Archives março 2010

Autonomia e Alienação (Atualizado, 06/04)

Autonomia e Alienação, por Cornelius Castoriadis, ” A Instituição Imaginária da Sociedade”, p.122-124.

Sentido da Autonomia.  – O Indivíduo

Se a autonomia está no âmago dos objetivos e dos caminhos do projeto revolucionário, é necessário precisar e elucidar esse termo. Tentaremos essa elucidação primeiro onde ela aparece mais fácil: a propósito do indivíduo, passando em seguida ao plano que mais interessa aqui, o plano coletivo. Tentaremos compreender o que é o indivíduo autônomo – e o que é uma sociedade autônoma ou não alienada.

Freud propunha como máxima da psicanálise “Onde era o Id, será o Ego” – “Seu objeto (dos esforços terapeuticos da psicanálise) é de reforçar o Ego (o eu consciente), de torná-lo mais independente do Superego, de ampliar seu campo de visão estendendo sua organização de tal maneira que ele possa apoderar-se de novas regiões do Id. Onde era Id será o Ego.” – Ego é aqui, numa primeira aproximação, o consciente em geral. O Id, propriamente falando, origem e lugar das pulsões (“instintos”), deve ser tomado nesse contexto como representando o inconsciente num sentido mais amplo. Ego, consciência e vontade, deve tomar o lugar da forças obscuras, que, “em mim”, dominam, agem por mim – “atuam-me” como dizia G. Groddeck. Essas forças não são simplesmente – não são tanto, voltaremos a isto mais adiante – as puras pulsões, libido ou pulsão de morte; são sua interminável, fantasiosa e fantastica alquimia, são também, e sobretudo, as forças de formação e de repressão inconscientes, o Superego e o Eu inconsciente. Uma interpretação da frase torna-se de imediato necessária. O Ego deve tomar o lugar do Id – isso não pode significar nem a supressão das pulsões, nem a eliminação ou a reabsorção do inconsciente. Trata-se de tomar de seu lugar na qualidade de instância de decisão. A autonomia seria o domínio do consciente sobre o inconsciente. Sem prejuízo da nova dimensão em profundidade revelada por Freud, este é o programa de reflexão filosófica sobre o indivíduo há vinte e cinco séculos, o pressuposto e ao mesmo tempo o resultado da ética tal como a viram Platão ou os estóicos, Spinoza ou Kant. (É em si uma imensa importância, porém não para esta discussão, que Freud proponha uma via eficaz para atingir o que permaneceu para os filósofos um “ideal” acessível em função de um saber abstrato). Se à autonomia, a legislação ou a regulação por si mesmo, opomos a heteronomia, legislação e regulação pelo outro, a autonomia é minha lei, oposta à regulação pelo inconsciente que é uma lei outra, a lei de outro que não eu.

Em que sentido podemos dizer que a regulação pelo inconsciente é a lei de um outro? De qual outro? De um outro literal, não de um “outro Eu” desconhecido, mas de um outro em mim. Como diz Jacques Lacan, “O inconsciente é o discurso do Outro”; é em grande parte, o depósito dos desígnos, dos desejos, dos investimentos, das exigências, das expectativas – significações de que o indivíduo foi o objeto, desde sua concepção, e mesmo antes, por parte dos que o engendraram e criaram. A autonomia torna-se então: meu discurso deve tomar o lugar do discurso do Outro, de um discurso estranho que está em mim e me domina: fala por mim. Esta elucidação indica de imediato a dimensão social do problema (pouco importa que o Outro de que se trata no início seja o outro “estreito”, parental; por uma série de articulações evidentes, o par parental remete, finalmente, à sociedade inteira e à sua história).

Mas qual é esse discurso do Outro não mais quanto a sua origem, mas quanto a sua qualidade? E até que ponto pode ser eliminado?

A característica essencial do discurso do Outro, do ponto de vista que aqui interessa, é sua relação com o imaginário. É que, dominado por esse discurso, o sujeito se toma por algo que não é  ( que, de qualquer maneira não é necessariamente para si próprio) e para ele os outros e o mundo inteiro sofrem uma deformação correspondente. O sujeiro não se diz, mas é dito por alguém, existe pois como parte do mundo de um outro (certamente, por sua vez, travestido). O sujeito é dominado por um imaginário vivido como mais real que o real, ainda que não sabido como tal, precisamente porque não sabido como tal. O essencial da heteronomia ou da alienação, no sentido mais amplo do termo – no nível individual, é o domínio por um imaginário autonomizado que se arrojou a função de definir para o sujeito tanto a realidade como o seu desejo. O Jogo Do Bicho é um jogo de loteria com uma história rica e um dos passatempos preferidos do Brasil. Neste jogo, os utilizadores têm a oportunidade de apostar numa variedade de animais, sendo cada animal associado a um grupo único de números. Review do caça-níquel Jogo Do Bicho https://jogodobichooficial.com .A jogabilidade foi pensada para os usuários poderem escolher até cinco animais diferentes em uma única aposta. Veja como o jogo se desenrola:

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Se quiserem depois eu posto a continuação do texto, que é bem grande.

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CONTINUAÇÃO

A “repressão das pulsões” como tal, o conflito entre o “princípio do prazer” e o “princípio da realidade”, não constituem a alienação individual que é, no fundo, o império quase ilimitado de um princípio de des – realidade. A esse respeito o conflito importante não é o que ocorre entre pulsões e realidade (se esse conflito bastasse como causa patogênica, jamais teria havido uma só resoluçõ mesmo aproximativamente normal do complexo de Édipo desde a origem dos tempos e jamais um homem e uma mulher teria andado sobre a terra). É o conflito entre pulsões e realidade, de um lado, e a elaboração imaginária no interior do sujeito, de outro lado.

O Id, nesta máxima de Freud, deve pois ser compreendido como significando essencialmente esta função do insconsciente que investe de realidade o imaginário, autonomiza-o conferindo-lhe poder de decisão – estando o conteúdo deste imaginário em relação com o discurso do Outro (“repetição”, mas também transformação amplificada desse discurso).

É pois lá onde estava essa função do inconsciente, e o discurso do Outro que fornece seu alimento, que o Ego deve advir. Isso significa que meu discurso deve tomar o lugar do discurso do Outro. Mas o que é o meu discurso? O que é um discurso que é meu?

Um discurso que é meu é um discurso que negou o discurso do outro; que o negou, não necessariamente em seu conteúdo, mas enquanto discurso do Outro; em outras palavras que, explicitando ao mesmo tempo a origem e o sentido desse discurso, negou-o ou afirmou-o com conhecimento de causa, relacionando seu sentido com o que se constitui como a verdade própria do sujeito – como minha própria verdade.

Se a máxima de Freud, nesta interpretação, fosse tomada em termos absolutos, ela proporia um objetivo inacessível. Nunca meu discurso será integralmente meu no sentido definido acima. É que evidentemente, eu não poderei jamais retomar tudo, ainda que simplesmente para ratificá-lo. É também  – e voltaremos a isto mais adiante – porque a noção de verdade prórpia do sujeito é em si mesma muito amis um problema do que uma solução.

Isso é também verdade no que se refere à relação com a função imaginária do inconsciente. Como pensar num sujeito que teria totalmente “reabsorvido” sua função imaginária, como poderíamos esgostar essa fonte no mais profundo de nós mesmos, de onde brotam ao mesmo tempo fantasias alienantes e criações livres, mas mais verdadeiras que a verdade, delírios irreais e poemas surreais, esse duplo fundo eternamente recomeçado de toda coisa, sem o qual nada teria fundo, como eliminar o que está na base de, ou pelo menos inextricavelmente ligado a, o que faz de nós homens – nossa função simbólica, que pressupõe nossa capacidade de ver e pensar em uma coisa algo que ela não é?

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Portanto, na medida em que não queremos fazer da máxima de Freud uma simples idéia reguladora definida em referência a um estado impossível – portanto uma nova mistificação – existe um outro sentido a dar-lhe. Ela deve ser compreendida como remetendo não a um estado concluído, mas a uma situação ativa; não a uma pessoa ideal que se tornaria Ego definitivamente, realizaria um discurso exclusivamente seu, jamais produziria fantasmas – mas a uma pessoa real, que não para seu movimento de retomada do que havia sido adquirido, do discurso do Outro, que é capaz de revelar seus fantasmas como fantasmas e não se deixe finalmente ser dominada por eles – a menos que assim o deseje. Não se trata aí de um simples “tender para”, é uma situação, ela é definível por características que traçam uma separação radical entre ela e o estado de heteronomia (ordem de fora, do outro, opressão). Essas características não consistem em uma “tomada de consciência” efetuada para sempre, mas sim uma outra relação entre consciente e inconsciente, entre lucidez e função imaginária, em uma outra atitude do sujeito relativamente a si mesmo, em uma modificação profunda da mistura atividade-passividade, do signo sob o qual esta se efetua, do respectivo lugar dos dois elementos que a compõem. O fato de que poderíamos completar a proposição de Freud pelo seu inverso: onde é o Ego o Id deverá surgir, mostra quão pouco se trata, em tudo isso, de uma tomada de poder pela consciência no sentido estrito. O desejo, as pulsões – quer se trate de Eros ou de Thanatos – sou eu também, e trata-se de levá-los não somente à consciência, mas à expressão e à existência. Um sujeito autônomo é aquele que sabe ter boas razões para concluir: isso é bem verdadeiro, e: isso é bem meu desejo.

A autonomia não é pois elucidação sem resíduo e eliminação total de discurso do Outro não reconhecido como tal. Ela é instauração de uma outra relação entre o discurso do Outro e o discurso do sujeito. A total eliminação do discurso do Outro não reconhecido como tal é um estado não-histórico. O peso do discurso de Outro, não reconhecido como tal, pode ser visto mesmo nos que tentaram mais radicalmente atingir o fundo da interrogação e da crítica dos pressupostos tácitos – quer seja Platão, Descartes, Kant, Marx ou o próprio Freud. Mas existem precisamente o que – como Platão ou Freud – jamais pararam nesse movimento; e existem os que pararam, e que às vezes, por isso, se alienaram em seu próprio discurso tornado outro. Existe a possibilidade permanente e permanentemente atualizável de olhar, objetivar, colocar a distância e finalmente transformar o discurso de Outro em discurso do sujeito.

Mas o que é esse sujeito? Este terceiro termo da frase de Freud que deve advir de lá onde estava o Id, certamente não é o Eu do “eu penso”. Não é o sujeito-atividade pura, sem entrave nem inércia, êste fogo-fátuo dos filósofos subjetivistas, esta flama independente de qualquer suporte, liame e alimento.

Novos Mapas do Hiperespaço – Terence McKenna

Por Terence McKenna

Palestra pronunciada a convite de Ruth e Arthur Young, do Instituto para o Estudo da Consciência, de berkeley, Califórnia, em 1984

Extraído do Livro “O Retorno à Cultura Arcaica”

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No Ulysses, de James Joyce, Stephen Dedalus nos diz: “A História é o pesadelo do qual estou tentando despertar”. Eu mudaria a frase e diria que a História é aquilo que tentamos despertar para ingressar no sonho. O sonho é escatológico. O sonho é tempo zero e fora da História. Desejamos fugir para o sonho. O desejo de fuga é a principal acusação que se faz aos que se propõem a experimentar plantas alucinógenas. Quem faz essa acusação mal poderia conceber o quanto os alucinógenos são escapistas. Escapar. Escapar do planeta, da morte, do hábito, e, se possível, do problema do Inexprimível.

