LSD Volta a Ter Uso Terapêutico

Proibido em 1966, LSD volta a psicoterapia como prática e pesquisa

Hoffman-blotterPela primeira vez em mais de quatro décadas a dietilamida do ácido lisérgico, droga mais conhecida como LSD, foi usada como complemento para a psicoterapia experimental em um ensaio clínico controlado, aprovado pelo Food and Drug Administration americano. E um estudo recém-publicado, sobre uma bateria de testes que relata que os efeitos da medicação que combatem a ansiedade em pacientes que enfrentam doenças terminais foram grandes, permanentes e livre de efeitos colaterais preocupantes.

Em suma, tudo era festa.

Em um estudo piloto realizado na Suíça, 12 pacientes que sofrem de ansiedade profunda devido a doenças graves, participaram de várias sessões de psicoterapia sem drogas e em seguida, se juntaram a um par de terapeutas para duas sessões de psicoterapia de um dia inteiro, separados por duas a três semanas, sob a influência do LSD. Após a redução gradual de toda medicação contra a ansiedade ou antidepressivo e evitar álcool por pelo menos um dia, os participantes do estudo receberam ou uma dose de 200 microgramas de LSD ou um “placebo ativo” de 20 microgramas da substância.

Enquanto da dose placebo era esperado que produzisse efeitos curta duração e detectáveis​​, não era esperado que melhorasse o processo psicoterapêutico. A dose maior, por sua vez, “deverá produzir o espectro de uma experiência típica LSD, sem dissolver completamente as estruturas do ego normais”, escreveram os pesquisadores.

Os pacientes que receberam a maior dose de LSD para as duas sessões relataram menos ansiedade depois de suas experiências de ácido, ao passo que a ansiedade permanecia entre os quatro indivíduos que não receberam a dose completa.

Mais importante, os indivíduos que tiveram a dose completa experimentaram melhorias mensuráveis ​​e duradouras em seu “estado” e “traço” (característica) de ansiedade, que refletem os níveis de ansiedade que são fustigados por alteração das circunstâncias (estado) e aqueles que são aspectos estáveis ​​de personalidade (traço). Oito semanas após a intervenção, aqueles que receberam doses plenas de LSD tiveram quedas em ambos traço e estado. Por outro lado, a ansiedade traço aumentou para todos os quatro que tomaram o placebo e o estado subiu em dois dos quatro.

Associação Multidisciplinar para o Estudo de PsicodélicosO estudo, liderado pelo psiquiatra suíço Peter Gasser, M.D., foi publicado online esta semana no Journal of Nervous and Disease Mental. Ele foi patrocinado pelo MAPS (Associação Multidisciplinar para o Estudos de Psicodélicos), um grupo sem fins lucrativos com sede em Santa Cruz, que incentiva a pesquisa sobre os usos terapêuticos legítimos para alucinógenos.

Nos últimos anos, a atenção médica e pública para pacientes terminais e tratamentos paliativos vem aumentando. Contra esse pano de fundo, o governo dos EUA começou a afrouxar sua antiga resistência contra a exploração de drogas como o LSD como um meio de aliviar o que alguns chamaram de “angústia existencial “.

A pesquisa sobre o potencial terapêutico de outras drogas conhecidas por sua popularidade na rua – incluindo a psilocibina, o agente psicoativo em cogumelos psilocybe e o MDMA, ou Ecstasy – também está recebendo sinal verde do governo federal. Além de vários estudos utilizando MDMA junto com a psicoterapia no tratamento da ansiedade terminal, esta droga está em estudo, e tem se mostrado promissora, como um tratamento para o transtorno de estresse pós-traumático.

Não foram observadas flashbacks ou outros efeitos prolongados e apenas seis eventos adversos – incluindo ilusões, sofrimento emocional e sensação de frio ou de anormalidade – foram relatados pelos indivíduos durante a sua experiência, mas os mesmos se resolveram tão logo o efeito do ácido se dissipou.

Albert Hofmann (1906 – 2008) “o pai do LSD”

De certa forma, o estudo piloto foi um retorno do LSD para sua terra natal. Descoberto em 1938 em Basel pelo químico suíço Albert Hofmann da Sandoz Laboratories, efeitos psicoativos do LSD foram rapidamente colocados em uso por psiquiatras que tratavam com ele a dependência de álcool, distúrbios psicossomáticos e neurose. Desta vez, as cápsulas contendo o medicamento experimental foram compostos em Bichsel Labs em Interlaken, na Suíça.

A psicoterapia assistida com LSD foi ampla e abertamente praticada nos Estados Unidos até 1966 – e muito mais tarde no mundo inteiro, como a droga psicodélica de rua, tornou-se o amado objeto do crescente uso “não médico”, que a tornou ilegal em 1966, acabando com todas as pesquisa dos EUA sobre os seus potenciais benefícios terapêuticos.

