A psilocibina pode ser um divisor de águas na psiquiatria
Dois estudos randomizados controlados semelhantes, envolvendo pacientes com câncer em estágio terminal sugerem que uma única dose alta da droga psicodélica psilocibina tem efeitos rápidos, clinicamente significativos e duradouros no humor e na ansiedade. Estes resultados podem ser um divisor de águas do tratamento psiquiátrico.
Essas novas descobertas têm o potencial de transformar o atendimento dos pacientes com câncer e sofrimento psicológico e existencial, mas além disso, de oferecer um modelo inteiramente novo para a psiquiatria, o de um medicamento que age rapidamente tanto como antidepressivo quanto como ansiolítico, e cujos benefícios se mantêm durante meses, disse ao Medscape o Dr. Stephen Ross, médico, diretor do Serviço de Dependência Química do Departamento de Psiquiatria da New York University (NYU), Langone Medical Center.
“Isso pode fazer a terra tremer e trazer para a psiquiatria uma grande mudança de paradigma”, disse.
Os resultados foram publicados on-line em 1º de dezembro no periódico Journal of Psychopharmacology.
Entusiasmo dos especialistas
Os especialistas da área, incluindo os ex-presidentes da American Psychiatric Association (APA) e os chefes dos grandes serviços de psiquiatria universitários, descreveram os resultados como “notáveis”, “muito promissores”, e como sendo um “avanço crítico” que “podem inaugurar uma nova era” no tratamento da dependência química na psiquiatria.
De acordo com estes especialistas, cujos comentários foram publicados junto com os dois estudos em uma edição especial da revista, as novas descobertas justificam a realização de estudos mais abrangentes para replicar os resultados em várias populações. Alguns especialistas instam maior consideração das questões legais, éticas e regulatórias singulares ao uso clínico da psilocibina e drogas afins.
A psilocibina, princípio ativo dos cogumelos alucinógenos, é uma droga serotonérgica que atua como agonista do receptor 2A da 5-hidroxitriptamina (5-HT 2A).
Foi sintetizada pela primeira vez em 1958, tendo sido usada na pesquisa psiquiátrica até 1970, quando o uso generalizado como entorpecente recreativo e sua associação à agitação cultural e política da época resultaram em sua reclassificação nos Estados Unidos, junto com outras drogas psicodélicas, como droga da Classe I. No entanto, nas últimas décadas, tem havido um interesse renovado pela psilocibina.
De acordo com um comentário feito pelo Dr. Alasdair Breckenridge, do Departamento de Farmacologia e Terapêutica da University of Liverpool (Reino Unido), e pelo Dr. Diederick E. Grobbee, do Julius Center for Health Sciences and Primary Caredo University Medical Center, em Utrecht (Holanda), recentes trabalhos mostraram que esta droga pode ser administrada com segurança a pacientes com depressão refratária ao tratamento e sofrimento psicológico associado a doenças terminais, bem como às pessoas com dependência de álcool ou de tabaco e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
A pesquisa também sugere que a substância não é viciante, não causa dependência e tem toxicidade extremamente baixa, observam os Drs. Breckenridge e Grobbee.
Esses resultados encorajadores abriram a porta para os ensaios clínicos que estão surgindo agora.
Os dois novos estudos utilizaram um desenho duplo-cego e cruzado, e foram realizados em um ambiente supervisionado. Cada um utilizou várias ferramentas psicológicas validadas para analisar uma série de efeitos e para avaliar a segurança.
Os desfechos primários dos dois estudos foram a depressão e a ansiedade – quadros clínicos altamente prevalentes entre os pacientes com câncer, cujas doenças costumam ser resistentes aos antidepressivos e ansiolíticos, ou à psicoterapia.
Os desfechos secundários foram a avaliação da espiritualidade, do sofrimento existencial, do medo da morte e das experiências místicas. Por exemplo, alguns pacientes descreveram sentir um intenso sentido de unidade, transcendência de tempo e espaço, ou humor profundamente positivo e melhora da qualidade de vida.
A principal diferença entre os dois estudos foi no que diz respeito aos medicamentos de controle utilizados. Um estudo usou a niacina, que mimetiza a psilocibina; o outro utilizou uma dose baixa da própria psilocibina.
