Archives março 2017

Uma entrevista com Albert Hofmann

escrito por Michael Horowitz 1976
Originalmente publicado na High Times


Dr. Albert Hofmann:

 — A princípio, eu não estava de acordo com a ideia de publicar esta entrevista [na revista High Times]. Eu estava chocado e surpreso pela existência de tal revista, cujos textos e propagandas tendem a tratar o assunto das drogas ilegais com uma atitude casual e irresponsável. Também, a maneira com a qual a High Times trata sobre a política da maconha, cujo problema necessita urgentemente de uma solução, não corresponde à minha abordagem. Mesmo assim, eu cheguei a decisão de que minhas declarações, aparecendo numa revista direcionada a leitores que, atualmente, fazem uso de drogas ilegais, pode ser de especial valor e poderia ajudar a diminuir o abuso e uso indevido das drogas psicodélicas. Michael Horowitz convenceu-me de que uma descrição precisa da descoberta do LSD, das plantas mágicas mexicanas (sobre as quais tantas versões enganosas existem), e minha opinião dos vários aspectos do problema das drogas, dentre outros tópicos, seria útil para uma grande e interessada audiência de pessoas nos Estados Unidos. Esta entrevista tem como objetivos a promoção de informação sobre o que essa classe de drogas pode e não pode fazer, e quais são os seus potenciais perigos.


 

No alto da Segunda Guerra Mundial, quatro meses após a criação artificial da primeira reação nuclear ser liberada em uma pilha de minério de urânio em Chicago, um traço acidentalmente absorvido do produto de um semi natural fungo do centeio, silenciosamente explodiu no cérebro de um químico suíço de 37 anos, que trabalhava nos laboratórios de pesquisa da Sandoz em Basel. Ele relatou ao seu diretor:

“Fui forçado a interromper meu trabalho no laboratório no meio da tarde e ir para casa, enquanto eu era apreendido por uma peculiar inquietação associada a uma sensação moderada de tontura… uma espécie de embriaguez que não era desagradável, e que era caracterizada por uma atividade extrema da imaginação … surgiu sobre mim um fluxo ininterrupto de imagens fantásticas de plasticidade e vividez extraordinárias e acompanhadas por um intenso, caleidoscópio jogo de cores….”

Três dias depois, em 19 de abril de 1943, o Dr. Albert Hofmann ocupou-se de um auto experimento, que tanto confirmou os resultados de sua experiência psicoativa anterior, como revelou uma fascinante nova descoberta: aqui jazia a primeira substância conhecida a produzir efeitos psíquicos em dosagens muito pequenas, mensuráveis apenas em microgramas! O Dr. Hofmann havia descoberto o LSD-25.

A dietilamida do ácido lisérgico (LSD) foi entusiasticamente investigada pela profissão psiquiátrica europeia como uma possível chave para a natureza química da doença mental. Acreditava-se que seus efeitos mimetizavam o estado psicótico. Assim que o LSD foi introduzido na psiquiatria americana em 1950, rapidamente o interesse disseminou-se entre os militares dos Estados Unidos e aos interesses de segurança nacional. Em meados de 1950, o LSD estava sendo pesquisado como um intensificador da criatividade e estimulador da aprendizagem; rumores de suas qualidade extáticas, místicas e psíquicas começaram a vazar através dos escritos de Aldous Huxley, Robert Graves e outros luminares literários.

Um experimento de Harvard, não médico e em larga escala, envolvendo o LSD e outras drogas psicodélicas no início dos anos 60, precipitou uma feroz controvérsia sobre os limites da liberdade acadêmica, e focou a atenção nacional na droga hoje conhecida como “ácido”. A meio caminho da turbulenta década, um milhão de pessoas havia experimentado o LSD do mercado-negro, engendrando uma revolução neurológica cujo o resultado ainda não foi averiguado. Em 1966, o Congresso proibiu o LSD.

O Dr. Hofmann hoje vive numa aposentadoria confortável, em uma colina com vista para a fronteira Suíça-França. Ele concedeu a High Times esta exclusiva entrevista, para discutir não apenas as implicações de sua descoberta do LSD, mas também suas investigações químicas menos divulgadas, sobre os agentes ativos de várias plantas sagradas mexicanas.

Considerando o trabalho de sua vida, o Dr. Hofmann parece um provável candidato ao Prêmio Nobel em química. Suas descobertas não apenas ampliaram nosso conhecimento de químicos psicoativos e disparou a imaginação de milhares de cientistas, historiadores e outros pesquisadores; mas elas tiveram um direto e revolucionário impacto na habilidade da humanidade de entender e ajudar a si mesma.


Horowitz:
Que trabalho você fazia antes de descobrir o LSD?

Hoffman:
Nos primeiros anos de minha carreira, no laboratório de pesquisas farmacêuticas da Sandoz em Basel, eu estava ocupado principalmente com investigações sobre componentes cardíacos, glicosídeos da cila (ou “Scilla maritima”). Estas investigações resultaram na elucidação da constituição química do núcleo comum destes agentes, fornecendo medicamentos valiosos que são amiúde usados no tratamento de insuficiência cardíaca.

A partir de 1935, eu trabalhei nos alcalóides do ergot, resultando no desenvolvimento da ergonovina, a primeira preparação sintética de alcalóides naturais do ergot: Methergin, usado em obstetrícia para interromper hemorragias; e Hydergine, para queixas geriátricas.

Em 1943, os resultados deste primeiro período da minha pesquisa na área do ergot foram publicados num jornal científico, “Helvetica Chimica Acta”. Como resultado de meus primeiros oito anos da pesquisa com ergot, eu sintetizei um grande número de derivados do ergot: amidas do ácido lisérgico; o ácido lisérgico sendo o núcleo característico dos alcalóides naturais do ergot. Dentre essas amidas do ácido lisérgico, também estava a dietilamida do ácido lisérgico.

Horowitz:
Você tinha LSD em seu laboratório já em 1938?

Hofmann:
Sim. Na época, uma série de experimentos farmacológicos estavam sendo realizados no departamento de farmacologia da Sandoz. Excitação acentuada foi observada em alguns dos animais. Mas estes efeitos não pareceram interessantes o suficiente aos meus colegas de departamento. O trabalho com LSD foi suspenso por vários anos. Como eu tinha um sentimento estranho de que seria valioso executar estudos mais profundos neste composto, acabei preparando uma quantidade fresca de LSD na primavera de 1943. No decorrer deste trabalho, uma observação acidental levou-me a executar um planejado auto experimento com tal composto, que então resultou na descoberta dos extraordinários efeitos psíquicos do LSD.

Horowitz:
Que tipo de droga você estava tentando fazer quando sintetizou o LSD?

Hofmann:
Quando eu sintetizei a dietilamida do ácido lisérgico, código de laboratório LSD-25 (ou simplesmente LSD), eu havia planejado a preparação de um composto analéptico; um estimulante circulatório e respiratório. A dietilamida do ácido lisérgico está relacionado, em sua estrutura química, com a dietilamida do ácido nicotínico, conhecido por ser um analéptico eficaz.

Horowitz:
A descoberta do LSD foi um acidente?

Hofmann:
Eu diria que o LSD foi resultado de um complexo processo, que teve sua gênese em um conceito bem definido, seguido por uma síntese apropriada, isto é, a síntese da dietilamida do ácido lisérgio – durante o curso do qual uma observação fortuita serviu como gatilho para um auto experimento planejado, que então levou a descoberta dos efeitos psíquicos deste composto.

Howoritz:
“LSD-25” significa que a preparação do LSD, com os característicos efeitos psicoativos, foi a vigésima quinta que você fez?

Hofmann:
Não, o número 25 por trás do LSD significa que a dietilamida do ácido lisérgico foi o vigésimo quinto composto que eu havia preparado numa série de amidas do ácido lisérgico.

Horowitz:
No relato publicado de sua primeira experiência com o LSD, em 16 de abril de 1943, às 15h00 em Basel, você escreveu sobre uma “intoxicação de laboratório”. Você engoliu algo, respirou um vapor, ou algumas gotas de solução caíram sobre você?

Hofmann:
Não, eu não engoli nada, e eu estava acostumado a trabalhar sob várias condições de limpeza pois, em geral, essas substâncias são tóxicas. Você deve trabalhar muito, muito limpo. Provavelmente, um traço da solução de dietilamida do ácido lisérgico, que eu estava cristalizando do álcool metílico, foi absorvido através da pele dos meu dedos.

Horowitz:
Quão grande foi a dose que você tomou naquela primeira vez, e qual foi a natureza e intensidade daquela experiência?