Se deixarmos de lado os últimos trezentos anos de experiência histórica na Europa e na América, e examinarmos o fenômeno da morte e a doutrina da alma em todas as suas ramificações – neoplatônica, cristã, dinástica-egípcia etc. -, encontraremos repetidamente a noção de que existe um corpo leve, uma enteléquia associada de alguma forma com o corpo humano durante a vida, e que a morte acarreta uma crise na qual os dois se separam. Uma das partes perde a sua raison d´être e entra em dissolução; o metabolismo pára. A outra vai não sabemos para onde. Talvez não vá para lugar algum, se não se acredita que ela exista; mas, então, tem-se o problema de achar uma explicação para a vida. E embora a ciência alegue saber muitas coisas e tenha conseguido explicar sistemas atômicos simples, a idéia de que os cientistas possam dizer alguma coisa acerca do que é a vida e de onde ela vem é, atualmente, absurda.

A ciência nada tem a dizer acerca de como uma pessoa decide fechar a mão para agarrar um peixe, e, no entanto, isso acontece. Trata-se de algo inteiramente fora do alcance da explicação científica, porque o que vemos nesse fenômeno é o espírito como causa primária. É um exemplo de telecinésia: a mente faz a matéria mover-se. Portanto, não devemos temer o escárnio da ciência na questão do destino ou da origem da alma. Minha forma de sondar o assunto sempre foi a experiência psicodélica, mas recentemente passei a investigar sonhos, porque os sonhos são uma forma muito mais generalizada de experimentar a hiperdimensão na qual a vida e a alma parecem estar imersas.

Observando o que as pessoas com tradições xamanistas dizem a respeito dos sonhos, chega-se à conclusão de que, para elas, a realidade do sonho é, experiencialmente, um contínuo paralelo. O xamã ingressa nesse contínuo através de alucinógenos e de certas outras técnicas, mas o meio mais eficaz são os alucinógenos. No caso de todos os outros, esse ingresso é feito através do sonho. Para Freud, os sonhos eram os “resíduos do dia”, e a pessoa poderia encontrar a origem do conteúdo do sonho na distorção de algo que houvesse acontecido durante o estado de vigília.

Meu argumento é que é muito mais útil tentar construir uma espécie de  modelo geométrico da consciência, encarar seriamente a idéia de um contínuo paralelo, e dizer que a mente e o corpo estão imersos no sonho e que este é uma ordem superior de dimensão espacial. Durante o sono, a pessoa se transfere para o mundo real, do qual o mundo da vigília é apenas a superfície no sentido geométrico literal. Existe um plenum – e certas experiências recentes de física quântica tendem a confirmá-lo -, um plenum holográfico de informação. Toda informação está em toda parte. A informação que não estiver ali não estará em parte alguma. A informação situa-se fora do tempo histórico, em uma espécie de eternidade – uma eternidade que não tem existência temporal, nem mesmo o tipo de existência temporal da qual se poderia dizer “Sempre existiu”. Não possui qualquer tipo de duração temporal. É eternidade. Nós não somos fundamentalmente biológicos, dotados de uma alma que surge como uma espécie de iridescência, uma espécie de epifenômeno nos níveis mais elevados de organização da biologia. Somos objetos hiperespaciais de algum tipo, que projetam sua sombra sobre a matéria. A sombra na matéria é o nosso organismo físico.

Na morte, o objeto que projeta a sombra se retira; o metabolismo cessa. A forma material entra em colapso; deixa de ser uma estrutura dissipativa em uma área muito localizada, sustentada contra a entropia pelo processamento de matéria que entra, extraindo energia e eliminando rejeitos. Mas a forma que ordenou tudo isso não é afetada. Essas afirmações são feitas do ponto de vista da tradição xamanista, que tem a ver com todas as religiões superiores. Tanto o estado do sonho psicodélico como o estado do despertar psicodélico adquirem grande importância, pois revelam uma tarefa para a vida: familiarizar-nos com essa dimensão que causa a existência, para que estejamos familiarizados com ela no momento em que morremos.

Várias tradições valem-se da metáfora do veículo – um veículo para após a morte, um corpo astral. O xamanismo e certas iogas, inclusive a ioga taoísta, afirmam claramente que a finalidade da vida é familiarizar-nos com esse corpo que iremos ter depois da morte, para que o ato de morrer não traga confusão à nossa psique. A pessoa reconhecerá o que está acontecendo. Saberá o que fazer e poderá separar-se ordeiramente. Contudo, parece haver a possibilidade de um problema no ato de morrer. Não é o caso de ser condenado à vida eterna. A pessoa pode confundir-se por ignorância.

Aparentemente há, no momento da morte, uma espécie de separação, como no nascimento – a metáfora é trivial, mas perfeita. Há a possibilidade de dano ou de atividade incorreta. William Blake, poeta e místico inglês, dizia que, à medida que se começa a subir a espiral, há a possibilidade de se cair da trilha dourada para a morte eterna. Contudo, é apenas a crise de um momento – uma crise de transição -, e toda a finalidade do xamanismo e da vida corretamente vivida é fortalecer a alma e reforçar a relação entre o ego e a alma, para que essa transição possa ser feita ordenadamente. Essa é a posição tradicional.

Desejo incluir um abismo nesse modelo – um abismo menos conhecido dos racionalistas, porém familiar a todos nós, a um nível psíquico mais profundo, como herdeiros da cultura judeu-cristã. Trata-se da idéia de que o mundo vai acabar, que haverá um tempo final, que existe não só a crise da morte do indivíduo, mas também a crise da morte na história da espécie.

Aparentemente, trata-se de que, desde o tempo da conscientização da existência da alma até a resolução do potencial apocalíptico, decorrem aproximadamente cem mil anos. Do ponto de vista biológico, isso representa apenas um momento, mas é dez vezes mais do que toda a duração da História. Durante esse período, tudo é incerto, pois há uma corrida louca desde o hominídeo até o vôo espacial. No pulo por sobre esses cem mil anos, há dispersão de energia, religiões se ascendem como centelhas, filosofias nascem e morrem, surgem a ciência e a magia, como também surgem todos os interesses que controlam o poder com maior ou menor grau de respeito à ética. E há a onipresente possibilidade de que a transformação da espécie em uma enteléquia hiperespacial venha a abortar.

Estamos hoje, sem sombra de dúvida, nos segundos históricos finais dessa crise – crise que envolve o fim da História, nossa partida do planeta, o triunfo sobre a morte, e a libertação dos indivíduos em relação ao corpo. Estamos, de fato, nos aproximando do mais profundo evento com o qual uma ecologia planetária pode se deparar – o momento em que a vida se liberta da sombria crisálida da matéria. A velha metáfora da psique como lagarta que se transforma por metamorfose é uma analogia que se aplica a toda a nossa espécie. Temos de passar por uma metamorfose a fim de sobreviver ao ímpeto de forças históricas que já foram deflagradas.

Os biólogos evolucionistas consideram que os humanos são uma espécie que cessou de evoluir. Em algum momento, nos últimos cinqüenta mil anos, com a invenção da cultura, a evolução biológica dos seres humanos cessou e a evolução tornou-se um fenômeno epigenético e cultural. Os instrumentos, as línguas e as filosofias passaram a evoluir, mas o tipo somático humano permaneceu o mesmo. Somos, fisicamente, muito semelhantes a indivíduos que viveram em um passado distante. A tecnologia, porém, é a verdadeira pele da nossa espécie. A humanidade, encarada corretamente no contexto dos últimos quinhentos anos, é um agente extrusivo de material tecnológico. Tomamos matéria com baixo grau de organização, fazemo-la passar por nossos filtros mentais e expelimos em formas de jóias, escrituras sagradas e ônibus espaciais. É isso o que fazemos. Somos como corais incrustados em um recife tecnológico de objetos psíquicos extrudados. Toda a nossa fabricação de instrumentos implica a nossa fé em um instrumento supremo. Esse instrumento é o disco voador ou a alma exteriorizada no espaço tridimensional. O corpo pode tornar-se um objeto holográfico interiorizado, inserido em uma matriz tridimensional, em estado sólido, que é eterna, de modo que todos passamos a viver em um verdadeiro Elísio.

Espécie de paraíso muçulmano, esse Elísio permite-nos gozar de todos os prazeres da carne, contanto que saibamos que somos uma projeção holográfica de uma matriz em estado sólido, microminiaturizada e supercondutora, a qual não se encontra em lugar algum: é parte do plenum. A finalidade de toda a história tecnológica é produzir protótipos dessa situação, cada vez mais próximos do ideal, de modo que os aviões, os automóveis,os ônibus espaciais, as colônias espaciais, as naves interestelares, feitas de parafusos e porcas e capazes de viajar à velocidade da luz, são, como disse Mircea Eliade, “imagens de vôo que se autotransformam e que nos dizem muito a respeito das aspirações humanas de autotranscendência”.

Nosso desejo, nossa salvação e nossa única esperança é pôr fim à crise história, transformando-nos no alienígena, pondo fim à alienação, reconhecendo o alienígena como o Eu – de fato, reconhecendo o alienígena como a Supermente que conserva intatas todas as leis físicas do planeta, da mesma forma que conservamos intata uma idéia em nosso pensamento. Os dados que julgamos indelevelmente a para sempre escritos são, na verdade, apenas estados de ânimo da Deusa, da qual somos o reflexo. Todo o significado da história humana reside em recuperar essas informações perdidas, para que o homem possa ser dirigível ou, parafraseando Joyce em Finnegans Wake, ao referir-se a Moicane, a zona de prostituição de Dublin: “Aqui em Moicane, se caímos na calçada, logo nos levantamos, reunimos as nossas forças e batemos as asas. De modo que, se você quiser renascer, venha sentar-se conosco.”. Como se vê, é muito simples, mas é preciso coragem para permanecer-se sentado quando a Morte se aproxima – a Morte que Joyce chama de “benção disfarçada”.

O que os alucinógenos encorajam – e aquilo que espero venha a merecer atenção assim que os alucinógenos sejam integrados à nossa cultura ao ponto em que grandes grupos de pessoas possam planejar programas de pesquisa sem receio de perseguição – é um modelo do estudo que se segue à morte. Os alucinógenos podem fazer mais do que modelar esse estado; podem revelar a sua natureza. Podem mostrar-nos que é possível alterar as modalidades de aparência e conhecimento de modo a permitir que vejamos a nossa mente no contexto da Mente Única. A Mente Única contém todas as experiências do Desconhecido. Não há qualquer dicotomia entre o universo newtoniano, que se estende através de anos-luz de espaço tridimensional, e o universo mental interior. Ambos são reflexos da mesma coisa.

