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Reportagem sobre cogumelos mágicos na Carta Capital

Post Reproduzido do Site da Bia Labate PhD – BiaLabate.net

Retirado de Carta Capital, 26 de Julho de 2006 – Ano XII – Número 403, publicado em
http://www.cartacapital.com.br/index.php?funcao=exibirMateria&id_materia=5022

“UM ATALHO PARA DEUS
Cogumelo alucinógeno evoca experiências místicas, causa bem-estar e melhora o humor, diz pesquisa 

Por Rogério Tuma

Cientistas da Johns Hopkins University utilizam, pela primeira vez, métodos científicos rigorosos para avaliar alucinógenos e comprovam que o chamado “cogumelo sagrado” consegue evocar experiências místicas e espirituais idênticas àquelas espontâneas descritas por pessoas em transe religioso por séculos.

A psilocibina é um alcalóide encontrado no cogumelo psilocibe, existente no México e no Sudoeste americano, e é semelhante aos alcalóides encontrados em quase 200 plantas espalhadas pelo mundo. Esses alcalóides atuam nos receptores cerebrais do neurotransmissor serotonina (envolvido nos sonhos, no humor e em outras funções afetivas). Neles se encaixam o LSD, a mescalina e várias outras substâncias. Há milênios esse grupo de alucinógenos é utilizado em rituais religiosos. No Brasil, a seita mais conhecida que pratica esses rituais é o Santo Daime.

Durante o movimento hippie, nos anos 60, o cogumelo foi muitas vezes tomado de forma exagerada, o que inibiu seus estudos até recentemente. Agora, com as novas técnicas, o controle das pesquisas é maior e os resultados positivos e negativos são, portanto, mais confiáveis.

No estudo da Johns Hopkins, 36 voluntários foram divididos em três grupos e foram avisados de que poderiam receber um alucinógeno ou outras medicações que poderiam alterar a consciência. Um grupo de 15 voluntários recebeu oralmente a psilocibina na dose de 30 mg/70 kg. Um segundo grupo de 15 recebeu metilfenidato (estimulante cerebral utilizado para síndrome do déficit de atenção) como placebo positivo, isto é, uma medicação que simula os efeitos colaterais, mas que não provoca alucinações. E um terceiro grupo de seis voluntários recebeu metilfenidato duas vezes, sem saber, achando que receberam drogas diferentes nas duas ocasiões. Com isso os pesquisadores controlaram os efeitos da sugestão e da expectativa.

Para avaliar as possíveis alucinações e experiências foram aplicadas diversas escalas predefinidas que caracterizam estados de consciência, humor, misticismo, transcedência espiritual e várias outras alterações psíquicas.

Entre os indivíduos que receberam o alucinógeno, 60% descreveram sintomas que preencheram os critérios definidos para uma “experiência espiritual e mística completa” nas primeiras oito horas de avaliação, e um terço deles a descreveu como “a experiência espiritual mais importante de sua vida” e mais de dois terços descreveram a experiência como uma das cinco mais marcantes, comparável com a morte do pai ou o nascimento do primeiro filho.

Dois meses depois, 79% dos indivíduos ainda se referiam a uma grande ou moderada mudança positiva no seu bem-estar e na sua satisfação com a vida. A grande maioria também mencionou que seu humor, suas atitudes e comportamento melhoraram significativamente, e esse dado foi confirmado com parentes e colegas de trabalho.

O líder do estudo, publicado na revista americana Psychopharmacology de 11 de julho, dr. Roland Griffiths, afirma que a mensagem não é a de que se pode reproduzir experiências místicas artificialmente, mas que elas modificam positivamente a vida dos voluntários por pelo menos alguns meses, indicando um uso terapêutico valioso. Griffiths também alerta para os efeitos colaterais, pois mesmo nas condições bem controladas do estudo, um terço dos voluntários apresentou medo considerável e ansiedade. Alguns apresentaram sintomas passageiros de paranóia. A utilização sem controle da droga pode levar a sintomas negativos com freqüência ainda maior.