Hofmann:
Eu não sei—um traço imensurável. A primeira experiência foi bem fraca, consistindo em pequenas mudanças. Tinha uma agradável qualidade de filme de conto de fadas. Três dias depois, em 19 de abril, 1943, eu fiz meu primeiro experimento planejado, com 0,25 miligramas (ou 250 microgramas).

Horowitz:
Você engoliu?

Hofmann:
Sim, eu preparei uma solução de 5 miligramas e tomei uma fração correspondente a 250 microgramas, ou 25 milionésimos de uma grama. Eu não esperava que esta dose funcionasse, e planejava tomar mais e mais, até obter os efeitos. Na época, não havia nenhuma outra substância conhecida que tivesse qualquer efeito numa dose tão pequena.

Horowitz:
Os seus colegas sabiam que você estava fazendo este experimento?

Hofmann:
Somente meu assistente.

“Das minhas experiências com LSD… eu recebi o conhecimento de não apenas uma, mas de um número infinito de realidades.”

Horowitz:
Você estava familiarizado com o trabalho sobre mescalina feito por Klüver, Beringer e Rouhier no final dos anos 1920, antes de você fazer, em você mesmo, experimentos com substâncias alteradoras da mente?

Hofmann:
Não – eu fiquei interessado no trabalho deles somente após a descoberta do LSD. Eles são pioneiros na área das plantas psicoativas.

A mescalina, estudada pela primeira vez por Lewin em 1888, foi o primeiro alucinógeno disponível como um composto quimicamente puro; LSD foi o segundo. As investigações de Karl Beringer foram publicadas na clássica monografia “Der Meskalinrausch” em 1928, mas nos anos seguintes, interesse na pesquisa de alucinógenos desapareceu gradualmente.

Não foi até minha descoberta do LSD, que é aproximadamente 5.000 a 10.000 vezes mais ativo que a mescalina, que esta linha de pesquisa recebeu novo ímpeto.

Horowitz:
Naquela tarde, por quanto tempo você conseguiu escrever notas de laboratório?

Hofmann:
Não muito. À medida que os efeitos se intensificavam, eu percebia não saber o que iria acontecer, se algum dia eu voltaria ao normal. Eu pensei que estava morrendo ou ficando louco. Eu pensei na minha esposa e duas crianças pequenas, que nunca saberiam, ou entenderiam, por que eu teria feito aquilo. Meu primeiro auto experimento planejado com o LSD foi uma “bad trip”, como dizem nos dias de hoje.

Horowitz:
Por que levou quatro anos, desde a sua descoberta dos efeitos psíquicos do LSD, até a publicação de seu relato? Sua informação foi abafada?

Hofmann:
Não havia abafamento sobre este conhecimento. Depois da confirmação, por parte dos meus voluntários da equipe da Sandoz, da ação deste extraordinário composto, o Professor Arthur Stoll, que na época era o diretor do departamento de farmacologia da Sandoz, perguntou-me se eu permitiria seu filho, Werner A. Stoll—que estava iniciando sua carreira no hospital psiquiátrico da Universidade de Zurique—enviar este novo agente para um estudo psiquiátrico fundamental em voluntários normais e em pacientes psiquiátricos. Esta investigação levou um longo tempo, pois, o Dr. Stoll, assim como eu e a maioria dos jovens suíços naquele período de guerra, frequentemente tínhamos que interromper nossos serviços e servir ao exército. Esse excelente e compreensivo estudo não foi publicado até 1947.

Horowitz:
Agentes governamentais, cientes do LSD, lhe abordaram durante a Segunda Guerra Mundial?

Hofmann:
Antes do relatório psiquiátrico de Werner Stoll em 1947, não havia nenhum conhecimento geral sobre o LSD. Em contrapartida, nos círculos militares dos anos 1950, havia discussão aberta sobre o LSD como uma “droga incapacitante”, e portanto “uma arma sem morte”. Na época, o Exército dos EUA enviou um representativo a Sandoz para falar comigo sobre o procedimento de produção de LSD em larga quantidade.

Claro, o plano de usá-lo como um “agente incapacitante” não foi viável, pois não havia maneira de distribuir uniformemente as doses—alguns tomariam um monte e outros não tomariam nada. Discussões sobre os usos militares do LSD não eram segredo naqueles tempos, apesar de alguns jornalistas falarem como se fosse.

Horowitz:
O nome de Arthur Stoll aparece junto ao seu no artigo de química onde a síntese do LSD é descrita pela primeira vez. Qual era a conexão dele com esta investigação?

Hofmann:
O nome de Stoll, como parte de sua função de diretor do departamento, aparece em todos os artigos vindos dos laboratórios de pesquisa da Sandoz; mas ele não teve conexão direta nenhuma com a descoberta do LSD. Ele foi um dos pioneiros na pesquisa com ergot, tendo isolado em 1918 o primeiro alcalóide quimicamente puro do ergot—a ergotamina—que mostrou ser um medicamento útil no tratamento de enxaqueca. Mas então a pesquisa com ergot foi interrompida na Sandoz, até que eu retomei-a novamente em 1935.

Horowitz:
Quem foi a segunda pessoa a tomar LSD?

Hofmann:
Professor Ernst Rothlin, o então diretor do departamento de farmacologia da Sandoz. Rothlin estava duvidoso quanto ao LSD; ele alegou ter uma volição forte, e que era capaz de suprimir os efeitos de drogas. Mas após ter tomado 60 microgramas—um quarto da dose que eu havia tomado—ele ficou convencido. Eu tive que rir enquanto ele descrevia suas fantásticas visões.

Horowitz:
Você tomou LSD fora do laboratório?

Hofmann:
Por volta de 1949 a 1951, eu arranjei algumas sessões domiciliares com LSD, na companhia amigável e privada de dois bons amigos: o farmacologista Heribert-Konzett, e o escritor Ernst Jüenger. Jüenger é o autor de, entre outras obras, “Abordando Revelações: Drogas e Narcóticos” [“Annaeherungen; Drogen und Rausch“. Stuttgart: Klett. 1970].

Eu fiz isso com o intuito de investigar a influência dos arredores, das condições exterior e interior na experiência do LSD. Esses experimentos mostraram-me o enorme impacto do—para usar termos modernos—set & setting sobre o conteúdo e caráter da experiência.

Também aprendi que o planejamento tem suas limitações. Apesar do bom humor no início de uma sessão—expectativas positivas, belos cenários e companhia simpática—certa vez eu caí numa terrível depressão. Esta imprevisibilidade dos efeitos é o maior perigo do LSD.

Horowitz:
Há quanto tempo e com que frequência você continua a tomar LSD?

Hofmann:
Os meus 10 a 15 experimentos com LSD foram distribuídos ao longo de 27 anos. O último foi em 1970. Desde então, eu não tomei mais LSD, pois acredito que, tudo o que uma experiência de LSD pode me dar, já foi-me dado. Talvez, mais tarde em minha vida, eu precise tomar uma ou várias vezes mais.

Horowitz:
Qual foi a sua maior dose única de LSD tomada?

Hofmann:
250 microgramas.

Horowitz:
Você recomendaria o uso de LSD?

Hofmann:
Eu suponho que sua pergunta refere-se ao uso não medicinal de LSD. Atualmente, se tal uso fosse legal (o que não é o caso), eu sugeriria as seguintes diretrizes: a experiência é melhor conduzida por uma pessoas madura, estável e com uma razão significativa para tomar o LSD.

No que diz respeito aos seus efeitos psíquicos e sua constituição química, o LSD pertence àquele grupo de drogas mexicanas, “peyotl”, “teononocotl” e “ololiuqui”, que tornaram-se drogas sagradas devido a sua misteriosa maneira de afetar o cerne da mente.

A veneração temerosa das religiões indígenas pela droga psicodélica, pode ser substituída, em nossa sociedade, por respeito e reverência, baseado em conhecimento científico estabelecido de seus efeitos psíquicos únicos.

Esta atitude respeitosa em relação ao LSD, deve ser complementada por condições externas apropriadas—pela escolha de um ambiente inspirador e uma companhia selecionada para a sessão; e havendo assistência médica disponível, no caso em que for preciso.

Horowitz:
Os efeitos do ergotismo são similares aos do LSD?

Hofmann:
Há duas formas de ergotismo: “ergotismus gangrenosus” e “ergotismus convulsivus”. A primeira é caracterizada por sintomas de gangrena, porém não acompanha efeitos psíquicos. Na última forma, contrações e convulsões dos músculos acarretam, frenquentemente, num estado comparável à epilepsia—uma condição às vezes acompanhada por alucinações, e assim relacionada aos efeitos do LSD. Isso pode ser explicado pelo fato de que os alcalóides do ergot têm o mesmo núcleo básico que o LSD; isto é, eles são derivados do ácido lisérgico.