“Minha experiência com LSD trouxe de volta algumas emoções perdidas e a habilidade de confiar, um monte de insights psicológicos, e um momento fora do tempo quando o universo não parecia como uma armadilha, mas como uma revelação de absoluta beleza” – disse Peter, um indivíduo austríaco participante do estudo.

“Este estudo histórico marca o renascimento da investigação da psicoterapia assistida pelo LSD” comemorou Rick Doblin, Ph.D., Diretor Executivo do MAPS. “Os resultados positivos e evidências de segurança claramente mostram porque estudos adicionais maiores são necessários.”

___

– Fonte: L.A. Times (Março 5, 2014)

– Fonte: MAPS (Março 4, 2014)

Estudo Publicado (Março 3, 2014)

Curando a Dissociação – Jung

Extraído de “O Homem e seus Símbolos” – Carl G. Jung


jung2Nosso intelecto criou um novo mundo que domina a natureza, e ainda a povoou de máquinas monstruosas. Estas máquinas são tão incontestavelmente úteis que nem podemos imaginar a possibilidade de nos descartarmos delas ou de escapar à subserviência a que nos obrigam. O homem não resiste às solicitações aventurosas de sua mente científica e inventiva, nem cessa de congratular-se consigo mesmo pelas suas esplêndidas conquistas. Ao mesmo tempo, sua genialidade revela uma misteriosa tendência para inventar coisas cada vez mais perigosas, que representam instrumentos cada vez mais eficazes de suicídio coletivo.

Em vista da crescente e súbita avalancha de nascimentos, o homem já começou a buscar meios e modos de sustar esta explosão demográfica. Mas a natureza pode vir a antecipar esta tarefa, voltando contra ele as suas próprias criações. A bomba de hidrogênio, por exemplo, seria um freio seguro para este aumento de população. A despeito da nossa orgulhosa pretensão de dominar a natureza, ainda somos suas vítimas na medida em que não aprendemos nem a nos dominar a nós mesmos. De maneira lenta, mas que nos parece fatal, atraímos o desastre.

Já não existem deuses cuja ajuda possamos invocar. As grandes religiões padecem de uma crescente anemia, porque as divindades prestimosas já fugiram dos bosques, dos rios, das montanhas e dos animais e os homens-deuses desapareceram no mais profundo do nosso inconsciente. Iludimo-nos julgando que lá no inconsciente levam vida humilhante entre as relíquias do nosso passado. Nossas vidas são agora dominadas por uma deusa, a Razão, que é a nossa ilusão maior e mais trágica. É com a sua ajuda que acreditamos ter ”conquistado a natureza”.

Esta expressão é um simples slogan, pois esta pretensa conquista nos oprime com o fenômeno natural da superpopulação e ainda acrescenta aos nossos problemas uma incapacidade psicológica total para realizarmos os acordos políticos que se fazem necessários. Continuamos a achar natural que homens briguem e lutem com o objetivo de afirmar cada um a sua superioridade sobre o outro. Como pensar, então, em “conquista da natureza?”

Como toda mudança deve, forçosamente, começar em alguma parte, será o indivíduo isoladamente que terá de tentar e experimentar levá-la avante. Esta mudança só pode principiar, realmente, em um só indivíduo; poder á ser qualquer um de nós. Ninguém tem o direito de ficar olhando à sua volta, à espera de que alguma outra pessoa faça aquilo que ele mesmo não está disposto a fazer.

Mas como ninguém parece saber o que fazer, talvez valha a pena que cada um de nós se pergunte se, por acaso, o seu inconsciente conhecerá alguma coisa que nos possa ser útil a todos. A mente consciente, decididamente, parece incapaz de ajudar-nos. O homem hoje dá-se conta dolorosamente de que nem as suas grandes religiões nem as suas várias filosofias parecem capazes de fornecer-lhe aquelas idéias enérgicas e dinâmicas que lhe dariam a segurança necessária para enfrentar as atuais condições do mundo.

Sei bem o que haveriam de dizer os budistas: as coisas andariam bem se as pessoas seguissem “a nobre trilha óctupla” do Dharma (lei, doutrina) e compreendessem verdadeiramente o self (ou si-mesmo) . Já os cristãos afirmam que se as pessoas tivessem fé em Deus teríamos um mundo melhor. Os racionalistas insistem que se as pessoas fossem inteligentes e ponderadas todos os nossos problemas seriam controlados. A verdadeira dificuldade é que nenhum deles trata de resolver estes problemas pessoalmente.

Os cristãos muitas vezes perguntam por que Deus não se dirige a eles, como se acredita que fazia em tempos passados. Quando ouço este tipo de questionamento lembro-me sempre do rabi a quem perguntaram por que ninguém mais hoje em dia vê Deus, quando no passado Ele aparecia às pessoas com tanta freqüência. Resposta do rabi: ”É que hoje em dia já não mais existe gente capaz de curvar-se o bastante.”

