu, em 1902, The Varieties of Religious Experience, comparando o êxtase religioso com o efeito provocado por drogas.

O isolamento da mecalina, como princípio ativo do peyote, cacto alucinógeno do México, por Arthur Heffter, em 1897, trouxe ao panorama da farmácia o primeiro alucinógeno quimicamente puro. Nessa época, Havelock Ellis empregou mecalina para estudos sobre a criatividade, tendo ministrado essa droga para poetas como Yeats e para pintores. Em 1911, Karl Hartwich escreveu Die menschlichen Genussmittel, onde superou a obra anterior de von Briba, enfocando sob um ângulo interdisciplinar cerca de 30 plantas. Em 1924, surgiu Phantastica, de Ludwig Lewin, a obra mais influente na classificação das substâncias psicoativas, apresentando um estudo detalhado de 28 plantas e de alguns compostos sintéticos (Evans – Schultes e Hoffman 1993, p. 185). Os cinco tipos de psicoativos eram, para Lewin, os fantásticos, os excitantes, os sedativos, os euforizantes e os inebriantes. Esta taxonomia evolui posteriormente para o odelo de três categorias: os psicolépticos, psicoanalépticos e os psicodislépticos, englobando respectivamente os depressores, os estimulantes e os alteradores da consciência(7).

  1. Tal classificação, proposta por J.Delay desde 1952, derivou do uso psiquiátrico da cloropromazina, classificada como um psicoléptico timoléptico ou neuroléptico, ou seja, um tranquilizante não-sonífero, assim como os anti-depressivos foram classificados como timoanalépticos, enquanto os soníferos seriam noolépticos e os excitantes, como a anfetamina, nooanalépticos. Tal nomeclatura tornou-se oficial desde o II Congresso Internacional de Psiquiatria, em 1957. Ver Pöldinger (1968).

Nos anos 1930, o estudo dos alucinógenos (ou psicodislépticos) começou a desenvolver-se no período de arrancada da farmacoquímica na Alemanha. A história da consciência alcançou na era dos psicofármacos psicodélicos de síntese inaugurada com as pesquisas sobre a mescalina, sobretudo as de Heinrich Klüver, uma abordagem experimental dos universos mentais, A experimentação permitia um domínio empírico sobre o quadro de alterações de consciência que nenhuma outra verificação científica poderia aferir. Além dos depoimentos, dos testemunhos, da observação clínica ou psicológica dos sujeitos experimentadores, cabia ao pesquisador o conhecimento direto e insubstituível da vivência pessoal da experiência. Também na década de 1930, setores da intelectualidade se interessaram pelos psicodélicos. Jean-Paul Sartre, após tomar mescalina, escreveu Náusea, onde expressou certos aspectos de suas vivências mescalínicas, e Henri Michaux escreveu O conhecimento pelos abismos, Infinito turbulento e O miserável milagre.

A tipologia dos “arquétipos” provocados pela mescalina, sobretudo os efeitos visuais, foram objeto de extensos estudos experimentais. A natureza do alucinógeno permitiria compreender a natureza da alucinação e da percepção da realidade. A definição precisa das “constantes alucinatórias” foi para Klüver uma das chaves para se tentar compreender a natureza dos efeitos da mescalina. A característica principal dos fenômenos alucinatórios tinha sido definida por Havelock Ellis como a sua “indescritibilidade” (indescribableness), mas Klüver irá buscar as formas constantes, tais como: “a) grade, treliça, trama, cordas, filigrana, favos de abelha, exadrezado; b) teia de aranha; c) túnel, funil, viela, cone, ou barco; d) espiral” (Klüver 1971, p. 66). As pioneiras e, em muitos aspectos, interessantes pesquisas desse período sofreram, no entanto, a limitação de buscarem enfoques parcelares e laboratoriais de uma experiência cuja natureza múltipla, polissêmica e subjetiva tornava-se inabordável pelos métodos e testes psicológicos tradicionais destinados a verificar “alucinações visuais”. O que mais se destacava na experiência dessas drogas era sua inefabilidade, sua singularidade e sua intensidade. Mais recentemente, diferentes autores identificaram nas percepções geométricas visuais um elemento recorrente em diversas culturas, desde as pinturas rupestres paleolíticas até os padrões psicodélicos contemporâneos, representando o que R. Rudgley denomina “fenômenos entópticos”, também chamados de fosfenos ou imagens eidéticas. Os efeitos dos alucinógenos produziriam dois tipos básicos de imagens: padrões geométricos entópticos, que derivariam da estrutura universal do sistema nervoso humano, e imagens icônicas alucinatórias, derivadas de elementos psicológicos e culturais (Rudgley 1995, p. 18).

aldous-huxley
Aldous Huxley

Em 1953, Aldous Huxley tomou mescalina e escreveu As Portas da Percepção, que se tornou a mais famosa apologia intelectual da experiência psicodélica. O psiquiatra canadense que o iniciara na experiência era Humphry Osmond, que foi quem propôs a denominação de psicodélicos.Huxley prosseguiria desde então um estudo insaciável sobre os psicodélicos, correspondendo-se, entre outros, com o círculo de Albert Hoffman, o inventor do LSD, e o de Timothy Leary.

Nos anos 1960, despontaram movimentos culturais (ou “contraculturais”) que reinvidicavam a extensão dos direitos de livre-disposição do corpo e de autonomia sobre si próprio. Como parte desses movimentos, destacavam-se os que discutiam questôes de política sexual, de gênero (o movimento feminista) e de opção sexual (o movimento homossexual). O uso voluntário do corpo para fins de prazer sexual se coligava à reinvidicação da autonomia crítica da consciência, da recusa em se permitir ao Estado uma jurisdição química sobre a mente que busca controlar o que se ingere ou se introduz voluntariamente no interior do corpo. O movimento psicodélico representou uma defesa política oficial do proibicionismo estatal, caracterizado como Inquisição farmacrática contra o direito de escolha na estimulação química do espírito. A humanidade alcançou com os recursos de alteração química deliberada da consciência um novo patamar para o florescimento da auto-consciência do espírito. A consciência deixou de ser a mera auto-referência psicológica, sujeito filosófico do conhecimento ou identidade para tornar-se a matéria plástica, passível de programação química voluntária. Tal perspectiva trouxe a baila uma questão moral e política decisiva: quais os limites para a liberdade de autoprogramar-se quimicamente? A liberdade de consciência, os direitos do homem, a liberdade na busca dos meios de obtenção de prazer incluem o direito ao uso de drogas?

A autonomia crítica da consciência exigiu o acesso ao arsenal do saber herbário e da tecnologia psico-farmacoquímica como um dos direitos do espírito humano na busca do conhecimento de si próprio. A resposta política do Ocidente a essa demanda pelas chaves vegetais e químicas da consciência até hoje, contudo, foi negativa. O proibicionismo reinou sempre, inicialmente sob a égide da Igreja e, mais tarde, da Medicina. A Igreja Católica proibiu os frutos das árvores do conhecimento, como o ópio, os cogumelosamanita ou a cannabis, herança combatida do paganismo euroasiático e, durante a colonização moderna, desencadeou uma campanha para extirpar as “idolatrias” indígenas, e particularmente as suas plantas sagradas. A América proveu o mundo, entretanto, com algumas das mais fantásticas substâncias extraídas de plantas: a mescalina do cacto, a psilocibina do cogumelo, a harmalina do cipó, as triptaminas da leguminosa jurema, e o LSD análogo da trepadeira ipoméia.

O uso militar

O uso de técnicas de alteração de consciência por meios médicos ou químicos sempre foi objeto de pesquisa científica de uso militar. A psiquiatria do śeculo XX desenvolveu uma vasta gama de técnicas reunidas sobre a denominação de “sismoterapia”. O abalo de pacientes esquizofrênicos, antes produzido com água gelada e outros métodos rudimentares, se aperfeiçoou através de febres induzidas (paludoterapia), comas hipoglicêmicos (choque de insulina), epilepsias induzidas (choque de cardiazol) e eltro-choques. Estes últimos foram especialmente empregados quando na Primeira Guerra Mundial para os chamados “neuróticos de guerra”, soldados em trauma que se recusavam a lutar. Freud teve uma posição ambígua diante desse tipo de “tratamento”, inclusive depondo numa comissão de inquérito durante um processo movido por um oficial das forças armadas austríacas, mas a conclusão oficial continuou a legitimar o uso de eletro-choques para “arrancar o doente de suas fixações e permitir-lhe voltar ao fronte” (Rousseau 1998).

O exército alemão interessou-se pela mescalina e na época nazista floresceram os estudos médicos sobre prisioneiros em campos de concentração. No pós-guerra, os Estados Unidos recrutaram mais de seiscentos cientistas alemães de diferentes áreas, entre os quais o principal investigador responsável pelos estudos de mescalina, Dr. Hubertus Strughold, que, segundo os pesquisadores norte-americanos Martin A. Lee e Bruce Shlain, “depois de Werner von Braun, foi o segundo cientista nazista de primeiro plano a ser empregado pelo governo dos Estados Unidos, tendo sido, mais tarde, saudado pela NASA como “o pai da medicina do espaço” (Lee e Shlain 1994, p. 26). A medicina do espaço foi um dos campos onde se investigaram os estados de consciência alterada, especialmente em condições de confinamento, e se experimentaram novas drogas psicoativas potencialmente úteis para a manutenção da saúde psíquica em viagens espaciais.