Apesar de no estudo em questão a droga não ter causado dependência ou sinais de intolerância, Griffiths alerta também que ela não é um instrumento de uso contínuo para melhorar a vida ou ser um caminho mais curto para Deus. “Há uma enorme diferença entre ter uma experiência espiritual e ter uma vida espiritual”, diz.

O estudo foi considerado um marco da ciência por Charles Schuster, diretor do Instituto Americano sobre Abuso de Drogas (Nida), pois reintegra à análise da consciência e percepção sensorial um grupo de substâncias de grande valor que foi abominado por quase 40 anos.

Os autores afirmam não existir interesse em explicar a religiosidade das pessoas. Segundo Lawrence Kraus, em artigo na revista New Scientist de julho, utilizar a ciência para negar a religião é um desserviço, pois coloca uma contra a outra e vice-versa. Também para o padre belga Georges Lemaitre, que foi o primeiro cientista a demonstrar que a Teoria da Relatividade de Einstein previa o Big-Bang: “É um erro utilizar a ciência para explicar a existência de Deus ou para torná-lo irrelevante, pois a tese serviria apenas ao propósito de satisfazer a convicção religiosa do postulante”. “

Leia reportagem em inglês aqui .


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Alucinógenos que podem curar

Matéria publicada em Janeiro pela ” Scientific American Brasil“, nos foi direcionada por Vinícius Costa.

Em horas, substâncias psicoativas são capazes de induzir realinhamentos psicológicos profundos que exigiriam décadas para serem alcançados no divã.
por Roland R. Griffiths e Charles S. Grob

SANDY LUNDAHL, EDUCADORA EM SAÚDE DE 50 ANOS DE IDADE, chegou ao centro de estudos biológicos comportamentais na Johns Hopkins University School of Medicine em uma manhã de primavera de 2004. Ela se ofereceu para participar de um dos primeiros estudos com drogas alucinógenas nos Estados Unidos em mais de três décadas. Preencheu questionários, conversou com os dois monitores que estariam com ela pelas próximas oito horas e se ajeitou no confortável espaço parecido com uma sala de estar em que a sessão aconteceria. Então, engoliu duas cápsulas azuis e reclinou-se em um sofá. Para ajudá-la a relaxar e focar seu interior, ela usava tapa-olhos e fones de ouvido, que transmitiam música clássica especialmente selecionada.

As cápsulas continham um a alta dose de psilocibina, principal componente dos cogumelos “mágicos”, que, como o LSD e a mescalina, produzem alterações de humor e percepção, mas muito raramente alucinações. Ao final da sessão, quando os efeitos haviam se dissipado, Sandy, que nunca havia tomado um alucinógeno antes, preencheu mais questionários. Suas respostas indicavam que, durante o tempo em que ficou na sala, havia passado por uma profunda
experiência mística.

Em uma visita de acompanhamento mais de um ano depois, ela disse que continuava a pensar na experiência diariamente e – o mais notável – que ela a considerava o evento mais pessoal e espiritualmente significativo de sua vida. Ela sentia que aquilo trouxera mudanças positivas em seu humor, atitudes, comportamento e uma perceptível melhora em sua satisfação com a vida como um todo. “Parece que a experiência levou a uma aceleração do meu desdobramento ou desenvolvimento espiritual”, descreveu. “Lampejos de introspecção ainda ocorrem… Sou muito mais amorosa – compensando as feridas que causei no passado… Sou cada vez mais capaz de perceber as pessoas como tendo a luz do divino fluindo por elas.”