 

“Eu fiquei sabendo… que os russos estudaram os usos do LSD em investigações militares e parapsicológicas; e que eles estavam à procura de um antídoto.”

 

Horowitz:
Você concorda com o termo “psicodélico”, cunhado pelo Dr. Humphry Osmond?

Hofmann:
Eu acho que é um bom termo. Corresponde melhor aos efeitos dessas drogas do que “alucinógenos” ou “psicotomiméticos”. Outra denominação adequada seria “phantastica”, cunhada por Loius Lewin nos anos 1920; mas não foi aceita em países anglo-saxônicos.

Horowitz:
Você descreveu as suas investigações sobre drogas psicoativas como um “círculo mágico”. O que você quer dizer?

Hofmann:
Minhas investigações com as amidas do ácido lisérgico me levaram ao LSD. O LSD trouxe os cogumelos sagrados mexicanos à minha atenção, que levou à síntese de psilocibina, que por sua vez trouxe a visita de Gordon Wasson e as subsequentes investigações com o “ololiuqui”. Lá, de novo eu me encontrei com as amidas do ácido lisérgico, encerrando o círculo mágico 17 anos depois.

Horowitz:
Você pode descrever os eventos que levaram a isso?

Dr. Hofmann segurando o fungo Ergot no centeio, março 1976.

Hofmann:
Após ter estudado a cerimônia do cogumelo no México, durante 1954 e 1955, Gordon Wasson e sua esposa convidaram o micologista Roger Heim a acompanhá-los numa nova expedição em 1956, a fim de identificar o cogumelo sagrado.

Ele descobriu que, a maioria dos cogumelos, eram de uma nova espécie pertencente ao gênero “Psilocybe mexicana”, da família “Strophariaceae”. Em seu laboratório em Paris, ele foi capaz de artificialmente cultivar alguns deles, mas, após tentativas mal sucedidas em isolar o princípio ativo, ele enviou os cogumelos sagrados aos laboratórios Sandoz, na esperança de que nossa experiência com LSD nos permitiria resolver o problema. Num certo sentido, o LSD trouxe os cogumelos sagrados ao meu laboratório. Primeiramente, testamos o extrato de cogumelo em animais, mas os resultados foram negativos. Era incerto se os cogumelos cultivados e secados em Paris continuavam ativos; então, a fim de resolver este ponto fundamental, decidi testá-los em mim mesmo. Eu comi 32 espécimes secos de “Psilocybe mexicana”.

Horowitz:
Não é uma dose grande?

Hofmann:
Não. Os cogumelos eram muito pequenos, pesando apenas 2,4 gramas—uma dose média, segundo os padrões indígenas.

Horowitz:
Como foi?

Hofmann:
Tudo assumiu um caráter mexicano, fosse com meus olhos fechados ou abertos. Eu via apenas temas e cores mexicanas. Quando o doutor, supervisionando o experimento, curvou-se para verificar minha pressão sanguínea, ele foi transformado em um sacerdote asteca, e eu não ficaria surpreso se ele houvesse sacado uma faca de obsidiana.

Foi uma experiência forte e durou cerca de seis horas. Os cogumelos estavam ativos; os teste em animais deram resultados negativos devido à comparável baixa sensibilidade dos animais para substâncias com efeitos psíquicos.

Horowitz:
Você então procedeu com a síntese?

Hofmann:
Depois deste confiável teste em seres humanos (o que significa que eu e meus colegas de trabalho ingeriram as frações a serem testadas), eu extraí os princípios ativos dos cogumelos, purifiquei-os e finalmente os cristalizei.

Eu nomeei “psilocibina” o principal princípio ativo do “Psilocybe mexicana”; e psilocina para o seu alcalóide acompanhante, geralmente presente apenas em quantidades pequenas. Então, eu e meus colegas estávamos capazes de elucidar a estrutura química da psilocibina e psilocina, e após isso, nós conseguimos sintetizar tais compostos.

Hoje, a produção sintética de psilocibina é muito mais econômica do que obter do próprio cogumelo. Assim, o “teonanacatl” fora desmistificado—as duas substâncias, cujo efeitos mágicos fizeram os indígenas mexicanos acreditarem por milhares de anos que um deus residia no cogumelo, poderiam agora ser preparadas em uma retorta.

Horowitz:
Em uma de suas palestras gravadas, Aldous Huxley descreveu o encanto da famosa “curandera” de Wasson, Maria Sabina de Huautla, sobre a ingestão da psilocibina. Ela percebeu que poderia fazer magia durante todo o ano, e não apenas na sessão do cogumelo após as chuvas.

Hofmann:
Aquela era a minha psilocibina. Quando eu e Wasson visitamos Maria Sabina, não haviam cogumelos sagrados pois, era muito tarde na estação do ano; então fornecemos a ela pílulas contento psilocibina sintética.

Após ter tomado uma dose um tanto forte, no decorrer da sessão noturna, ela disse não haver diferenças entre as pílulas e os cogumelos. “O espírito do cogumelo está na pílula”, disse ela—prova final de que nossa preparação sintética era idêntica, em todos os aspectos, ao produto natural.

Horowitz:
O que incitou sua investigação de outra das plantas sagradas mexicanas, o “ololiuqui”?

Hofmann:
Quando Wasson veio a Sandoz, em meu laboratório, para ver os cristais de psilocibina sintética, ele estava encantado com os resultados de nossa investigação química, que haviam confirmado seus estudos etnomicológicos sobre os cogumelos sagrados. Nos tornamos amigos e fizemos planos futuros para investigar as plantas sagradas mexicanas.

O próximo problema que decidimos atacar, foi o enigma do “ololiuqui”, que é o nome asteca para as sementes de certas glórias-da-manhã. Com a ajuda de Wasson, eu pude obter sementes de “ololiuqui” coletadas por indígenas zapotecas. A análise química (das sementes de “ololiuqui”) forneceu um resultado bastante surpreendente. O princípio ativo que isolamos mostrou-se ser a amida do ácido lisérgico, e outros alcalóides do ergot.

Horowitz:
Então o “ololiuqui” é quimicamente relacionado ao LSD?

Hofmann:
Sim. O principal alcalóide do “ololiuqui” é a amida do ácido lisérgico, que difere do LSD—da dietilamida do ácido lisérgico—por apenas dois radicais etil. Eu não esperava encontrar derivados do ácido lisérgico—que na época eram conhecidos apenas como produtos de fungos inferiores do tipo ergot—também em plantas superiores, em espécies da glória-da-manhã da fanerogâmica família dos “Convolvulaceae”. Meus resultados foram tão surpreendentes, que o primeiro artigo enviado sobre o assunto, em Melbourne em 1960, havia sido recebido com ceticismo pelos meus colegas. Eles não acreditavam em mim. “Oh, você tem tantos compostos de ácido lisérgico em seu laboratório, talvez tenha contaminado seu “ololiuqui” com extratos deles”, diziam eles.

Horowitz:
Qual era o propósito de sua jornada ao México?

Hofmann:
Era uma expedição que Wasson organizou no outuno de 1962, em busca por outra não identificada e mágica planta mexicana, a saber, a chamada “hojas de la Pastora”. Nós viajamos a cavalo em trilhas indígenas pela Sierra Mazateca, chegando finalmente em tempo para estar presente numa cerimônia noturna, na cabana de uma curandera que utilizava o suco de folhas da “hojas de la Pastora”. Mais tarde, conseguimos obter algumas amostras da planta. Era uma nova espécie da família da hortelã, que foi, posteriormente, identificada botanicamente na Universidade de Harvard e nomeada “Salvia divinorum”. De volta ao meu laboratório na Sandoz, eu não tive sucesso em extrair o princípio ativo, que na “Salvia divinorum” é muito instável.

Horowitz:
Os efeitos psicoativos da “Salvia divinorum” são similares àqueles do LSD e “Psilocybe mexicana”?

Hofmann:
Sim, porém menos pronunciados.

 

Horowitz:
Quais escritores você acha que têm mais sucesso em transmitir a experiência psicodélica na literatura?

Hofmann:
Eu acho que as melhores descrições estão nos livros de Aldous Huxley. Em seguida, eu diria Timothy Leary e Alan Watts; na França, Henri Michaux.

Na literatura alemã, Rudolf Gelpke merece ser mencionado a este respeito, mas eu creio que seu trabalho não esteja disponível em inglês. “Von Fahrten in den Weltraum der Seele” [“Viajem no Cosmos da Alma”], publicado no jornal “Antaios” em 1962, é especialmente bom. Eu devo também mencionar a nova monografia do Dr. Stan Grof, “Realms of the Human Unconscious” [New York: Viking, 1975], contendo descrições excelentes de sessões com LSD na perspectiva de estudos psiquiátricos.

