Cogumelos tem resultados sem precedentes para o alívio do sofrimento relacionado com o câncer
O tratamento com psilocibina, o princípio ativo dos cogumelos alucinógenos, promove um alívio rápido e duradouro da ansiedade e da depressão entre a maioria dos pacientes com câncer, inclusive aqueles com doença avançada, de acordo com dois estudos com desenhos semelhantes publicados on-line em 1º de dezembro no periódico Journal of Psychopharmacology.
A eficácia descrita não tem precedentes na psiquiatria e na psico-oncologia, disse Roland Griffiths, neurocientista e pesquisador responsável de um estudo com 51 pacientes realizado na Johns Hopkins University, em Baltimore, Maryland.
Quando os pacientes do estudo receberam uma única dose alta de psilocibina sintética, o índice geral de resposta clínica aos seis meses para os desfechos primários de depressão e ansiedade foi de 78% e 83%, respectivamente, e o índice geral de remissão completa dos sintomas foi de 65% e 57%, respectivamente.
A psilocibina pode representar uma mudança de paradigma no tratamento dos pacientes com sofrimentos psicológicos relacionados ao câncer, acrescentou Griffiths em uma coletiva de imprensa.
CITACAO
“A psilocibina pode representar uma mudança de paradigma.”
Dr. Roland Griffiths
Os atuais tratamentos farmacológicos da ansiedade e da depressão relacionada com o câncer “tendem a não funcionar melhor do que o placebo” e demonstraram um índice de resposta de aproximadamente 40% em meta-análises, disse o Dr. Steven Ross, psiquiatra e pesquisador responsável do segundo estudo com 29 pacientes realizado na New York University (NYU), na cidade de Nova York.
O sofrimento psíquico relacionado com o câncer é especialmente difícil de tratar, sugeriu o pesquisador, observando que os medicamentos convencionais, como a fluoxetina (Prozac, Eli Lilly), têm mais eficácia no tratamento do sofrimento psíquico dos pacientes com outras doenças graves, como a aids e o acidente vascular encefálico.
No estudo da NYU, em 6,5 meses de acompanhamento, uma única dose moderada de psilocibina sintética foi associada a efeitos duradouros, visto que cerca de 60% a 80% (dependendo do instrumento de avaliação) dos participantes apresentaram redução clinicamente significativa da depressão ou da ansiedade, informaram o Dr. Ross e seus colaboradores.
Estes resultados podem ser um divisor de águas no campo da psiquiatria, já que recentemente a psilocibina também foi administrada com segurança em pacientes com depressão refratária ao tratamento e sofrimento psíquico associado a outras doenças com risco de vida, bem como à dependência de álcool ou tabaco e ao transtorno obsessivo-compulsivo, como já informou o Medscape.
Os pacientes que participaram nos dois novos estudos, que são até o momento os maiores estudos randomizados controlados com psilocibina para a depressão e a ansiedade em pacientes com câncer, também falaram na coletiva de imprensa.
Dinah Bazer, 69 anos, do Brooklyn, em Nova York, foi diagnosticada com câncer de ovário em 2010 e passou por uma cirurgia bem-sucedida e quimioterapia, mas apresenta sofrimento psíquico constante.
“Eu estava absoluta e inteiramente consumida pela ansiedade e pelo medo da recidiva, disse Dinah, que participou do estudo da NYU. “Durante a minha experiência com a psilocibina, visualizei meu medo como uma massa física no meu corpo. Fiquei louca de raiva e gritei para ele ‘some daqui!’, e ele se foi. Eu, então, entrei em um estado difícil de descrever como ateia… banhada no amor de Deus. Isso durou horas. Quando a experiência terminou, meu medo e minha ansiedade tinham desaparecido”, segundo ela.
“Esta droga salvou a minha vida, e mudou a minha vida”, disse Dinah.
A administração de “drogas psicodélicas” como a psilocibina foi estudada no passado nos Estados Unidos para uma série de doenças, observa o Dr. Craig Blinderman, no comentário que acompanha o artigo(http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675761). O Dr. Blinderman é especialista em cuidados paliativos no Columbia University Medical Center/New York-Presbyterian Hospital, em Nova York.
Essas pesquisas foram suspensas quando o presidente Richard Nixon assinou a Lei de Substâncias Controladas de 1970, colocando as drogas psicodélicos na Classe I, que corresponde às “drogas sem uso médico aceito na época e com grande potencial de abuso”.