Resposta absolutamente certa. Estamos tão fascinados e envolvidos por nossa consciência subjetiva que nos esquecemos do fato milenar de que Deus nos fala, sobretudo através de sonhos e visões. O budista despreza o mundo das fantasias inconscientes considerando-as ilusões inúteis; o cristão coloca sua Igreja e sua Bíblia entre ele próprio e o seu inconsciente; e o racionalista ainda nem sabe que a sua consciência não é o total da sua psique. Este tipo de ignorância continua a existir apesar de o inconsciente ser, há mais de 70 anos, um conceito científico básico e indispensável a qualquer investigação psicológica séria.

Não podemos mais nos permitir uma atitude de “Deus Todo -Poderoso”, elegendo-nos juizes dos méritos ou das desvantagens dos fenômenos naturais. Não baseamos nossos conhecimentos de botânica na ultrapassada classificação entre plantas úteis e inúteis, ou os de zoologia na ingênua distinção entre animais inofensivos e perigosos. Mas, complacentemente, continuamos a admitir que consciência é razão e inconsciência é contra-senso. Em qualquer outra ciência tal critério faria rir, tal a sua improcedência. Os micróbios, por exemplo, são razoáveis ou absurdos?

Seja o que for a inconsciência, sabe-se que é um fenômeno natural que produz símbolos provadamente relevantes. Não podemos esperar que alguém que nunca tenha olhado através de um microscópio seja uma autoridade em micróbios. Do mesmo modo, quem não fez um estudo sério a respeito dos símbolos naturais não pode ser considerado juiz competente do assunto. Mas a depreciação geral da alma humana é de tal extensão que nem as grandes religiões, nem as várias filosofias, nem o racionalismo científico se dispõem a um estudo mais profundo.

Apesar de a Igreja Católica admitir a ocorrência dos somnia a Deo missa (sonhos enviados por Deus), a maioria dos seus pensadores não faz um esforço sério para compreender os sonhos. Duvido que exista um tratado ou uma doutrina protestante que se humilhe a ponto de aceitar a possibilidade de a vox Dei ser percebida em algum sonho. Mas se o teólogo acredita mesmo na existência de Deus, com que autoridade pode afirmar que Deus é incapaz de nos falar através dos sonhos?

Passei mais de meio século investigando os símbolos naturais e cheguei à conclusão de que tanto os sonhos como seus símbolos não são fenômenos inconseqüentes ou desprovidos de sentido. Ao contrário, os sonhos fornecem as mais interessantes revelações a quem quiser se dar ao trabalho de entender a sua simbologia. O resultado, é bem verdade, pouco tem a ver com problemas cotidianos como vender ou comprar. Mas o sentido da vida não está de todo explicado pela nossa atividade econômica, nem os anseios mais íntimos do coração humano atendidos por uma conta bancária.

Neste período da história humana em que toda a energia disponível é dedicada ao estudo e à investigação da natureza, dedica-se pouquíssima atenção à essência do homem — a sua psique — enquanto multiplicam-se as pesquisas sobre as suas funções conscientes. No entanto, as regiões verdadeiramente complexas e desconhecidas da mente, onde são produzidos os símbolos, ainda continuam virtualmente inexploradas. E é incrível que, apesar de recebermos quase todas as noites sinais enviados por estas regiões, pareça tão tedioso decifrá-los que poucas pessoas se tenham preocupado com o assunto. O mais importante instrumento do homem, a sua psique, recebe pouca atenção e é muitas vezes tratado com desconfiança e desprezo. “É apenas psicológico” é uma expressão que significa, habitualmente: “Não é nada.”

De onde exatamente virá este imenso preconceito? Estivemos sempre tão manifestamente ocupados com o que pensamos que nos esquecemos por completo de indagar o que pensará a nosso respeito a psique inconsciente. As idéias de Sigmund Freud vieram acentuar, em muitas pessoas, o desdém existente com relação à psique. Antes dele descurava-se e ignorava-se sua existência; agora a psique tornou-se uma espécie de depósito onde se despeja tudo que a moral refuga.

Este ponto de vista moderno é, certamente, unilateral e injusto. Nosso conhecimento atual do inconsciente revela que é um fenômeno natural e, tal como a própria Natureza, pelo menos neutro. Nele encontramos todos os aspectos da natureza humana — a luz e a sombra, o belo e o feio, o bom e o mau, a profundidade e a sandice. O estudo do simbolismo individual, e do coletivo, é tarefa gigantesca e que ainda não foi vencida. Mas ao menos já existe um trabalho inicial. Os primeiros resultados são encorajadores e parecem oferecer resposta às muitas perguntas — até aqui sem nenhuma réplica — que se faz à humanidade de hoje.