Horowitz:
Herman Hesse ou Carl Jung alguma vez mostraram interesse em sua descoberta?

Hofmann:
Eu nunca conheci Hesse, mas seus livros—especialmente “O Jogo das Contas de Vidro” e “O Lobo da Estepe”—me interessaram profundamente em relação à pesquisa com LSD. É possível que Hesse experimentou com mescalina nos anos 1920, como alguns supõe—eu não tenho forma alguma de saber. Exceto um breve encontro com Jung, em um congresso internacional de psiquiatras, eu não tive contato com ele.

Horowitz:
Alguma vez você se encontrou com Aldous Huxley?

Hofmann:
Duas vezes. Em 1961, eu me encontrei com ele para almoço em Zurique; e novamente em 1963, quando ambos estávamos atendendo a Conferência WAAS [World Academy of Art and Science], onde tópicos gerais sobre superpopulação, esgotamento dos recursos naturais e ecologia foram discutidos. Eu fiquei profundamente impressionado com Huxley: ele irradiava vida, inteligência, bondade e franqueza—e claro, era extremamente articulado.

Horowitz:
O que você acha do “Livro Tibetado dos Mortos”, como um guia para a experiência psicodélica, conforme sugerido por Huxley e os pesquisadores de Harvard, dentre outros?

Hofmann:
As ideias e instruções gerais dadas, sobre como preparar e conduzir a sessão psicodélica, são o resultado de longas experiências nesta área, e parecem muito valiosas. O que me perturba é o uso estrangeiro do simbolismo tibetano. Eu prefiro que permaneçamos dentro do nosso próprio quadro cultural—que usemos símbolos encontrados nos escritos de místicos ocidentais, tais como Silesius, Eckhart, Boehme e Swedenborg.

Horowitz:
Qual foi sua impressão sobre o trabalho do Dr. Timothy Leary com psicodélicos?

Hofmann:
Eu formei minha primeira impressão do Dr. Leary em 1963. Naquela época, ele estava envolvido, juntamente com seu colega, o Dr. Richard Alpert, em um projeto na Universidade de Harvard investigando o uso de LSD e psilocibina na reabilitação de presidiários. O Dr. Leary me enviou um pedido de 100 gramas de LSD, e 25 quilos de psilocibina. Antes que o departamento de vendas da Sandoz pudesse executar a demanda de extraordinária quantidade de compostos psicodélicos, solicitamos ao Dr. Leary o fornecimento da licença de importação necessária das autoridades de saúde dos EUA. Ele falhou em fornecê-la. A maneira irrealista na qual ele lidou com esta transação, deixou a impressão de um pessoa indiferente aos regulamentos da sociedade.

Eu tive um vislumbre de outra faceta de seu caráter quando, mais tarde naquele mesmo ano, ele me convidou a participar de um encontro em Zihuatanejo (México) sobre pesquisa de drogas. Ele emfatizou que rádio, televisão e jornalistas das mais importantes mídias de massa estariam presentes, o que revelou uma personalidade muito pública em sua consciência.

Horowitz:
Você se encontrou com Leary mais tarde, não?

Hofmann:
Uma década depois que o Dr. Leary escapou da prisão e estava vivendo em exílio na Suíça. Eu estava ansioso para conhecê-lo pessoalmente, tendo lido tanto sobre ele na mídia durante o período de intervenção. No dia 3 de setembro de 1971, se encontraram em Lausanne o pai e o profeta do LSD.

Eu fiquei surpresso em encontrar, não um cientista do tipo professoral, nem um fanático; mas um delgado, sorridente e juvenil homem, representando mais um campeão de tênis do que um professor de Harvard.

No decorrer de nossa conversa, o Dr. Leary deu-me a impressão de uma pessoa idealística, que acredita na influência transformadora das drogas psicodélicas sobre a humanidade; que é consciente do complexo problema de drogas e, ainda assim, era desleixado quanto a todas as dificuldades envolvidas na promoção de suas ideias.

Horowitz:
Além do seu estilo pessoal, o que você achava das ideias do Dr. Leary na época de seu encontro na Suíça?

Hofmann:
Nós estávamos de acordo no que concerne a enorme importância de fazer uma distinção fundamental entre as drogas. Concordamos que o uso de drogas produtoras de dependência, especialmente a heroína (com seus desastrosos efeitos somáticos e psíquicos), deveriam ser evitadas por qualquer meio possível. Concordamos também, na avaliação dos potenciais efeitos benéficos das drogas psicodélicas. Nós discordamos quanto à extensão e por quem os psicodélicos devem ser usados.

Ao passo que o Dr. Leary advoga o uso de LSD, sob condições apropriadas, por pessoas muito jovens, por adolescentes, eu insisti que uma personalidade madura e estável fosse uma condição prévia. Madura pois, a droga pode liberar apenas o que já está na mente. Não traz nada novo—é como uma chave que pode abrir uma porta para o nosso subconsciente. Estável pois, é necessário força espiritual para manusear e integrar uma esmagadora experiência psicodélica em sua “Weltbild” (N.T.: visão de mundo).

Horowitz:
O LSD possui qualidades afrodisíacas?

Hofmann:
Apenas no sentido em que o LSD adiciona novas dimensões para todas experiências; incluindo, é claro, a sexual.

Horowitz:
Você se beneficiou financeiramente de sua descoberta do LSD?

Hofmann:
Não.

Horowitz:
A Sandoz é uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo. Como que lidou com a produção e distribuição de uma substância tão controversa quanto o LSD?

Hofmann:
Desde o início, era claro que o LSD (apesar de suas extraordinárias qualidades) não tornaria-se uma preparação farmacêutica de valor comercial. Não obstante, a Sandoz colocou um enorme esforço em investigações científicas da substância, mostrando o papel eminente que o LSD poderia ter como uma excelente ferramenta na pesquisa do cérebro e na psiquiatria.

Portanto, a Sandoz tornou o LSD disponível no mundo todo, para investigadores clínicos e experimentais qualificados, a fim de promover tais pesquisas com ajuda técnica e, em muitas casos, auxílio financeiro. A Sandoz teve um papel nobre no desenvolvimento científico do LSD.

Horowitz:
A Sandoz interrompeu a produção de LSD porque ele estava entrando no mercado negro?

Hofmann:
Em 1965, no começo da histeria do LSD, a Sandoz interrompeu completamente a distribuição de LSD para propósitos de pesquisa, no intuito de evitar toda possibilidade (e para contrariar falsos rumores) de que o seu LSD estaria entrando no mercado negro. Outra razão, era forçar autoridades de saúde de diferentes países, a fornecer regras e regulações adequadas sobre a distribuição de LSD. Depois que isso foi realizado, novamente eles forneceram LSD para distribuição na América pela FDA [Food and Drug Administration], porém apenas aos investigadores licenciados.

 

“Aos 19 anos, eu tomei a decisão de tornar-me químico, por razões ambas místicas-filosóficas e curiosidade.”

 

Horowitz:
Nos Estados Unidos, tem havido uma recente grande investigação sobre experimentos indequados com LSD, conduzidos pela CIA, Exército, Marinha e outras agências governamentais. Eles obtiveram LSD da Sandoz, assim como Timothy Leary obteve o dele em seu projeto psicodélico de Harvard?

Hofmann:
A Sandoz fornecia a Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (a FDA), que então distribuía na América. Provavelmente, foi assim que a CIA e outros obtiveram.

Horowitz:
Você alguma vez foi abordado por agentes soviéticos, à procura de LSD da Sandoz ou de suas especialidades?

Hofmann:
Isso não aconteceu. Eu fiquei sabendo, de cientistas suecos em Estocolmo, que os russos estudaram os usos do LSD em investigações militares e parapsicológicas; e que eles estavam à procura de um antídoto. Mas a empresa farmacêutica de Spofa, em Praga, é que provavelmente forneceu o LSD.

Horowitz:
Você está familiarizado com o químico underground, Stanley Owsley, que nos anos 60 produziu a mais ampla distribuição de LSD clandestino?

Hofmann:
Eu escutei o seu nome mencionado nesse contexto, porém, não sei mais nada sobre ele.

Horowitz:
Quanto tem sido a pureza do LSD clandestino que você testou?

Hofmann:
Alguns continham a quantidade “rotulada”, alguns menos. É difícil de fazer uma preparação estável em condições laboratoriais menos que perfeitas. Você deve eliminar todo traço de oxigênio. Oxidação destrói o LSD, assim como a luz.