Sandy foi uma de 36 participantes de um estudo conduzido por um de nós de (Griffiths) na Johns Hopkins que começou em 2001 e foi publicado em 2006, seguido por um relatório que saiu dois anos depois. Quando o primeiro trabalho apareceu no periódico Psychopharmacology, muitos membros da comunidade científica saudaram a ressurreição de uma área de pesquisas que estava dormente havia um bom tempo. Os estudos com a psilocibina na universidade continuam por dois caminhos: um explora os efeitos psicoespirituais da droga em voluntários saudáveis. O outro estuda se os estados de consciência alterada induzidos por alucinógenos – e, em particular, experiências místicas – poderiam mitigar os efeitos de vários problemas psiquiátricos e comportamentais, incluindo alguns para os quais as terapias atuais não chegam a ser efetivas. A principal droga usada nesses estudos é a psilocibina, que integra os chamados alucinógenos clássicos. Assim como as outras drogas dessa classe – psilocina, mescalina, DMT e LSD –, a psilocibina age nos receptores de serotonina das células cerebrais. Confusamente, substâncias de outras classes que exercem efeitos farmacológicos diferentes desses dos alucinógenos clássicos também são rotuladas como alucinógenos” pela mídia e por relatórios epidemiológicos. Esses compostos, alguns dos quais também podem oferecer potencial terapêutico, incluem a quetamina, o MDMA (popularizado como “ecstasy”), salviorina A e ibogaína, entre outros.

SUPERANDO LEARY

A PESQUISA TERAPÊUTICA com os alucinógenos se vale de evidências promissoras observadas em estudos iniciados nos anos 50 que, coletivamente, envolveram milhares de participantes. Alguns desses estudos sugeriam que os alucinógenos poderiam ajudar a tratar a dependência química e a aliviar o sofrimento psicológico das doenças terminais. Essa pesquisa parou no início dos anos 70, quando o uso recreativo dos alucinógenos, principalmente o LSD, cresceu e atraiu uma cobertura sensacionalista da mídia. Esse campo de investigação também foi afetado pela demissão amplamente divulgada de Timothy Leary e Richard Alpert da Harvard University em 1963, em resposta à preocupação sobre métodos heterodoxos de pesquisa usando alucinógenos, incluindo, no caso de Alpert, oferecer psilocibina a um estudante fora do campus.

O crescente uso sem supervisão de substâncias pouco compreendidas, em parte resultado do apoio dado a elas pelo carismático Leary, ganhou repercussão. O Ato de Substâncias Controladas, de 1970, pôs os alucinógenos comuns na Lista 1, a categoria mais restritiva. Novas limitações foram impostas à pesquisa com humanos, a subvenção estatal foi suspensa e os pesquisadores envolvidos nessa linha de pesquisa se viram profi ssionalmente marginalizados.

Décadas se passaram antes que as atitudes que bloquearam as pesquisas arrefecessem o bastante para permitir estudos rigorosos com humanos envolvendo o uso dessas substâncias. As experiências místicas permitidas pelos alucinógenos interessam os pesquisadores particularmente porque têm o potencial de produzir mudanças positivas rápidas e duradouras no humor e comportamento – alterações que podem demandar anos de esforço na psicoterapia convencional.

O trabalho feito na Johns Hopkins é emocionante porque demonstra que essas experiências podem ser produzidas em laboratório na maioria das pessoas estudadas. Ele permite, pela primeira vez, pesquisas científi cas rigorosas e avaliações que registram os voluntários antes e depois do uso da droga. Esse tipo de estudo permite aos pesquisadores examinar as causas e efeitos psicológicos e comportamentais dessas experiências extraordinárias.

Pesquisadores da Johns Hopkins usaram questionários originalmente desenvolvidos para avaliar experiências místicas que ocorriam sem drogas. Eles também analisaram os estados psicológicos gerais dos participantes entre dois e 14 meses após a sessão com psilocibina. Os dados mostraram que os participantes experimentaram um aumento na autoconfiança, maior sensação de contentamento interior, melhor capacidade de tolerar frustrações, diminuição do nervosismo e aumento no bem-estar geral. Um comentário típico de um participante: “A sensação de que tudo é Um, que eu experimentei a essência do Universo e o saber que Deus não nos pede nada, exceto receber amor. Não estou sozinho. Não temo a morte. Sou mais paciente comigo mesmo”. Outra participante ficou tão inspirada que escreveu um livro sobre as experiências.

ALÍVIO DO SOFRIMENTO

QUANDO A PESQUISA SOBRE a terapia baseada em alucinógenos foi suspensa, há cerca de 40 anos, deixou uma lista de tarefas que incluía o tratamento do alcoolismo e outras dependências, a ansiedade associada ao câncer, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de estresse pós- traumático, desordens psicossomáticas, transtornos severos de personalidade e autismo.