Efeitos da Psilocibina na Cognição

Traduzido do arquivo da Associação Multidisciplinar para o Estudo de Psicodélicos (MAPS)
MAPS – Volume 7 N# 1,  Inverno 1996-97 – pp. 10-11
Pesquisas recentes e suas implicações para o aumento da criatividade

Matthew J. Baggott
Pesquisador Associado, Centro de Pesquisa de Dependência de Drogas
Universidade da California, San Francisco

  • mbagg@itsa.ucsf.edu
  • http://itsa.ucsf.edu/~ddrc

Para uma lista atualizada de estudos sobre psilocibina, clique aqui (em inglês)

Para os estudos de Rick Doblin de acompanhamento a longo prazo da pesquisa com psilocibina originalmente conduzida ou supervisionada por Timothy Leary em Harvard de 1960 a 1963, veja o Good Friday experiment follow-up (em inglês), que investiga o uso da psilocibina como catalizador de experiências místicas, e o Concord Prison experiment follow-up (em inglês), que investiga o uso da psilocibina em promover mudança de comportamento e reduzir reincidências.


Discussão do artigo: Spitzer M, Thimm M, Hermle L, Holzmann P, Kovar KA, Heimann H, Gouzoulis-Mayfrank E, Kischka U, Schneider F (1996); Aumento da ativação de associações semânticas indiretas com o uso de psilocibina. Biol Psychiatry 39:1055-1057. Spitzer e seus colegas chegaram mais perto de compreender os efeitos dos psicodélicos. Como eles apontaram na conclusão do seu trabalho, obtiveram sucesso na utilização dos resultados de uma tarefa simples para teorizar ligações entre os relatos subjetivos dos usuários de psicodélicos, medições objetivas dos efeitos da psilocibina, e a fisiologia cerebral subjacente. No processo, eles levantaram uma série de ligações produtivas a futuras pesquisas.


A primeira onda de pesquisas sobre psicodélicos nos anos 60 viu muitas tentativas de entender os mecanismos e os efeitos dos psicodélicos. Olhando de volta para esses estudos do passado, chega-se a idéia que as substâncias psicodélicas talvez fossem complexas demais para as ferramentas científicas da época. No entanto, a onda atual de pesquisas sobre psicodélicos se mostra muito mais promissora. Desde os 60, ganhamos muitas ferramentas sofisticadas de pesquisa. Essas ferramentas incluem testes neuropsicológicos simples, tarefas repetitivas, jogos, que podem dar valiosos insights de como os psicodélicos afetam a mente. Manfred Spitzer, M.D., Ph.D.,  e seus colegas (1996) publicaram recentemente um fascinante relatório sobre os efeitos da psilocibina em um desses testes neuropsicológicos.

O grupo de Spitzer, de oito homens voluntários, foi oralmente administrado com 0.2 mg de psilocibina, por kg de peso corporal, junto a um grupo de controle que recebeu um placebo.  Em seguida estudaram os efeitos da psilocibina em uma tarefa de reconhecimento de palavras. Nesse teste, o indivíduo identifica se uma sequência de caracteres é uma palavra, ou não. Estudos anteriores descobriram que indivíduos podem identificar uma palavra mais rápido se a sequência de caracteres que a precede for uma palavra proximamente relacionada. Por exemplo, uma pessoa pode reconhecer a palavra “preto” mais rapidamente se ela foi imediatamente precedida pela palavra “branco”. Este efeito é conhecido como “disparo semântico” (semantic priming). Em indivíduos normais, o disparo semântico ocorre somente com palavras de relação próxima. No entanto, palavras indiretamente relacionadas (“doce” e “limão,” por exemplo) produz esse disparo semântico em indivíduos esquizofrênicos de pensamento desordenado (Spitzer et al 1993a, 1993b).

Disparo semântico

Os pesquisadores descobriram que a psilocibina desacelerou o tempo de reação dos indivíduos, ao mesmo tempo que produzia um efeito de disparo semântico das palavras indiretamente relacionadas (“doce” e “limão”), semelhante ao observado na pesquisa de esquizofrenia. A descoberta de que a psilocibina desacelera o tempo de reação  não era inesperada; uma pesquisa anterior com psicodélicos encontrou o mesmo efeito. No entanto, a descoberta que a psilocibina produzia disparo semântico indireto é mais interessante. Em suas discussões, os pesquisadores ressaltam que seus resultados são relevantes para a afirmação que psicodélicos “aumentam a criatividade” ou “expandem a consciência”:

Embora a maioria das medições objetivas tenham falhado em apoiar estas afirmações, nossos dados sugerem que o agente [alucinógeno] de fato leva a um aumento da disponibilidade de associações remotas e, portanto, pode trazer efeitos cognitivos à mente que, em circunstâncias normais, permaneceriam desativados; no entanto, a diminuição geral do desempenho psicológico sob efeito de agentes alucinógenos sugere que o aumento indireto do efeito de disparo se deve à diminuição da capacidade de usar informação contextual para a focalização do processamento semântico. Por isso, a experiência subjetiva de aumento da criatividade, assim como a ampliação da consciência, foram encontradas paralelamente com a diminuição nas medições objetivas de desempenho. (p. 1056-1057).

