Além da Imagem: O Movimento de Arte Visionária
Desde que nos conhecemos por humanos, seres humanos têm tido experiências visionárias e criado arte em resposta a esses acontecimentos. Muitas delas foram facilitadas pela ingestão de plantas enteógenas, consenso entre toda cultura ancestral como uma das mais eficazes rotas para um vislumbre da divindade. Hoje, a florescente comunidade de Arte Visionária engloba nossa rica herança de formas transcendentais de experiências – fazendo sua missão prover o mundo com um belo e assombroso olhar através das portas da percepção. A Arte Visionária encontrou um lar no circuito mundial de festivais de arte e música, e um veículo para seu crescimento através da internet (ela mesma uma poderosa iniciação psicodélica à qual o religioso acadêmico Henry Corbin chamou de “reinos imaginários”). Enquanto o movimento de Arte Visionária prospera às margens da sociedade, também orienta uma nova era de consciência social.
Conexões espirituais com um espaço fora da realidade convencional podem ser encontradas em uma série de trabalhos artísticos clássicos, de William Blake a Max Ernst e de Gustav Moreau a Salvador Dalí. Existe uma vasta herança de sonhadores surrealistas, santeiros religiosos medievais e artistas psicodélicos que a atual Arte Visionária reconhece como seus predecessores e equivalentes. Em um mundo de classificação e gêneros, a Arte Visionária é, atualmente, mais uma comunidade de artistas ligados menos por um estilo em comum do que por sua tendência em comum a compartilhar experiências espirituais ressonantes por meio da arte.
Em seu artigo “The New Eye: Visionary Art and Tradition”, o crítico cultural Erik Davis explica que “quando artistas visionários contemporâneos se apropriam e reproduzem aspectos dessas diferentes tradições culturais, esses domínios distintos começam a aparecer”. Esses domínios foram descritos como uma dimensão transpessoal, um plano cósmico. O artista visionário americano Alex Grey e o residente de Viena Laurence Caruana redigiram textos seminais detalhando a exploração desses reinos por artistas ao longo da história humana. Mais e mais, encontramos artistas visuais usando diversos meios digitais e físicos para transmitir suas interpretações das obras internas do ser e do mundo.
“Ver artistas colaborar e improvisas em murais, cercados por dançarinos e música ao vivo nutriu uma experiência de se sentir conectado à sopa cósmica da criação. Era jazz visual, músicos fazem isso o tempo inteiro, mas nós raramente compartilhamos essas experiências com pintores”, declarou Jacob Devaney em seu artigo “Visionary Art, You’re Painted into the Picture”, publicado no portal Huffington Post, e que descreve sua experiência no The Symbiosis Gathering, em Oakdale, Califórnia. Todo verão, dezenas de festivais e encontros “transformadores” (não confundir com eventos espalhafatosos como o Electric Daisy Carnival ou o Ultra Music Festival), focados na co-criação de arte e música e a celebração do novo pensar, são realizados ao redor do mundo e, em particular, na costa oeste norte-americana. Não é mais apenas um disparo tiro experimental no escuro, como muitas das congregações contraculturais dos anos 1960. Ao invés disso, esses encontros “neotribais” estão, como afirma Davis, “recriando e reinventando padrões de cultura orgânica inspirados pelo passado pré-moderno mas desenhados para um planeta tecnológico que se debate em um período de mudança global sem precedentes”. Cada vez mais, os nomes de artistas visionários crescem tanto quanto as bandas e os DJs populares escalados para esses eventos. No livro “The Mission of Art”, Grey descreve a tradução da arte em uma reunião comunal:
“A alma atemporal artística do grupo se realiza através da projeção de símbolos na imaginação do artista. A graça radiante de Deus preenche o coração e a mente com esses dons de Visão. O artista honra esses dons ao transformá-los em obras de arte e compartilhar com a comunidade. A comunidade os usa como asas para planar sobre as mesmas vistas brilhantes e além”.
O impacto da Arte Visionária como movimento popular no cenário da música e dos festivais é comunitário e econômico. Nesses eventos, você pode olhar sobre o ombro de um artista visionário enquanto ele cria desenvolve uma peça em tempo real e simultaneamente a apresentações musicais, ou comprar uma de suas imagens de suas próprias mãos em um mercado aberto. No contexto da perpétua discussão do “murmúrio” em um mercado artístico, no qual o quadro “Os Três Estudos de Lucian Freud” de Francis Bacon foi vendido por 142 milhões de dólares, a Arte Visionária enfatiza o processo criativo como um meio de revelações e riqueza espiritual acima de tudo. Como no início do movimento de grafite, a comunidade cria e compartilha como um fim em si mesmo. “Em muitas partes do ocidente ‘afortunado’, as pessoas estão sedentas espiritualmente por algo significativo em suas vidas, os valores centrais de paciência, compaixão, beleza, verdade e humildade estão enterrados muito profundamente nas fachadas da nossa insignificância plástica e fabricada em série”, disse Kuba Ambrose, um palestrante da Academia de Arte Visionária de Viena e criador da obra no topo desta página.