Experiência terapêutica importante
O estudo realizado pelos pesquisadores da New York University recrutou 29 pessoas, das quais quase dois terços tinham câncer de estágio III ou IV. Todos os pacientes haviam sido diagnosticados com algum transtorno relacionado com a ansiedade. A maioria preencheu os critérios diagnósticos de transtorno da adaptação, e os demais preencheram os critérios de transtorno da ansiedade generalizada. Quase dois terços já tinham sido tratados com antidepressivos ou ansiolíticos, mas nenhum participante estava tomando medicamentos no momento do estudo.
A média de idade dos participantes foi de 56 anos. Cerca de 55% já tinham tomado alguma droga psicodélica pelo menos uma vez na vida, o que os pesquisadores consideraram não ser surpreendente.
Durante os anos 60 e 70, dezenas de milhões de pessoas usaram drogas psicodélicas. Era muito comum experimentar pelo menos uma vez o LSD (Lysergsäurediethylamid, ácido lisérgico em alemão) ou a maconha (Cannabis sativa), disse o Dr. Ross.
Os pacientes neste estudo tomaram psilocibina (0,3 mg/kg, ou aproximadamente 21 mg/70 kg) ou niacina (250 mg), ou vice-versa após sete semanas. Ambos grupos fizeram psicoterapia com elementos de apoio psicodinâmicos e existenciais. Os pacientes tomaram a droga em um ambiente recriando uma atmosfera familiar, disse o Dr. Ross. Os pacientes e os terapeutas deram as mãos formando um círculo, e os pacientes verbalizaram as suas intenções para a sessão. Depois de tomar o comprimido, cada paciente recebeu livros de arte, músicas pré-escolhidas e máscaras para os olhos e foi convidado a direcionar a sua atenção internamente. Os terapeutas, todos experientes, checaram regularmente os pacientes.
A escala de ansiedade Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS) e o registro Beck Depression Inventory (BDI) foram utilizados para capturar os relatos dos pacientes. O estudo mostrou que a psilocibina produziu uma resposta ansiolítica e antidepressiva imediata e mantida.
Com relação à pontuação no Beck Depression Inventory, no grupo que usou psilocibina na primeira sessão, cerca de 83% dos participantes preencheram os critérios de resposta antidepressiva sete semanas depois de receber a primeira dose. No grupo que usou niacina na primeira sessão, 14% preencheram os critérios de resposta antidepressiva. Com relação à pontuação na Hospital Anxiety and Depression Scale, no grupo que usou psilocibina na primeira sessão, 58% preencheram os critérios de resposta ansiolítica sete semanas depois de receber a primeira dose; no grupo que usou niacina na primeira sessão, 14% preencheram os critérios de resposta ansiolítica.
Em 6,5 meses de acompanhamento, os índices de resposta antidepressiva ou ansiolítica ficaram na faixa de 60% a 80%, dependendo do instrumento de medida utilizado.
O estudo do Dr. Ross também mostrou que a psilocibina foi associada à melhora da qualidade de vida e ao bem-estar espiritual, bem como a menor sofrimento existencial. As experiências místicas, medidas pelo Mystical Experiences Questionnaire, tiveram alta correlação com as respostas clínicas.
“Definitivamente, existe algo relacionado com a intensidade da experiência mística que é a maior causa de melhora dos pacientes”, disse o Dr. Ross.
Cerca de 70% dos pacientes classificaram a experiência com a psilocibina como “singular, ou entre as cinco melhores experiências de sua vida. Foram as mais instrutivas, memoráveis e importantes experiências terapêuticas das quais as pessoas se lembravam e sobre as quais nos falaram”, disse o pesquisador.
Não houve diferença de resposta entre os pacientes que tinham usado alucinógenos no passado e aqueles que não o tinham. Também não fez diferença se os pacientes tinham ou não alguma fé religiosa.
Resultados coerentes
O segundo estudo http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675513, realizado por pesquisadores da Johns Hopkins University, em Baltimore, Maryland, recrutou 51 pacientes com câncer. Destes, 65% tinham doença recidivante ou metastática. Todos os participantes corresponderam aos critérios diagnósticos de transtorno de adaptação crônico com ansiedade, transtorno de adaptação crônico com ansiedade e humor deprimido, transtorno distímico, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno depressivo maior ou diagnóstico duplo de transtorno de ansiedade generalizada e transtorno depressivo maior pelo DSM-IV (4ª Edição do Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais).