Assim, os pesquisadores sugerem que os psicodélicos podem de fato “ampliar a consciência” tornando mais disponíveis as associações mentais remotas. No entanto, isso envolve um trade-off. Embora as associações remotas se tornem mais acessíveis, os sujeitos ficam menos capazes de focalizerem a atenção, o que diminui seus tempos de reação.

Redes neurais semânticas

Os pesquisadores interpretam seus resultados utilizando um modelo que afirma que o cérebro contém redes neurais semânticas que podem ser ativadas pela informação semântica.  A propagação dessa ativação pelas redes neurais determina a quantidade de disparo semântico que ocorre no teste de reconhecimento de palavras. Essa ativação se propaga de forma mais profunda e rápida em esquizofrênicos de pensamento desordenado e usuários de psilocibina do que em voluntários normais. Uma explicação para essa quantidade incomum de ativações é a dimuição da eficiência no córtex onde a informação semântica é processada (Servan-Schreiber et al 1990, Cohen and Servan-Schreiber 1992, 1993). Existem evidências de que essa ineficiência de processamento está relacionada com a diminuição da modulação dopaminérgica. Como suporte a essa teoria, os pesquisadores descobriram que a L-dopa, um precursor da dopamina, reduz a propagação da ativação e, dessa forma, reduz indiretamente o disparo semântico (Kischka et al 1995). No contexto dessa teoria, a psilocibina (que atua no sistema serotoninérgico) pode ser vista como um potencializador de ativação das redes semânticas. Essencialmente, a dopamina parece ter um efeito de focalização na ativação das redes semânticas, enquanto a psilocibina tem um efeito de desfocalização.

O teste de reconhecimento de palavras

O teste de reconhecimento de palavras usado pelo grupo de Spitzer é particularmente interessante por várias razões. Primeiro, ele permitiu aos pesquisadores testar o acesso automático, ao invés de voluntário, à memória. Mesmo quando os sujeitos não conseguiam recordar conscientemente as palavras previamente vistas (seja por causa de uma droga ou por desordens neurológicas), o teste de reconhecimento de palavras pode demonstrar se os sujeitos ainda podem acessar automaticamente essa memória.  Além disso, o teste permite que os pesquisadores vejam como o foco das associações mentais do sujeito é modificado por diferentes estados farmacológicos ou psicológicos. Esse aspecto parece potencialmente promissor para a diferenciação entre diferentes tipos de memórias. Por exemplo, em algumas situações, palavras emocionais (“feliz” e “triste”) podem ser ativadas em maior medida do que palavras com pouco conteúdo emocional (“preto” e “branco”).

Spitzer e seus colegas chegaram mais perto de compreender os efeitos dos psicodélicos. Como eles apontaram na conclusão do seu trabalho, obtiveram sucesso na utilização dos resultados de uma tarefa simples para teorizar ligações entre os relatos subjetivos dos usuários de psicodélicos, medições objetivas dos efeitos da psilocibina, e a fisiologia cerebral subjacente. No processo, eles levantaram uma série de ligações produtivas para futuras pesquisas.

Referências

  1. Cohen JD, Servan-Schreiber D (1992); Context, cortex and dopamine: A connectionist approach to behavior and biology in schizophrenia. Psychol Rev 12:45-77.
  2. Cohen JD, Servan-Schreiber D (1993); A theory of dopamine function and its role in cognitive deficits in schizophrenia. Schizoph Bull 19:85-104.
  3. Kischka U, Kammer T, Weisbrod M, Maier S, Thimm M, Spitzer M (1995); Dopaminergic modulation of semantic network activation (in submission). Servan-Schreiber D, Printz H, Cohen JD (1990); A network model of catcholamine effects: Gain, signal-to-noise ratio, and behavior. Science 249:892-895.
  4. Spitzer M, Braun U, Maier S, Hermle L, Maher BA (1993a); Indirect semantic priming in schizophrenic patients. Schizoph Res 11:71-80.
  5. Spitzer M, Braun U, Hermle L, Maier S (1993b); Associative semantic network dysfunction in thought-disordered schizophrenic patients: Direct evidence from indirect semantic priming. Biol Psychiatry 34:864-877.
  6. Spitzer M, Thimm M, Hermle L, Holzmann P, Kovar KA, Heimann H, Gouzoulis-Mayfrank E, Kischka U, Schneider F (1996); Increased activation of indirect semantic associations under psilocybin. Biol Psychiatry 39:1055-1057.