O código deontológico da pesquisa científica estabelecido pelos juízes dos processos de Nuremberg, que estabelecia que nenhuma experiência poderia ser levada a cabo sem o consentimento total e voluntário, nunca foi seguido nos Estados Unidos. Após a guerra, a CIA dedicou-se a uma vasta pesquisa sobre drogas. Utilizando cientistas nazistas davam continuidade à utopia reacionária da manipulação cerebral total. Constituíram-se os projetos Blue bird e Artichoke, que se dedicavam a desenvolver técnicas de controle mental e de interrogatórios, com o uso de drogas, tortura e hipnose. Em 10 de abril de 1953, Allen Dulles, novo diretor da CIA, proferiu um discurso em Princeton, onde se referiu ao “sinsitro combate dos soviéticos para se apoderarem dos espíritos”, referindo-se a supostas técnicas de “lavagem cerebral”. Três dias depois foi lançado o projeto da CIA chamado MK Ultra, que consistiu no estudo experimental, com voluntários e não-voluntários, de diversas drogas, entre as quais o LSD, que por suas características peculiares de ínfima dosagem e magnitude dos efeitos, tornou-se uma das principais. O LSD é ativo na proporção de milésimos de miligramas, ou seja, em poucas dezenas de milionésimos de grama. Praticamente nenhuma outra substãncia age sobre o metabolismo humano nessa dosagem.

Alan Ginsberg

Ironicamente, alguns dos sujeitos recrutados por anúncios em jornais, que foram iniciados no LSD nesses testes de ácido, tornaram-se, depois, os maiores críticos à política oficial de drogas nos Estados Unidos, como o poeta Allen Ginsberg. A questão moral central do uso de drogas em geral, mas particularmente dessas intensas novas drogas mentais, dizia e continua dizendo respeito ao problema da liberdade de opção. Inicialmente se manteve um uso restrito às investigações militares e médicas, nas quais, na maior parte das vezes, os sujeitos que consumiam as drogas não o faziam voluntariamente. O que a CIA buscava era justamente uma droga que vencesse a vontade e as convicções, que tornasse voluntário o involuntário. Desenvolviam pesquisas para técnicas de interrogatório, armas de guerra a se usarem em bombardeios ou infiltração de sistemas de abastecimento de água (o que se verificou impossível, pois o cloro neutraliza o LSD). No uso médico e psicoterapêutico, embora tenha havido trabalhos sérios em profusão nos anos 1950 e 1960, até a proibição legal do LSD em 1966, também houve muito uso experimental psiquiátrico e todo tipo de aberrações numa época que consagrara a lobotomia com um prêmio Nobel (o português Esgas Moniz, em 1949), chegando até mesmo à prática da lobotomia num paciente a quem se havia dado LSD, para que o mesmo descrevesse verbal e conscientemente o que estava sentindo ao mesmo tempo em que lhe extirpavam pedaços do cérebro.

Ao mesmo tempo, o LSD se popularizava entre a elite norte-americana. Os agentes da CIA tomavam ácido como parte obrigatória de sua preparação. Atores famosos, milionários, generais e até mesmo presidentes norte-americanos como John Kennedy contavam entre os que experimentavam LSD. Nas universidades se desenvolviam programas de reabilitação de alcoólatras e de delinquëntes que obtinham grande êxito. O problema para as autoridades surgiu quando esse uso extravasou as comportas da CIA, da elite e das cúpulas universitárias e, a partir de Harvard, os professores de psicologia começaram a fazer proselitismo público. O resultado foi a proibição do LSD em 1966. O uso voluntário passa a ser considerado crime, o território interior da carne e mente torna-se jurisdição química do Estado que decide quais substâncias e em que momentos estamos autorizados a consumir. Ao mesmo tempo em que os serviços secretos do mundo desenvolviam ou subsidiavam pesquisas sobre drogas, especialmente os novos sintéticos, a polícia intensificava a repressão e um movimento cultural começava a desenvolver-se em torno do uso ilegal destas novas substâncias.

Usos psicoterapêuticos

Na psicoterapia, centenas de tratamentos alcançavam resultados surpreendentes; como inspirador de artistas e potencializador de criatividade, repetia-se exaustivamente, em todas as artes, as experiências do final do século XIX, quando Havelock Ellis deu mescalina para poetas e pintores. Retomava-se, com os sintéticos como o LSD, a traddição literária baseada no uso de drogas como via para a poesia.

Diversas vertentes utilizaram psicodélicos como coadjuvantes para tratamentos, com sucesso excepcional na recuperação de alcoólicos, em pacientes terminais, e em tratamentos os mais variados. Em Harvard, após experimentar cogumelos em 1960, o psicólogo Timothy Leary, aos 39 anos, converteu-se a um apostolado dos psicodélicos. Aproximou-se dos beats como Allen Ginsberg, que vinham de uma tradição de uso do peiote, e realizou algumas experiências autorizadas com recuperação de dependentes de álcool e de delinquentes. Quando o uso dos psicodélicos extravasou o controle acadêmico, Richard Alpert e Timothy Leary tornaram-se os primeiros casos de expulsão no quadro de professores de Harvard, em 1963.

Nos anos 1960, Alberto Fontana adotou, na Argentina, psicodélicos em terapia psicanalítica. Na Tcheco-Eslováquia, Stanislav Grof começou um trabalho de pesquisas, que foi desenvolvido posteriormente na Califórnia, como investigação dos estados perinatais, utilizando psicodélicos em experiências de regressão. No Brasil, houve uma utilização científica de LSD no final dos anos 1950 e início dos anos 1960, inclusive com experiências sobre criatividade(8), vertente já explorada desde Havelock Ellis e, mais recentemente, por Stanley Krippner, nos Estados Unidos, mas que foram abortadas pela interdição legal de experimentação científica com psicodélicos.

  1. O livro de memórias de Fauzi Arap, Mare Nostrum, Sonhos, viagens e outros caminhos, relata a influência lisérgica sobre o panorama cultural brasileiro dos anos 1960 e sobre diversos artistas em particular como, além dele próprio, a escritora Clarice Linspector, que deveria a uma intensa experiência com LSD a inspiração para o seu livro A Paixão segundo G. H.

A bibliografia médica sobre usos de LSD e outros psicodélicos é de muitos milhares de títulos, que compreendem usos psiquiátricos e psicoterapêuticos os mais diversos, resultado sobretudo das experimentaçoes realizadas antes da proibição legal em 1966. Entre os pesquisadores que relatam essas experiências, podemos citar autores como Masters e Houston, Claudio Naranjo e Andrew Weil, que escreveram livros sobre as virtudes médicas e terapêuticas dos psicodélicos. Durante o começo dos anos 1980, o uso de MDMA generalizou-se em diversos tratamentos psicoterapêuticos e até sua proibição, em 1986, foi apresentado como um eficiente afrodisíaco ou droga pró-sexual.

O uso político dos alucinógenos e o movimento psicodélico

O uso aristocrático por Ernst Jünger, do círculo diretamente ligado a Hoffman, na Suiça, ou por militares norte-americanos, como o capitão Alfres M. Hubbard, são vertentes de uso restrito dos psicodélicos que sempre advogaram por um acesso muito seletivo. Contra tal controle insurgiam-se, nos anos 1960, diversos apostulados do ácido. Talvez, como advertiria André Breton no Segundo Manifesto do Surrealismo, eles quiseram “distribuir o pão maldito aos passarinhos” e pagaram o preço dessa ousadia.

A expulsão, em maio de 1963, de Richard Alpert e Timothy Leary do quadro de professores de Harvard simbolizou o mergulho na clandestinidade das pesquisas científicas com LSD. O livro Politics of Ecstasy, publicado em 1968, resumiu as posições de Leary em defesa da experimentação ampla dos psicodélicos.

Por um lado, os militares e a CIA prosseguiram com suas experiências secretas, enquanto que, por outro, um imenso movimento juvenil iria iniciar-se nos arcanos da farmácia clandestina. Em 23 de novembro de 1963, morre aldous Huxley, no mesmo dia em que Kennedy é assassinado. Huxley, ao morrer, pratica o ensinamento do Bardo Todol, o Livro Tibetano dos Mortos, que ele havia interpretado como um manual para o êxtase, e pede à sua mulher Laura que lhe injete uma dose de LSD.

Em 1965, a fabricação e venda do LSD tornaram-se ilegais. Em 1966, a Sandoz parou a fabricação. No debate que se abre no congresso norte-americano, o senador Robert Kennedy argumenta contra a proibição, alegando que sua esposa usava LSD com êxito num tratamento psicoterapêutico. Em 1968, não obstante, a posse de LSD tornou-se um crime nos Estados Unidos.

Timothy Leary

Muitos são os “apóstolos do ácido” que começam a fazer a sua distribuição como sagrada hóstia espiritual. Ken Kesey e o grupo de rock Merry Pranksters, saem num ônibus promovendo os Eletric-Cool-Aid-Acid-Test (tema do livro de Tom Wolfe, O teste do ácido do refresco elétrico). O próprio Leary funda a IFIF (International Federation for Internal Freedom) e instala-se em Cuernavaca, no México, onde faz sessões com LSD. Na esteira da radicalização do movimento estudantil, surgem as seitas psicodélicas, como os Diggers, os Yippies e a “Fraternidade do Amor Eterno”. No final de 1968, Nixon é eleito e lança a War on drugs. Em 1969, Leary declara que o LSD é perseguido por “ciúme metamórfico”, porque “as moscas invejam as borboletas”, e lança sua candidatura ao governo da Califórnia, contra Ronald Reagan, recebendo o apoio de John Lennon, que escreve a música Come Together, para a campanha.

Em 1965, Leary havia sido preso junto com a mulher e a filha por porte de pequena quantidade de maconha na fronteira com o México e condenado a trinta anos de prisão e, em 1970, após nova apreensão e recusa de recursos, é encarcerado. Após alguns meses, foge espetacularmente e exila-se na Argélia, onde se reúne com o líder pantera negra, também lá exilado, Eldridge Cleaver, renega o pacifismo e torna-se um revolucionário psicodélico. Em 1973, é preso no Afeganistão e levado para os Estados Unidos, onde colabora com a polícia, denunciando antigos companheiros. Devido ao fato de Leary aceitar capitular, no que se torna conhecido como o “Watergate hippie”, o movimento contracultural convoca uma conferência chamada de “PILL” (People Against Leary Lies). Em 1976, Leary é solto por “bom comportamento”. Nesse mesmo ano, tornam-se públicos os documentos relativos às experiências secretas da CIA com LSD, que resultaram na morte, por suicídio, de um de seus agentes, Frank Olson, em 1953. Após escrever sua autobiografia, Flashbacks, Timothy Leary dedica seus últimos anos à exaltação da Internet, constituindo-se num internauta anunciador da alteração de consciência através da realidade virtual, estado de todas as imponderabilidades.