No câncer, os pacientes frequentemente se confrontam com ansiedade severa e depressão, e antidepressivos e drogas redutoras de ansiedade podem ter uma atuação limitada para amenizar esses casos. Nos anos 60 e início dos 70, mais de 200 pacientes de câncer receberam alucinógenos clássicos em uma série de estudos clínicos. Em 1964, Eric Kast, da Chicago Medical School, que administrou LSD a pacientes terminais com dores severas, relatou que os pacientes desenvolveram um “desprezo peculiar pela gravidade de sua situação e conversavam livremente sobre sua morte iminente com uma característica considerada não usual pelos costumes ocidentais, mas muito benéfica aos seus estados mentais.” Estudos posteriores, produzidos por Stanislav Grof, William Richards e seus colegas do Spring Grove Psychiatric Hospital próximo a Baltimore (e mais tarde no Maryland Psychiatric Research Center) usaram LSD e outro alucinógeno clássico, o DPT (dipropiltriptamina). Os testes mostraram diminuição na depressão, ansiedade e medo da morte. E pacientes com experiências místicas mostram as melhoras mais significativas na medição psicológica de bem-estar.

Um de nós (Grob) atualizou esse trabalho. Em setembro passando, um ensaio no periódico Archives of General Psychiatry relatou um estudo piloto realizado entre 2004 e 2008 no Harbor-Ucla Medical Center para avaliar se as sessões com psilocibina reduziam a ansiedade em 12 pacientes terminais de câncer. Apesar de o estudo ser pequeno demais para permitir conclusões mais significativas, foi encorajador: os pacientes mostraram diminuição na ansiedade e melhora no humor, mesmo vários meses após a sessão.

Alcoólatras, fumantes e outros dependentes químicos podem relatar vitória sobre suas dependências após uma experiência mística que os afetou profundamente e ocorreu de forma espontânea, sem uso de drogas. A primeira onda de pesquisas clínicas com alucinógenos reconheceu o potencial terapêutico dessas experiências transformadoras. Mais de 1.300 pacientes participaram de estudos sobre dependência que originaram mais de duas dúzias de publicações décadas atrás. Em alguns desses estudos foram administradas altas doses em pacientes pouco preparados e reduzido apoio psicológico, alguns fisicamente presos ao leito. Pesquisadores que compreendiam a importância da preparação e deram apoio a seus pacientes tendiam a obter melhores resultados. Esse trabalho antigo trouxe resultados
promissores, mas inconclusivos.

A nova geração de pesquisa com alucinógenos, com melhores metodologias, deve ser capaz de determinar se essas drogas podem de fato ajudar as pessoas a superar dependências. Além do tratamento da dependência, os estudos mais recentemente começaram a testar se a psilocibina pode mitigar os sintomas do transtorno obsessivo-compulsivo. Outras substâncias controladas com mecanismos diferentes de ação também estão mostrando potencial terapêutico. Pesquisas evidenciam que a quetamina, administrada em baixas doses (é normalmente usada como anestésico), poderia dar um alívio mais rápido da depressão que os antidepressivos tradicionais, caso do Prozac. Um teste recente, na Carolina do Sul, usou o MDMA para tratar com sucesso o transtorno de estresse pós-traumático em pacientes em que as terapias convencionais não produziram efeito. Testes similares com o MDMA estão a caminho na Suíça e em Israel.

A ESTRADA À FRENTE

PARA QUE AS TERAPIAS COM USO de alucinógenos clássicos ganhem aceitação, terão de superar preocupações que emergiram com os excessos dos “psicodélicos anos 60”. Os alucinógenos podem, às vezes, induzir à ansiedade, paranoia ou pânico, que, em ambientes sem supervisão, podem produzir ferimentos acidentais ou mesmo suicídio. No estudo feito na Johns Hopkins, mesmo após cuidadosa seleção, e ao menos oito horas de preparação com um psicólogo clínico, cerca de um terço dos participantes experimentaram algum período de medo significativo e cerca de um quinto sentiram paranoia em algum momento durante a sessão. Mas no ambiente acolhedor oferecido pelo centro de pesquisas e com a constante presença de guias treinados, os participantes não demonstraram efeitos negativos duradouros.