Horowitz:
Vocês está familiarizado com a substância parecida com o LSD, chamada ALD-52, que teve destaque num julgamento sobre ácido há dois anos?

Hofmann:
Sim. ALD-52 é acetil-LSD, uma modificação do LSD que se mostrou ser tão ativa quanto o original, pois, o acetil é removido dentro do corpo e então você tem os efeitos do LSD. Tem sido utilizado apenas experimentalmente. Alguns anos atrás, nós o enviamos ao Centro de Reabilitação de Drogas em Lexington (Kentucky) para testagem.

Horowitz:
O que você sabe sobre ketamina?

Hofmann:
Ketamina é um psicodélico totalmente sintético, diferentemente do LSD, que é um produto semissintético.

Horowitz:
Para muitas pessoas, o LSD proporciona algo que elas chamam de experiências religiosas. Quais são seus sentimentos sobre isso?

Hofmann:
Pessoas a quem o LSD proporciona experiências religiosas, esperam ter tais experiências quando elas tomam LSD. Expectativa—que é idêntica à auto sugestão—determina, num alto grau, o que irá acontecer na sessão, pois, sua extrema sugestibilidade é uma das características mais importantes do estado mental do LSD.

Outra razão para a incidência de experiências religiosas, é o fato de que o próprio núcleo da mente humana é conectado a Deus. Esta mais profunda raiz de nossa consciência, que no estado normal é encoberta por superficiais atividades racionais da mente, pode revelar-se através da ação de uma droga psicodélica.

Horowitz:
O LSD é um agente evolutivo?

Hofmann:
Possivelmente. No estado mental do LSD, podemos nos tornar conscientes, nas palavras de Teilhard de Chardin, do “todo complexo das relações inter humanas e intercósmicas com um imediatismo, uma intimidade e um realismo” que, de outra forma, aconteceria apenas em estados extáticos espontâneos, e para poucos abençoados.

Entre líderes espirituais, existe consenso de que, a continuação do presente desenvolvimento, caracterizado pelo crescimento da industrialização e superpopulação, irá resultar na exaustão dos recursos naturais e destruir as bases ecológicas da existência humana neste planeta. Esta tendência de auto aniquilação, é re forçada por políticas internacionais baseadas em “viagens de poder” e na preparação de armas de potencialmente apocalípticas.

Esse desenvolvimento pode ser impedido apenas através de uma mudança na atitude materialista que causou o próprio desenvolvimento. Esta mudança pode resultar apenas da percepção das raízes espirituais mais profundas da vida e da existência; do uso compreensivo de todas as forças de nossa inteligência e de todos os recursos de nosso conhecimento.

Esta abordagem intelectual, complementada pela experiência visionária, poderia produzir uma alteração de consciência sobre a verdade e realidade, que então poderia ter uma significância evolutiva. O LSD, seletiva e sabiamente usado, poderia ser o meio de alguém complementar a percepção intelectual e visionária, e ajudar a mente preparada a tornar-se consciente de uma realidade mais profunda.

Horowitz:
Suas experiências com LSD mudaram sua vida pessoal e gostos?

Hofmann:
Aumentou minha sensividade para música clássica—especialmente Mozart. Meus hábitos de vida não mudaram.

Horowitz:
Sua mulher também experimentou com psicodélicos?

Hofmann:
Sim. Uma vez no México, na sessão com “Salvia Divinorum”, quando eu tive um problema gástrico e não poderia ingerir o suco, ela tomou meu lugar. Ela também ingeriu algumas das pílulas de psilocibina durante a sessão histórica em que Maria Sabina confirmou sua potência.

Horowitz:
Para quais usos médicos gerais o LSD poderia ser comercializado no futuro?

Hofmann:
Doses muito pequenas, talvez 25 microgramas, poderiam ser úteis como um euforizante ou antidepressivo.

Horowitz:
Quais de seus trabalhos estão disponíveis em inglês?

Hofmann:
Há vários anos atrás, eu e o Dr. Richard Evans Schultes de Harvard, fomos coautores de um livro chamado “The Botany and Chemistry of Hallucinogens“. Destina-se, primariamente, em fornecer conhecimento básico de botânica e química das plantas alucinógenas a estudantes especializados. Atualmente, estou escrevendo minhas memórias; mas estas serão publicadas primeiro em alemão.

Horowitz:
O que você tem feito desde sua aposentadoria da Sandoz?

Hofmann:
Eu me aposentei em 1971, após 42 anos com a Sandoz. Desde então, eu tenho escrito e dado aulas sobre drogas psicoativas. Aqui em casa, eu trabalho no pomar e corro nas florestas para me exercitar. É maravilhoso poder passar um monte de tempo na natureza intocada, após décadas de trabalho em laboratórios.

Horowitz:
Em seu livro “Gravity’s Rainbow”, o autor americano Thomas Pynchon descreveu um vitral em seu escritório, nos enfadonhos laboratórios da Sandoz. Isso é verdade?

Hofmann:
Isso é verdade. Agora está aqui em minha casa. Na realidade, é um moderno vidro em estilo antigo, retratando Esculápio e seu mentor, o centauro Quíron.

Horowitz:
Os suíços estão orgulhosos de sua descoberta do LSD e das sínteses da psilocibina e “ololiuqui”, ou a controvérsia em torno destas drogas dissiparam isso?

Hofmann:
Minhas descobertas se mostraram bastante controversas. Alguns consideram estas drogas como sendo “diabolique”, e uns clérigos pediram-me para confessar minha culpa em público; mas em círculos profissionais, meu trabalho tem sido apreciado. Eu fui honrado pelo Instituo Nacional Politécnico aqui na Suíça; por graus honorários em ciência natural e em farmacologia no Swedish Royal Pharmaceutical Institute; e nos Estados Unidos, por uma adesão honorária na Sociedade Americana de Farmacognosia.

Horowitz:
O que o fez decidir tornar-se um químico?

Hofmann:
Eu estava interessado em saber do que nosso mundo era feito. A química é a ciência dos constituintes do mundo, então aos 19 anos, eu tomei a decisão de tornar-me químico, ambos por razões ambas místicas-filosóficas e curiosidade.

Horowitz:
O LSD afetou sua perspectiva filosófica?

Hofmann:
Das minhas experiências com LSD, incluindo a terrível primeira vez, eu recebi o conhecimento de não apenas uma, mas de um número infinito de realidades. Experienciamos uma realidade diferente, dependendo da condição de nossos sentidos e receptores psíquicos. Eu percebi que a profundeza e riqueza dos universos interior e exterior são imensuráveis e inesgotáveis; mas que devemos retornar destes mundos estranhos para nossas casas e viver aqui, na realidade que é fornecida pelos nossos sentidos normais e saudáveis. É como astronautas retornando de voos espaciais: eles devem reajustar-se a este planeta.

Em algumas de minhas experiências psicodélicas, eu tive um sentimento de amor extático e unidade com todas as criaturas do universo. Ter tido tal experiência de absoluta beatitude significa um enriquecimento de nossa vida.

Horowitz:
Como você gostaria que gerações futuras lembrassem de você e sua descoberta?

Hofmann:
Talvez a imagem de um químico andando de bicicleta, em sua primeiríssima viagem de LSD, irá mudar para o Velho da Montanha.

FONTE


Agradecemos imensamente a tradução feita pela colaborador Canonical Commutation.
Seja você também um colaborador, entre em contato:

equipemundocogumelo@gmail.com

Seria o Brasil o novo epicentro da Ciência Psicodélica no mundo?

por Bia Labate

Eu sou parte do comitê científico da Segunda Conferência Mundial sobre Ayahuasca, a qual acontecerá em Rio Branco, na Amazônia Brasileira, em Outubro de 2016. Eu gostaria de compartilhar algumas incríveis informações científicas envolvendo a ayahuasca.

A conferência combina um palco principal, e um palco paralelo composto por pesquisadores que responderam ao “chamado para artigos”, um festival de cinema e uma série de eventos culturais. O palco principal terá representantes das religiões brasileiras que consagram ayahuasca, cerca de 100 indígenas e 11 mesas redondas. Estes incluem: xamanismo amazônico, cultura e patrimônio cultural, pesquisa científica, usos contemporâneos, intervenções clínicas, desafios da globalização, política e leis, meio ambiente e sustentabilidade, plantas da Amazônia, questões de gênero e riscos.

Na primeira edição da conferência em Ibiza, em 2014, foram enviadas cem propostas de apresentação. Agora, dois anos depois, esse número dobrou. A ciência da Ayahuasca parece espalhar-se pelo mundo vigorosa e dinamicamente assim como a própria ayahuasca. O  número de profissionais está crescendo, estão cada vez mais inspirados para estudar esta substância intrigante através das lentes de diferentes disciplinas.