De Woodstock à chacina de Charles Manson, a divulgação de bad trips e a proibição criaram o clima paranóico que tornou as experiências lisérgicas influenciadas por expectativas negativas, condição que apenas multiplicou o número de casos de más viagens ofuscando a época idílica do flower power.

O uso religioso

O tema do uso de drogas ligado às religiões já fora motivo de debate nos Estados Unidos com a organização da Igreja Nativa do Peyote, no início do século XX, estudada em profundidade pelo antropólogo Weston La Barre, nos anos 1930. Quando surgiu o movimento psicodélico dos anos 1960, capitaneado por Leary, argumentou-se novamente que o uso dos psicodélicos era um direito religioso. Mais ainda: Leary teorizou que um dos efeitos específicos produzido por essas drogas era a devoção. Pesquisas como as realizadas pelo psiquiatra Oscar Janinger e pelo psicólogo William McGlothlim com centenas de pacientes, mostravam que em 75% dos casos ocorriam intensas e transformadoras experiências religiosas, o que levou muitos a acreditarem que o LSD e outras substâncias eram um sacramento e a proporem, como Leary, que cada um formasse a sua própria religião fazendo a experiência da revelação lisérgica.

Richard Gordon Wasson, norte-americano, conheceu sua esposa Valentina, médica russa, em 1921. Em agosto de 1927, casados e residindo nos Estados Unidos, ao passarem a lua de mel nas montanhas Catskills, descobriram uma notável diferença cultural entre eles: ela adorava colher cogumelos e prepará-los em diversos pratos e ele simplesmente não podia conceber que se comessem coisas tão nojentas e perigosas. Essa diferença na valorização dos cogumelos, que eles denominaram de micofobia oumicofilia, levaria-os a uma verdadeira obsessão durante toda a vida: estudar os cogumelos em todo o mundo.

Em 1949, Valentina telefonou para Robert Graves, escritor britânico, autor de uma autobiografia ficcional do imperador Cláudio, para indagar-lhe sobre o último prato de cogumelos de Cláudio, que supostamente teriam sido envenenados por sua mulher, Agripina. De fato, há ao menos três tipos de Amanita bem distintos: Amanita muscaria é o alucinógeno; Amanita caesarea é um tipo comestível muito apreciado pelos imperadores; e, finalmente, o Amanita phalloides é um terrível e poderoso veneno de efeito retardado. O suco deste último teria sido posto num Amanita caesarea para Cláudio.

Três anos depois, Graves enviou aos Wasson uma notícia sobre a descoberta de um culto dos cogumelos no México pelo botânico Richard Evans Schultes, que teria estado já em duas ocasiões na região mazateca, em 1938 e 1939, e obtido amostras de cogumelo. Gordon e Valentina passaram a viajar para o México e, na sua terceira visita, em 1955, conheceram Maria Sabina, e foram os primeiros ocidentais a participarem da cerimônia secreta dos cogumelos. Valentina morreu em 1958, logo depois que publicaram seu primeiro livro: Mushrooms, Russia and History. Gordon Wasson aposentou-se da vicepresidência do banco Morgan e dedicou-se ao estudo dos cogumelos. Foi uma dezena de anos seguidos ao México, levou os cogumelos, por intermédio do micólogo Roger Heim, para Albert Hoffman, o qual, após isolar os princípios ativos, denominou-os psilocibina e psilocina (do grego psilo, “careca”, e cybe, “cabeça”). Em 1962, Hoffman acompanhou Gordon Wasson numa viagem ao México e levaram um frasco de pílulas de psilocibina para Maria Sabina, que as usou numa sessão noturna com a presença de ambos.

Se nos anos 1950 o centro da pesquisa de Wasson concentrou-se em torno do cogumelo psilocybe, nos anos 1960 ele se deslocou para a ìndia e a questão da identificação da planta sagrada dos Vedas, o Soma, que para Wasson teria sido o Amanita Muscaria.

As obras de Gordon Wasson não apenas chocaram os especialistas de diferentes áreas de erudição acadêmica como causaram um enorme impacto, pois, pela primeira vez, se apresentava uma tese global justificada com sérias investigações que afirmava a ligação indissolúvel entre droga e religião. Em 1938, Weston La Barre, ao estudar o culto do peiote, já havia argumentado em prol da idéia de uma “religião-UR”, mas a descoberta do culto dos cogumelos generalizava essa hipótese. A comprovação da permanência do uso dos cogumelos sagrados do México levou Wasson para uma investigação exaustiva de todos os usos de cogumelos e outros enteógenos através do mundo. Os Mistérios de Elêusis, o xamanismo siberiano, os magos persas e os invasores arianos da Índia foram alguns dos utilizadores das bebidas sagradas que foram investigados por Wasson, e uma equipe de pesquisadores que durante muitos anos buscou evidências do uso das plantas alucinógenas nos ritos destes cultos. A partir do uso boreal do cogumelo siberiano Amanita Muscaria, Wasson desenvolveu a tese de uma proto-religião baseada no uso dos cogumelos que teria se propagado com as invasões indo-arianas, nas formas do soma hindu e do haoma persa. O cristianismo, no entanto, elevou o vinho à condição de única droga sagrada e baniu todas as demais, proibindo o ópio, os ritos de Elêusis, os usos de plantas curativas pelos camponeses e as práticas vegetais de todos os paganismos. Tal restrição proscritiva a certas plantas se inscreve até mesmo na mitologia teogônica do Gênesis com as árvores dos frutos proibidos.

A liberdade de religião se tornou, no segundo pós-guerra, a bandeira democrática com a qual diversos movimentos buscaram legitimar o seu uso religioso de diferentes plantas. Um primeiro exemplo foi o da Igreja Nativa do Peiote nos Estados Unidos, mas foi particularmente o movimento psicodélico dos anos 1960, liderado por Timothy Leary, que transformou a defesa do direito de uso de drogas por razões religiosas numa causa popular, inicialmente nos Estados Unidos, mas com repercussões internacionais.

Terence Mckenna

A partir do final dos anos 1970, o interesse renovado pelos saberes vegetalistas indígenas, especialmente na Amazônia, culminou na ampliação do campo de estudos da etnobotânica, e levou muitos autores, como Terence McKenna, por exemplo, a retomarem a tese de Gordon Wasson de uma proto-religião xamânica enteógena como inspiração para um neo-xamanismo como retorno da cultura arcaica.

A expansão no Brasil de religiões usuárias da ayahuasca, como o Santo Daime e a União do Vegetal, também trouxe um renovado interesse no estudo, especialmente antropológico, desse fenômeno, cujos únicos paralelos são a Igreja Nativa do Peiote, nos Estados Unidos, e o culto Buiti, da iboga, no Gabão.

O renascimento neo-psicodélico desde os anos 1980

Nas últimas décadas do século XX, ocorreu uma retomada internacional dos temas do psicodelismo dos anos 1960. O xamanismo, a etnobotânica, as religiões enteógenas e a onda das raves trouxeram um renovado interesse pelas formas de alteração química da consciência.

Nos anos 1980, com o uso do MDMA, conhecido como ecstasy, refleresceram diversas experiências terapêuticas psicodélicas até a decretação da sua proibição legal, adotada a partir de 1986. O mais representativo dos pesquisadores científicos dessa época é o químico e farmacologista Alexander Shulgin. Seus livros PIHKAL (Phenethylamines I Have Know and Loved) A chemical love story (1991) e TIHKAL (Tryptamines I Have Know and Loved) The continuation (1997), escritos em parceria com sua esposa Ann, são uma verdadeira síntese das repercussões da pesquisa científica com drogas psicoquímicas, resumem o que há de mais avançado na pesquisa psicofarmacológica dos psicodélicos e produzem um relato auto-biográfico intimista entretecido com as fantásticas imbricações da guerra contra as drogas nas últimas décadas. Ambos os livros contêm, na sua metade final, uma parte destinada aos farmacoquímicos, onde se reproduzem as fórmulas, receitas e descrições dos efeitos de mais de quatrocentas novas drogas.

A síntese que realiza Alexander Shulgin é, antes de tudo, a do laboratório. Ele é um importante cientista no ramo da psicofarmacologia, tendo trabalhado anos para um grande laboratório, montou um laboratório particular onde se dedicou à pesquisa dos psicodélicos e inventou cerca de duzentas novas drogas por ele testadas junto a um grupo de amigos psiconautas. Constatou que essas drogas de dividem em dois grande grupos: o das fenetilaminas e o das triptaminas. Ao primeiro pertencem a mescalina e as novas moléculas derivadas da manipulação do seu anel molecular para se tornarem diferentes meta-anfetaminas psicodélicas, da qual a mais popular se tornou o chamado ecstasy (MDMA). Ao segundo pertencem o LSD, a DMT e a psilocibina. Cada um dos seus livros é dedicado a um dos grupos: PIHKAL, às fenetilaminas (daí o seu título: “Fenetilaminas que eu conheci e amei”), e TIHKAL, às triptaminas.

Ao fornecer ao grande público as fórmulas das drogas proibidas, Shulgin adotou uma postura política que teve como consequências a perseguição e a cassação de seu laboratório pela DEA (Drug Enforcement Agency). Durante anos, Shulgin havia trabalhado no programa de pesquisas com drogas na NASA, enquanto o governo norte-americano proibia internacionalmente a liberdade de pesquisa acadêmica sobre as substâncias psicodélicas, com a exceção dos laboratórios da CIA e do exército norte-americano. Apesar das legislações que incluíram o LSD, assim como todos os demais psicodélicos, no terreno das drogas proibidas, até mesmo para experimentação acadêmica e científica, criando no final do século XX, uma guerra contra as drogas que assume dimensões inquisitoriais, houve uma continuidade no interesse e nas investigações sobre tais substâncias.