Se percebemos esses dois universos como dualismos irredutíveis, isso se deve a má qualidade do código que costumamos usar. A linguagem que empregamos para discutir esse problema tem dualismos inerentes. Trata-se de um problema de linguagem. Todos os códigos tem as suas qualidades relativas, exceto o Logos. O Logos é perfeito e, portanto, não compartilha das qualidades de nenhum outro. Uso aqui o termo Logos no sentido em que esse termo é utilizado por Fílon, o Judeu – o de Razão Divina que abrange o complexo arquetípico de ideais platônicos que servem de modelo à criação. Quando não usamos o Logos para traçar os nossos mapas, temos problemas de qualidade de código. O dualismo inerente a nossa linguagem faz com que a morte da espécie e a morte do indivíduo pareçam dois conceitos opostos.

Da mesma forma, há uma dicotomia entre os cenários criados pela biologia, a partir do exame do universo físico, e os mundos de anjos e demônios aos quais a psicologia se refere. A experiência psicodélica atua no sentido de resolver essa dicotomia. Para irmos além de um conhecimento acadêmico das plantas alucinógenas, basta-nos experimentar o êxtase induzido pela triptamina. A molécula de dimetiltriptamina (DMT) tem a singular propriedade de libertar o ego estruturado para que este se reúna ao Superego. Todos os que tiveram essa experiência passaram por um mini-apocalipse, um mini-ingresso e mapeamento do hiperespaço. Para que a sociedade volte a sua atenção nesse sentido, basta que essa experiência se torne objeto do interesse geral.

Não quero dizer com isso que todos devam fazer experiências com cogumelos ou outras fontes de triptaminas psiquicamente ativas que ocorrem na natureza. Devemos procurar assimilar e integrar a experiência psicodélica, uma vez que se trata de um plano experiencial ao qual todos temos acesso direto. O papel que iremos desempenhar em nossa relação com ele determina como iremos nos apresentar naquela anunciada transformação final. Em outras palavras, há nessa noção uma espécie de preconceito teológico; há a crença que existe um hiperobjeto chamado Supermente, ou Deus, que projeta uma sombra no tempo. A História é a nossa experiência grupal dessa sombra. À medida que nos aproximamos cada vez mais da fonte da sombra, os paradoxos aumentam, aumenta o coeficiente de mudança. O que acontece é que o hiperobjeto começa a ingressar no espaço tridimensional.

Uma forma de conceber isso é supor que o mundo da vigília e o mundo do sonho passam a fundir-se, de modo que, até certo ponto, aqueles críticos do OVNI que afirmam que os discos voadores são alucinações estão corretos, no sentido de que as leis que regem o sonho, as leis que regem o hiperespaço, podem as vezes funcionar no espaço tridimensional, quando a barreira entre as duas realidades se dissipa. Nesse caso, a pessoa tem experiências curiosas, as vezes chamadas de falhas psicóticas, as quais sempre exercem tremendo impacto sobre o paciente, uma vez que parece haver um componente externo que absolutamente não pode ser subjetivo. Nessas ocasiões, as coincidências começam a se acumular, até que a pessoa finalmente admite não saber o que está acontecendo. Contudo, é absurdo afirmar que se trata de um fenômenos psicológico, pois o fenômenos é acompanhado de mudanças no mundo exterior. Jung deu a isso o nome de “sincronicidade” e construiu o seu modelo psicológico, mas o que realmente sucede é que uma física alternativa começa a intervir com a realidade local.

Essa física alternativa é uma física da luz. A luz é feita de fótons, e os fótons não possuem antipartículas. Isso significa que não existem dualismos no mundo da luz. As convenções da relatividade dizem que o tempo se atrasa à medida que nos aproximamos da velocidade da luz; mas, se tentarmos imaginar o ponto de vista de uma coisa feita de luz, temos de reconhecer que o que nunca se diz é que, se viajarmos à velocidade da luz, o tempo deixa de existir. Experimentamos o tempo zero. Portanto, se imaginarmos por um instante que somos feitos de luz, ou que estamos de posse de um veículo capaz de mover-se à velocidade da luz, podemos ir de um a qualquer ponto do universo com uma experiência subjetiva de tempo zero. Ou seja, iremos à Alfa Centauro no tempo zero, enquanto o tempo ocorrido no universo relativista é de quatro anos e meio. Mesmo que atravessemos distâncias muito grandes, se viajarmos ao longo de 250 mil anos-luz até Andrômeda, continuaremos a ter a experiência subjetiva de tempo zero.

A única experiência do tempo que podemos ter é a de um tempo subjetivo, criado por nossos próprios processos mentais; em relação ao universo newtoniano, o tempo não existe. Passamos a existir na eternidade, tornamo-nos eternos; em tal situação, o universo envelhece a uma velocidade espantosa à nossa volta, mas isso é percebido como um fato do universo – da mesma forma que percebemos a física newtoniana como um fato deste universo. A pessoa passa para a modalidade eterna; separa-se da imagem transitória; existe na perfeição da eternidade.

Acredito que é nessa direção que estamos sendo levados pela tecnologia. Não há contradição entre equilíbrio ecológico e migração espacial, entre hipertecnologia e ecologia radical. Todas essas questões são especulativas; a única entidade histórica que está se tornando iminente é a alma humana. O corpo do primata serviu para trazer-nos a este momento de liberação, e sempre servirá de foco de nossa auto-imagem, mas estamos passando a existir cada vez mais em um mundo feito de imaginação humana. É isto o que se tem em mente quando se fala do retorno ao Pai, a transcendência da physis, a libertação da prisão gnóstica universal, uma prisão de ferro que detém a luz: nada menos que a transformação da nossa espécie.

Dentro de muito pouco tempo haverá uma aceleração desse fenômeno sob a  forma de exploração espacial e colônias espaciais. O animal chamado Homem, semelhante a um recife de coral, que vem extrudando tecnologia sobre a superfície do planeta, será libertado de todas as limitações, exceto das limitações dos materiais e da imaginação. Já se sugeriu que as primeiras colônias espaciais devem incluir um esforço de duplicar, como ideal, o idílico ecossistema do Havaí. Esses exercícios de conhecimento ecológico demonstrarão que sabemos o que estamos fazendo. Contudo, assim que esses conhecimentos estiverem sob controle, passaremos ao domínio da arte. É isso o que sempre buscamos. Construiremos o nosso mundo – todos os nossos mundos -, e o mundo de onde viemos será mantido como um jardim. O que Eliade discutiu como metáforas de autotransformação através do vôo será realizado brevemente na tecnologia da colonização do espaço.

A transição da Terra para o espaço constituirá um filtro genético tremendamente rigoroso, mais rigoroso que qualquer fronteira jamais o foi no passado, inclusive o filtro genético e demográfico representado pela colonização do Novo Mundo. Já se disse que a vitalidade das Américas se deve ao fato de que somente os sonhadores, pioneiros e fanáticos cruzaram o oceano. Isto se aplicará ainda mais a transição para o espaço. A conquista tecnológica do espaço criará as condições iniciais; em seguida, para a internalização dessa metáfora, trará a conquista do espaço interior e o colapso dos vetores de estado associados a essa tecnologia no espaço newtoniano. Nesse ponto, a espécie humana ter-se-á tornado mais do que dirigível.

Uma tecnologia que interiorize o corpo e exteriorize a alma se desenvolverá paralelamente à transição para o espaço. The Invisible Landscape, livro que o meu irmão e eu escrevemos, faz um esforço no sentido de abreviar essa cronologia e, de certa forma, forçar o resultado. O livro é a história, ou melhor, as bases intelectuais da história de uma expedição à Amazônia que o meu irmão, eu e várias outras pessoas empreendemos em 1971. Durante essa expedição, o meu irmão formulou uma idéia que incluía o uso de harmina e harmalina, compostos que ocorrem no Banisteriopsis caapi, a vinha silvestre que é a base do Ayahuasca. Procuramos usar harmina em conjunto com a voz humana no que chamamos “experiência de La Chorrera”. Tratava-se de um esforço de carregar, através do som, a estrutura das moléculas de harmina que se metabolizavam no organismo, de tal forma que elas formassem ligações, preferencial e permanentemente, com estruturas moleculares endógenas.

Nosso candidato na ocasião era o DNA neural, embora Frank Barr, que vinha pesquisando as propriedades da melanina cerebral, me houvesse convencido de que há igual possibilidade que a harmina atuasse ligando-se a corpos de melanina. Em ambos os casos a farmacologia acarreta ligações com um local de armazenamento, de informações, sendo estas, em seguida, transmitidas de tal forma que a pessoa passa a ter uma leitura mental da estrutura da alma. Nossa experiência foi um esforço no sentido de usar um tipo de tecnologia xamanista para, por assim dizer, colocar um sino no pescoço do gato, pendurar um dispositivo telemétrico supercondutor na Supermente para que houvesse uma leitura contínua de informações a partir daquela dimensão. Deixo a quem assim o deseja julgar o sucesso ou fracasso dessa tentativa.

A primeira parte do livro descreve as bases teóricas da experiência. A segunda descreve a teoria da estrutura do tempo que resultou dos bizarros estados mentais que se seguiram a experiência. Não afirmo que tenhamos tido êxito, apenas que a nossa teoria quanto ao que aconteceu é mais plausível que qualquer teoria proposta pelos críticos. Quer tenhamos tido êxito ou não, esse tipo de raciocínio nos aponta o caminho a seguir. Por exemplo, quando falo da tecnologia da construção de espaçonaves, imagino que esta será obtida com voltagens bem inferiores à voltagem de uma lanterna comum de pilhas. Afinal, é nesse nível que ocorrem os fenômenos mais interessantes da natureza, como o pensamento e o metabolismo. O pensamento e o metabolismo são fenômenos desse tipo.

Uma nova ciência que coloque a experiência psicodélica no centro de seu programa de pesquisas deve buscar a realização prática desse objetivo – o objetivo de eliminar a bareira entre o ego e o Superego, para que o ego possa ver-se como uma expressão do Superego. Assim, a ansiedade de encarar uma tremenda crise biológica como as crises do ecossistema, bem como a crise da limitação do espaço físico que a nossa situação terrena nos força a atravessar, poderá ser evitada através do cultivo da alma e da prática de um novo xamanismo que use plantas contendo triptaminas.

A psilocibina é, desses compostos, o mais facilmente encontrado e o mais experimentalmente acessível. Portanto, o apelo que faço aos cientistas, administradores e políticos que venham ler as minhas palavras é este: voltem a examinar a psilocibina. Não a confundam com os outros alucinógenos, compreendam que ela é um fenômeno por si mesma, com enorme potencial de transformar os seres humanos – e não somente transformar as pessoas que ingerem, mas transformar a sociedade, tal como um movimento artístico, um novo conhecimento matemático ou um progresso científico transforma a sociedade. A psilocibina tem a possibilidade de transformar espécies inteiras, simplesmente em virtude das informações que transmite. É uma fonte de gnose, e a voz da gnose foi silenciada na mente ocidental há pelo menos mil anos.