Das 200 apresentações recebidas, 120 foram para a área acadêmica, e 80 para o palco comunitário, que consiste de praticantes com conhecimento empírico. Os artigos vêm de um total incrível de 28 países! Metade das propostas são da área de ciências sociais, e a outra metade dos campos de biomedicina, psicologia e saúde pública combinados. Embora ainda haja uma predominância de pesquisadores e profissionais do sexo masculino, um número crescente de mulheres estão participando sobre estas questões.

Os tópicos são variados como: ayahuasca para moradores de rua, tratamento para usuários problemáticos de drogas ou álcool, uso por veteranos de guerra e prisioneiros, terapias para lidar com a morte e no parto, e o papel da ayahuasca nos distúrbios de saúde mental e no bem-estar psicológico . Eles também abordam a prática ritual, o conhecimento xamânico, as relações inter-étnicas, o hibridismo cultural, a transnacionalização religiosa, a política de cura e a mercantilização. Além disso, a relação com terapias alternativas e espiritualidade da Nova Era será contemplada. Algumas apresentações também se concentram nos tópicos de legalidade, riscos à saúde e abuso sexual. Finalmente, artes e música, ao lado de ecologia e conservação, estão no menu da conferência.

Quase metade das propostas enviadas vieram do Brasil. Embora isso seja compreensível, a conferência revelou, para nossa surpresa, a notável emergência de novos grupos de pesquisa em todo o país. Esses incluem:

Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes(PROAD)

São Paulo

Dr. Dartiu Xavier da Silveira

Um grupo de 21 anos de pesquisa sobre ayahuasca que se materializou fora da organização PROAD, que vem conduzindo pesquisas com drogas desde 1991. Atualmente, cerca de 20 professores, pós-doutores e estudantes de graduação e pós-graduação pesquisam os potenciais terapêuticos e Uso ritualístico da ayahuasca, incluindo estudos epidemiológicos, ensaios clínicos, estudos de comorbidade, neurociências e redução de danos.

 

Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP)

São Paulo e outras cidades
Dra. Bia Labate

Uma rede de ciências sociais de 15 anos com 70 professores e pesquisadores de nível pós-graduado. Os membros do grupo organizaram várias conferências, publicaram dois livros e um grande número de dissertações de mestrado e doutorado, predominantemente em antropologia, sobre as religiões ayahuasca brasileiras (Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal), novos usos urbanos de ayahuasca e indígenas.

 

Universidade de São Paulo (USP)

Ribeirão Preto

Dr. Jaime Hallak, Dr. José Alexandre Crippa, Dra. Flávia Osório e Dr. Antônio Zuardi
Um grupo de pesquisa com mais de 20 professores, pós-doutores e estudantes de pós-graduação, envolvido há mais de uma década na investigação de novos medicamentos para o tratamento de transtornos neuropsiquiátricos como depressão, ansiedade, esquizofrenia e doença de Parkinson. O grupo é uma das equipes científicas brasileiras mais produtivas no campo biomédico. Eles realizam ensaios clínicos com voluntários saudáveis ​​e pacientes, investigando o potencial do uso terapêutico de vários fármacos, incluindo ayahuasca, canabidiol, nitroprussiato de sódio e ocitocina, entre outros.

 

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Natal
Dr. Draulio de Araujo
Este é um grupo interdisciplinar de sete anos de idade de 30 pesquisadores, incluindo professores, pós-doutores e estudantes de graduação. Seus interesses de pesquisa incluem os efeitos antidepressivos agudos e duradouros da ayahuasca. Diferentes marcadores biológicos e comportamentais são investigados nos campos da bioquímica, neuropsicologia e neuropsiquiatria, usando métodos como MRIs e EEGs.

 

Universidade de Brasília (UNB)

Brasília
Dra. Regina Célia de Oliveira

Este trabalho é de um grupo de dois anos de idade, composto por seis pesquisadores botânicos e um toxicologista, incluindo professores e estudantes de graduação. O foco da pesquisa é descobrir quais espécies do cipó Banisteriopsis spp são usadas pelas religiões brasileiras da ayahuasca e entender seu conhecimento etnobotânico dessas espécies. O foco inclui morfologia externa, análise citogenética, seqüenciamento de DNA, caracterização química, fitoquímica, anatomia, diversidade genética, conservação, análise filogenética, composição química e componentes bioativos da ayahuasca.

 

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Campinas

Dr. Luis Fernando Tófoli

Trata-se de um grupo interdisciplinar de um ano de idade, composto por 20 professores, pesquisadores e alunos. Seus interesses de pesquisa incluem o manejo agrícola de Banisteriopsis caapi e Psychotria viridis, análises químicas das próprias espécies de ayahuasca, fisiologia da ayahuasca, estabilidade de amostras de ayahuasca, liofilização, metabolômica, potenciais terapêuticos e estudos neurocientíficos.

Segundo os pesquisadores, os principais desafios são:

– encontrar financiamento;

– obter acesso ao DMT;

– a ortodoxia de alguns grupos de ayahuasca e o acesso a eles;

– encontrar voluntários para as experiências (devido a critérios de recrutamento);

– prejuízo dos profissionais de saúde;

– acesso à videira e à folha, ambos crescendo na natureza e cultivados;

– os desafios analíticos da caracterização da química das plantas coletadas.

 

Por outro lado, como potenciais benefícios, essas pesquisas podem:

– reconhecer e registrar uma grande variedade de práticas culturais ricas;

– ampliar a compreensão dos diversos contextos de uso e seus significados;

– dissipar o estigma e a criminalização;

– dar mais legitimidade aos grupos da ayahuasca;

– propor alternativas aos desafios da expansão;

– informar sobre os riscos e benefícios;

– aprender sobre os processos de saúde mental em indivíduos saudáveis;

– encontrar tratamento alternativo para doenças mentais ou perturbações, incluindo novas formas de tratamento para depressão e ansiedade;

– desenvolver terapias psicodélicas;

– compreender a origem e a idade das espécies;

– compreender a diversidade cultural e genética das plantas.

Apesar dos enormes desafios no atual cenário político e científico brasileiro, a ciência psicodélica parece estar crescendo naturalmente. Se você está interessado nesses tópicos, esta conferência é “como mel para abelhas”, como dizemos no Brasil. Venha participar neste diálogo único entre o conhecimento tradicional e a ciência!

Bia Labate é uma antropóloga brasileira que vive no México. Pesquisa substâncias psicoativas, politica de drogas, xamanismo, rituais e religião. Tem 17 livros publicados.

Para mais informações
www.twitter.com/LabateBia
www.bialabate.net

FONTE huffingtonpost.com

Navegando nos Estados de Consciência

Texto de Ralph Metzner

Texto colhido do site Reality Sandwich, em que Ralph Metzner, uma das figuras mais importantes e ainda vivas da cultura psicodélica moderna em seu primórdio, parceiro de Timothy Leary e Richard Alpert, disserta sobre os estados de consciência durante o estado psicodélico. O texto tinha o intuito de convidar os psiconautas para um curso que ele estaria ministrando neste mês de fevereiro, de 2017, via internet. Boa leitura!


 

Android Jones — DREAMCATCHER

O conceito de  estados alterados de consciência (ASCs) entrou em destaque na psicologia ocidental nos anos 1950 e 1960, principalmente devido a três avanços paradigmáticos. Um deles foi a descoberta de movimentos oculares rápidos (REM) durante o sonho,  foi a primeira vez que as variações fisiológicas registráveis poderiam ser correlacionadas de forma confiável com um estado subjetivo específico de consciência. A segunda descoberta foi de que as gravações de atividade elétrica no cérebro (EEG), na faixa de frequência de 8 a 12 ciclos por segundo (chamadas ondas alfa) foram correlacionadas de forma confiável com estados calmos e introspectivos de relaxamento e meditação. A terceira descoberta foi a descoberta do LSD e de outras substâncias psicodélicas de “expansão da consciência”, o que significava que estados de consciência profundamente transformados e transformadores, até agora acessíveis apenas a alguns indivíduos envolvidos em práticas meditativas ou iogues, poderiam ser induzidos com confiabilidade em pessoas comuns, dada a preparação certa, salvaguardas e ‘set / setting’.