Outros riscos potenciais dos alucinógenos incluem psicose prolongada, aflição psicológica, distúrbios na visão ou nos outros sentidos, com duração de dias ou mais. Esses efeitos, no entanto, não são muito frequentes e se mostram ainda mais raros em voluntários preparados psicologicamente. Apesar do eventual abuso na utilização dos alucinógenos clássicos (usados de forma a pôr em risco a segurança dos usuários ou de outros), eles não são tipicamente considerados drogas viciantes, porque não levam ao uso compulsivo nem produzem síndrome de abstinência. Para ajudar a minimizar as reações adversas, os pesquisadores da Johns Hopkins publicaram recentemente um conjunto de normas de segurança para a realização de estudos com altas dosagens de alucinógenos. Em função da habilidade dos pesquisadores em tratar com os riscos das drogas, sentimos que os estudos dessas substâncias devem continuar devido ao seu potencial para transformar a vida, digamos, de um paciente de câncer ou dependente químico. Se elas se mostrarem úteis no tratamento do abuso químico, ou da ansiedade existencial associada a doenças que põem a vida em risco, pesquisas posteriores poderiam ser beneficiadas. Os benefícios também podem vir da neuroimagem e de técnicas farmacológicas que não existiam nos anos 60 e que fornecem uma melhor compreensão de como essas drogas atuam.

A visualização das áreas do cérebro envolvidas nas emoções e pensamentos intensos que as pessoas têm sob a influência das drogas dará uma janela para a psicologia por trás das experiências místicas produzidas pelos alucinógenos. Pesquisas adicionais também poderão trazer abordagens não farmacológicas mais eficientes se comparadas às práticas espirituais tradicionais, como meditação ou jejum para produzir experiências místicas e mudanças comportamentais desejadas.

A compreensão sobre como as experiências místicas podem levar a atitudes benevolentes em relação a si mesmo e aos outros deve ajudar a explicar o bem documentado papel de proteção da espiritualidade no bem-estar e saúde psicológica. As experiências místicas podem originar um senso profundo e duradouro da interconexão entre pessoas e coisas – perspectiva que está por trás dos ensinamentos éticos das tradições religiosas e espirituais. Assim, uma compreensão da biologia dos alucinógenos clássicos poderia ajudar a esclarecer os mecanismos por trás do comportamento ético e cooperativo humano – conhecimento que, acreditamos, poderá vir a ser crucial para sobrevivência da nossa espécie.

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Roland R. Griffiths é professor nos departamentos de psiquiatria e neurociências da Johns Hopkins University School of Medicine. Seus principais focos de pesquisa têm sido os efeitos comportamentais e subjetivos das drogas que alteram o humor. Ele é o líder de pesquisas com a psilocibina na Johns Hopkins.

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Charles S. Grob é professor de psiquiatria e pediatria da David Geff em School of Medicine da Ucla e diretor de Divisão de Psiquiatria Infantil e Adolescente no Harbor-Ucla Medical Center. Ele conduziu testes clínicos com várias drogas alucinógenas, incluindo o uso da psilocibina no tratamento da ansiedade em pacientes com câncer.

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Agregado ao Micélio


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Curando a Dissociação – Jung

Extraído de “O Homem e seus Símbolos” – Carl G. Jung


jung2Nosso intelecto criou um novo mundo que domina a natureza, e ainda a povoou de máquinas monstruosas. Estas máquinas são tão incontestavelmente úteis que nem podemos imaginar a possibilidade de nos descartarmos delas ou de escapar à subserviência a que nos obrigam. O homem não resiste às solicitações aventurosas de sua mente científica e inventiva, nem cessa de congratular-se consigo mesmo pelas suas esplêndidas conquistas. Ao mesmo tempo, sua genialidade revela uma misteriosa tendência para inventar coisas cada vez mais perigosas, que representam instrumentos cada vez mais eficazes de suicídio coletivo.