Os pacientes tomaram uma dose alta de psilocibina (22 mg/kg), seguida, cinco semanas mais tarde, por uma dose muito baixa (3 mg/70 kg, reduzida para 1 mg/70 kg durante o estudo, e que mimetizava o placebo), ou receberam uma dose baixa seguida pela dose alta cinco semanas mais tarde.
Como no estudo da New York University, os pacientes estavam em um ambiente controlado. Eles também foram estimulados a deitar em um sofá, usar uma máscara nos olhos para bloquear as distrações visuais externas, e ouvir música. Eles também foram incentivados a concentrar a atenção em suas experiências interiores durante toda a sessão.
Neste estudo, os pacientes receberam instruções que ajudaram a minimizar suas expectativas. Eles foram informados de que a psilocibina seria administrada nas duas sessões, que as doses da psilocibina poderiam variar de muito baixas para altas, e que as doses nas duas sessões poderiam ser ou não as mesmas.
“Maximizamos as expectativas tanto da parte dos voluntários como dos monitores”, disse o pesquisador responsável Dr. Roland R. Griffiths, médico e professor do Departamento de Psiquiatria e Neurociências da Johns Hopkins University, em Baltimore, Maryland, para o Medscape. “As instruções foram: ‘Nós não sabemos a dose, de modo que tentem obter o máximo que puderem desta experiência’.”
Embora este grupo não tenha feito psicoterapia formal como os pacientes no estudo da New York University, eles receberam um grande apoio da equipe do estudo.
Os resultados deste estudo “são perfeitamente coerentes” com os resultados do estudo da New York University, disse o Dr. Griffiths
A análise mostrou que a alta dose de psilocibina teve uma grande repercussão nas duas medidas dos desfechos primários avaliados pelo médico, que foram a depressão, avaliada usando a GRID-HAMD-17 (GRID-Hamilton Depression Rating Scale); e a ansiedade, avaliada usando a Hospital Anxiety and Depression Scale. Também foram observadas grandes repercussões na maioria dos desfechos secundários.
A resposta clinicamente significativa foi definida como redução de 50% ou mais em relação à pontuação inicial na GRID-HAMD-17. Ao fim de cinco semanas após a primeira sessão, 92% dos participantes que tomaram a dose elevada na primeira sessão exibiram resposta clinicamente significativa. No grupo que recebeu a dose baixa na primeira sessão, 32% exibiram resposta clinicamente significativa.
Aos seis meses, a média da resposta clínica foi de 78% para a depressão e 83% para a ansiedade. “Assim, cerca de 80% das pessoas apresentaram resposta clínica”, disse o Dr. Griffiths.
A taxa de remissão aos seis meses foi de 65% para a depressão e 57% para a ansiedade.
A ausência de psicoterapeutas treinados não interferiu nos resultados. Na verdade, o tamanho do efeito aos seis meses foi um pouco maior neste estudo, em comparação ao estudo da New York University.
“Pode ter havido outras diferenças entre os centros dos estudos, passíveis de promover a eficácia”, disse o Dr. Griffiths. “Acreditamos que ainda temos de trabalhar para obter a formação ideal, mas eu diria que tivemos excelentes clínicos.”
Experiências místicas
Os participantes que tomaram a dose alta referiram mudanças positivas em suas atitudes em relação à vida, a si mesmo, no humor, nos relacionamentos e na espiritualidade. Este estudo comportou avaliações de membros da comunidade, que também mostraram significativas mudanças positivas nas atitudes e nos comportamentos dos participantes.
Os relatórios dos avaliadores da comunidade são “os mais reveladores,” disse o Dr. Griffiths. “Se o seu cônjuge diz que você melhorou muito, isso é muito eloquente.”
Como o estudo da New York University, este estudo mostrou efeitos significativos das experiências do tipo místico em vários resultados, como significado espiritual, satisfação com a vida e significado existencial.
Foi difícil recrutar pacientes com câncer para este estudo porque muitos compreensivelmente têm medo de usar drogas psicodélicas, devido à reputação dessas substâncias e, possivelmente, por terem tido alguma experiência pessoal ruim com elas, observou o Dr. Griffiths.
O pesquisador disse que “não estava 100% confiante” de que a intervenção teria efeitos importantes, porque os pacientes eram “muito vulneráveis”. Todos estavam lidando com um quadro de câncer terminal, depressão ou ansiedade e, em alguns casos, as perspectivas dos pacientes eram “iminentemente sombrias”.