Quando os franciscanos e dominicanos chegaram ao México, no século XVI, trataram imediatamente de eliminar a religião do cogumelo ao qual os índios davam o nome de teonanacatl, ”a carne dos deuses”. A religião católica detinha o monopólio da teofagia, e não viu com bons olhos aquela maneira de abordar o assunto. Hoje, quatrocentos anos após esse contato inicial, acredito que Eros, que se retirou da Europa com o advento do cristianismo, refugiou-se na Sierra Mazateca. Finalmente, após sua reclusão nas montanhas, reemerge agora na consciência ocidental.

Nossas instituições, nossas epistemologias estão falidas e exauridas; temos de recomeçar de novo e esperar que, com a ajuda de personalidades inspiradas no xamanismo, possamos cultivar mais uma vez esse antigo mistério. O Logos pode ser liberado; a voz que falou a Platão, Parmênides e Heráclito pode voltar a falar na mente do homem moderno. Quando o fizer, a alienação terminará, porque passaremos a ser o alienígena. Essa é a promessa que se nos apresenta; para alguns, pode parecer uma visão de pesadelo, mas todas as mudanças históricas de imensa magnitude trazem consigo uma carga emocional. Lançam a humanidade em um mundo completamente novo.

Acredito que essa tarefa tem de ser realizada através do uso de alucinógenos. Sempre se acreditou que existem muitos caminhos para o progresso espiritual. Nesse particular, valho-me de minha experiência pessoal. Nenhuma outra técnica me trouxe bons resultados. Passei algum tempo na Índia, pratiquei ioga, visitei vários rishis roshis, geysheys e gurus que existem na Ásia, e acredito que eles devem estar falando de algo tão pálido, tão distanciado do contato o pleno êxtase das triptaminas, que realmente não sei o que pensar deles e das vagas revelações que fazem.

O tantrismo alega ser outro caminho nessa direção. Tantra significa “o caminho mais curto” e certamente pode estar no rumo certo. A sexualidade, o orgasmo, essas coisas possuem qualidades semelhantes às das triptaminas, mas a diferença entre a psilocibina e todos os outros alucinógenos é a informação – enormes quantidades de informação.

O LSD me pareceu ter muito a ver com a estrutura da personalidade. As visões que ele proporciona me pareciam, muitas vezes, ser meramente geométricas, a não ser que fosse sinergizadas por outro composto. A clássica experiência psicodélica relatada por Aldous Huxley foi feita com 200 microgramas de LSD e e 30 miligramas de mescalina. Essa combinação produz uma experiência visual, não uma experiência de alucinações. Em minha opinião, a qualidade especial da psilocibina é que ela revela não luzes coloridas ou configurações móveis, mas lugares – selvas, cidades, máquinas, livros, formas arquitetônicas de incrível complexidade. Não há qualquer possibilidade de confundir tais coisas com qualquer tipo de “estática” neurológica. Trata-se, de fato, da informação visual mais altamente organizada que se pode receber, muito mais altamente organizada que a visão normal do estado de vigília.

E por isto que é muito difícil a quem experimenta um composto alucinógeno trazer de volta informações. É muito difícil transformar essas informações em linguagem; é como tentar fazer uma reprodução tridimensional de um objeto quadrimensional. Somente através da visão pode-se perceber a verdadeira modalidade desse Logos. Por isso é tão interessante o fato de a psilocibina e o ayahuasca – a poção aborígene que contém triptamina – produzirem telepatia e um estado de espírito do qual várias pessoas podem compartilhar. A resultante alucinação em grupo é compartilhada em completo silêncio. É difícil provar isso a um cientista; mas, se várias pessoas participarem desse tipo de experiência, uma delas pode começar a descrever a visão, interromper-se, e outra retomar a descrição. Todos vêem a mesma coisa! É o fato de ser informação visual complexa que faz do Logos uma visão cuja verdade não se pode descrever.

Mas as informações assim transmitidas não se limitam a modalidade visual. O Logos é capaz de passar de algo que se ouve para algo que se vê, sem qualquer transição perceptível. Isso parece uma impossibilidade lógica; no entanto quanto realmente se tem tal experiência, a pessoa vê – ah-ah! –, é como se o pensamento que a pessoa ouve se transformasse em algo que se vê. O pensamento que a pessoa ouve torna-se cada vez mais intenso, até que, finalmente, sua intensidade é tão grande que, sem transição, a pessoa passa a vê-lo em seu espaço visual e tridimensional. A própria pessoa comanda o fenômeno. Isso é muito típico da psilocibina.

Naturalmente, sempre que introduz algum composto no organismo, a pessoa deve ter cuidado e estar bem informada acerca de possíveis efeitos colaterais. Os pesquisadores profissionais da experiência psicodélica têm conhecimento desses fatores e reconhecem abertamente a importância fundamental de se estar bem informado.

Quanto a mim posso dizer que não abuso dos alucinógenos. Levo muito tempo para assimilar cada experiência visionária. Nunca perco o meu respeito por essas dimensões. O medo é uma das emoções que sinto sempre que vou fazer uma experiência. Trabalhar com um alucinógeno é como navegar em um mar escuro em um pequeno barco. Pode-se ver a lua subindo serenamente por sobre a água escura e calma, ou algo do tamanho de um trem de carga pode passar rugindo, fazer virar o barco e deixar a pessoa na água, agarrada ao remo.

O diálogo com o Desconhecido é o que faz valer a pena repetir essas experiências. O cogumelo nos fala quando falamos com ele. Na introdução do livro que o meu irmão e eu escrevemos (e assinamos com pseudônimos), intitulado Psilocybin: The Magic Mushroom Grower’s Guide há um monólogo de um cogumelo que começa assim: “Sou velho, cinqüenta vezes mais velho que o pensamento é para a espécie a que você pertence, e vim das estrelas.” Palavras textuais: eu vinha anotando tudo furiosamente. Às vezes ele é muito humano. Minha atitude com ele é hassídica. Esbravejo com ele e ele esbraveja comigo. Discutimos quanto ao que vai ou não vai revelar. Digo: “Eu sou um disseminador, você não pode se negar a me dizer coisas.” E ele responde: “Mas se eu lhe mostrasse o disco voador durante cinco minutos, você ficaria sabendo como ele funciona.” E eu digo: “Pois então me mostre.” O cogumelo se manifesta de várias maneiras. Às vezes é como a Dorothy de O Mágico de Oz; outras vezes é como um agiota muito talmúdico. Certa vez perguntei: “O que está fazendo na Terra?” E ele respondeu: “Quando se é um cogumelo, não custa nada ir para onde se quer. Além do mais, isto aqui era um lugar bastante bom até que os macacos escaparam ao controle.”

“Macacos que escaparam ao controle”: é assim que o cogumelo vê a história humana. Para nós, a história é bem diferente: é a onda de choque da escatologia. Em outras palavras, vivemos um momento muito especial de dez ou vinte mil anos de duração, no qual uma enorme transição está ocorrendo. O objeto que há no fim da História e além da História é a espécie humana em união tântrica e eterna com a Supermente/OVNI supercondutora. É esse o mistério cuja sombra se projeta de volta no tempo. Todas as religiões, todas as filosofias, todas as guerras, todos os extermínios e perseguições acontecem porque as pessoas não recebem adequadamente a mensagem. Há, ao mesmo tempo, a progressiva casuística do ser (determinismo causal) e o padrão de interferência que se lhe contrapõe a existência desse hiperobjeto escatológico que lança a sua sombra através da paisagem to tempo. Nós existimos, mas há muita interferência. Essa situação chamada História é totalmente singular; irá durar somente um momento; começou há apenas um instante. Nesse instante, há uma tremenda explosão de estática quando o macaco atinge a divindade, quando o objeto escatológico final mitiga e transforma o fluxo da circunstância entrópica.

A vida é fundamental para o processo de organização da matéria. Rejeito a idéia de que tenhamos enveredado por um desvio chamado existência orgânica, que o nosso verdadeiro lugar é a eternidade. Essa modalidade de existência é parte importante do ciclo. É um filtro. Há a possibilidade de extinção, a possibilidade de cair para sempre na physis, e, nesse sentido, a metáfora da queda é válida. Há uma obrigação espiritual, uma tarefa a ser cumprida. Mas não é algo tão simples quanto seguir um conjunto de regras ditado por outra pessoa. O empreendimento noético é uma das obrigações primárias da existência. Dele depende nossa salvação. Nem todos precisam ler livros de alquimia ou estudar moléculas supercondutoras para fazer a transição. A maioria das pessoas consegue fazê-la ingenuamente, raciocinando com clareza sobre o presente, mas nós, intelectuais, estamos presos a um mundo onde há informações em demasia. Perdemos a inocência. Não podemos esperar atravessar a ponte estreita mediante um bom ato de contrição; isso não será suficiente.

Precisamos compreender. O Whitehead disse: “O conhecimento é a percepção de um padrão como tal.” Temer a morte é não compreender a vida. A atividade cognitiva é o fato definidor da humanidade. Linguagem, pensamento, análise, arte, dança, poesia, invenção de mitos – estas são as coisas que apontam na direção do éscathos. Nós, humanos, podemos entrar em um reino de pura auto-engenharia. A imaginação é tudo. Foi isso o que Blake percebeu. É de lá que viemos. É para lá que estamos indo. E só podemos chegar lá através da atividade cognitiva.

O tempo é a noção que reforça noções como esta, pois elas implicam um novo conceito de tempo. Durante a experiência de La Chorrera, o Logos demonstrou que o tempo não é simplesmente um meio homogêneo no qual as coisas ocorrem, e sim uma densidade flutuante de probabilidade. Embora a ciência possa, às vezes, nos dizer o que pode e o que não pode acontecer, não temos uma teoria que explique porque, de tudo o que poderia acontecer, certas coisas passam pelo que Whitehead chama de “a formalidade de realmente ocorrer”. Foi isto o que o Logos tentou explicar, o motivo pelo qual, de toda uma miríade de coisas que podiam acontecer, certas coisas passam pela formalidade de ocorrer. É porque existe uma hierarquia modular de ondas de condicionamento temporal, de densidade temporal. Determinado evento, considerado altamente improvável, é mais provável em certos momentos do que em outros.

Tomando essa simples percepção e guiado pelo Logos, pude construir um modelo fractal do tempo, passível de ser programado em computador e produzir um mapa da introdução do que chamo “novidade” – a introdução da novidade no tempo. Como norma geral, a novidade está obviamente aumentando. Vem aumentando desde o começo do universo. Imediatamente após o “Big Bang”, havia somente a possibilidade de interação nuclear; depois, quando as temperaturas caíram abaixo do ponto da resistência do núcleo, tornou-se possível a formação de sistemas atômicos. Mais tarde ainda, à medida que as temperaturas continuaram a cair, surgiram os sistemas moleculares. E, muito mais tarde, a vida se tornou possível: surgiram formas muito complexas de vida, o pensamento se tornou possível, a cultura foi inventada. Inventaram-se a imprensa e a transferência eletrônica de informações.