Essas descobertas de correlações entre variações nas funções neurais e variações na consciência subjetiva estimularam um enorme aumento da pesquisa, que continua até hoje, usando tecnologias como EEG, MRI, PET e outros. Essa abordagem – o estudo das associações entre medidas da atividade cerebral e estados mentais – tornou-se o paradigma dominante no estudo científico da consciência. Baseia-se na suposição filosófica subjacente da cosmovisão ocidental e materialista de que a consciência deve, de alguma forma, estar localizada no cérebro. Esta é uma visão que remonta ao trabalho do matemático francês do século XVIII, René Descartes, que especulou que a alma poderia ser encontrada na glândula pineal. As filosofias orientais do Yoga e do Budismo vêm de uma abordagem completamente diferente, baseando suas concepções da mente em observações sistemáticas de estados internos durante a meditação.

O insight chave que saiu dos estudos de Harvard com moléculas psicodélicas nos anos 60, era o significado do ajuste (intenção) e do ajuste (contexto) na compreensão de estados psicodélicos da consciência. Ao contrário das drogas que afetam o funcionamento de um ou outro órgão corporal, como o coração ou os rins, os psicodélicos expandem o alcance, o foco e a clareza da própria percepção – a maneira como vemos a realidade e a nós mesmos. Seu efeito vai muito além mesmo do humor-elevação, ou ansiedade-calmante, efeitos de drogas estimulantes ou sedativas.
Timothy Leary costumava dizer que as drogas psicodélicas eram potencialmente para a psicologia o que o microscópio era para a biologia – proporcionando a percepção consciente de faixas e níveis de realidade que anteriormente eram inacessíveis. Mas assim como o que percebemos através de um microscópio é uma função do que colocamos no slide (como a folha de uma planta, ou uma gota de sangue), então o conteúdo de uma experiência psicodélica (os pensamentos, imagens, sentimentos, sensações) é uma função do conjunto pré-existente ou intenção, do contexto escolhido ou configuração. A droga funciona meramente como uma espécie de catalisador ou gatilho que desloca o funcionamento mental para um modo novo até então.

Nos cursos de pós-graduação sobre estados alterados de consciência que eu ensinei por muitos anos, achei útil expandir esse paradigma básico de conjunto, configuração e catalisador para qualquer e todos os estados de consciência, do mais comum ao mais exótico. Os catalisadores ou desencadeadores bem conhecidos dos estados alterados de consciência (além de moléculas psicoativas) são induções hipnóticas, práticas meditativas, ritmos xamânicos, música, natureza, sexo e outros, bem como as variações cíclicas normais da química do cérebro que nos catalisam nos estados de sono ou vigília. Também é útil aplicar o paradigma ASC para entender estados psicopatológicos que são contrativos, fixos ou dissociativos e têm consequências negativas e tóxicas para os indivíduos, as famílias e as comunidades – incluindo vícios em drogas ou comportamentais, medo (ataques de pânico), raiva (ataques de temperamento), crises psicóticas ou episódios de depressão, mania e outros. Discutiremos tais estados em um capítulo posterior.

Uma questão que causa inquietação na maioria das pessoas ao considerar ou discutir o conceito de “estado alterado”, é a aparente implicação de que “alterado” é em si anormal. Como então poderíamos falar sobre ASCs sendo terapêutico, criativo, ou com desenvolvimento espiritual aumentado? Em meus cursos, eu tentei superar esse preconceito cognitivo, apontando para o fato de que todos os seres humanos estão muito familiarizados com as variações normais, profundamente alteradas no estado que chamamos de dormir, acordar e sonhar. Sigmund Freud disse que os sonhos são o “caminho real para o inconsciente”, o que significa que eles fornecem o acesso mais amplo. Mas pode-se dizer igualmente que os sonhos são o caminho dos plebeus, pois todos podem e viajam naquela passagem noturna para os reinos além. Na Índia, o “caminho real da yoga” (raja yoga) se referia ao uso intencional de práticas psicológicas para liberar a consciência de seu condicionamento comum – e esse caminho requer um certo estudo disciplinado e aplicação.

Alguns autores tentaram superar as pressuposições negativas associadas ao conceito de “estados alterados”, propondo termos como “estado alternativo” ou “estado não-ordinário”, ou (como em um manual da Associação Psicológica Americana) “Experiências anômalas”. Mas esta estratégia linguística disfarça o ponto em que algumas alterações de estado são extremamente comuns, usuais e familiares. O “sonhar” deveria ser considerado um “estado não-ordinário”? Que tal estar “bêbado” ou “deprimido” – não são aqueles estados bastante comuns, todos muito familiares? Além disso, alguns povos indígenas e praticantes xamânicos objetam que o que os ocidentais chamam de estados “não-ordinários”, lhes são muito familiares e comuns. Existe todo um espectro de estados de consciência, do familiar e comum ao anômalo e exótico extremo. Se o estado é normal ou anormal é, de qualquer modo, um juízo cultural e historicamente relativo imposto à experiência e, portanto, uma questão acadêmica de nenhum significado particular.

Cheguei finalmente a compreender meu próprio desconforto persistente com o conceito de “estado alterado”, além de confundir a distinção entre estados ordinários e não ordinários: tem haver com a construção passiva “alterada”, o que sugere que algo foi feito a você por uma agência externa. Um estado induzido por drogas parece apoiar essa visão. Mas temos que lembrar que normalmente o indivíduo escolhe ingerir a droga, seja álcool,  LSD, ou maconha, com um determinado propósito e com a intenção de alterar sua própria consciência. Da mesma forma, uma pessoa pode optar por submeter-se a um procedimento de indução hipnótica para entrar em um estado de transe no contexto da psicoterapia. Alterar deliberadamente a consciência de outra pessoa sem seu conhecimento ou consentimento, por exemplo, por uso sub-reptício de uma droga ou álcool, é universalmente considerado moralmente repreensível e ilegal.

As transições de estado da vida cotidiana também podem ser concebidas e experimentadas, em termos ativos ou passivos. Podemos “ir dormir” com a intenção consciente para o repouso e restauração das energias; podemos “adormecer” involuntariamente devido à fadiga; ou podemos ser “adormecidos”, metaforicamente e literalmente, por um falante chato em uma sala de aula. Da mesma forma para a transição oposta: podemos ser “despertados” pelo despertador; apenas “acordar” espontaneamente; ou lutar, literal e metaforicamente, contra a atração descendente da sonolência, para se tornar mais plenamente consciente e alerta.

No budismo e outros ensinamentos espirituais, como os de G. I. Gurdjieff, o que consideramos nosso estado de vigília normal é visto como uma espécie de estado de sono, no qual estamos inconscientes de nossa natureza essencial. De acordo com esses ensinamentos, o propósito das práticas yogue e meditativas é nos ajudar a despertar das condições sombrias e sonhadoras da existência ordinária e não-consciente – e despertar para os nossos mais elevados potenciais espirituais e criativos.

A fim de usar expansiva e positiva os estados de consciência de forma construtiva para aumentar a saúde, criatividade e crescimento, precisamos ser capazes de reconhecer o estado que estamos em qualquer momento, e como navegar através dele. Nas práticas de adivinhação xamânica e alquímica, métodos de “condução sonora”, tais como bater ou chocalhar, são usados para facilitar o acesso ao conhecimento para a cura, resolução de problemas e orientação. Yogis e meditadores praticam atenção plena e métodos de concentração, a fim de experimentar as dimensões mais sutis da consciência.

Com estados contracionais e insalubres, como medo e raiva, precisamos identificar o estado em que estamos e reconhecer como isso está nos afetando (nosso pensamento, nossa percepção, nosso comportamento), bem como outros com quem podemos estar relacionados. Precisamos aprender como navegar nosso caminho através dos estados negativos para estados mais saudáveis, que afirmam a vida. Ao tornarmo-nos mais conscientes do estado em que nos encontramos num determinado momento, podemos mobilizar a atenção de diferentes maneiras, aumentar a gama de escolhas que podemos fazer e assumir mais plenamente a responsabilidade pelo impacto dessas escolhas nos outros e no nosso mundo.

O MODELO DE ‘SET e SETTING’

Um estado de consciência pode ser definido como o espaço ou campo subjetivo no qual os diferentes conteúdos da consciência, tais como pensamentos, sentimentos, imagens, percepções, sensações, intuições, memórias e assim por diante, funcionam em inter-relações padronizadas. Além disso, um estado de consciência sempre implica uma divisão definida do fluxo de tempo, entre dois pontos de transição. Por exemplo, estamos no estado de sono entre o momento de adormecer e o momento de acordar. Estamos no estado de vigília funcional, também chamado de “estado ordinário”, entre os momentos de acordar e de adormecer. Os estados de intoxicação por drogas ou álcool se estendem desde o momento da ingestão até o momento de “baixar”. Um estado meditativo ou um estado de transe hipnótico começa e termina com transições que nos referimos como “entrar” ou “voltar”, como se cruzássemos algum tipo de limite.