O Eu e o Inconsciente – C.G.Jung

Segue abaixo um trecho editado do capítulo “A persona como segmento da psique coletiva” extraído do livro “O Eu e o Incosciente” de C. G. Jung

Neste capítulo abordaremos um problema que, se negligenciado, causará a maior confusão. Mencionei antes que, na análise do inconsciente pessoal, a primeira coisa a ser acrescentada à consciência é constituída por conteúdos pessoais; sugeri que tais conteúdos reprimidos podem ser conscientizados, representando o que poderíamos chamar de inconsciente pessoal. Mostrarei também que, através da anexação das camadas mais profundas do inconsciente, para os quais propus o nome de inconsciente coletivo, se produz uma ampliação da personalidade, que pode levar à inflação. Tal estado ocorre mediante o mero prosseguimento do trabalho analítico, como no caso antes citado. Continuando a análise, acrescentamos à consciencia pessoal certas qualidades básicas e impessoais da humanidade, fato este que desencadeia a inflação descrita anteriormente e que pode ser encarada como uma das consequências desagradáveis da plena conscientização. (1) A consciência pessoal é mais ou menos um segmento arbitrário da psique coletiva.

1. Este fenômeno decorrente da expansão da consciência não é de forma alguma específico do tratamento analítico, mas ocorre sempre que os homens são subjulgados por um novo saber ou conhecimento. “O saber infla”, escreve S. Paulo na epístola aos coríntios, pois o novo conhecimento subira à cabeça de alguns, como sempre sucede. A inflação nada tem a ver com a espécie do conhecimento, mas sim com o modo pelo qual ele se apodera de uma cabeça fraca, quando o indivíduo torna-se incapaz de ver ou ouvir qualquer outra coisa. Fica como que hipnotizado e acredita ter descoberto a solução do enigma universal. Isto já significa presunção. Tal processo é uma forma de reação tão geral que já no livro do Gênesis 2,17 comer da árvore do conhecimento representa um pecado que conduz à morte. Não é fácil de compreender por que um acréscimo de consciência, acompanhado de presunção, é tão perigoso. O Gênesis representa o ato de consciência como uma infração do tabu, como se através do conhecimento se transpusesse criminosamente um limiar sacrossanto. Creio que o Gênesis está certo, na medida em que cada passo em direção a uma consciência mais ampla é uma espécie de culpa prometêica: mediante o conhecimento rouba-se, por assim dizer, o fogo dos deuses, isto é, o patrimônio dos poderes inconscientes é arrancado do contexto natural e subordinado à arbitrariedade da consciência. O homem que usurpou o novo conhecimento sofre uma transformação ou alargamento da consciência, mediante o nível humano de sua época (“sereis semelhantes a Deus”), mas isto o afasta dos homens. O tormento dessa solidão é a vingança dos deuses: tal homem não poderá voltar ao convívio humano. Como diz o mito, é agrilhoado à solitária rocha do Cáucaso, abandonado por deuses e homens.

Ela consiste numa soma de fatos psíquicos sentidos como algo de pessoal. O atributo “pessoal” significa: pertencente de modo exclusivo a uma dada pessoa. Uma consciência apenas pessoal acentua com certa ansiedade seus direitos de autor e de propriedade no que concerne aos seus conteúdos, procurando deste modo criar um todo. Mas todos os conteúdos que não se ajustam a esse todo são negligenciados, esquecidos, ou então reprimidos e negados. Isto constitui uma forma de auto-educação que não deixa de ser, porém, demasiado arbitrária e violenta. Em benefício de uma imagem ideal, à qual o indivíduo aspira moldar-se, sacrifica-se muito de sua humanidade. Indivíduos desse tipo, extremamente pessoais, costumam ser muito sensitivos, já que é tão fácil ocorrer-lhes algo que traz à consciência certos detalhes indesejáveis de seu verdadeiro caráter (“individual”).

A este segmento arbitrário da psique coletiva, elaborado às vezes com grande esforço, dei o nome de persona. A palavra persona é realmente uma expressão muito apropriada, porquanto designava originalmente a máscara usada pelo autor, significando o papel que ia desempenhar. Se tentarmos estabelecer uma distinção entre o material psíquico consciente e o inconsciente, logo nos encontraremos diante do maior dilema: no fundo teremos de admitir que a afirmação acerca do inconsciente coletivo, isto é, de que seus conteúdos são gerais, também é válida no que concerne aos conteúdos da persona. Sendo esta última um recorte mais ou menos arbitrário e acidental da psique coletiva, cometeríamos um erro se a considerássemos (à persona), in toto, como algo de “individual”. Como seu nome revela, ela é uma simples máscara da psique coletiva, uma máscara que aparenta uma individualidade, procurando convencer aos outros e a si mesma que é uma individualidade, quando, na realidade, não passa de um papel, no qual, no qual fala a psique coletiva.