O que está acontecendo em nosso mundo é uma invasão de novidades, na direção daquilo que Whitehead chamava de “concrescência”, uma espiral que vai afunilando cada vez mais. Tudo flui e se une. A lapis autopoetica, a pedra alquímica que está no fim do tempo, coalesce quando tudo flui e se une. Quando as leis da física são neutralizadas, o universo desaparece, e o que resta é o plenum fortemente unido, a mônada, capaz de se expressar por si mesma, em vez de apenas lançar a sua sombra na physis como reflexo de si própria. Neste ponto, eu me aproximo muito do pensamento clássico milenário e apocalíptico em minha noção da rapidez com que as mudanças vão se acelerando. Pela forma como a espiral vai se estreitando, prevejo que a concrescência se dará em breve – por volta do ano 2012 d.C. Será o ingresso de nossa espécie no hiperespaço, mas parecerá ser o fim das leis da física, acompanhado pela liberação da mente, que passará a existir na imaginação.

Todas essas imagens – a nave espacial, a colônia espacial, a lapis – são imagens percursoras. Seguem-se naturalmente da idéia de que a História é a onda de choque da escatologia. À medida que nos aproximamos do objeto escatológico, os reflexos que ele lança, mais se assemelham ao próprio objeto. No último instante, o Inefável é revelado. Não há mais reflexos do Mistério. O Mistério é visto em toda a sua nudez, e nada mais existe. Mas o que ele é, mal podemos supor; não obstante, o prazer máximo do futurismo é tentar adivinhá-lo.

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Retirado do Livro “O Retorno à Cultura Arcaica” (Terence Mckenna)


 

Tornar-se o Que Se É (Becoming What We Are)

Traduzido do original em http://www.deepleafproductions.com/wilsonlibrary/texts/raw-become.html

Tornar-se o Que Se É (Becoming What We Are)

por Robert Anton Wilson

Se você passear por um grande museu de arte, perceberá que Van Gogh não pinta o mesmo mundo de Rembrandt, Picasso não vê as coisas do mesmo modo que Goya, Georgia O’Keefe não lembra muito Rivera, Salvador Dali não se parece com ninguém que não seja ele mesmo, e em geral, nenhum artista de renome mundial se tornou um “clássico” fazendo o que alguém já tinha feito sequer o que todo mundo em sua época fazia.

E na ciência, os nomes de Einstein, Dirac, os Curies, Bohr, Heisenberg, Schroedinger, John Bell etc. vivem até hoje porque nenhum deles via Newton como um dogma religioso: todos eles fizeram únicas e imprevisíveis inovações na teoria básica.

E, no caso de você achar que isso só se aplica às “artes e ciências”, considere as pessoas de maior sucesso na indústria. Henry Ford não ficou rico copiando o barco a vapor de Fulton; ele fez um carro tão barato que qualquer pessoa podia comprar um. Howard Hughes produziu filmes que ninguém mais ousaria tentar, e então passou a revolucionar a indústria aérea. Buckminster Fuller não copiou a forma cúbica de arquitetos anteriores, mas inventou a cúpula geodésica; Na última contagem, existiam mais de 3OO.OOO de seus edifícios, o que o tornou o arquiteto mais visivelmente bem sucedido na história. Steve Wozniak não copiou os computadores da sua época, e sim inventou um, que mesmo um completo idiota (como eu) podia usar (e até se divertir!) Bill Gates criou novos tipos de software. Etc.

Todos nós precisamos da constante reiteração destes truísmos porque vivemos em um mundo onde uma multiplicidade de forças muito poderosas têm trabalhado sobre nós. Do nascimento, passando pela escola até o trabalho, tentam suprimir nossa individualidade, nossa criatividade e, acima de tudo, nossa curiosidade – em suma, destruir tudo que nos encoraja a pensar por nós mesmos.

Nossos pais queriam que nós agíssemos como as outras crianças da vizinhança; eles enfaticamente não queriam um menino ou uma menina que parecessem “estranhos” ou “diferentes” ou (que deus nos ajude) “condenavelmente espertos demais.”

Então entramos na escola, um destino pior que a morte e o inferno combinados. Ao aterrissarmos em uma escola pública ou uma escola religiosa paga, aprendemos duas lições básicas: 1) Existe uma resposta correta para qualquer questão; e 2) A educação consiste em memorizar essa única resposta correta e regurgitá-la nas “provas”.

As mesmas táticas continuam pelo ensino médio e, salvo em algumas ciências, até a universidade.

Através desta “educação” encontramos a nós mesmos bombardeados pela religião organizada. A maioria das religiões, no ocidente, também nos ensina a “única resposta correta”, a qual devemos aceitar com uma fé cega; pior ainda, tentam nos aterrorizar com ameaças de sermos assados após a morte, tostando e fervendo no inferno se alguma vez ousarmos pensar por nós mesmos, de fato.

Depois de 18 a 30+ anos de tudo isso, entramos no mercado de trabalho, e aprendemos a nos tornar, ou a tentar nos tornar, quase surdos, mudos e cegos. Devemos sempre dizer aos nossos “superiores” o que eles querem ouvir, o que veste seus preconceitos e/ou seus desejos fantasiosos. Se notarmos aquilo que eles não queriam saber sobre, aprendemos a manter nossas bocas fechadas. Se não-

“Mais uma palavra, Bumstead, e você está despedido!”

Como o meu Mahatma guru J.R. “Bob” Dobbs diz, “Você sabe o quanto um cara da média é inexpressivo? Bem, matematicamente, por definição, metade deles são ainda mais inexpressivos que isso.”

“Bob” pode ter confundido ‘da média’ com ‘mediano’, mas de certa forma ele acertou na mosca. Metade das pessoas que você conhece parece, de fato mais inexpressiva que uma caixa de pedras; mas elas não começaram assim. Pais, senhores, escolas, igrejas, anunciantes e empregos as transformaram nisso. Cada bebê ao nascer tem um incansável temperamento curioso e experimental. Leva o primeiro terço de nossas vidas para destruir essa curiosidade e experimentalismo; e na maioria dos casos, nos tornamos uma parte plácida de um rebanho dócil.

Este rebanho humano começou com gênios em potencial, antes que a conspiração tácita da conformidade social enferrujasse seus cérebros. Todos eles podem se redimir dessa liberdade perdida, se trabalharem duro pra isso.

Eu trabalhei por isso por 50 ou mais anos até agora, e ainda acho partes de mim agindo como um robô ou um zumbi em ocasiões. Aprendender a “Tornar-se O Que Se É” (como na frase de Nietzsche) leva o tempo de uma vida,  mas ainda parece ser o melhor jogo da cidade.

Copyright: Robert Anton Wilson

The Soul-Searchers – Alan Watts (traduzido)

Um trecho de In My Own Way: Uma Autobiografia, 1915-1965
© 1972 por Alan Watts. Pantheon Books

Traduzido do original em inglês @ Psychedelic-library.org

 

The Soul-Searchers

Retornando a América [em 1958] eu fui apresentado à aventuras psiquiátricas de um tipo muito diferente. Aldous Huxley tinha recentemente publicado “As portas da perceção” sobre seus experimentos com mescalina, e havia por essa época ido à exploração dos mistérios do LSD. Gerald Heard havia se juntado a ele nessas investigações, e em minhas conversas com eles eu percebi uma evidente mudança de atitude espiritual. Em síntese, eles haviam deixado de ser Maniqueístas. Sua visão de divino agora incluía a natureza, e eles se tornaram mais relaxados e humanos, então eu peguei falando a eles sobre minha própria persuasão. No entanto, pareceu-me altamente improvável que uma verdadeira experiência espiritual pudesse se dar pela ingestão de alguma química particular. Visões e êxtase, sim. Um pouquinho do sabor místico, como nadar com bóias nos braços, talvez. E talvez um novo despertar para alguém que tenha feito a jornada antes, ou um insight de uma pessoa experiente na Yoga ou o Zen.

No entanto, nesses “planos interiores” eu sou de uma natureza aventureira, e sou disposto a testar a maioria das coisas. Ambos, Aldous e meu ex-aluno na Academia, o matemático John Whittelsey, mantinham contato com Keith Ditman, psiquiatra encarregado da pesquisa do LSD no departamento de neuropsiquiatria da Universidade de Los Angeles. John estava trabalhando com ele como estatístico em um projeto elaborado para testar os efeitos da droga em dependentes do álcool e para mapear seus efeitos no organismo humano. Como muitos de seus tópicos relatavam estados de consciência que poderiam ser lidos como relatos de experiências místicas, eles estavam interessados em testar em “experts” do campo, apesar de um místico nunca ser realmente especialista da mesma forma que um neurologista ou um filólogo, por seu trabalho não ser uma catalogação de objetos. Mas eu me qualificava como um perito na medida em que eu também tinha um conhecimento considerável intelectual da psicologia e da filosofia da religião: um conhecimento que, posteriormente, me protegeu dos aspectos mais perigosos desta aventura, me garantindo um compasso e algo como um mapa neste território indomável. Ademais eu confiei em Keith Ditman. Ele não estava com medo, como muitos Jungianos, do inconsciente. Não foi imprudente, mas parecia frio, cauteloso, comedido nas opiniões, porém vivo, com olhos brilhantes e intensamente interessado em seu trabalho.

Fizemos então uma experiência inicial no escritório de Keith em Bervely Hills no qual eu estava acompanhado por Edwin Halsey, ex-secretário privado de Ananda Coomaraswamy, então ensinando religiões comparativas em Claremont. Cada um de nós tomou 100 microgramas de dietilamida do ácido lisérgico 25, cortesia da companhia Sandoz, e partimos em uma exploração de 8 horas. Para mim a viagem foi hilariamente linda, como se eu e todas as minhas percepções tivessem se transformado em um maravilhoso arabesco ou um labirinto multidimensional, onde cada coisa se tornou transparente, translúcida e reverberante com duplos ou triplos significados. Cada detalhe da percepção se tornou vívido e importante, cada “Ums” e “Ers” e pigarros quando alguém lia uma poesia, e o tempo parou de uma forma que as pessoas lá fora correndo em seus trabalhos pareciam deficientes em perceber que o destino da vida é este eterno momento. Atravessamos a rua para uma igreja branca de estilo espanhol, rodeada de oliveiras e brilhando ao sol contra um céu de absoluto azul primordial, e vimos a grama e as plantas inexplicavelmente geométricas em cada detalhe, como que sugerindo que nada na natureza era desordenado. Nós voltamos e olhamos para um volume de Sumi Japonês e Chinês, pinturas com tinta preta, todas pareciam fotografias perfeitamente precisas. Havia até mesmo luzes e sombras nos caquis de Mu-ch’i que certamente não foram destinados pelo artista. Em um momento, Edwin sentiu-se um pouco sobrecarregado e comentou: “Mal posso esperar para voltar a ser meu pequeno e velho eu novamente, sentado em um bar.” Entretanto, ele estava olhando como uma encarnação de Apollo com uma gravata sobrenatural, contemplativamente segurando um lírio laranja. (1)

De um modo geral minha primeira experiência estava um tanto mais estética do que mísica, e aí então, o que infelizmente é bastante característico de mim, eu fiz um vídeo para transmissão dizendo que eu havia olhado para este fenômeno e o achei muito interessante, mas dificilmente algo que eu chamaria de místico. Esta fita foi ouvida por dois psiquiatras na Clínica Langley-Porter, em San Francisco, Sterling Bunnell e Michael Agron, que acharam que eu deveria reconsiderar a minha opinião. Afinal eu tinha feito apenas um experimento e havia algo como uma arte para fazê-lo realmente dar certo. Foi então que Bunnell me pôs em uma série de experiências que eu registrei em “The Joyous Cosmology”, e no decurso da qual fui relutantemente forçado a admitir que – pelo menos no meu caso – o LSD tinha me levado inegavelmente um estado místico de consciência. Mas, estranhamente, considerando a minha absorção no Zen na época, o sabor dessas experiências era hindu, em vez de chinês. De alguma forma a atmosfera da mitologia e do imaginário hindu tomou conta, sugerindo ao mesmo tempo que, a filosofia hindu era uma forma local de um tipo oculto de conhecimento, inconcebivelmente antigo, que todos conhecemos nos bastidores de nossa mente mas não admitimos. O conhecimento era simultaneamente santo e de má reputação, e portanto, necessariamente esotéricos, e ele veio vestido de um sentido totalmente lógico, óbvio, e de base comum.