As pesquisas psicoterapêuticas, cognitivas, estéticas, entre outras, que existiam com grande atividade, foram limitadas a uma verdadeira semi-clandestinidade. Alexander Shulgin foi praticante de uma metodologia revolucionária. Ao contrário de outros cientistas estudiosos dos psicodélicos, como o ex-nazista Strughold, ele se filia à tradição libertária norte-americana, ao movimento anti-establishment dos anos 1960. Diferentemente do ativismo psicodélico, não se dedicou, no entanto,a nenhum proselitismo, mas se tornou um pesquisador de vanguarda numa área oficialmente proibida até mesmo para fim de estudos científicos. O livro PIHKAL é o resumo de trinta anos de trabalho de laboratório e apresenta a lista de 179 fenetilaminas, com os procedimentos para a síntese química, as dosagens, a duração, comentário qualitativo e extensão dos comentários. É uma verdadeira “história natural da química da mente”, uma taxonomia das fenetilaminas que correspondem cada uma a um estímulo específico de uma atividade psíquica, de um “caminho cerebral” (brain pathway), que são descritas em seus efeitos subjetivos específicos a partir de uma experimentação dirigida.

Alexander Shulgin

A obra de Shulgin contribui para os campos científicos da psicofarmacologia e da neurologia. Além da perspectiva farmacológica, de suas técnicas e receitas de sínteses, e da perspectiva neurobiológica que pode, a partir da localização dos mecanismos de ação destes compostos químicos, localizar e compreender também os processos naturais dos neurotransmissores, há uma contribuição metodológica de Shulgin que é revolucionária do ponto de vista científico e político ao estabelecer uma indagação sobre o direito do Estado em intervir no terreno da jurisdição química da mente acima da pesquisa científica. Seu desafio é epistemológico, exigindo, como Galileu, que todos os instrumentos da ciência sejam utilizados, em particular esses telescópios químicos interiores que quanto mais se aperfeiçoam, mais permanecem inacessíveis como “psicoscópios” indexados como substâncias proibidas, mas seu gesto também é corajosamente político num momento em que a demonização das drogas e o pânico moral construído em torno delas o torna alvo de uma perseguição governamental que invadiu sua casa e o multou em milhares de dólares após a publicação destes livros.

A metodologia de Shulgin, controle experimental voluntário dos efeitos subjetivos de novos fármacos, por ele mesmo sintetizados, produziu um dos mais vastos corpora de dados científicos relativos às fenetilaminas e às triptaminas. Durante um período nos anos 1980, o MDMA foi usado livremente por médicos e psicólogos, nos mais diversos tratamentos, com amplo sucesso, e até mesmo exaltado como “droga do amor”, por sua qualidade de intensificar a empatia humana, ou seja, muito mais do que um suposto “afrodisíaco”, ele intensificaria a dimensão afetiva das interações humanas.

Num mundo em que o sucesso comercial de “Viagras” e “Prozacs” esconde uma proibição injustificável de outras substâncias de uma utilidade e de um campo de aplicações vastíssimo, é preciso um esclarecimento das manipulações políticas e comerciais que impedem um uso mais adequado do imenso e maravilhoso arsenal que a farmacoquímica coloca ao alcance da humanidade. A dieta psicoquímica deveria ser encarada da mesma forma que a dieta alimentar. Tal distinção é puramente cultural, e a busca do bem-estar e de estados mentais atrativos constitui formas diferenciadas do consumo sensorial e de seus rituais. Tanto uma dieta alimentar como psicoquímica inadequada podem ser perniciosas e daninhas à saúde, aliás é exatamente o que ocorre na sociedade contemporânea em níveis alarmantes., As substâncias mais nocivas como o tabaco, o álcool ou os benzodiazepínicos são legais, enquanto que as antigas plantas de poder, veículos sagrados dos povos da terra e herança de um conhecimento botânico milenário, são proibidas. Seus princípios ativos, localizados pela análise química e depois sintetizados sem necessidade de matérias-primas vegetais pelo engenho da farmácia, sofrem proscrições e permanecem clandestinos até mesmo para os usos médicos. Após um século e meio de história da odisséia psiconáutica, o saber e o poder desses fármacos extraordinários ainda são perseguidos e ocultados.

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Comunicação programada durande experiências com DMT

Psychedelic Review No. 8, 1966

por Timothy Leary

Timothy Leary


Durante os primeiros dois anos do Harvard Psychedelic Research Project (Projeto de Pesquisa Psicodélica de Harvard) circularam rumores sobre um “poderoso” agente psicodélico chamado dimetiltriptamina: ou DMT. O efeito dessa substância deveria durar menos que uma hora e produzir efeitos estilhaçantes e aterrorizadores. Dizia-se que era a bomba atômica da família psicodélica.

O farmacologista húngaro Stephen Szara foi quem primeiro reportou, em 1957, que as substâncias N,N-Dimetiltriptamina (DMT) e N,N-Dietiltriptamina (DET) produziam efeitos no homem similares ao LSD e mescalina. A única diferença era na duração: enquanto LSD e mescalina tipicamente duravam de 8 a 10 horas, o DMT durava de 40 minutos a uma hora, e o DET de duas a três horas. Também foi relatado que os homólogos dipropiltriptamina e dibutiltriptamina eram ativos, mas menos potentes. A substância-mãe, triptamina, por si só não tem efeito. Quimicamente, o DMT está intimamente relacionado com a psilocibina e a psilocina (4-hidroxi-N-dimetiltriptamina), assim como à bufotenina (5-hidroxi-N-dimetiltriptamina). O mecanismo de ação do DMT e componentes relacionados ainda é um mistério científico. Como LSD e psilocibina, o DMT tem a propriedade de aumentar o modificação metabólica da serotonina no corpo. Uma enzima capaz de converter triptamina natural do corpo em DMT foi recentemente descoberta em alguns tecidos de mamíferos. Isso sugere que pode haver mecanismos para o corpo converter substâncias internas naturais em componentes psicodélicos. (1,2,3,4,5).

O DMT foi identificado como um dos componentes da semente Mimosa hostilis, de onde os índios Pancaru do Pernambuco, Brasil, preparam uma bebida alucinógena que eles chamam de Vinho da Jurema. Também é, junto com a bufotenina, um dos componentes das sementes da Piptadenia peregrina, de onde os índios do Orinoco Basin e Trinidad preparam um pó alucinógeno que eles chamam de yopo (6).

William Burroughs experimentou a substância em Londres e relatou-a nos termos mais negativos. Burroughs estava trabalhando na época em uma teoria da geografia neurológica — algumas áreas corticais seriam celestiais; outras, diabólicas. Como exploradores chegando a um novo continente, seria importante mapear as áreas amistosas e as hostis. Na cartografia farmacológica de Burroughs, o DMT lançava o viajante em um território estranho e decididamente não amigável.

Burroughs contou uma história interessante sobre um psiquiatra em Londres que experimentou DMT com um amigo. Após alguns minutos, o assustado amigo começou a pedir ajuda. O psiquiatra, ele mesmo já rodopiando em um universo de pigmentos móveis e vibratórios, alcançou sua agulha hipodérmica (que já tinha se fragmentado em um composto trêmulo de mosaicos ondulares) e se inclinou para aplicar o antídoto. Para seu desgosto, seu amigo — se contorcendo de pânico — foi subitamente transformado em um réptil serpenteante, encrustado de jóias e faiscante. O dilema do doutor: onde aplicar uma injeção intravenal em uma cobra marciana-oriental se debatendo?

Alan Watts tinha uma história de DMT a contar. Ele experimentou a droga como parte de uma pesquisa na Califórnia e tinha planejado provar que poderia manter controle racional e fluência verbal durante a experiência. O equivalente mais próximo disso seria tentar uma descrição momento-a-momento das reações de alguém que foi atirado de um canhão atômico de neon bizantino. O Dr. Watts deu uma descrição assombrada sobre fusão perceptiva.

No outono de 1962, durante uma série de três dias de palestras na Southern California Society of Clinical Psychologists, me encontrei em uma discussão com um psiquiatra que estava coletando dados sobre o DMT. Ele havia ministrado a droga para mais de 100 cobaias e apenas 4 tiveram experiências prazeirosas. Isso era um desafio para a hipótese de “ambiente-condição” (set-setting). Conforme nossas evidências — e alinhado com nossa teoria — encontramos poucas diferenças entre drogas psicodélicas. Estávamos ceticamente convencidos que as elaboradas variações clínicas alegadamente encontradas em reações a diferentes drogas eram puro folclore psicodélico. Estávamos firmes em nossa hipótese de que drogas não têm efeitos específicos na consciência, com exceção daqueles da expectativa, preparação, clima emocional e relações com o “fornecedor” da droga — fatores responsáveis por todos os diferentes tipos de reação.

Estávamos ansiosos para ver se a lendária “droga do terror”, o DMT, se enquadraria na teoria do “ambiente-condição”.

Uma sessão foi arranjada. Fui para a casa do pesquisador, acompanhado de um psicólogo, um monge Vedanta e duas amigas. Após uma longa e amigável discussão com o médico, o psicólogo deitou em um sofá. A cabeça de sua amiga repousava em seu peito. Me sentei na extremidade do sofá, sorrindo reconfortantemente. Uma dose intramuscular de 60 mg de DMT foi aplicada.

Em dois minutos, o rosto do psicólogo já estava brilhando de alegria serena. Pelos próximos 25 minutos ele respirou profundamente e murmurou de prazer, mantendo um relato divertido e de êxtase sobre suas visões.