“Eu achava que havia uma possibilidade de eles saírem da experiência com mais medo ou mais prejudicados ou traumatizados”, disse o Dr. Griffiths. “Por isso, a coisa mais incrível para mim foi isso ter funcionado exatamente como para os voluntários saudáveis que tinham participado de um estudo anterior.
O tipo de experiência mística que alguns pacientes experimentam com a psilocibina “permitiu a eles seguirem em frente, não se sentirem deprimidos, não se sentirem ansiosos, mas com otimismo, e eu diria até mesmo com alegria”, disse o Dr. Griffiths.
Muitos tiveram uma “compreensão maior de que a vida e a morte estão misturadas de algum modo profundo que fala com a própria natureza da consciência humana”, algo que é “intensamente terapêutico”.
A pesquisa não identificou novas questões de segurança. Em ambos estudos, houve poucos eventos adversos, como aumentos previstos da pressão arterial e do pulso, náuseas e vômitos, e ansiedade transitória ou ocasionais sintomas psicóticos. Estes últimos aparentemente tiveram remissão rápida.
Quem é quem na psiquiatria
No editorial acompanhando o estudo, o Dr. David Nutt, PhD, do Imperial College London, disse que os estudos são “divisores de água” e os “estudos controlados mais rigorosos até hoje” feitos com psilocibina. Quando solicitados a tecer comentários sobre esses estudos, os especialistas nas áreas da psiquiatria, desenhos de estudo e atendimento a pacientes terminais, todos, concordaram em fazê-lo apesar do curto prazo. Este, disse o Dr. Nutt, “é um testemunho do interesse que os dois trabalhos despertaram”.
A lista das pessoas que comentaram parece um “who’s who” da psiquiatria norte-americana e europeia, e “deve assegurar aos indecisos que esta utilização da psilocibina está em conformidade com o âmbito aceito pela psiquiatria moderna”, disse o Dr. Nutt.
Os comentaristas, de maneira geral, elogiaram os estudos, chamando-os de “bem elaborados” e “metodologicamente rigorosos”. Eles concordaram que esta é uma nova e emocionante era da psicofarmacologia psicodélica. Vários destacaram que a replicação sistemática dos principais resultados nos dois centros contribuiu para a confiança na solidez dos resultados.
No entanto, alguns analistas destacaram que, embora os estudos tenham tentado cegar os participantes e a equipe para a designação do braço de tratamento, não está claro o quão eficazes foram estes procedimentos.
“A resposta ao placebo e as expectativas são, naturalmente, questões complexas de isolar”, escreve em seu cometário o Dr. Paul Summergrad médico da Tufts University School of Medicine, em Boston, Massachusetts.
“Isto é especialmente verdade nos estudos que incluíram um percentual significativo de participantes que já tinham utilizado drogas psicodélicas e que estavam enfrentando problemas clínicos e existenciais graves. No entanto, a taxa e a velocidade de resposta a uma droga ativa, sua intensidade e duração são decididamente mais significativas do que as observadas nas respostas ao placebo entre os pacientes com depressão moderada, mesmo com grupos de pesquisa mais comprometidos e engajados”.
John D. McCorvy e colaboradores, da Divisão de Biologia Química e Química Medicinal, do Departamento de Farmacologia da University of North Carolina, em Chapel Hill, e do Psychoactive Drug Screening Program, National Institute of Mental Health, observaram que o efeito placebo é “um importante fator confusor no desenvolvimento dos novos antidepressivos, visto que o placebo pode produzir efeitos antidepressivos em 30% a 40% dos participantes”.
Em seu comentário, o Dr. Richard C. Shelton, do Departamento de Psiquiatria e Neurobiologia Comportamental, e Peter S. Hendricks, do Departamento de Saúde Comportamental da School of Public Health, ambos da University of Alabama, em Birmingham, assinalaram que os estudos não usaram uma avaliação direta da integridade dos procedimentos de cegamento.
“Nem pediram diretamente aos participantes para estimar os tratamentos aos quais foram submetidos. Seria prudente obter esta informação nos futuros estudos”.
No entanto, eles observaram que a “relevância” dos efeitos da psilocibina pode inviabilizar o cegamento completo, como costuma acontecer nos estudos com drogas psicoativas e intervenções comportamentais.