O Dr. Blinderman afirma que os pacientes com câncer têm uma prevalência de ansiedade e depressão de 30% a 40%, que é muito mais elevada do que os 7% a 10% encontrados na população geral.
Muitas vezes, os pacientes oncológicos que sofrem de ansiedade ou depressão têm desfechos piores, até mesmo maior utilização dos serviços de saúde, mais dor, pior qualidade de vida e menor sobrevida, escreve o pesquisador, citando vários estudos.
Esses novos estudos são “inovadores” e apresentam resultados muito empolgantes, disse o Dr. Blinderman, que também participou da entrevista com os jornalistas.
Uma das batalhas travadas no atendimento de pacientes com câncer, especialmente aqueles com doença avançada, é idar com a “angústia existencial” que, de acordo com o Dr. Blinderman, é uma síndrome caracterizada por falta de esperança e desamparo diante da perda de propósito e significado na vida.
O desafio clínico de abordar e tratar essa angústia existencial é exacerbado pelos problemas correlatos, continuou o pesquisador. “As limitações na cobertura da saúde mental e a escassez de profissionais experientes em psico-oncologia disponíveis representa outro obstáculo para os pacientes com câncer… no sentido de colaborar para o bem-estar deles”, disse o médico.
O “mais interessante” para o Dr. Blinderman sobre os novos estudos, foi que os dois encontraram uma correlação entre os pacientes tendo alguma “experiência mística” e extensão da melhora da ansiedade e da depressão.
Por exemplo, no estudo da NYU, os autores informaram que a intensidade da experiência mística subjetiva, classificada de acordo com o Questionário de Experiência Mística (Mystical Experience Questionnaire – MEQ 30) e relatada pelo próprio participante, “mediou” significativamente a diminuição dos sintomas de ansiedade e depressão em médio prazo (por exemplo, seis semanas após a primeira dose).
CITACAO
“Trata-se de um resultado profundo”
Dr. Craig Blinderman
“Trata-se de um resultado profundo”, disse o Dr. Blinderman sobre a correlação entre a experiência mística relatada pelos participantes e os resultados positivos.
Essas observações também lançaram uma nova luz sobre “o aumento do interesse na morte com assistência médica” nos Estados Unidos, disse ele. A incapacidade terapêutica de aplacar o sofrimento existencial dos pacientes é o “principal motivo” que os leva a optar pela morte com assistência médica, disse o Dr. Blinderman.
“Não dispomos de nenhum bom tratamento para a angústia existencial”, observou. Antes de abraçar a opção de terminar a vida, comentou o pesquisador, parece apropriado tentar explorar métodos terapêuticos como a psilocibina, que poderiam aliviar o sofrimento que originou o desejo do suicídio assistido.
Detalhes do estudo
Na Johns Hopkins, todos os 51 participantes tiveram diagnóstico de câncer potencialmente fatal, em 65% dos casos sendo recidiva da doença ou metástase. Os tipos de câncer foram: mama (n = 13), cavidade oral, laringe, faringe e esôfago (n = 7), gastrointestinal (n = 4), geniturinário (n = 18), hematológico (n = 8) e outros (n = 1). Todos os pacientes haviam tido diagnóstico psiquiátrico formal, como transtorno da ansiedade ou transtorno depressivo.
Em termos de dados demográficos dos pacientes, a média da idade foi de 56 anos, metade dos pacientes eram do sexo feminino e a maioria (92%) era branca.
O estudo teve desenho duplo-cego, cruzado, com duas sessões (marcadas com cinco semanas de intervalo), comparando os efeitos de uma dose alta a uma dose baixa de psilocibina, administradas em cápsulas. A dose baixa serviu, na prática, como placebo, pois era baixa demais para produzir algum efeito.
Na segunda sessão, os participantes receberam uma cápsula com a dose alta.
Para minimizar os efeitos da “expectativa”, os participantes e os membros da equipe que supervisionaram as sessões foram informados que os participantes receberiam psilocibina nas duas sessões, mas as doses não foram informadas.
Durante cada sessão, dois monitores ajudaram os participantes, que foram incentivados a deitar, usar máscara nos olhos e ouvir música com fones de ouvido, em um ambiente “domiciliar”. Os monitores não davam orientações, davam apoio, disseram os autores, e estimulavam os participantes a confiar, deixar acontecer e se abrir à experiência.
Os pesquisadores avaliaram o humor de cada participante, a atitude em relação à vida, seus comportamentos e sua espiritualidade por meio de questionários e entrevistas estruturadas antes da primeira sessão, sete horas depois de tomar a psilocibina, cinco semanas após cada sessão e seis meses após a segunda sessão.