“Os rostos na sala se tornaram mosaicos de bilhões de faces em tons ricos e vibrantes. As características faciais de cada um dos observadores em volta da cama eram a chave para suas heranças genéticas. Dr. X (o psiquiatra) era um índio americano bronzeado com pintura cerimonial completa no corpo; o monge hindu era um profundo e espiritual habitante do oriente médio com olhos que, de uma só vez, refletiam perspicácia animal e a tristeza de séculos; Leary era um irlandês malandro, um capitão com pele encouraçada e rugas nos cantos de olhos, que já haviam olhado longa e duramente o inescrutável, um comandante aventureiro ansioso por mapear novas águas, explorar o próximo continente, exsudando a confiança que vem com a bem-humorada consciência cósmica de sua missão — genética e imediata. Próximo a mim, ou melhor, sobre mim, ou melhor, dentro de mim, ou melhor, além de mim: Billy. A pele dela estava vibrando em uma harmonia com a minha. Cada estalar de músculo, o exato curso do sangue em suas veias… era um assunto de intimidade absoluta… Mensagens do corpo de uma suavidade e sutileza tanto estranhamente eróticas quanto deliciosamente familiares. Profundamente dentro, um ponto de calor em minha virilha lentamente — mas poderosa e inevitavelmente — irradiou por todo meu corpo até que cada célula se tornou um sol emanando seu próprio fogo originador da vida. Meu corpo era um campo de energia, um conjunto de vibrações com cada célula pulsando em fase com todas as outras. E Billy, cujas células agora dançavam a mesma dança, não era mais um entidade discreta, mas uma parte ressonante do conjunto único de vibrações. A energia era amor”.

Exatamente 25 minutos após a administração, o psicólogo sorriu, suspirou, sentou jogando as pernas no lado do sofá e disse: “Durou por um milhão de anos e uma fração de segundo. Mas acabou e agora é a sua vez”.

Com esse precedente assegurador, tomei posição no sofá. Margaret sentou no chão segurando minha mão. O psicólogo sentou ao pé do sofá, irradiando benevolência. A droga foi administrada.

Minha primeira experiência com DMT

“Minha experiência com DMT ocorreu na mais favorável condição. Tínhamos acabado de presenciar a experiência extática de meu colega e a radiância de sua reação forneceu uma estrutura otimista e segura. Minhas expectativas eram extremamente positivas.”

“Cinco minutos após a injeção, deitado confortavelmente na cama, senti os sintomas típicos da aproximação psicodélica — uma soltura somática prazeirosa, um afinamento sensitivo a sensações físicas.”

“Olhos fechados… visões típicas de LSD, a beleza rara do maquinário retinal e físico, transcendência da atividade mental, desapego sereno. Consciência reconfortante da mão de Margaret e a presença de amigos.”

“De repente, abri meus olhos e sentei… a sala era celestial, brilhando com iluminação radiante… luz, luz, luz… as pessoas presentes estavam transfiguradas… criaturas que pareciam deuses… estávamos todos unidos em um organismo. Abaixo da superfície radiante pude ver o delicado e fantástico maquinário de cada pessoa, a rede de músculos, veias e ossos — excelentemente lindo e unido, tudo parte do mesmo processo.”

“Nosso grupo estava comungando uma experiência paradisíaca — cada um no seu turno estava recebendo a chave da eternidade — agora era a minha vez, eu estava experimentando esse êxtase pelo grupo. Mais tarde, outros iriam embarcar. Éramos membros de uma coletividade transcendente.”

“O Dr. X me auxiliou delicadamente… me deu um espelho onde vi meu rosto como um retrato em vidro manchado.”

“O rosto de Margaret era como o de todas as mulheres — esperta, bela, eterna. Seus olhos eram completamente femininos. Ela murmurou exatamente a mensagem certa: ‘Pode ser sempre desse jeito’.”

“A incrível unidade complexa do processo evolutivo — incrível, infinita em sua variedade — por quê? Para onde está indo? etc… etc. As velhas perguntas e então a gargalhada de aceitação divertida, extática. Demais! Muito! Esqueça! Não pode ser deduzida. Ame-a em gratidão e aceite! Iria me inclinar para buscar significado na face tingida e chinesa de Margaret, mas caí de volta no travesseiro em reverência. Gargalhada estupefata.”

“Gradualmente, a iluminação brilhante foi recuando para o mundo tridimensional e me sentei. Renascido. Renovado. Radiante com afeição e reverência.”

“Essa experiência me levou ao ponto mais alto da iluminação com um enteógeno — um satori -pedra-preciosa. Foi menos interno e mais visual e social que minhas experiências usuais com LSD. Não houve um segundo de medo ou emoção negativa. Só alguns momentos de paranóia benigna (agente do grupo divino etc).”

“Fui deixado com a convição de que o DMT oferece muito potencial como um gatilho transcendental. A brevidade da reação tem muitas vantagens — fornece segurança com a certeza de que acabará em meia hora e pode possibilitar a exploração precisa de áreas transcendentais específicas.”

Ambiente-condição na experiência programada

Imediatamente depois de minha primeira viagem com DMT, a droga foi administrada ao monge hindu. Esse dedicado homem esteve 14 anos em meditação e renúncia. Era um sannyasin, ordenado para vestir o manto sagrado laranja. Ele havia participado de diversas sessões com drogas psicodélicas, com resultados extremamente positivos, e estava convencido de que a estrada bioquímica para o samadhi era não apenas válida mas talvez o método mais natural para pessoas vivendo em uma civilização tecnológica.

Sua reação ao DMT foi, contudo, confusa e desconfortável. Catapultado na súbita perda do ego, ele lutou para racionalizar sua experiência em termos de técnicas hindús clássicas. Se manteve olhando indefeso e perdido para o grupo. Prontamente, em 25 minutos ele se sentou, riu e disse: “Que viagem foi essa?! Realmente terminei preso em alucinações cármicas!”.

A lição era clara. O DMT, como outras chaves psicodélicas, podia abrir uma infinidade de possibilidades. Mas ambiente, condição, sugestionabilidade e estrutura da personalidade estavam sempre lá como filtros, através dos quais a experiência extática podia ser distorcida.

Na volta a Cambridge, arranjos foram feitos com uma empresa farmacêutica e com nosso consultor médico para conduzirmos uma pesquisa sistemática com a nova substância. Durante os próximos meses fizemos mais de 100 sessões — no início, exercícios de treino para pesquisadores experientes e, depois, testes com pessoas completamente inexperientes em assuntos psicodélicos.

A porcentagem de sessões de sucesso, extáticas, foi alta — acima de 90%. A hipótese ambiente-condição claramente contou a favor do DMT, em relação a experiências positivas. Mas havia certas características definidas da experiência que eram notavelmente diferentes de psicodélicos clássicos — LSD, psilocibina e mescalina. Primeiro de tudo, a duração. A transformação de 8 horas do LSD foi reduzida para 30 minutos. A intensidade também era maior. Isso significa que o estilhaçamento da percepção “aprendida” das formas, o colapso da estrutura adquirida, era muito mais pronunciado. “Olhos fechados” produziam uma suave, silenciosa, na velocidade da luz, dança redemoinhante de formas celulares incríveis — acre sobre acre, milha sobre milha de formas orgânicas em giro suave. Uma volta de foguete convolutiva, acrobática e suave através da fábrica de tecidos. A variedade e irrealidade dos precisos, fantásticos e delicados mecanismos da maquinaria orgânica. Muitos que experimentam LSD reportam odisséias sem fim através da rede de túneis circulatórios. Não com DMT. No lugar disso, uma volta na nuvem sub-celular em um mundo de beleza móvel e ordenada que desafia a busca por metáforas.

“Olhos abertos” produziam um colapso similar da estrutura adquirida — mas desta vez dos objetos externos. Rostos e coisas não mais tinham forma, mas eram vistos como um fluxo tremeluzente de vibrações (que é que elas são). A percepção de estruturas sólidas era vista como uma função de redes visuais, mosaicos, teias de energia luminosa.

A transcendência do ego-espaço-tempo foi o relato mais frequente. As pessoas frequentemente reclamavam que se tornavam tão perdidas no amoroso fluxo de existências infinitas que a experiência terminava muito rápido, e era tão suave que faltavam pontos de referência para tornar as memórias mais detalhadas. As costumeiras referências de percepção e memória estavam faltando! Não podia haver memória da sequência de visões porque não havia tempo — e nenhuma memória de estrutura porque o espaço foi convertido em um processo fluído.

Para lidar com esse problema, instituímos sessões programadas. Seria solicitado que a pessoa respondesse a cada dois minutos, ou ela seria apresentada a um estímulo para resposta a cada dois minutos. Os pontos de referência seriam, assim, fornecidos pelo pesquisador — a sequência temporal poderia ser quebrada em estágios e o fluxo de visões seria dividido em tópicos.

Como exemplo de uma sessão programada usando DMT, vamos considerar o relatório que se segue. O plano para essa sessão envolveu a “máquina de escrever experimental”. Esse dispositivo, descrito em uma artigo anterior (7), é projetado para permitir comunicação não-verbal durante sessões psicodélicas. Há dois teclados com dez botões para cada mão. As 20 teclas são conectadadas com um polígrafo de 20 canetas que registra uma marca em um rolo de papel em movimento cada vez que uma tecla é pressionada.

A pessoa precisa aprender os códigos de classificação da experiência antes da sessão e é treinada para responder automaticamente, indicando a área de sua consciência.

Nesse estudo foi combinado que eu seria questionado a cada dois minutos, para indicar o conteúdo de minha consciência.

A sessão aconteceu em uma sala especial, de 8 por 20, completamente coberta: teto, paredes e piso, por telas indianas alegres e coloridas. A sessão seguiu o modelo de “revezamento de guia”: outro pesquisador, uma psicofarmacologista, iria agir como interrogador para minha sessão. O farmacologista então repetiria a sessão, com Leary como interrogador.

