Ayahuasca e Redução do Uso Abusivo de Psicoativos: Eficácia Terapêutica?

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Psicologia: Teoria e Pesquisa

Set-Dez 2006, Vol. 22 n. 3, pp. 363-370

Ayahuasca e Redução do Uso Abusivo de Psicoativos: Eficácia Terapêutica?

Rafael Guimarães dos Santos
Universidade de Brasília

Célia Carvalho de Moraes
Instituto de Gestalt-Terapia de Brasília

Adriano Holanda
Universidade de Brasília

RESUMO

Trata-se de uma avaliação do possível papel do uso da ayahuasca, em contexto religioso, como auxiliar na redução do consumo abusivo de psicoativos, a partir de uma pesquisa de estudo de caso. Foi realizada uma entrevista aberta com uma usuária regular de cocaína, nicotina e álcool que abandonou este comportamento após entrar em contato com a ayahuasca num contexto ritualizado. O caso foi analisado à luz da comparação deste com a literatura existente sobre o assunto. Foi traçada uma relação entre o início do uso da ayahuasca e o abandono do uso de cocaína, nicotina e álcool pela entrevistada, a partir da avaliação das representações simbólicas e das descrições de suas primeiras experiências com a bebida.

A palavra ayahuasca tem sua origem na língua Quéchua, língua falada nos altiplanos andinos (Dobkin de Rios, 1972), e significa, dentre outras, “corda dos mortos”, em referência às várias espécies de cipó utilizadas como base da preparação de um psicoativo utilizado por pelo menos 72 grupos indígenas diferentes, espalhados pelo Brasil, Colômbia, Peru, Venezuela, Bolívia e Equador (Luna, 1986). O termo ayahuasca refere-se a diferentes elementos: 1) a força espiritual que estaria presente na substância e 2) a própria substância, que é feita a partir de diferentes espécies do cipó Banisteriopsis (Malpighiaceae) adicionadas com outras plantas (Groisman, 2000)2. Pode-se dizer que o termo aplica-se também à substância preparada somente com espécies do cipó, prática esta encontrada, por exemplo, entre os índios Maku, na região fronteiriça entre Brasil e Colômbia (Davis, 1997).

Desde meados do século XIX, com a expansão do Ciclo da Borracha, a ayahuasca vem sendo utilizada por populações não indígenas, como seringueiros, pescadores e agricultores das áreas rurais dos estados brasileiros do Acre e de Rondônia, por exemplo (Araújo, M., 2004). Por volta da segunda década do século XX, no interior de Rio Branco-AC, foi criada por Raimundo Irineu Serra a religião do Santo Daime, culto que consagra a ayahuasca (neste contexto, batizada de Daime) em rituais religiosos com influências do catolicismo popular, do espiritismo kardecista, dos cultos afro e do xamanismo (Couto, 1989; Goulart, 1996; Labate & Araújo, 2004; MacRae, 1992).

Na década de 1940 foi fundada por Daniel Pereira de Mattos, também em Rio Branco-AC, a Barquinha, religião ayahuasqueira também formada com elementos indígenas, cristãos e afro-brasileiros, com uma maior influência da Umbanda (Araújo, W., 2004; Frenopoulo, 2004; Labate, 2004, Santos, 2004). E em 1961, foi fundada por José Gabriel da Costa, em Porto Velho-RO, a União do Vegetal (UDV), a maior e mais institucionalmente organizada das religiões ayahuasqueiras, cujos ensinamentos são baseados em uma doutrina cristã-reencarnacionista permeada por elementos do espiritismo kardecista e de outras manifestações religiosas urbanas. Além disso, possui um caráter mais sóbrio e menos festivo que as outras organizações (Santo Daime e Barquinha), não praticando danças ou cantos com instrumentos (Brissac, 1999, 2004).

Em recente publicação, Labate (2004) estudou os usos ritualizados da ayahuasca em contextos urbanos, usos estes marcados por uma influência de orientalismos, vocabulários provenientes do universo New Age e da Psicologia. Os usos religioso-institucionais da ayahuasca se encontram hoje em vários países do mundo, como Espanha, França, Holanda, Estados Unidos e Japão (Lima, 2004).

Ayahuasca, xamanismo e o uso problemático de psicoativos

O que caracteriza o uso problemático ou abusivo de certas substâncias não é, necessariamente, a quantidade e a freqüência de uso destes psicoativos, embora estes fatores possam fazer parte do comportamento descrito. Mais do que quantidade de substâncias e freqüência de uso destas, que poderiam atuar num nível primário (físico-biológico) do indivíduo, são as desarmonias na vida sociocultural, familiar e psico-social deste indivíduo (p. ex., estigmatização no emprego e na vida social mais ampla, isolamento social pela comunidade, maus-tratos por parte da polícia), ou seja, num nível secundário, que seriam as principais características deste uso problemático de psicoativos.