Em suma, eu diria que o LSD e outras substâncias psicodélicas, tais como a mescalina, psilocibina, e haxixe, podem conferir uma visão polar; quero dizer com isso que os pares de base de opostos, o positivo e o negativo, são vistos como os diferentes pólos de um único ímã ou circuito. Este conhecimento é reprimido em qualquer cultura que acentua o positivo, sendo assim um tabu rigoroso. Carrega a psicologia da Gestalt que insiste sobre a interdependência mútua da figura e do fundo, a sua conclusão lógica em cada aspecto da vida e do pensamento. De modo que o voluntário e o involuntário, conhecedor e conhecido, o nascimento e a morte, o bem e o mal, o outline e o inline, o eu e o outro, o sólido e o espaço, o movimento e o descanso, a luz e as trevas, são vistos como aspectos de um processo único e completamente perfeito. A implicação disso pode ser que não há nada na vida para ser adquirido ou atingido que não seja aqui e agora, uma implicação profundamente perturbadora para qualquer filosofia ou cultura que joga seriamente o jogo que eu chamo de “O Branco Deve Vencer”.

A visão polar é inegavelmente perigosa, mas assim é a eletricidade, as facas, e assim é a linguagem. Quando uma pessoa imatura experimenta a identidade do voluntário e involuntário, ela pode sentir-se, por um lado, totalmente impotente, e por de outro, igual ao Deus hebraico-cristão. Primeiramente, ele poderia entrar em pânico a partir da percepção de que ninguém está no comando das coisas. Posteriormente, ele pode contrair uma megalomania ofensiva. Não obstante ele haveria tido a experiência direta do fato que cada um de nós é um organismo-ambiente, dos quais os dois aspectos, indivíduo e mundo podem ser separados somente para propósitos de discussão. Se uma pessoa assim vê claramente a mutualidade do bem e do mal, ele pode saltar para a conclusão de que os princípios éticos são tão relativos quanto sem validade – o que pode ser desmoralizante para qualquer adolescente reprimido. Felizmente para mim, meu deus não é tanto o autocrata hebraico-cristão, estava mais para o TAO chinês, “que ama e nutre todas as coisas e não exerce senhorio sobre elas.”

Hesitei por muito tempo em escrever “The Joyous Cosmology” considerando os perigos de levar o público geral a um conhecimento maior desta potente alquimia. Mas desde que Aldous havia tirado o gato do saco em “As Portas da Percepção” e “Céu e Inferno”, e o tema já estava em discussão tanto em revistas psiquiátricas como na imprensa pública. Eu decidi que algo mais precisava ser dito, principalmente para acalmar o alarde público e para fazer o que eu pudesse para evitar os desastres que dariam sequência à repressão legal. Porque eu estava seriamente preocupado com os equivalentes psicodélicos do gim de banheira e com a perspectiva destes produtos químicos, descontrolados na dosagem e no teor, sendo contrabandeados para uso em ambientes inadequados, sem qualquer supervisão competente. Eu sustento que, por falta de melhor solução, deve ser restrito para prescrição psiquiátrica. Mas os governos estadual e federal eram tão estúpidos quanto eu temia, e pela aprovação de leis inaplicáveis contra o LSD, não só o dirigiu ao undeground, como impediu a investigação científica adequada. Tais leis são inaplicáveis porque qualquer químico competente pode fabricar LSD, ou um equivalente próximo, e a substância pode ser disfarçada em qualquer coisa, de aspirina a blloting-paper. Já foi pintado nas páginas finas de uma pequena Bíblia, e comido folha por folha. Mas por resultado deste terror, o uso indiscriminado do LSD (muitas vezes misturado com estricnina ou beladona, ou psicodélicos de igual periculosidade) afligiram incontáveis jovens com sintomas megalomaníacos, paranóicos, e esquizóides.

Eu vejo esse desastre no contexto mais amplo do proibicionismo americano, que fez mais do que qualquer outra coisa para corromper a polícia e promover o desrespeito à lei, e que graças a nossa pressão econômica, especialmente no problema de abuso drogas, se espalhou pelo mundo. Embora minha visão sobre esse assunto possa ser considerada extrema, eu sinto que em qualquer sociedade onde os poderes do Estado e Igreja são separados, o Estado não tem qualquer direito ou sabedoria na aplicação das leis sumptuárias contra os crimes que não têm qualquer queixa ou vítimas. Quando ordenaram aos policiais serem clérigos armados e aplicar códigos eclesiásticos da moralidade, todos os pecados proibidos da carne, da luxúria e do luxo, tornam-se — uma vez que estamos a legislar contra a natureza humana — empreendimentos extremamente rentáveis para as organizações criminosas que podem pagar tanto a polícia quanto os políticos para ficarem fora do problema. Aqueles que não podem pagar constituem cerca de um terço da população de nossas prisões superlotadas e desesperançosamente mal administradas, e as negociatas de seus julgamentos, por seus devidos processos legais, atrasam e aumentam os custos sobre os tribunais além de qualquer sentido. Estes são crimes nomogênicos, causados por más leis, assim como doenças iatrogênicas são causados pelo mal exercício da medicina. Os criminosos raramente sentem-se culpados, e muitas vezes sentem-se positivamente corretos em sua oposição a esta hipocrisia legal, e então saem da prisão rejeitando e desprezando a ordem social mais do que nunca.

Eu falo com paixão sobre este problema porque servi muitas vezes como consultor para o pessoal das instituições do Estado para desviantes mentais e morais, como os infernos institucionais que o Estado da Califórnia, mantém em San Quentin, Vacaville, Atascadero, e Napa — para citar apenas aqueles que visitei, e sabendo que são consideravelmente mais graves em outras partes do país, e mais especialmente nos estados que sofrem com o fanatismo religioso. Em relação ao nosso tempo, a repressão pelas leis sumptuárias é tão tirânica como qualquer um dos excessos da Santa Inquisição ou a Câmara da Estrela.

Minha atitude em retrospecto ao LSD é que, quando um recebe a mensagem, o outro desliga o telefone. Acho que aprendi com ele tanto quanto pude e, para meu próprio bem, não ficaria triste se não pudesse usá-lo novamente um dia. Mas não é assim. É do conhecimento geral que muitas das pessoas que tiveram experiências construtivas com LSD, ou outros psicodélicos, transformaram-nas de drogas em disciplinas espirituais — abandonando suas bóias de braços e aprendendo a nadar. Sem a experiência catalítica da droga eles poderiam nunca ter chegado a este ponto, e, assim, o meu sentimento sobre as químicas psicodélicas, assim como a maioria das outras drogas (Apesar do sentido vago da palavra), é que elas devem servir de remédio ao invés de dieta.

Foi novamente através de Aldous que ouvi pela primeira vez sobre um tal de Dr. Leary, da Universidade de Harvard, que estava fazendo um trabalho experimental com a psilocibina, derivada de um cogumelo que tinha um antigo uso com propósitos religiosos por alguns nativos mexicanos. A partir dos singulares e eruditos escritos de Aldous sobre o presente trabalho, eu estava esperando que Timothy Leary fosse um formidável guru, mas o homem que eu conheci em um restaurante de Nova York foi um irlandês extremamente charmoso, que usava um aparelho auditivo de forma tão elegante como se estivesse usando um monóculo. Nada poderia me dizer que alguém tão simpático e inteligente se tornaria uma das pessoas mais ilegais do mundo, um fugitivo da justiça, carregando o pecado de Sócrates, e tudo sob o pretexto legal de possuir uma quantidade trivial de maconha.

Acontece que Timothy estava trabalhando em um departamento da Universidade que há muito tempo me interessava, o Departamento de Relações Sociais, que havia sido fundado por Henry Murray. Em várias ocasiões visitei os domínios de Murray, na 7 Divinity Avenue, e fui entretido em almoços onde, como anfitrião, ele mostrou um talento especial para despertar conversas inteligentes e para fazer as outras pessoas apresentarem o seu melhor. Em sua companhia ficariam entusiasmados — possivelmente — I. A. Richards, Mircea Eliade, Clyde Kluckhon, ou Jerome Bruner, pois um discurso tão civilizado e intelectual como esse, é muito raramente ouvido nos círculos acadêmicos, onde parece agora um ponto de honra para manter-se fora de um assunto e discutir as trivialidades da política departamental. Mas estes cavalheiros não se envergonhavam de seu conhecimento, nem sua personalidade, e em uma ocasião — em um antiquado pré-almoço — Ouvi distintamente Richards comentando: “Bem, naturalmente, eu sempre me considero o ser humano perfeito”. Eu estava tão encantado com o ambiente de Murray que, com a ajuda de um amigo rico, eu consegui uma bolsa de dois anos para viajar e estudar sob a sua dispensa e da Universidade — um respiro que me deu tempo para compilar “The two hands os God” e para escrever “Beyond Theology”.

O tempo que eu pude realmente gastar em Harvard foi muito breve, por ser esta uma universidade com uma reputação intelectual tão definida, que suas faculdades se dão ao luxo de serem aventureiras. Mas – mesmo em Harvard – deve–se andar linha em alguns momentos, e Timothy não sabia onde estava essa linha. Sempre que eu estava em Cambridge, eu mantinha um contato próximo com ele e com seus companheiros Richard Alpert e Ralph Metzner, e estes – muito além do fascínio especial do misticismo químico – eram as pessoas mais animadas e criativas do departamento que não seja o próprio Murray, que viu as suas obras com interesse profundo e crítica construtiva, mesmo após sua aposentadoria oficial.