Às 20h10, recebi 60 mg de DMT

Deitado no travesseiro, arrumando almofadas… relaxado e aguardando… de certa forma entretido por nossa tentativa de impor referências ao conteúdo temporal no fluxo do processo… ruído, suor, zunindo… olhos fechados… de repente, como se alguém tivesse apertado um botão, a escuridão estática da retina é iluminada… fábrica gigante de relógios preciosos de brinquedo, a fábrica de Papai Noel… não impessoal ou arquitetada, mas alegre, cômica, leve. A dança evolucionária, zunindo de energia, bilhões de formas derivadas girando, estalando através de seus turnos determinados no suave balé…

2º MINUTO. TIM: ONDE ESTÁ VOCÊ AGORA? A voz de Ralph, declarativa, gentil… o quê? onde? você? olhos abertos… ali espalhados perto de mim estão dois insetos magníficos… pele polida, com metal brilhante, com jóias incrustadas… ricamente adornados, eles olham para mim docemente… queridos grilos venusianos radiantes… um tem um bloco em seu colo e está segurando uma caixa encrustada de jóias com brilhantes seções ondulantes trapezóides… olhar interrogativo… incrível… e perto dele o Sr. Grilo Diamante entra suavemente em vibrações… o Dr. Grilo Rubi-Esmeralda sorri… TIM ONDE ESTÁ VOCÊ AGORA?… move a caixa na minha direção… ah sim… tente dizer a eles… onde…

DMT TRIP-5

Aos dois minutos, o paciente está sorrindo de olhos fechados. Ao ser questionado ele abriu os olhos, olhou para os observadores curiosamente, sorriu. Quando a pergunta sobre orientação foi repetida ele deu de ombros, moveu seu dedo procurando a máquina de escrever e (com um olhar de tolerância entretida) golpeou a tecla de “atividade cognitiva”. Ele então caiu de volta com um suspiro e fechou seus olhos.

Use a mente… explique… olhe para baixo nas caixas ondulantes… lutando para focar… use a mente… sim COGNITIVA… ali…

Olhos fechados… de volta ao workshop dançante… alegria… beleza incrível… a maravilha, maravilha, maravilha… obrigado… obrigado pela chance de ver a dança… tudo se encaixa junto… tudo se adequa ao padrão úmido, pulsante… um gigantesco penhasco acinzentado-branco, se movendo, cravado de pequenas cavernas e, em cada caverna, uma tira de antena de radar, insetos-elfos alegremente trabalhando, cada caverna a mesma, a parede cinza-branca infinitamente adornada por… infinitude de formas de vida… redes de energia alegres e eróticas…

4º MINUTO. TEMPO, ONDE ESTÁ VOCÊ AGORA? Rodando pela tapeçaria do espaço, vem um voz lá de baixo… voz terrestre bondosa e querida… base na Terra chamando… onde está você?… que piada… como responder… estou no tubo de ensaio borbulhante do alquimista cósmico… não, agora o pó de estrela cadente suave me explode gentilmente… rostos estilhaçados em mosaico de vidro manchado… Dr. Lagosta da Tiffany segura o cesto de seções trapezóides… olha para chave brilhante… onde está a chave venusiana do êxtase?… onde está a chave para a explosão estelar do ano 3000?… IMAGENS DE PROCESSOS EXTERNOS… sim… pegou a chave…

Aos quatro minutos, o paciente ainda estava sorrindo de olhos fechados. Ao ser contatado para reportar, abriu seus olhos e riu. Olhou para os observadores com olhos brilhantes, examinou o teclado da máquina de escrever experimental e apertou a tecla de IMAGEM DE PROCESSO EXTERNO. Então caiu de volta e fechou seus olhos.

Que bom… eles estão aqui embaixo… esperando… sem palavras aqui para descrever… eles têm palavras lá embaixo… ondas de formas coloridas girando… repicando alegremente… de onde eles vêm… Quem é o arquiteto… impiedoso… cada fábrica dançante e ondulante devorando a outra… me devorando… padrão cruel… o que fazer… terror… ah deixa vir… me devorem… me engolfem no oceano de bocas de flocos de neve… tudo bem… como tudo se encaixa… piloto-automático… está tudo pensado… tudo no piloto-automático… de repente meu corpo estala e começa a desintegrar… fluindo para o rio de energia… tchau… fui… o que eu era está agora absorvido em um flash de elétrons… dirigido através do espaço sideral em pulsos orgásmicos de movimentos de partículas… libertação… emitindo luz, luz, luz…

6º MINUTO. TIM, ONDE ESTÁ VOCÊ AGORA? Voz terrestre chamando… você aí em órbita nuclear… incorporação… agarre a partícula com feixe de energia… devagar… pare na estrutura do corpo… volte… com o abrir dos olhos a dança nuclear subitamente congela em forma fixa… vendo dois blocos de elétrons tremeluzindo… a galáxia Ralph chamando… a galáxia Sr. Ralph sorrindo… a dança de energia capturada momentaneamente na forma de robô amigável… olá… perto dele uma vela brilha… o centro da teia de um milhão de fechos de luz… a sala é capturada em uma rede de energia-luz… tremeluzindo… toda visão é luz… nada a enxergar a não ser ondas de luz… fótons refletidos do sorriso enigmático de Ralph… espera a resposta… fótons quicando das teclas da vibrante máquina de escrever… como é fácil transmitir uma mensagem… o dedo aperta IMAGENS DE PROCESSOS EXTERNOS…

Aos seis minutos, o paciente terminou de fazer caretas que pareciam ser de algum medo ou problema passageiro. Ao ser contatado para reportar, espiou pela sala e sem hesitar pressionou a tecla PROCESSOS EXTERNOS. Então fechou os olhos.

Olhos fechados… mas pós-imagens da chama da vela persistem… globos oculares presos em órbita em torno de um centro de luz interno… radiância celestial no centro de luz… luz do sol… toda luz é sol… luz é vida… vida, lux, luce, vida… tudo é uma dança de luz-vida… toda vida é o fio… carregando luz… toda luz é o frágil filamento de luz… som solar silencioso… transmitido das chamas do sol… luz-vida…

8º MINUTO. TIM, ONDE ESTÁ VOCÊ AGORA? No coração da explosão de hidrogênio do sol… nosso globo é um globo de luz… abrir os olhos joga cortina sobre o clarão do sol… olhos abertos trazem cegueira… trancam a radiância interna… vendo Deus em contraste-escuro segurando uma caixa de sombra… onde é a vida?… pressione a TECLA DA LUZ BRANCA. Aos oito minutos, o paciente, que estava deitado imóvel sobre as almofadas, abriu seus olhos. Sua expresão era de confusão, surpresa. Sem expressão, pressionou a tecla LUZ BRANCA.

Mantendo olhos fechados… parado… capturado… hipnotizado… toda a sala, paredes floridas, almofadas, vela, formas humanas todas vibrando… todas as ondas não tendo nenhuma forma… imobilidade terrível… apenas fluxo de energia silencioso… se você se mover, vai destroçar o padrão… todas as memórias de formas, significados, identidades… sem significado… foi… tudo é uma emanação impiedosa de ondas físicas… fenômenos são pulsos televisivos estalando através de um programa interestelar… nosso sol é um ponto em uma tela de TV astrofísica… nossa galáxia é um minúsculo agregado de pontos em um canto de uma tela de TV… cada vez que uma supernova explode é apenas aquele ponto na tela mudando… o ciclo de dez milhões de anos do universo é um flash de milissegundo de luz na tela cósmica que flui infinita e rapidamente com imagens… sentado imóvel… não desejando movimento ou impor movimento no padrão… ausência de movimento em movimento na velocidade da luz…

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10º MINUTO. TIM, ONDE ESTÁ VOCÊ AGORA? Torre de controle transmitindo mensagem de averiguação… inundação de amor fantástico por podermos nos contatar… permanecemos em contato… onde estava aquele agregado mesmo… alucinando… metáforas de ficção científica… onde está a chave… ali… ALUCINAÇÕES EXTERNAS…

Dos oito aos dez minutos o paciente sentou-se imóvel, olhos abertos em um estado de transe. Não houve tentativa de comunicação. Contatado, ele se moveu devagar mas determinado e pressionou a TECLA DE ALUCINAÇÕES EXTERNAS.

Trechos do Questionário de Pesquisa preenchido depois da sessão: perda do espaço-tempo… fusão com fluxo de energia… vendo todas as formas de vida como ondas físicas… perda do corpo… existência como energia… consciência de que nossos corpos são blocos momentâneos de energia e de que somos capazes de nos afinar com padrões não-orgânicos… certeza de que processos vitais estão no “piloto-automático”… nada a temer ou se preocupar… a complexidade e infinitude do processo vital… entendimento repentino do significado de termos da filosofia indiana como “maya”, “maha-maya”, “lila”… insight dentro da natureza e diversos estados transcendentais… a vazia-luz-branca-do-não-conteúdo, êxtase da estruturação temporária da forma-meta-vida-inorgância da estrutura do código genético musical e o…

12º MINUTO. TIM, ONDE VOCÊ ESTÁ AGORA? Olhos abertos… risada… pego pela torre de controle vigilante ao orbitar em torno de uma área da mente terrena e descobridora… onde é a tecla para pensamentos terrenos?… alucinações… não, o jogo do pensamento… pressione TECLA COGNITIVA…

Do 10º ao 12º minuto, o paciente sentou olhando sem expressão e sem movimento para a parede da sala. Ao ser contatado, sorriu e pressionou a tecla COGNITIVA.