Os instrumentos de medida dos desfechos primários da depressão e da ansiedade foram a Hamilton Depression Rating Scale, a Hamilton Anxiety Rating Scale, o Beck Depression Inventory e o State-Trait Anxiety Inventory.
A psilocibina produziu efeitos importantes e duradouros nas duas medidas de desfecho primário, assim como na maioria das medidas secundárias avaliadas no início do estudo, cinco semanas após cada sessão e aos seis meses de acompanhamento.
Das 17 medidas avaliadas, 16 revelaram efeitos significativos (ou seja, diferença entre os grupos na avaliação após a primeira sessão e/ou diferença entre as avaliações depois da primeira e da segunda sessões para o grupo da dose baixa na primeira sessão).
Os autores resumiram os destaques assim: “A dose alta de psilocibina promoveu grande redução das medidas clínicas e da avaliação do próprio paciente do humor deprimido e da ansiedade, assim como melhora em termos de qualidade de vida, significado da vida e otimismo, e diminuiu a ansiedade em relação à morte.”
Os eventos adversos foram mínimos e nenhum foi grave. Cerca de 15% dos participantes referiram náuseas ou vomitaram, e 33% sentiram algum desconforto psicológico, como ansiedade ou paranoia, depois de tomar a dose mais alta. Um terço dos participantes apresentou aumento transitório da pressão arterial.
Na New York University, o desenho também foi duplo-cego, cruzado, controlado com placebo, mas em uma das sessões o placebo foi niacina. Os desfechos primários foram ansiedade e depressão avaliados entre os grupos antes do cruzamento na sétima semana.
Quase dois terços dos participantes (62%) tinham doença em estágio avançado (III ou IV). Os tipos de câncer foram: mama ou aparelho reprodutivo (59%), gastrointestinal (17%), hematológico (14%) e outros (10%).
A maioria dos participantes do estudo era branca (90%) e de mulheres (62%). A média de idade foi de 56,3 anos.
Todos os 29 participantes tinham diagnósticos relacionados com ansiedade. Quase dois terços (59%) já tinham sido tratados anteriormente com antidepressivos ou ansiolíticos.
As medidas clínicas dos desfechos (ansiedade e depressão) foram avaliadas pelos seguintes instrumentos de medição: a Hospital Anxiety and Depression Scale, o Beck Depression Inventory informado pelo próprio paciente e o Spielberger State-Trait Anxiety Inventory.
Como no estudo da Johns Hopkins, os desfechos secundários englobaram a angústia existencial relacionada com o câncer.
A equipe da NYU informou que o grupo da psilocibina (em comparação com o grupo de controle ativo) demonstrou “melhora clínica imediata, significativa e sustentada” (por até sete semanas após a dose) em termos de redução dos sintomas da ansiedade e da depressão.
Eles descreveram a magnitude das diferenças entre os grupos da psilocibina e de controle como “grande” entre as medidas de desfecho primário, avaliadas no primeiro dia/duas semanas/seis semanas, e sete semanas após a primeira dose.
Não houve eventos adversos graves. Os mais comuns foram aumentos da pressão arterial e da frequência cardíaca (76%), cefaleias/migrâneas (28%) e náuseas (14%), todos sem significado clínico. Os eventos adversos psiquiátricos mais comuns foram ansiedade transitória (17%) e sintomas do tipo psicótico transitórios (7%).
O estudo da Johns Hopkins recebeu apoio financeiro de: Heffter Research Institute, Riverstyx Foundation, William Linton, Betsy Gordon Foundation, McCormick Family, Fetzer Institute, George Goldsmith e Ekaterina Malievskaia. Griffiths declarou fazer parte do Conselho de Direção do Heffter Research Institute. O estudo da NYU recebeu financiamento de: Heffter Research Institute, RiverStyx Foundation, New York University-Health, Hospitals Corporation Clinical and Translational Science Institute, assim como subvenções de indivíduos, inclusive Carey e Claudia Turnbull, William Linton, Robert Barnhart, Arthur Altschul, Kelly Fitzsimmons, George Goldsmith e Ekaterina Malievskaia. Os autores do estudo e o Dr. Blinderman informaram não possuir conflitos de interesse relevantes ao tema.
J Psychopharmacol. Publicado on-line em 1º de dezembro de 2016. Ross et al, artigo; Griffiths et al, artigo; http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675513
fonte
http://portugues.medscape.com/verartigo/6500757