Eu estava também interessado no trabalho de B. F. Skinner, me questionando como um determinista poderia escrever de forma tão absoluta uma utopia, Walden Two, e me aprofundando em seus maravilhosos e bem fundamentados escritos, descobri a falha em seu sistema. Isso eu expliquei em uma palestra que Skinner, embora eu tivesse avisado ele em pessoa, não compareceu.(2) Eu vi que seu raciocínio ainda era assombrado pelo fantasma do homem como uma coisa, presumivelmente um ego consciente, determinada por forças ambientais e outras, por isso não faz sentido falar de um determinismo a menos que haja algum objeto passivo, que é determinado. Mas o seu próprio raciocínio tornou isso claro, não tanto que o comportamento humano fosse determinado por outras forças, mas que não podia ser descrita com distinta das forças e foi, na verdade, inseparável deles. Não parece ter ocorrido a ele que “causa” e “efeito” são apenas duas fases, ou duas maneiras de olhar um mesmo evento. Não é, então, que os efeitos (neste caso, os comportamentos humanos) são determinados por suas causas. A questão é que quando os eventos são total e devidamente descritos, eles se encontram envolvidos e contidos em processos que seriam a primeira vista separados deles, e assim foram chamadas “causas” como distintas de “efeitos”. Levado à sua conclusão lógica, Skinner não está dizendo que o homem é determinado pela natureza, como algo externo a ele: ele está na verdade dizendo que o homem é natureza, e está descrevendo um processo que não é nem determinado nem determinante. Ele simplesmente fornece motivo para a visão essencialmente mística que o homem e o universo são inseparáveis.

Alguns problemas foram envolvidos em minhas tentativas de elaborar uma estrutura intelectual para o que Timothy e seus amigos estavam enfrentando em seus estados de consciência psicodélica. Tanto seu entusiasmo por esses estados foi levando-os cada vez mais longe dos ideais de objetividade racional que o departamento e a universidade estavam se comprometendo; tanto mais que o departamento havia adquirido recentemente um computador e estava estrapolando a abordagem estatística para a psicologia. Por um lado, eu estava tentando convencer clã de Timothy, a manter o comando do rigor intelectual, e para expressar suas experiências em termos científicos que as pessoas entenderiam. Por outro lado eu estava sendo tão conservador quanto David McClelland, sucessor de Murray e Skinner para ver que a chamada descrição “transacional” do homem como um organismo-ambiente foi uma descrição teórica do que a natureza-mística experimenta diretamente, considerando que a maioria dos cientistas continua a se sentir como observadores separados e independente, determinados ou outra coisa. Seus sentimentos estão muito aquém de seus pontos de vista teóricos. Os psicólogos, em particular, estão ainda sob a influência emocional da mecânica newtoniana, e seus sentimentos pessoais de identidade ainda não foram modificados pela mecânica quântica e da teoria do campo.

Mas Timothy não podia se conter, e parecia-lhe cada vez mais que, na prática, os procedimentos de objetividade e rigor científico eram simplesmente um ritual acadêmico projetado para convencer a instituição universitária que seu trabalho era maçante e banal o suficiente para ser considerado “de confiança.” Acontece que as químicas psicodélicas podem te fazer curiosamente sensível à pomposidade. Qualquer um falando “memorandês”, ou em retórica política ou religiosa, ou alguém bajulando entusiasmadamente um produto no qual não acredita, soa tão ridículo que você não consegue manter uma cara séria: eis um excelente motivo porque o governo não tolera uma população “ligadona”. Tanto Richard Alpert como Timothy começaram a ver, ainda, que uma distinta carreira acadêmica não era tão importante assim, pois a universidade já era uma instituição obsoleta representando a mitologia do século XIX, do naturalismo científico. Mas quando se chega a este ponto de vista posterior, se não por causa de “drogas”, torna-se impossível manter o diálogo racional com o estabelecimento, apesar de alguns dos seus mais distintos cérebros serem conservados em álcool. Assim, as coisas chegaram a tal ponto que Timothy e Richard eram tão suspeitos como se tivessem sido lobotomizados ou se convertido a Testemunhas de Jeová.

Eu estava presente no jantar em que Timothy finalmente concordou com David McClelland para retirar a experimentação de drogas de seu trabalho no âmbito do departamento. David sustentava que eles haviam se tornado entusiásticos demais com seu trabalho para preservar a integridade científica, e com isso eu estava em acordo parcial, porque para ser intelectualmente honesto você deve ser capaz de chegar a um acordo com qualquer crítica inteligível de suas idéias. Quando recebi inspirações durante uma sessão de LSD, eu sempre busquei analisá-las posteriormente à luz da sobriedade fria, onde que alguns poucos, não todos, pareciam nonsense. Mas Davi estava indo tão longe a ponto de insistir que ninguém com um compromisso religioso poderia realmente fazer um trabalho científico de psicologia, e isto me espantou tanto que protestei, “Agora, David, você está seriamente dizendo que, um Quaker, por exemplo, sóbrio, honesto e dedicado, bem-educado e direto da Filadélfia, não poderia ser confiado ao trabalho científico?” Não me lembro de sua reação, mas eu estava inconsciente naquele momento em que ele mesmo era um Quaker interessado.

O que seguiu agora é história. Timotthy e Richard continuaram suas experiências extra-oficialmente, e escandalizaram as autoridades da universidade ao incluírem alunos de graduação em seus trabalhos. Henry Murray, no entanto, com um olhar inteligente em seu rosto, recordava sobre os dias em que a psicanálise chegou à Harvard, e que um clamor de indignação havia acontecido quando um membro psicoanalisado do corpo docente cometera suicídio. No entanto, eu mesmo comecei a me interessar, suavemente, pelo entusiasmo de Timothy, que para o seu próprio círculo de amigos e alunos, havia se tornado um carismático líder religioso que, bem treinado como ele era em psicologia, sabia muito pouco sobre religião e misticismo e suas armadilhas. Um aventureiro psicodélico não instruído, seja com o Zen ou Yoga ou qualquer outra disciplina mística, é uma vítima fácil do que Jung chama de “inflação”, da megalomania messiânica que vem de um sub-entendimento da experiência da união com Deus. Isso leva a cometer o erro inicial de dar pérolas aos porcos, e, conforme o tempo passou, fiquei consternado ao ver Timothy convertendo-se em um popular messias com o seu nome nas luzes, defendendo a experiência psicodélica como uma religião do novo mundo. Ele estava se movendo a uma colisão frontal com as religiões estabelecidas da teocracia bíblica e mecanismo científico, e simplesmente implorando por seu martírio.

A vida com Timothy, como eu vi em suas comunidades, em Newton Center e Millbrook, nunca foi maçante, embora fosse difícil de entender como as pessoas que testemunharam os esplendores da visão psicodélica poderiam ser tão esteticamente cegos a viver em relativa miséria, com camas perpetuamente desarrumadas, pisos por varrer e mobiliário medonho e decrépito. Poderia ser, suponho eu, que “estar ligado” o tempo todo é como olhar através de um caleidoscópio: traz padrões muito mais interessante da bagunça (como cinzeiros sujos) do que de cenas em ordem como livros ordenadamente dispostos em prateleiras. Mas Timothy era o centro de um vórtice que puxou para dentro aventureiros intelectuais e espirituais de todos os quartos, e em seu grupo, estudantes hippies se amontoavam com milionários e eminentes professores, que para passar uma noite com ele em Nova York ou Los Angeles eram varridos de um suntuoso apartamento exótico para outro.

Através de tudo isso, Timothy manteve-se, essencialmente, bem humorado, gentil, amável, e (em alguns sentidos) uma pessoa intelectualmente brilhante e, portanto, era totalmente incongruente – porém previsível – tornar-se consciente da vigilância implacável da polícia nos bastidores. Agora, nada tão facilmente perturba as pessoas usando psicodélicos como uma atmosfera de paranóia, de modo que, pela sua intervenção, o polícia criou males muito maiores do que sua suposta função de nos proteger. Nos princípio, quando o LSD, a psilocibina, a mescalina foram utilizados mais ou menos legitimamente entre pessoas razoavelmente maduras, houve poucos problemas com viagens ruins, e episódios de ansiedade geralmente se transformavam em ocasiões de introspecção. Mas quando as autoridades federais e estaduais começaram a perseguição sistemática, os medos invocados para justificá-la tornaram-se auto-profecias, e agora havia razão real para uma atmosfera de paranóia em todos os experimentos realizados fora do ambiente estéril e clínicos de hospitais psiquiátricos. Embora Timothy tivesse ganho um caso na Suprema Corte que, tecnicamente, anulou a lei federal contra a posse e uso (mas não contra a importação) de maconha, as leis do estado permaneceram em vigor, e ele era assediado por onde passava, até que finalmente fora preso sem fiança com tantos encargos técnicos contra ele que não havia nada mais a fazer, além de fugir e pedir asilo, no primeiro exílio que encontrasse.

Richard Alpert, que em todo este processo teve um papel muito mais silencioso, também foi para o exílio, mas de outra maneira. Enquanto visitava a Índia, ele percebeu que tinha chegado ao fim da identidade de psicólogo que ele tinha representado até agora, tanto que não podia vislumbrar qualquer papel normal ou uma carreira para si mesmo nos Estados Unidos. Além disso, ele se sentia, como eu, tendo aprendido tudo o que poderia começar dos psicodélicos, e que o que restou foi realmente viver uma vida de liberdade longe dos jogos mundiais de ansiedades. Ele, então, assumiu o nome de Baba Ram Dass, e voltou como um sannyasin vestido de branco e barbudo, cheio de humor e energia, dedicado apenas a viver no eterno agora. E, como seria de esperar, as pessoas levantaram suas sobrancelhas e balançaram as cabeças, dizendo que o velho showman estava jogando outro jogo, ou, que infelizmente as drogas tinha se apossado de tal cientista jovem e promissor, ou que era muito fácil ser um grande sannyasin com uma renda independente. Mas eu sentia que ele havia feito a coisa certa para si. Passei muitas horas com ele e senti que ele estava realmente feliz, que sua inteligência estava tão afiada como sempre, e ele estava confiante o suficiente do que estava fazendo para não tentar me convencer a seguir o seu exemplo. Certamente ele via um grande prazer em multidões de jovens que vinham para ouvi-lo,  neste aspecto, ele e eu somos iguais, pois apreciamos tanto pensar em voz alta com uma platéia atenta e inteligente quanto apreciamos desfrutar da paisagem ou da música. Mas estaria ele andando com uma túnica branca, se fosse realmente sincero? De fato, sim. Pois em um país onde a sinceridade de um filósofo é medida pela simplicidade de suas vestes, eu também por algumas vezes usaria um kimono ou um sarong em público, para que, como Billy Graham, atraísse um seguimento enorme de pessoas perigosamente sérias e mal-humoradas.

Agora, em retrospecto, é preciso ser dito, que a década psicodélica de 60 realmente começou a acordar os psicoterapeutas de seus estudos sobre pedestres e atitudes reducionistas de vida. Aqui eu estou usando a palavra “psicodélico” para significar todos os processos de “manifestação da mente”: não apenas químicos, mas também filosóficos, experimentos neurológicos e disciplinas espirituais. No início da década, o sentimento era que os a maioria dos psiquiatras via a si mesmo como guardiões de uma realidade oficial que poderia ser descrita como o mundo visto em uma manhã de segunda-feira sombria. Eles viam como uma boa orientação de como lidar com a realidade – ter uma vida sexual hétero normal (e de preferência monogâmica), uma relação “madura”, como era chamado; assim como estar apto a dirigir um carro e cumprir um trabalho de 8 horas por dia; ser capaz de retirar os produtos de Recall sem hesitar; e ser capazes de participar de atividades em grupo e mostrar qualidades de liderança e iniciativa.