Acima da cabeça está a lâmpada coberta com enfeites de escurecimento para luz azul… circulando a sombra brilhante estão faixas ondulares… silenciosas… acenando… convidando… junte-se a dança… deixe seu robô… um universo inteiro de coreografias aéreas prazeirosas aguarda… sim, juntar-se a eles… de repente, como fumaça subindo de um cigarro, a consciência subiu… indo em caminhos de gaivota até a fonte da luz e, silenciosamente, para outra dimensão…

Do questionário de pesquisa: uma descrição do nível atingido é uma yoga em prosa além da realização atual… havia bilhões de cartas de arquivo, em hélice, que num passar de olhos me confortava com uma biblioteca sem fim de eventos, formas, percepções visuais — não abstratas, mas empíricas… um bilhão de anos de experiências codificadas, classificadas, preservadas em claridade brilhante, pulsante e fria, que fazia a realidade ordinária parecer um show barato, fora de foco, esfarrapado, desengonçado, indeciso, gasto e de mau gosto… qualquer pensamento, uma vez pensado, instantaneamente se tornava vivo e piscava através do diafragma da consciência… mas ao mesmo tempo não havia ninguém para observar… eu… ele… aquele que está consciente… todos vibrando em uma visão eletrônica em technicolor, VEJA!, para aquele que tem estado cego por séculos…

14º MINUTO. TIM, ONDE VOCÊ ESTÁ AGORA? Oh, onde estamos agora?… oh, escute, aqui está onde estamos… uma vez havia um ponto elétrico brilhante… piscar repentino em lama pré-crambriana… o ponto se balança e se agita em uma contorção tremida com traços de alegria, cantoria, soluçar e calafrios… para cima… uma serpente começa a se torcer em direção à suave e quente fenda… minúsculo, do tamanho de um vírus… crescendo… o comprimento enorme de um bacilo microscópico… fluindo exultante, sempre cantando a melodia da flauta hindu… sempre explodindo, se esfoliando… agora do tamanho de uma raiz de musgo, zunindo através de espamos úmidos… crescendo… crescendo… sempre desfolhando sua própria visão… sempre cego, exceto pelo ponto frontal da luz-olho… agora correias de pele de cobra, sacudindo mosaicos de jóias ritmicamente, adiante como cobra… agora do tamanho de um tronco de árvore, sensual com o graxa espérmica correndo dentro… agora inchando em uma enchente de esticamento de tecido… rosa, corrente lamaçal de fogo melodioso… agora circulando o globo, apertando oceanos salgados verdes e montanhas marrom-argila entalhadas em um abraço constritor… serpente fluindo cegamente, agora uma torcida cobra de vértebras elétricas de um bilhão de milhas sem fim cantando a melodia hindu da flauta… cabeça de pênis palpitando… mergulhada em todos os odores, toda a tapeçaria colorida de tecido… contorcimento cego, serpente intumescida circular cega, cega, cega, exceto pelo único olho de jóia que, por um fragmento de piscar, a cada célula no desfile progressivo é permitido aquele momento cara-a-cara de insight de chama solar no futuro-passado.

TIM, TIM, ONDE VOCÊ ESTÁ AGORA? A torre de La Guardia repete solicitações de contato com um navio perdido além do abrangência do radar… onde?… sou o olho da grande cobra… uma dobra na pele da serpente, dando mergulhos trapezóides… registrando conteúdos da consciência… onde está você?… aqui… ALUCINAÇÕES INTERNAS.

Do 12º ao 14º minutos, o paciente sentou silenciosamente com olhos fechados. Ao ser contatado, falhou em responder e, após 30 segundos, foi contatado novamente. Então pressionou a tecla ALUCINAÇÃO EXTERNA.

A sessão continuou com interrupções de dois minutos até o 20º minuto no mesmo padrão: vôos atemporais pelos alucinantes campos de vibração de energia pura com repentinas contrações em direção à realidade para responder às questões do observador.O relatório da sessão preenchido no dia seguinte continha os seguintes comentários sobre esse método de sessão programada:Essa sessão sugeriu algumas soluções para o problema da comunicação durante experiências psicodélicas. A pessoa “lá em cima” está passando por experiências que rodopiam tão rápido e contêm conteúdo estrutural tão diferente de nossas formas macroscópicas familiares que ela, possivelmente, não consegue descrever onde está ou o que está experimentando. Considere a analogia do piloto de avião que perdeu a orientação e que fala com a torre de controle. O piloto está experimentando muitos eventos — pode descrever as formações de nuvens, flashes de luz, a cristalização de gelo na asa visível da janela — mas nada disso faz qualquer sentido para os técnicos da torre que tentam traçar o curso na linguagem tridimensional de navegação. A pessoa “lá em cima” não pode fornecer coordenadas. A equipe de controle no chão deve transmitir: “Cessna 64 Bravo, nosso radar mostra que você está a 15 milhas a sudoeste do Aeroporto Internacional. O brilho vermelho que você vê é o reflexo de Manhattan. Para entrar na rota para Boston você precisa mudar o curso em 57 graus e manter uma altitutde de 5500″.

Mas a linguagem da psicologia não é sofisticada o suficiente para fornecer tais parâmetros. Nem há compassos empíricos para determinar a direção.

O que podemos fazer, nesse ponto, é configurar “planos de vôos”. O paciente pode trabalhar, antes da sessão, as áreas de experiência com que quer interagir; e ele pode planejar a sequência temporal de sua viagem visionária. Ele não será capaz, durante o vôo, de dizer aos “controladores” onde está, mas eles podem contatá-lo e dizer como ele deve proceder. Assim, durante essa sessão, quando Ralph perguntou, ONDE VOCÊ ESTÁ AGORA?, não pude responder. Tive que descer, diminuir o fluxo da experiência e então contar a ele onde acabei chegando.

Quando fizeram a pergunta de contato, eu poderia estar esbarrando em outras galáxias. Para poder responder, tive que parar minha jornada livre e errante, chegar perto da terra e dizer: “Estou sobre New Haven”.

Essa sessão foi um contínuo e serial venha-para-baixo. Repetidamente, tive que parar o fluxo para poder responder. Meu cortex estava recebendo centenas de impulsos por segundo, mas para responder às perguntas da torre de controle tive que reduzir a nave para uma marcha lenta: “Estou aqui”.

Essa sessão sugere que um modo mais eficiente de mapear experiências psicodélicas seria:

1 – Memorizar o teclado da máquina de escrever experimental, para que a comunicação com o controle de solo seja automática.
2 – Planejar a sessão de modo que os controladores não perguntem coisas irrespondíveis — “Onde realmente estou?” — mas digam ao paciente onde ir. Então a tarefa de comunicação do viajante seria indicar se ele está no curso, isto é, se ele está ou não seguindo as instruções de vôo transmitidas pelos controladores.

O controle de solo deveria enviar estímulos. A sugestionabilidade está totalmente aberta. A torre La Guardia direciona o vôo.

VOCÊ APRENDEU ALGO DE VALOR COM ESSA SESSÃO? SE SIM, POR FAVOR ESPECIFIQUE: “A sessão foi de grande valor. Estou forte e claramente motivado a desenvolver métodos de controle de solo e vôos planejados”.

APROXIMADAMENTE QUANTO DA SESSÃO (EM %) FOI GASTO EM CADA UM DESSES ASPECTOS?

1 – JOGOS INTERPESSOAIS (afeição pelos observadores) – 10%
2 – EXPLORAÇÃO OU DESCOBERTA DE SI, OU JOGOS DO EGO – 0%
3 – OUTROS JOGOS (SOCIAIS, INTELECTUAIS, RELIGIOSOS) – 70% (intelectuais, lutando com o problema da comunicação)
4 – TRANSCENDÊNCIA ALÉM DOS JOGOS – 20% (continuamente)

Referências

1 – Szara, S: Hallucinogenic effects and metablism of tryptamine derivatives in man. Fed. Proc. 20: 858-888, 1961.
2 – Szara, S: Correlation between metabolism and behavioral action os psychotropic tryptamine derivatives. Biochem. Pharmacol., 8: 32, 1961.
3 – Szara, S: Behavioral correlates of 6-hydroxylation and the effect of psychotropic tryptamine derivatives on brain serotonin levels. Comparative Neurochemistry, ed. D. Richter, pp. 432-452. Pergamon Press, Oxford, 1964.
4 – Szara, S. & Axelrod, J.: Hydroxylation and N-demethylation N,N-dimethyltryptamine. Experientia, 153: 216-220, 1959.
5 – Szara, S., Hearst E. & Putney F.: Metabolism and behavioral action of psychotropic tryptamine homologues. Int. J. Neuropharmacol., 1: 111-117, 1962.
6 – Schultes, R.E. Botanical Sources of the New World Narcotics. In Weil, G.M., Metzner, R. & Leary, T. (eds). The Psychedelic Reader, University Books, New Hyde Park, 1965.
7 – Leary, T. The Experiential Typewriter. Psychedelic Review, No. 7. 1965.

* Texto gentilmente retirado do blog http://avisospsicodelicos.blogspot.com/

O Poder do Xamã

A gente tá meio sem tempo, mas a roda tem q girar…to postando então um texto interesssante a respeito dos xamãs, e o conceito de espírito. Bastante esclarecedor!

Retirado do site: http://www.duplipensar.net/artigos/2006-Q4
/xamanismo-o-conceito-de-espirito.html
Texto escrito por Janos Biro

“De onde vem o conceito de espírito como oposto de corpo? O homem sempre teve a idéia de um acesso privilegiado a algo sobrenatural? De acordo com David Abram, que conviveu com tribos na Indonésia para descobrir a ligação entre magia e medicina, não há nada de sobrenatural no xamanismo.

No capítulo “A ecologia da magia”, ele diz que o xamã não está em contato com entidades sobrenaturais, mas sim fenômenos naturais que causam tamanho espanto à mente humana que só podemos nos referir àquilo como “magia”. O que é visto com maravilha não é nada além da natureza que está aquém e além do homem, pois apesar de não a compreendermos, ela nos compreende e se comunica conosco.

Os xamãs originais eram membros indistintos da tribo, não tinham um acesso privilegiado a segredos ou mistérios da natureza. Tinham mais contato com a natureza porque ficavam à margem da sociedade. Todas as populações de animais oscilam em harmonia com os recursos que elas usam do meio. A natureza é fonte da vida e da morte. O xamã traz boas e más noticias, traz curas e também maldições. As maldições podem ser mudanças no meio, que o xamã, por estar nos limites da tribo, percebe primeiro, ao observar o comportamento modificado dos animais. Para curar, o xamã usa um conhecimento comum a toda a tribo, ele apenas tem mais prática. Logo, o xamanismo não é privilégio do xamã.