Ao analisarmos a persona, dissolvemos a máscara e descobrimos que, aparentando ser individual, ela é no fundo coletiva: em outras palavras, a persona não passa de uma máscara da psique coletiva. No fundo, nada tem de real; ela representa um compromisso entre o indivíduo e a sociedade, acerca daquilo que “alguém parece ser: nome, título, ocupação, isto ou aquilo. De certo modo, tais dados são reais; mas em relação à individualidade essencial da pessoa, representam algo de secundário, uma vez que resultam de um compromisso no qual outros podem ter uma quota maior do que a do indivíduo em questão. A persona é uma aparência, uma realidade bidimensional, como se poderia designá-la ironicamente.

Seria incorreto, porém, encerrar o assunto, sem reconhecer que subjaz algo de individual na escolha e na definição da persona; embora a consciência do ego possa identificar-se com ela de modo exclusivo, o si-mesmo inconsciente, a verdadeira individualidade, não deixa de estar sempre presente, fazendo-se sentir de forma indireta. Assim, apesar da consciência do ego identificar-se inicialmente com a persona – essa figura de compromisso que representamos diante da coletividade, o si-mesmo inconsciente não pode ser reprimido a ponto de extinguir-se. Sua influência manifesta-se principalmente no caráter especial dos conteúdos contrastantes e compensadores do inconsciente. A atitude meramente pessoal da consciência produz reações da parte do inconsciente e estas, juntamente com as repressões pessoais, contêm as sementes do desenvolvimento individual, sob o invólucro de fantasias coletivas. Mediante a análise do inconsciente pessoal, a consciência abre-se e é alimentada pelo material coletivo, que traz consigo elementos da individualidade. Sei muito bem que isto é incompreensível para os que desconhecem meus pontos de vista e minha técnica e principalmente para os que encaram o inconsciente do ponto de vista freudiano. Mas se o leitor lembrar-se do exemplo já citado da estudante de filosofia, poderá ter uma idéia aproximada do que aqui estou tentando formular. No início do tratamento, a enferma era quase inconsciente da fixação que subjazia à sua relação com o pai. Ignorava de um modo quase total que buscava um homem semelhante ao pai, fato este com que seu intelecto logo se defrontou. Isto não constituiria propriamente um erro se seu intelecto não tivesse aquele caráter de protesto peculiar, infelizmente comum nas mulheres intelectuais. Esse tipo de intelecto se caracteriza pela tendência de apontar os erros alheios; é crítico em demasia, de tonalidade desagradavelmente pessoal, com a pretensão, no entanto, de ser objetivo. Isto geralmente irrita os homens, sobretudo se a crítica a eles endereçada (como acontece muitas vezes) tocar-lhes um ponto fraco; em benefício de uma discussão fecunda, seria justamente este o ponto a evitar. Longe disto, é uma peculiaridade infeliz de tal tipo de mulher procurar os pontos fracos do homem e fixá-los, exasperando o interlocutor. Em geral, sua intenção não é consciente; pelo contrário, seu propósito inconsciente é o de impelir o homem a uma posição superior, tornando-o deste modo um objeto de admiração. Mas em geral este não percebe que está sendo forçado a assumir o papel de herói; na realidade acha esses insultos tão odiosos que tratará de desviar-se o mais possível de tal mulher. Finalmente, o único homem que lhe restará só poderá ser o que desde o início se apequenou e que, portanto, nada tem de admirável.

(…) Depois desta digressão, voltemos ás reflexões iniciais. Uma vez abolidas as repressões de ordem pessoal, a individualidade e a psique coletiva começam a emergir, fundidas uma na outra, liberando as fantasias pessoais até então reprimidar. Aparecem sonhos e fantasias, que se revestem de um aspecto diferente. O “cósmico” parece ser um sinal inefável das imagens coletivas; as imagens de sonhos e fantasias são associadas ao eterno “cósmico”, tais como tempo e espaço infinitos, a enorme velocidade e a extensão dos movimentos, conexões “astrológicas”, analogias telúricas, lunares e solares, alterações nas proporções do corpo, etc. O aparecimento de motivos mitológicos e religiosos nos sonhos também indica a atividade do inconsciente coletivo. O elemento coletivo é anunciado muitas vezes por sintomas peculiares: (2) sonhos em que se voa através do espaço, a modo de um cometa, ou se tem a impressão de ser a terra, o sol ou uma estrela; ora se é extraordinariamente grande, ora pequeno como um anão; ou, como um morto, chega-se a um lugar estranho, num estado de alheamento, confusão, loucura, etc. Do mesmo modo, podem ocorrer sentimentos de desorientação, vertigem e outros semelhantes, juntamente com os sintomas de inflação

(2)Não será demais observar que os elementos coletivos dos sonhos não ocorrem apenas neste estádio do tratamento analítico. Há muitas espécies de situações psicológicas nas quais se manifesta a atividade do inconsciente coletivo. Mas não é este o lugar adequado para o exame dessas condições.