O Dr. David Spiegel, do Departamento de Psiquiatria e Ciências do Comportamento da Stanford University School of Medicine, na Califórnia, destacou que no estudo realizado por Dr. Griffiths e colaboradores, apenas 10% das pessoas inicialmente triadas participaram do estudo, a maioria por não atender aos critérios de inclusão. “Então, desde o início essas pessoas estavam inclinadas a acreditar que uma droga psicodélica poderia ajudá-las neste momento da vida.”
Os especialistas que comentaram os estudos identificaram o desenho com cruzamento como uma limitação, na medida em que restringe a interpretação após o cruzamento; só os resultados antes do cruzamento podem ser considerados confiáveis como resultado do uso da droga.
No estudo do Dr. Griffiths e colaboradores, a dose baixa pode ter tido alguma atividade e, portanto, poderia ter influenciado a avaliação duplo-cego da eficácia da dose mais alta, de acordo com o Dr. Craig D. Blinderman, médico do Serviço de Cuidados Paliativos para Adultos do Departamento de Medicina do Columbia University Medical Center/New York Presbyterian Hospital, em Nova York. No estudo realizado pelo Dr. Ross e colaboradores, disse o Dr. Blinderman, o uso de um controle cego limitado pode ter contribuído para algum viés dos resultados.
Resultados generalizáveis?
De acordo com o Dr. Blinderman, os critérios de exclusão psiquiátricos limitaram os achados aos pacientes com transtorno de depressão e transtorno de ansiedade, mas não aqueles com história pessoal ou familiar de outros transtornos psiquiátricos, como esquizofrenia e transtorno bipolar.
Além disso, o tamanho relativamente pequeno da amostra, composta por uma população de maioria branca e escolarizada, impede a generalização.
Usar medidas subjetivas nos estudos é compreensível, mas “é uma fraqueza particular de qualquer estudo no qual o cegamento é inadequado”, observou o Dr. Guy M. Goodwin, do Departamento de Psiquiatria do University of Oxford Warneford Hospital, no Reino Unido.
“Qualquer sugestão que torne os participantes de um estudo experimental cientes do que o experimentador espera encontrar ou de como participantes devem se comportar é denominada de característica de demanda. Estes estudos têm características de demanda inquestionáveis”.
Avaliar o valor do tratamento com base apenas nos sintomas também é uma limitação, disse o Dr. Goodwin.
“Medidas mais objetivas de atividade, simplesmente motora ou econômica, os custos do seu tratamento do câncer, e assim por diante, também devem fazer parte do quadro das futuras pesquisas nesta área.”
O Dr. Goodwin também acredita que seria “útil” considerar os estudos com alucinógenos como estudos de tratamento psicológico, em vez de estudos farmacológicos.
“Caso os pacientes apresentem melhora duradoura decorrente da compreensão ou da reformulação da própria vida por causa da doença terminal, esta abordagem representa, na verdade, uma psicoterapia, embora conte com auxílio farmacológico.”
Quanto às experiências místicas que alguns pacientes descreveram, não está claro se estas são “a causa, a consequência ou o corolário do efeito ansiolítico ou da cognição irrestrita”, comentou o Dr. Benjamin Kelmendi, médico do Departamento de Neurociência Aplicada do National Center for PTSD, em West Haven, Connecticut e colaboradores.
“A relação entre uma experiência mística induzida por drogas psicodélicas e o desfecho terapêutico exige maior exploração, como sua indução em condições ideais e em um ambiente controlado, fornecendo assim uma intervenção terapêutica valiosa para transtornos que, de outro modo, são difíceis de tratar”, escrevem.
Mecanismo obscuro
A falta de conhecimento sobre o mecanismo pelo qual a psilocibina produz a alteração do estado de consciência com qualidades espirituais é uma questão maior, de acordo com o Dr. Jeffrey A. Lieberman, do Departamento de Psiquiatria da Columbia University, em New York e seu colega, o Dr. Daniel Shalev.
“Não podemos afirmar que os efeitos ansiolíticos e antidepressivos das drogas sejam resultados diretos de seus efeitos serotoninérgicos ou secundários ao estado alterado de consciência mística que produzem. Como outros agonistas serotoninérgicos (por exemplo, a lisurida) não produzem esta experiência psicodélica, foi sugerido que as drogas psicodélicas devem ligar-se aos receptores 5-HT2A de um modo especial, ou exibem seletividade funcional, ou de polarização do receptor”.
Alguns dos especialistas que comentaram os estudos questionaram se os benefícios observados seriam sustentados quando aplicados nas condições da “vida real”, fora das condições rigorosamente controladas destes dois estudos.