Se bem me lembro, em 1959, fui convidado a falar antes de uma reunião da American Psychiatric Association, em Los Angeles. Trabalhos estatísticos eruditos eram apresentados por horas e horas, até que chegou a minha vez, quando já estávamos atrasados para o almoço. Eu abandonei o meu discurso preparado (o que a imprensa chama de desvio textual) e disse:

“Cavalheiros, isto não será um discurso científico, pois eu sou um simples filósofo, não um psiquiatra, e sei que estão famintos pelo almoço. Nós filósofos somos muito gratos a vocês por nos mostrarem as bases emocionais inconscientes de algumas de nossas idéias, mas o tempo para mostrar as suposições intelectuais inconscientes por trás de alguns de vocês, chegou. A literatura psiquiátrica está cheia de metafísica não examinada. Mesmo Jung, que é tão prontamente repudiado por seu “misticismo”, inclina-se para trás para evitar considerações metafísicas sobre o pretexto de que ele é rigorosamente um médico e um cientista. Isto é impossível. Todo ser humano é um metafísico assim como cada filósofo tem apetites e emoções — e com isso quero dizer que todos nós temos certas suposições básicas sobre a boa vida e a natureza da realidade. Mesmo o típico homem de negócios que afirma ser um homem prático, que não se preocupa com coisas mais elevadas, assim, declara que ele é um pragmático e um positivista, e não uma pessoa muito pensativa sobre isso.

“Pergunto-me, então, quanta consideração vocês dão ao fato de que a maioria de suas próprias suposições sobre a boa vida e da realidade vêm diretamente do naturalismo científico do século XIX, da hipótese estritamente metafísica de que o universo é um mecanismo que obedece as leis de Newton, e que não há outro deus ao seu lado. Psicanálise, que é de fato psicohidráulica seguindo a mecânica de Newton, parte da afirmação mística de que a energia psicossexual do inconsciente é uma explosão cega e estúpida da luxúria pura, seguindo a noção de Haeckel de que o universo em geral é uma manifestação primordialmente indiscriminada e estúpida da energia. Deveria ser óbvio para vocês que este é um parecer de que nunca houve o mínimo de provas, e que, além disso, ignora a evidência de que nós mesmos, supostamente fazendo observações inteligentes, somos manifestações da mesma energia.

Na base desta não examinada, depreciativa e instável opinião quanto à natureza da energia biológica e física, alguns de seus membros psicanalistas vêm durante toda a manhã se referindo aos chamados estados místicos de consciência como “regressivos”, levando-nos de volta a uma dissolução da inteligência individual em um banho ácido de líquido amniótico, reduzindo-a a uma identidade descaracterizada – em primeira instância – como uma bagunça cega de energia libidinosa. Agora, até que vocês achem alguma evidência substancial para suas metafísicas, terão que admitir que não há um meio de saber onde terminam os seu universos, de modo que, enquanto isso, vocês devem abster-se de conclusões fáceis tanto como saber quais direções são progressivas e quais são regressivos. [Risadas]”

Sempre me pareceu, em geral, que faltava aos psicoterapeutas uma dimensão metafísica; em outras palavras, eles afetavam a mentalidade dos acionistas de seguros e viviam em um mundo varrido de todo mistério, mágica, cor, música e temor, sem lugar no coração para o som distante de um gongo em um vale alto e escondido. Este é um exagero de onde eu salvo a maior parte dos junguianos e alguns fora dos padrões como Groddeck, Prinzhorn, Heyer GR, Wilhelm Reich, e outros menos conhecidos. Sobre a escrita da psicologia americana, em 1954, Abraham Maslow observou que era excessivamente pragmática, puritana, e proposital…. Não há outros capítulos sobre diversão e alegria, lazer e meditação, sobre vadiagem e falta de rumo, sobre atividade inúteis ou sem propósito…. A psicologia americana se ocupa excessivamente com apenas metade da vida e negligencia a — talvez mais importante— outra metade.(3)

A publicação de meus livros Psychotherapy East and West e Joyous Cosmology no início dos sessenta me levou a discussões públicas e privadas com muitos membros de liderança do ofício psiquiátrico, e fiquei espantado com o que parecia ser um medo aterrorizante dos estados incomuns de consciência. Eu achava que os psiquiatras deveriam estar tão familiarizados com esses territórios selvagens e inexplorados da mente, quanto os gurus da Índia, mas conforme eu lia algo como dois enormes volumes do American Handbook of Psychiatry, vi apenas mapas da alma tão primitivos quanto os antigos mapas da Terra. Havia algumas descrições vagas e vazias sobre Esquizofrenia, Histeria e Catatonia, acompanhados com informações pouco mais sólidas que ”Aqui há dragões e cameleopards.” Em uma festa em Nova York me peguei conversando com um dos mais eminentes analistas da cidade, e tão logo ele soube que eu havia experimentado o LSD sua personalidade se tornou estritamente profissional. Como se vestisse sua máscara e luvas de borracha e me abordasse como um espécime, querendo saber todos os detalhes superficiais das alterações sinestésicas e da percepção, os quais eu podia vê-lo categorizando com uma mente afiada e calibrada. Eu tomei parte em um debate televisionado sobre “Open End,” com David Susskind tentando mediar duas facções de entusiastas psicodélicos e psiquiatras acadêmicos, e no tumulto que se seguiu e confusão de paixões, encontrei-me flutuando para a posição de moderador, contando a ambos os lados, que não haviam bases evidenciais para seus respectivos fanatismos.

Em todos esses contatos eu comecei a sentir que os únicos psiquiatras que possuíam alguma informação sólida eram neurologistas como David Rioch, da Walter Reed, e Karl Pribram, de Stanford. Eles me diziam coisas que eu não sabia e ainda sim eram os primeiros a admitir o quão pouco sabiam, por estarem percebendo o estranho fato de seus cérebros serem mais inteligentes que suas mentes ou, para simplificar, o sistema nervoso humano ser de tão alta ordem de complexidade que estávamos apenas começando a organizar isso em termos de pensamento consciente. Sentei-me em um seminário interno com Pribram, onde ele me explicou de forma cuidadosamente detalhada como o cérebro não é um mero refletor do mundo externo, mas como sua estrutura quase cria as formas e padrões que vemos, selecionando-as de um imensurável espectro de vibrações como as mãos de um harpista arrancam acordes e melodias de um espectro de cordas. Por Karl Pribram estar trabalhando no mais delicado quebra-cabeças epistemológico: Como o cérebro evoca um mundo que é simultaneamente o mundo onde está, e como o cérebro evoca o próprio cérebro.(4) Colocando em termos metafísicos, psicológicos, físicos ou neurológicos: dava sempre no mesmo. Como podemos saber que sabemos, sem saber que se sabe?

Esta questão deverá ser respondida, se assim puder, antes que possa fazer algum sentido dizer que a realidade é material, mental, elétrica, espiritual, uma realidade, um sonho, ou qualquer outra coisa. Mas sempre, ao contemplar este enigma, um sentimento estranho toma conta de mim, como se eu não pudesse me lembrar do meu nome que está na ponta da língua. Realmente isso faz pensar. . .

De qualquer forma, no fim desses dez anos, tenho a impressão de que o mundo psiquiátrico, se abriu à possibilidade de que há mais coisas no céu e terra que sonhou a sua filosofia. A psicanálise ortodoxa parece cada vez mais um culto religioso, e a psiquiatria institucional, um sistema de lavagem cerebral. O campo está dando lugar a movimentos e técnicas cada vez mais livres da metafísica tácita do mecanismo do século XIX: Psicologia Humanista, Psicologia Transpessoal, Terapia da Gestalt, Psicologia Transacional, Terapia de Encontros, Psicossíntese (Assagioli), Bioenergética (Reich), e dúzias de outras abordagens interessantes com nomes estranhos.

Historiadores e analistas sociais vão tentar descobrir a partir de qualquer autobiógrafo o quanto ele influenciou os movimentos do seu tempo e quanto foi influenciado por eles. Só posso dizer que, conforme fico mais velho eu volto a uma estranha sensação infantil de não ser capaz de definir nenhuma linha entre o mundo e minha própria ação sobre ele, e me pergunto se isso também é sentido por pessoas que nunca estiveram sob o olho público ou nunca tiveram alguma pretensão de influência. Uma pessoa comum pode ter a impressão que existem milhões de si mesmos, e que todos eles, como um só, estão fazendo o que há na humanidade – assim como neles mesmos. Desta forma ele poderia talvez sentir-se mais importante do que alguém que tenha tido uma visão particular e seguiu um caminho solitário.

Parte do problema é que quanto mais eu me aproximo do momento presente, mais difícil se torna ver as coisas em perspectiva. Os eventos de 20, 30 e 40 anos atrás estão mais claros na minha cabeça, e parecem-me mais recentes no tempo do que o que aconteceu há pouco tempo — em anos que pareceram fantasticamente excitantes cheios de pessoas e acontecimentos. Eu sinto que devo esperar outros 10 anos para descobrir o que eu estava fazendo, no campo da psicoterapia, com Timothy Leary e Richard Alpert, Fritz Perls e Ronald Laing, Margaret Rioch e Anthony Sutich, Bernard Aaronson e Stanley Krippner, Michael Murphy e John Lilly; na teoogia com Bishops James Pike e John A. T. Robinson, Dom Aelred Graham e Huston Smith; e na formação da contracultura mística com Lama Anagarika Govinda e Shunryu Suzuki, Allen Ginsberg e Theodore Roszak, Bernard Gunther e Gia-fu Feng, Ralph Metzner e Claudio Naranjo, Norman 0. Brown e Nancy Wilson Ross, Lama Chogyam Trungpa e Ch’ung-liang Huang, Douglas Harding e G. Spencer Brown, Richard Weaver e Robert Shapiro— para citar apenas alguns poucos nomes e rostos reunidos do passado recente que me mostram que eu apenas mal comecei esta história.

Referências

(1)
Vários anos mais arde ele morreria em acidente de automóvel à caminho de Ajijic no México, onde ele havia fixado residência. E então partiu para o obscuro um dos mais extraordinários e brilhantes homens, que escreveu um livro que ninguém publicaria (sua dissertação para Ph.D em Harvard) sobre a história como uma ilusão subjetiva, baseada nas visões conflitantes das críticas modernas ao novo Testamento. Ele era tanto um acadêmico quanto um artista na vida que me engrandeceu profundamente com suas conversas e críticas sobre meu trabalho. No entanto, suas visões liberais eram demais para o Reed College e para Claremont, onde fora recusado — a menos que, como ele disse uma vez, ele se acalmasse e casasse com uma simpática jovem episcopal.

(2)
“The Individual as Man-World,” The Psychedelic Review, Vol. 1, No. 1, (Cambridge, Mass.: June 1963).

(3)
Motivation and Personality
(New York Harper & Row, Publishers, 1954), pp. 291-92.

(4)
see his Languages of the Brain, (Englewood Cliffs, NJ Prentice-Hall, 1971).

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Traduzido do original em inglês:  http://www.psychedelic-library.org/wattsbio.htm

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