A riqueza de possibilidades da psique coletiva confunde e ofusca. Com a issolução da persona desencadeia-se a fantasia espontânea, a qual, aparentemente, não é mais do que a atividade específica da psique coletiva. Tal atividade traz à tona conteúdos, cuja existência era antes totalmente ignorada. Na medida em que aumenta a influência do inconsciente coletivo, a consciência perde seu poder de liderança. Imperceptivelmente, vai sendo dirigida, enquanto o processo inconsciente e impessoal toma o controle. Assi pois, sem que o perceba, a personalidade consciente, como se fora uma peça entre outras num tabuleiro de xadrez, é movida por um jogador invisível. É este quem decide o jogo do destino e não a consciência e suas intenções. No exemplo anteriormente citado, foi deste modo que se processou a liberação da transferncia, apesar de afigurar-se tão impossível à consciência.

Sempre que surja uma dificuldade aparentemente insuperável, é inevitável ter-se que mergulhar neste processo. Entretanto, nem sempre ocorre tal necessidade, uma vez que a maioria dos casos de neurose só pede a remoção de dificuldades temporárias de adaptação. Mas os casos graves não podem ser curados, sem uma profunda “mudança do caráter” ou da atitude. Na maioria dos casos, a adaptação à realidade exterior exige tanto trabalho, que a adaptação interior, voltada para o inconsciente coletivo, só pode ser considerada a longo prazo. No entantp, quando a adaptação interior se torna um problema, provém do inconsciente uma atração singular e irresistível, que exerce uma influência poderosa na direção do consciente da vida. A predominância das influências inconscientes, assim como a desintegração da persona e a redução da força condutora do consciente constituem um estado de desequilíbrio psíquico, induzido artificialmente no decorrer do tratamento analítico; é claro que a intenção desta terapia é a de resolver uma dificuldade inibidora que barra a via de um desenvolvimento ulterior. Naturalmente há inúmeros obstáculos que podem ser superados com um bom conselho e com um pouco de ajuda moral, ajudados pela boa vontade e compreensão por parte do paciente. Deste modo são obtidos excelentes resultados e até mesmo a cura. Não são raros os casos em que não há necessidade de dizer uma só palavra acerca do inconsciente. No entanto, há dificuldades frente as quais não se vislumbra qualquer solução satisfatória. Nessa eventualidade, se o transtorno do equilíbrio psíquico não ocorreu antes do tratamento, certamente aparecerá durante a análise, e ás vezes sem qualquer interferência do médico. É como se tais pacientes estivessem à espera de uma pessoa de confiança a fim de entregar-se e sucumbir. Essa perda de equilíbrio é, em princípio, semelhante a um distúrbio psicótico; isto é, difere dos estádios iniciais da doença mental pelo fato de conduzir finalmente a uma saúde mais plena, enquanto que nas psicoses há uma destruição crescente. No primeiro caso, a pessoa entra em pânico e como que se abandona diante de complicações aparentemente desesperadas. Em geral, tudo começa por um esforço pertinaz de dominar a situação problemática pela força de vontade; ocorre então o colapso e essa vontade diretora é completamente aniquilada. A energia assim liberada desaparece do consciente e cai no inconsciente. É então que costumam sobrevir os primeiros sinais da atividade inconsciente. (assinalo aqui o exemplo do jovem que sucumbiu à psicose.) Evidentemente, nesse caso, a energia que desapareceu da consciência ativou o inconsciente. O resultado imediato foi a brusca alteração dos sentidos. Podemos imaginar que se o jovem mencionado tivesse uma mente mais forte, tomaria a visão das estrelas como uma imagem salvadora, conseguindo então encarar o sofrimento humano sub specie aeternitatis, e neste caso seu equilíbrio seria restaurado. (3)

Deste modo, um obstáculo aparentemente invencível seria superado. Assim, pois, encaro a perda de equilíbrio como algo adequado, pois substitui uma consciência falha, pela atividade automática e instintiva do inconsciente, que sempre visa a criação de um novo equilíbrio; tal meta será alcançada sempre que a consciência for capaz de assimilar os conteúdos produzidos pelo inconsciente, isto é, quando puder compreendê-los e digerí-los. Se o inconsciente dominar a consciência, desenvolver-se-á um estado psicótico. No caso de não prevalecer nem processar-se uma compreensão adequada, o resultado será um conflito que paralisará todo o progresso ulterior. O problema da compreensão do inconsciente coletivo coloca-nos diante de uma considerável dificuldade, que será o tema do próximo capítulo.