Em vista da crescente e súbita avalancha de nascimentos, o homem já começou a buscar meios e modos de sustar esta explosão demográfica. Mas a natureza pode vir a antecipar esta tarefa, voltando contra ele as suas próprias criações. A bomba de hidrogênio, por exemplo, seria um freio seguro para este aumento de população. A despeito da nossa orgulhosa pretensão de dominar a natureza, ainda somos suas vítimas na medida em que não aprendemos nem a nos dominar a nós mesmos. De maneira lenta, mas que nos parece fatal, atraímos o desastre.

Já não existem deuses cuja ajuda possamos invocar. As grandes religiões padecem de uma crescente anemia, porque as divindades prestimosas já fugiram dos bosques, dos rios, das montanhas e dos animais e os homens-deuses desapareceram no mais profundo do nosso inconsciente. Iludimo-nos julgando que lá no inconsciente levam vida humilhante entre as relíquias do nosso passado. Nossas vidas são agora dominadas por uma deusa, a Razão, que é a nossa ilusão maior e mais trágica. É com a sua ajuda que acreditamos ter ”conquistado a natureza”.

Esta expressão é um simples slogan, pois esta pretensa conquista nos oprime com o fenômeno natural da superpopulação e ainda acrescenta aos nossos problemas uma incapacidade psicológica total para realizarmos os acordos políticos que se fazem necessários. Continuamos a achar natural que homens briguem e lutem com o objetivo de afirmar cada um a sua superioridade sobre o outro. Como pensar, então, em “conquista da natureza?”

Como toda mudança deve, forçosamente, começar em alguma parte, será o indivíduo isoladamente que terá de tentar e experimentar levá-la avante. Esta mudança só pode principiar, realmente, em um só indivíduo; poder á ser qualquer um de nós. Ninguém tem o direito de ficar olhando à sua volta, à espera de que alguma outra pessoa faça aquilo que ele mesmo não está disposto a fazer.

Mas como ninguém parece saber o que fazer, talvez valha a pena que cada um de nós se pergunte se, por acaso, o seu inconsciente conhecerá alguma coisa que nos possa ser útil a todos. A mente consciente, decididamente, parece incapaz de ajudar-nos. O homem hoje dá-se conta dolorosamente de que nem as suas grandes religiões nem as suas várias filosofias parecem capazes de fornecer-lhe aquelas idéias enérgicas e dinâmicas que lhe dariam a segurança necessária para enfrentar as atuais condições do mundo.

Sei bem o que haveriam de dizer os budistas: as coisas andariam bem se as pessoas seguissem “a nobre trilha óctupla” do Dharma (lei, doutrina) e compreendessem verdadeiramente o self (ou si-mesmo) . Já os cristãos afirmam que se as pessoas tivessem fé em Deus teríamos um mundo melhor. Os racionalistas insistem que se as pessoas fossem inteligentes e ponderadas todos os nossos problemas seriam controlados. A verdadeira dificuldade é que nenhum deles trata de resolver estes problemas pessoalmente.

Os cristãos muitas vezes perguntam por que Deus não se dirige a eles, como se acredita que fazia em tempos passados. Quando ouço este tipo de questionamento lembro-me sempre do rabi a quem perguntaram por que ninguém mais hoje em dia vê Deus, quando no passado Ele aparecia às pessoas com tanta freqüência. Resposta do rabi: ”É que hoje em dia já não mais existe gente capaz de curvar-se o bastante.”

Resposta absolutamente certa. Estamos tão fascinados e envolvidos por nossa consciência subjetiva que nos esquecemos do fato milenar de que Deus nos fala, sobretudo através de sonhos e visões. O budista despreza o mundo das fantasias inconscientes considerando-as ilusões inúteis; o cristão coloca sua Igreja e sua Bíblia entre ele próprio e o seu inconsciente; e o racionalista ainda nem sabe que a sua consciência não é o total da sua psique. Este tipo de ignorância continua a existir apesar de o inconsciente ser, há mais de 70 anos, um conceito científico básico e indispensável a qualquer investigação psicológica séria.