Embora possamos (às vezes) ancorar as transições de estados subjetivos para o tempo objetivo externo (relógio), é importante reconhecer que cada estado tem sua própria linha de tempo subjetiva ou fluxo de tempo. Por exemplo, nos sonhos o tempo e o espaço são bem diferentes do que no estado de vigília. Em um sonho podemos nos encontrar com uma pessoa amada que vive a milhares de quilômetros de distância – e não leva “tempo real” para viajar para esta reunião. Distância no estado de sonho não é geográfica, mas emocional, uma função de afinidade e interesse. De fato, nos sonhos e outros estados profundos, podemos nos encontrar conversando com alguém que está morto – tendo transcendido completamente os limites espaço-temporais da realidade comum. Nas transições entre estados, há uma descontinuidade e mudamos para um fluxo de tempo diferente e um espaço da mente diferente.

A noção de estado alterado adquiriu uma certa conotação de anormalidade, talvez devido à sua associação com o uso de drogas, embora todos estejamos familiarizados com os estados profundamente diferentes de sonhar e dormir. Por esta razão, cheguei a pensar que é importante para nós aprendermos a reconhecer e identificar os tempos e situações em que estamos funcionando de forma marcadamente diferente da usual, isto é, em um estado diferente.

Se pudermos identificar os pontos de transição ou gatilho quando o modo de consciência mudar, podemos aprender a utilizar os estados positivos de acordo com nossa intenção consciente. Por exemplo, um músico ou outro artista pode achar que um período de meditação facilita o acesso ao estado de fluxo que aumenta a expressão criativa. Talvez ainda mais importante para o nosso bem-estar, temos de aprender a navegar fora dos estados negativos, destrutivos. Por exemplo, aprender a reconhecer os gatilhos verbais para um estado alterado de raiva é um aspecto importante da gestão da raiva nas relações interpessoais. As transições entre diferentes estados são pontos de interseção de diferentes linhas de tempo, onde podemos conscientemente optar por mover-nos ao longo de outra linha do tempo para um espaço mais expansivo, cheio de novas possibilidades. Se não escolhermos conscientemente, então seremos desviados para outro estado de acordo com os ventos predominantes do karma, ou reações habituais.

Alguns estados alterados são geralmente considerados positivos, saudáveis e expansivos, associados a uma compreensão mais profunda de valor espiritual: podemos pensar em unicidade mística, êxtase, transcendência, visão, transe hipnoterapêutico, inspiração criativa, união erótica, viagem xamânica, consciência cósmica, Nirvana, Satori. Outros estados alterados são considerados negativos, insalubres, contrários, associados à ilusão, psicopatologia, destruição e conflito: podemos reconhecer os estados alterados de depressão, ansiedade, trauma, psicose, loucura, histeria, raiva, mania, estimulantes e compulsões comportamentais/obsessões associadas à sexualidade, violência, jogo e gasto de dinheiro.

Em medicina de emergência, as perguntas sobre a nossa orientação no tempo e lugar (que dia é hoje? que lugar é este?) São usados para diagnosticar o estado de consciência de alguém, possivelmente em choque ou trauma. Os estados mais profundamente alterados são aqueles em que o sentido de identidade ou auto-imagem é abolido ou transcendido: estes incluem os estados de ego-morte ou despersonalização que podem ocorrer na psicose, bem como estados de nirvana ou unicidade que podem ocorrer no misticismo.

A chave para a compreensão do conteúdo de uma experiência psicodélica, tal como formulada por Timothy Leary, Frank Barron e colegas (incluindo eu) nos primeiros dias da ‘Harvard Psilocybin Research Project‘, foi a hipótese de “set and setting”. Esta hipótese, que tem sido amplamente aceita dentro do campo, afirma que o conteúdo de uma experiência psicodélica não é tanto uma função da farmacologia, isto é, um “efeito das drogas”, mas sim uma função do conjunto, que é todos os fatores internos de expectativa, intenção, humor, temperamento, atitude; e ambiente, que é o ambiente externo, tanto físico e social, e incluindo as atitudes e intenções de quem fornece, inicia ou acompanha a experiência. A droga é considerada como um gatilho, ou catalisador, impulsionando o indivíduo em um estado diferente de consciência ou espaço da mente, em que a vivacidade e as qualidades contextuais das percepções dos sentidos são muito ampliadas.

Esta hipótese ajudou os pesquisadores de Harvard a entenderem como os mesmos medicamentos podiam ser vistos e usados como indutores de uma psicose modelo (psicotomimética), como um complemento à psicanálise (psicolítica), um tratamento para a dependência ou estímulo à criatividade (psicodélico), um facilitador de viagens de cura xamânica (enteogênica); ou mesmo, como usado pelo Exército dos EUA e CIA, como um tipo de soro da verdade e ferramenta para a obtenção de segredos de espiões inimigos. Dos dois fatores de conjunto e configuração, conjunto ou intenção são claramente primários, uma vez que o conjunto normalmente determina que tipo de configuração se vai escolher para a experiência.

De acordo com o modelo heurístico que proponho, podemos estender a hipótese do conjunto e da configuração a todas as alterações da consciência, independentemente do gatilho que elas sejam induzidas e mesmo dos estados que se repetem cíclica e regularmente, como dormir e acordar. Nessas alterações cíclicas da consciência, reconhecemos que eventos bioquímicos internos normalmente desencadeiam a transição para a consciência de dormir ou acordar, mas fatores externos também podem fornecer um catalisador. Por exemplo, deitado na cama, na escuridão, desencadeia alterações nos níveis de melatonina na glândula pineal, que por sua vez promover a transição para o sono. Outras alterações bioquímicas no cérebro, luz mais brilhante e os sons de um alarme, pode ser o gatilho para o despertar, novamente observado por mudanças bioquímicas cíclicas. Além disso, fatores externos, como drogas sedativas ou estimulantes, ruídos altos ou estresse, também podem desencadear essas variações no ciclo sono-vigília.

Claramente, o conteúdo dos nossos sonhos pode ser analisado como uma função do conjunto, as nossas preocupações internas durante o dia, bem como o ambiente em que nos encontramos. Os praticantes da “incubação dos sonhos” fazem uso deliberado desse princípio, formulando conscientemente certas questões relacionadas ao seu processo ou problemas internos, à medida que entram no mundo do sonho noturno. Nos templos de Asclépio na Grécia antiga, aqueles que sofreram doenças físicas ou psíquicas foram guiados para incubar sonhos de diagnóstico e cura.

No quadro deste modelo de ajuste e configuração, depois que nosso modo de funcionamento consciente regressa ao estado de linha de base (o que alguns também chamam de estado de realidade consensual), vem o momento da avaliação e interpretação. Tendo em mente os dois pontos de transição, dentro e fora do estado alterado, torna mais fácil separar a própria experiência de nossos pensamentos e julgamentos sobre ele. É o núcleo da prática de meditação de atenção plena (vipassana), onde você apenas observa seus pensamentos, sentimentos e sensações, mas não analisa, acompanha ou avalia.

Os julgamentos avaliativos são geralmente a primeira reação imediata após qualquer estado alterado. Podemos dizer, por exemplo, que foi uma ‘bad trip’ ou pesadelo, ou que esta foi uma experiência maravilhosa ou inspiradora. Os pesquisadores em neurociência descobriram que os juízos avaliativos de sentimento sobre nossa experiência se originam no sistema límbico dos mamíferos (especialmente a amígdala) e podem ser um resíduo evolutivo de uma reação de sobrevivência instintiva à ameaça percebida. Julgamentos avaliativos não transmitem muita informação sobre uma experiência no entanto. Quanto você realmente aprende sobre um filme, por exemplo, quando seu amigo simplesmente lhe diz que ele gostou ou que foi terrível?

Para trabalhar com sonhos ou outras experiências internas em psicoterapia ou crescimento pessoal, precisamos ir além dos primeiros julgamentos e interpretações associativas e perguntar-nos o que significa essa experiência para mim ou o que eu aprendi com ela? Um aspecto crucial do que se segue a uma experiência de estado alterada é a aplicação e integração, ou falta dela, na vida em curso. Será que uma visão mística da unicidade com o divino leva a um estilo de vida moralmente melhor, mais feliz e mais santo? Os insights de uma visão ou sonho de cura levam a uma resolução de problemas? O estado depressivo que estou experimentando significa que eu tenho um traço de personalidade depressiva, ou é uma reação temporária a uma situação estressante? Este é o tipo de exame reflexivo de nossas experiências pode, então, tornar-se uma prática psicoespiritual contínua.

FONTE Reality Sandwich

 


Agradecemos imensamente a tradução feita pela colaborador Sezaru Buraga.
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