Então por que deveríamos apostar na validade da comunidade de artistas visionários? Suas puras intencionais não vão eventualmente se tornar instrumentos dos caprichos da sociedade capitalista neoliberal? Em uma entrevista ao SolPurpose.com (o qual site tem um incrível catalogo de artistas visionários), Caruana explica porque não:
“Realmente se torna uma mudança de paradigmas – da experiência momentânea individual muda-se sua perspectiva interna de uma visão pessoal para uma visão transpessoal das coisas – um planeta baseado em perspectivas ao invés do ego.”
Os trabalhos ainda provem um colírio abstrato para os olhos ou até uma afirmação política. Existe uma tendência no trabalho dos artistas visionários atuais à união entre conceitos espirituais antigos e o futurismo tecnológico. Artistas como Android Jones, Randal Roberts e Amanda Sage frequentemente utilizam novas descobertas científicas, como genética e metafísica, como temas em suas obras. Ao mesmo tempo, geometria e imagens sagradas naturais são igualmente difundidas.
De fato, a Arte Visionária sempre foi, como definiram os europeus, um tipo de “Realismo Fantástico”. Por mais excêntricas que possam parecer, essas são tentativas válidas de descrever estados extraordinários de consciência por uma facção global de ilustradores científicos pioneiros. Por mais estranhas que sejam as paisagens de Hieronymous Bosch ou a arquitetura hiperespacial de Paul Laffoley, eles são herdeiros de uma tradição que remonta às pinturas rupestres de Altamira e Lascaux e servem a um objetivo similar de iniciação ritualística nos mistérios esotéricos.
A Timothy Leary, o catalisador da cultura psicodélica, é atribuída a afirmação de que “a internet é o LSD dos anos 1990”. A hipercomunicação da internet oferece a esses artistas a oportunidade de aliar a mensagem de expansão da consciência à arte – mas mais ainda, a arte fornece metáforas úteis à nossa espécie em uma era em aceleração que desafia nossos conceitos de espaço e tempo e redefine a barreira entre o ser e o outro. Ao propagar a mensagem em vídeos e podcasts, os artistas visionários agem como mais do que criadores de imagens e podem se conectar para mutuamente inspirar uns aos outros de formas inimagináveis às gerações passadas. Novas formas de pinturas em tempo real colaborativas emergiram – formas aludindo à nova ênfase na co-criação e na improvisação surgiram através da nossa sociedade digital hiperconectada. Em uma entrevista no Huffington Post a Jonathan Talat Phillips, co-fundador do Evolver.net, Grey afirmou: “Minha arte sempre foi uma resposta às visões. Mais do que confinar meus temas a representações de mundos externos, eu incluo retratos dos meios imaginários multidimensionais que nos empurram em direção à evolução da consciência”. O trabalho dos artistas visionários tem uma missão: impulsionar nossa sociedade seguramente por uma evolução no pensamento e no indivíduo. O que é expansão da consciência – seja através da Arte Visionária ou uma trip de ayahuasca – senão uma revolução interna? E se tem uma coisa com que as pessoas em todos os cantos da sociedade podem concordar é que estamos vivendo em uma era de revolução.
Se você alguma vez sentir um desejo súbito de vivenciar uma transcendência pessoal, dance perto de artistas em um festival transformacional desses. Se você gostaria de espiar a expressão visual do espírito coletivo, visite a Chapel Of Sacred Mirrors ao norte de Nova Iorque. Como notou o historiador cultural William Irwin Thompson, o formato de uma nova era aparece primeiro nos insanos, depois nos artistas, antes que se torne mundano. Esse cintilar de mudança no horizonte sempre foi evidente primeiro nas criações dos pensadores livres marginais da época…mas em tempos em que as orlas estão em todo lugar e o centro em lugar nenhum, visionários antes marginalizados estão tomando a dianteira como nossos navegadores em um mundo crescentemente psicodélico. A comunidade da Arte Visionária pode muito bem ser a enzima enteógena para uma comunidade mais forte e um amanhã mais iluminado.
FONTE SOLPURPOSE
Agradecemos imensamente a tradução feita pelo colaborador Leonardo Moreira.
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