Apesar destas várias questões, os comentaristas concluíram em geral que os novos resultados justificam progredir para os ensaios clínicos de fase 3. Se confirmados em grandes estudos, com poder estatístico e população diversificada, a classificação atual da psilocibina como droga de Classe I “deve ser questionada”, escreve o Dr. Blinderman, “pois isso representaria uma modalidade de tratamento diferente de tudo que existe na psiquiatria”.
O Dr. Ross salientou que muitos dos profissionais que comentaram os estudos representam “a psiquiatria organizacional” – o mesmo tipo de liderança neste campo que ajudou a banir as drogas psicodélicas em 1970. “Então a psiquiatria organizacional voltou a aceitar isso.”
Ele advertiu que estes novos resultados não devem sugerir aos pacientes que o consumo de cogumelos alucinógenos ilícitos possa ajudá-los.
“A psilocibina deve ser restrita aos hospitais”, disse o Dr. Ross. “Isso não deve incentivar o uso recreativo; deve incentivar mais pesquisas em circunstâncias rigorosamente controladas.”
Tanto o estudo do Dr. Ross quanto o estudo do Dr. Griffiths foram financiados principalmente pelo Heffter Research Institute, organização sem fins lucrativos fundada por cientistas na década de 1990 para analisar e financiar pesquisas com a psilocibina e outras drogas psicodélicas.
Expectativas superadas
O Dr. George Greer, psiquiatra e diretor médico do Heffter Research Institute, disse ao Medscape estar “encantado” com os novos resultados, que são “melhores do que esperávamos”.
O Heffter Research Institute tem financiado estudos-piloto realizados com psilocibina, e estes novos ensaios clínicos são os maiores realizados até agora, disse ele.
“O importante é que trata-se de um novo modelo para o tratamento da ansiedade e da depressão, no qual o tratamento consiste numa única dose da droga e os benefícios são profundos e duram meses.”
“De modo que trata-se de um novo paradigma na psiquiatria. Não há nada parecido em toda a psiquiatria”.
O Heffter Research Institute está subsidiando a pesquisa do uso da psilocibina na dependência química. Existem dois grandes ensaios clínicos sobre tabagismo (na Johns Hopkins) e álcool (na New York University), e um estudo piloto na University of Alabama, em Birmingham, investigando o uso da psilocibina na dependência de cocaína, disse o Dr. Greer.
O instituto também está considerando propostas de uso da psilocibina no tratamento de depressão refratária, do transtorno obsessivo-compulsivo e possivelmente dos transtornos alimentares, disse ele.
“A psilocibina é tão singular, comparada a todos os medicamentos aprovados. É uma ferramenta com potencial de muitas coisas, e queremos explorar esses potenciais”.
O Heffter Research Institute também está apoiando a pesquisa animal sobre o impacto de uma droga semelhante à psilocibina na inflamação. Estudos em camundongos descobriram que pequenas doses da droga reduziram a inflamação e abriram as vias respiratórias. “Estamos muito animados com as possíveis implicações para a asma e a aterosclerose, mas ainda é muito cedo”, disse o Dr. Greer.
O Dr. Griffiths faz parte do conselho de administração do Heffter Research Institute. O Dr. Summergrad recebe honorários de CME Outfitters, Pharmasquire e de universidades e associações para fazer palestras não promocionais; royalties da Harvard University Press, Springer e American Psychiatric Press; e honorários de consultoria de Owl, Inc, e Quartet Health Inc, todos fora do escopo do trabalho apresentado. O Dr. Goodwin é pesquisador sênior do National Institute for Health Research (NIHR); as opiniões expressas são próprias e não necessariamente as do National Health Service, o NIHR, ou o Department of Health. Ele recebe uma bolsa do Wellcome Trust, têm ações de PIVital, e nos últimos três anos prestou consultoria, assessoria, ou foi palestrante para AstraZeneca, Merck, Cephalon/Teva, Eli Lilly, Lundbeck, Medscape, Otsuka, PIVital, Pfizer, Servier, Sunovion e Takeda. Os outros autores informaram não possuir conflitos de interesse relevantes ao tema.
J Psychopharmacol. Publicado on-line em 1º de dezembro de 2016. Ross et al, Artigo http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675512; Griffiths et al, Artigo http://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0269881116675513
por Pauline Anderson
FONTE http://www.medscape.com/viewarticle/872504