O conceito de espírito como algo interno, anterior e superior ao corpo, se origina de uma perda da nossa reciprocidade ancestral com a comunidade da vida. Em culturas genuinamente orais, não é enviando sua consciência além do mundo natural que se faz contato com as forças da vida, nem fazendo jornadas num mundo espiritual interior, mas projetando sua consciência lateralmente, nas profundezas de um meio tanto sensível quanto psicológico, o sonho vivo que dividimos com todas as criaturas vivas. Isto ecoa com a idéia de transcendência horizontal, que Aldous Huxley cita no apêndice de Demônios de Loudum.

A visão popular do xamanismo é que ele serve para transcendência pessoal. Mas os “xamãs urbanos” parecem esquecer dos motivos para alterar sua consciência. Hoje há empresas e profissionais que decidem, com base na ciência, até onde a natureza pode agir. Nós agora organizamos a natureza de acordo com nossa inteligência. Os xamãs originais precisavam lidar com a natureza nos termos dela, isto é, sem nunca compreender realmente o que se passava, sem uma explicação racional. Outros animais fazem o mesmo, lidam com o meio sem terem plena consciência do que estão fazendo, mas fazem exatamente o que é preciso para manter o equilíbrio. O homem tribal não pode usar a lógica de sua cultura para ouvir o que a as outras formas de vida tem a dizer. Ele deve se deixar levar por uma lógica mais ampla, uma lógica não humana. O homem civilizado precisa reduzir tudo à lógica de sua própria cultura, e esse é o fim da “magia”.

Há um exemplo interessante no texto de Abram. Ele ficou um tempo na casa de um xamã. Todo dia, ao trazer a comida, o xamã colocava uma pequena quantidade de comida em pontos ao redor da casa. Ele dizia que eram oferendas para os espíritos da casa. À tarde, quando observou de novo, a comida que foi oferecida tinha sumido. Então ele resolveu ficar olhando para ver como a comida sumia. Ele descobriu que a comida era recolhida pelas formigas. Na região há muitas formigas, e as oferendas pareciam ter uma utilidade prática: 1- servem para saciar as formigas e impedir que elas continuem e invadam a casa. Ao encontrar a comida, elas dão meia volta para o formigueiro. 2- Serve para atrasar as formigas num eventual ataque em massa, comum na região. 3- Serve para medir a população de formigas, prevendo eventuais ataques em massa. Mas o importante não é saber que há uma utilidade prática por trás de cada rito. O interessante é que o xamã nunca pensa nisso. Ele não precisa saber explicar porque isso funciona.

As teorias científicas não nos tornaram mais inteligentes, nosso cérebro continua o mesmo há pelo menos 50 mil anos. De fato, ele se acostumou a não ter que explicar tudo em palavras, pois é basicamente um cérebro de ação. Linguagem é apenas uma função do cérebro. O fato de que agora precisamos explicar tudo não nos torna mais capazes de sobreviver, e sim mais estressados. Sobrevivemos durante 90% da nossa existência sem teorias, mas sim prática. Seguindo a lei do menor gasto de energia, as teorias sobre tudo que ocorre são um desperdício para pessoas que convivem em comunidade. Elas só são úteis quando as pessoas estão afastadas, pois não precisamos explicar o que estamos fazendo às pessoas com que convivemos todos os dias. Esse afastamento só é possível em sociedades de massa. Logo, numa nova comunidade tribal, sua importância diminuiria até o ponto de se extinguir. Se isto for verdade, então não precisamos combater o pensamento simbólico como se ele fosse maléfico, como se ele tivesse que ser extinto para podermos voltar à naturalidade. Ao experimentarmos modos de vida não que não sejam massificados, a necessidade da representação diminuirá por economia de energia. Deixaremos de fazer coisas que antes pareciam necessárias e que então se tornarão inúteis.

“Espíritos”, para uma cultura tribal, são primariamente formas de “inteligência” não-humana. Por exemplo, todos os lobos “sabem” coisas semelhantes, independente de onde nasçam. Para os tribais, é como se os lobos fossem uma tribo só, estão unidos por uma sabedoria comum. O “espírito do lobo” é essa sabedoria que une todos os grupos isolados de lobos sem que eles se comuniquem. Não funciona para humanos, porque humanos se comportam de formas muito diferentes em diferentes grupos (pelo menos de acordo com o olhar humano), ou seja, dependem da tradição oral. Do ponto de vista dos tribais, o modo de vida humano é o único que não é regido por nenhum espírito. É criação humana.

Para as culturas tribais, a morte de uma pessoa significava uma “reencarnação” num modo não humano, porém ainda natural. O conceito era de que a vida não desaparece, ela muda de lugar. Assim como a morte de uma presa é a vida do predador, a morte do predador é a vida da presa. E por que a permanência da personalidade é tão importante para nós? É comum ver a explicação de que espíritos de pessoas mortas rondam o mundo porque “deixaram algo pendente”. Eu identifico isso como ressentimento. A maioria das pessoas de nossa cultura não vive sua vida natural, mas uma vida artificial, elas sempre morrem “com algo pendente”. Esse algo pode ser o simples desejo de liberdade e felicidade, impossibilitado por uma cultura de controle. Esse sentimento é próprio da nossa cultura. Em culturas tribais provavelmente não há muitos “assuntos pendentes” que exigem a sobrevivência da personalidade para se realizarem. Esse conceito depende de certo grau de egocentrismo.

A adoração aos ancestrais não é um reconhecimento do poder humano, mas sim do que há de primitivo em cada humano, a sua essência primitiva. Mesmo as culturas mais antigas sentiam que nós dividimos ancestralidade com os animais, vegetais e até minerais. Um antepassado não tem mais a forma humana, ele se espalha pelo terreno. Sua personalidade não permanece, porque sua essência não é sua personalidade. Sua essência é seu corpo, seu corpo está agora misturado substancialmente com outros seres. Pode estar no ar, invisível, porém ainda material. O que havia de mais significativo em sua personalidade só pode permanecer nas estórias que ele deixou. Na morte o homem retorna à natureza que o criou. Portanto os antepassados estão ao redor da aldeia, eles são as formigas, as nuvens e as árvores. Neste sentido, podem dizer que o homem não abandona seu corpo, pois o corpo é o que o torna homem. Mas ele nunca deixa a natureza.

Quando um xamã fala de poder, ele fala de algo que existe na natureza. Ele pode sentir uma força invisível, mas ainda assim ele a sente porque ela se manifesta de alguma forma no mundo. O xamã não eleva seus sentidos acima do mundo sensível, e sim dentro dele. Não é por outros sentidos que ele se comunica com o meio, mas sim com os seus sentidos. Uma pessoa comum pode achar que ele tem um sentido a mais, porque ela não percebe o mesmo que ele. As diferenças sutis num terreno podem informar coisas importantes àquele que está acostumado a observá-lo. O tipo de animal que vive por ali, por exemplo. Uma marca tênue pode significar perigo. Uma área de “poder” pode ser uma área segura, onde se pode observar longe, onde o comportamento do meio seja mais visível. Novamente, o xamã não precisa saber disso. Ele apenas sente, e isso funciona.

O xamã se comunica com os outros animais porque sua presença se torna neutra para eles. Mas nós, vivendo em cidades, não podemos fazer o mesmo. Nós não somos neutros para os animais que nos cercam. Eles nos temem, e nós os tememos. Criamos uma fronteira que não existia antes, e não pode ser quebrada fazendo um “workshop” de xamanismo. Não podemos resgatar nossa naturalidade vivendo num ambiente artificial, num modo de vida artificial. A medicina baseada nos métodos do xamanismo não pode ter os mesmos resultados, pois a causa dos nossos desequilíbrios não é individual, está na relação da nossa sociedade com o resto da comunidade da vida. Nós vemos o mundo como se ele fosse um mundo meramente humano, nós nos esquecemos que vivemos num mundo não-humano, e deixamos de afinar nossas percepções para tudo que não é humano.

Muitos acreditam que o conceito de espírito como algo não material é uma continuação lógica do animismo, algo necessário para o desenvolvimento psíquico do homem. Mas o conceito de espírito é um passo além numa direção etnocêntrica, numa direção que reduz o mundo natural a um mundo cultural. Não podemos ser humanos sem a reciprocidade com o não humano. A forma humana foi criada em conformidade com o meio natural, e sobreviveu porque havia reciprocidade na comunicação com o resto da comunidade da vida. Quando negamos essa relação igualitária, não o fazemos para sobreviver ou para explicar melhor o mundo. Nada disso era necessário, o homem não estava ameaçado, viveu em tribos por 90 mil anos. Ao mudar nossa relação para uma não igualitária, tudo que ganhamos foi maior quantidade de pessoas. A tecnologia possibilita que mais pessoas vivam dessa forma, mas não pode evitar o custo desse projeto expansivo, que é a nossa natureza humana.

O xamã pode ser visto como uma figura de poder que inaugura a hierarquia entre os homens, mas nem sempre foi assim. O xamã em seu contexto original não está separado da tribo. Ele não possui um conhecimento inacessível aos outros membros. Os outros membros o aceitam porque sabem o que ele está fazendo. O xamã no contexto original não pode ganhar poder porque não controla as forças da natureza, apenas se comunica com elas. Se em algum ponto da história humana foi instituído o poder de um homem usando o título de xamã, é porque já havia um acesso privilegiado a algo que os outros não podiam saber de forma alguma, algo distinto da percepção partilhada. Um conceito de algo sobrenatural, algo que pessoas normais não podem acessar; algo distinto do corpo: o nosso conceito de espírito. Tal conceito é uma criação humana para justificar privilégio, para justificar o poder de um homem sobre outro, e sobre a própria natureza. Talvez o próprio conceito de xamanismo já seja uma traição das práticas animistas, assim como a palavra “espírito” foi colocada na boca dos tribais. No fundo, não há xamãs, há seres humanos que vivem na natureza e há seres humanos que tentam viver fora dela.”

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