Não podemos mais nos permitir uma atitude de “Deus Todo -Poderoso”, elegendo-nos juizes dos méritos ou das desvantagens dos fenômenos naturais. Não baseamos nossos conhecimentos de botânica na ultrapassada classificação entre plantas úteis e inúteis, ou os de zoologia na ingênua distinção entre animais inofensivos e perigosos. Mas, complacentemente, continuamos a admitir que consciência é razão e inconsciência é contra-senso. Em qualquer outra ciência tal critério faria rir, tal a sua improcedência. Os micróbios, por exemplo, são razoáveis ou absurdos?

Seja o que for a inconsciência, sabe-se que é um fenômeno natural que produz símbolos provadamente relevantes. Não podemos esperar que alguém que nunca tenha olhado através de um microscópio seja uma autoridade em micróbios. Do mesmo modo, quem não fez um estudo sério a respeito dos símbolos naturais não pode ser considerado juiz competente do assunto. Mas a depreciação geral da alma humana é de tal extensão que nem as grandes religiões, nem as várias filosofias, nem o racionalismo científico se dispõem a um estudo mais profundo.

Apesar de a Igreja Católica admitir a ocorrência dos somnia a Deo missa (sonhos enviados por Deus), a maioria dos seus pensadores não faz um esforço sério para compreender os sonhos. Duvido que exista um tratado ou uma doutrina protestante que se humilhe a ponto de aceitar a possibilidade de a vox Dei ser percebida em algum sonho. Mas se o teólogo acredita mesmo na existência de Deus, com que autoridade pode afirmar que Deus é incapaz de nos falar através dos sonhos?

Passei mais de meio século investigando os símbolos naturais e cheguei à conclusão de que tanto os sonhos como seus símbolos não são fenômenos inconseqüentes ou desprovidos de sentido. Ao contrário, os sonhos fornecem as mais interessantes revelações a quem quiser se dar ao trabalho de entender a sua simbologia. O resultado, é bem verdade, pouco tem a ver com problemas cotidianos como vender ou comprar. Mas o sentido da vida não está de todo explicado pela nossa atividade econômica, nem os anseios mais íntimos do coração humano atendidos por uma conta bancária.

Neste período da história humana em que toda a energia disponível é dedicada ao estudo e à investigação da natureza, dedica-se pouquíssima atenção à essência do homem — a sua psique — enquanto multiplicam-se as pesquisas sobre as suas funções conscientes. No entanto, as regiões verdadeiramente complexas e desconhecidas da mente, onde são produzidos os símbolos, ainda continuam virtualmente inexploradas. E é incrível que, apesar de recebermos quase todas as noites sinais enviados por estas regiões, pareça tão tedioso decifrá-los que poucas pessoas se tenham preocupado com o assunto. O mais importante instrumento do homem, a sua psique, recebe pouca atenção e é muitas vezes tratado com desconfiança e desprezo. “É apenas psicológico” é uma expressão que significa, habitualmente: “Não é nada.”

De onde exatamente virá este imenso preconceito? Estivemos sempre tão manifestamente ocupados com o que pensamos que nos esquecemos por completo de indagar o que pensará a nosso respeito a psique inconsciente. As idéias de Sigmund Freud vieram acentuar, em muitas pessoas, o desdém existente com relação à psique. Antes dele descurava-se e ignorava-se sua existência; agora a psique tornou-se uma espécie de depósito onde se despeja tudo que a moral refuga.

Este ponto de vista moderno é, certamente, unilateral e injusto. Nosso conhecimento atual do inconsciente revela que é um fenômeno natural e, tal como a própria Natureza, pelo menos neutro. Nele encontramos todos os aspectos da natureza humana — a luz e a sombra, o belo e o feio, o bom e o mau, a profundidade e a sandice. O estudo do simbolismo individual, e do coletivo, é tarefa gigantesca e que ainda não foi vencida. Mas ao menos já existe um trabalho inicial. Os primeiros resultados são encorajadores e parecem oferecer resposta às muitas perguntas — até aqui sem nenhuma réplica — que se faz à humanidade de hoje.