Existem vários relatos na literatura sobre os possíveis efeitos benéficos do uso ritual e/ou supervisionado de substâncias alucinógenas como uma alternativa às terapias contemporâneas para o auxílio na dependência ou no uso problemático de certos psicoativos, sobretudo o álcool (Blewett & Chwelos, 1959/2005; Carneiro, 2005; Grob, 2002; Grof, 2001).

Logo após a descoberta dos efeitos do LSD-25 por Albert Hofmann em 1943, várias substâncias desta classe foram aplicadas e testadas no contexto psicoterapêutico, médico, espiritual e em práticas “psicoespirituais”, ou seja, práticas que, em condições favoráveis de supervisão e preparação, buscam a reestruturação do indivíduo por meio de um estado de consciência cósmica que seria semelhante aos êxtases religiosos espontâneos conhecidos como unio mystica, samadhi ou satori, que são experienciados como uma iluminação por uma realidade transcendente em qual a Criação e o Ego são Um (Schultes & Hofmann, 1992).

Como exemplo destas práticas pode-se citar a a) terapia psicodélica, na qual, após uma intensa preparação, é administrada uma única dose do psicoativo, dose esta bastante alta, visando desencadear uma experiência místico-espiritual no indivíduo e, a partir daí, elaborar as mudanças cognitivo-comportamentais necessárias; e b) a terapia psicolítica, na qual pequenas doses são administradas ao longo do tempo, geralmente semanalmente ou mensalmente, intercaladas por psicoterapias baseadas em grande parte no modelo psicanalítico, com o objetivo de facilitar o processo de transferência entre o paciente e o terapeuta e, além disso, facilitar o acesso a memórias reprimidas da infância (Adaime, no prelo; Grob, 2002; Grof, 2001; Schultes & Hofmann, 1992).

Esta opção de se utilizar certos psicoativos para auxiliar o tratamento do uso abusivo de outros psicoativos também ocorre em grupos indígenas extremamente afetados pelo álcool. O fato de o álcool ser muitas vezes uma substância exógena e descontextualizada nestes grupos humanos, pode ser um dos motivos de seu abuso por parte desta população (Mabit, 2002). Como exemplos do uso tradicional de psicoativos no tratamento do alcoolismo pode-se citar a) o uso ritual de cactos contendo mescalina por parte dos curandeiros da costa peruana, uma prática com uma alta taxa de sucesso (por volta de 60%, após cinco anos) e b) a recuperação de práticas ancestrais, incluindo o uso ritual do peiote e do tabaco, por grupos indígenas norte-americanos (Mabit, 2002).

No final da década de 60 do século XX, devido às informações alarmistas provenientes da mídia e à expansão do uso de alucinógenos dos centros de pesquisa das faculdades para as ruas, a pesquisa envolvendo seres humanos e estas substâncias foram proibidas, dificultando o aprofundamento dos potenciais neuroquímicos e psicoterapêuticos destas substâncias peculiares (Carneiro, 2005; Grob, 2002; Grof, 2001). No entanto, o uso religioso de certos vegetais como o peiote nos EUA e México, a iboga na África, e a ayahuasca no Brasil e na Amazônia Ocidental, continuou sendo praticado com uma certa liberdade e autonomia (Fericgla, 1998; Furst, 1994; Labate, 2003).

Nestes contextos, as plantas são carregadas de um simbolismo altamente complexo, no qual fazem parte de seu consumo os aspectos: a) biológicos – a planta em si, suas substâncias e o organismo do indivíduo; b) psicológicos – o indivíduo, suas expectativas, motivações e preparações para o consumo do psicoativo; c) socioculturais – o indivíduo, sua comunidade e suas regras sociais; e d) ambientais – local do uso da substância, música, danças, plantas aromáticas, decoração etc (Grob, 2002; Grof, 2001; Leary, Metzner & Alpert, 1964/1995). Tanto a mescalina (do peiote) como a ibogaína (da iboga) vêm sendo estudadas como possíveis alternativas para a dependência e o uso problemático de psicoativos (Grof, 2001; Labate, 2003).

Recentemente, um estudo realizado com 15 membros da União do Vegetal que consagravam a ayahuasca ritualmente por pelo menos 10 anos demonstrou, entre outras coisas, que de acordo com os critérios da CID-10 e DSM-III-R, cinco dos examinandos tinham antecedentes de desordens formais por abuso de álcool, dois de depressão maior e três de ansiedade fóbica; 11 examinandos tinham uma história de uso moderado a grave de álcool anterior à sua entrada na UDV, com cinco deles referindo episódios associados com comportamento violento (dois deles tinham sido presos por causa de sua violência) (Grob & cols., 2004).

Além destes dados, o estudo de Grob e cols. (2004) evidenciou que quatro indivíduos também relataram envolvimento anterior com abuso de outros psicoativos, incluindo cocaína e anfetamina, e que oito dos 11 examinandos com histórias anteriores de álcool e abuso de outros psicoativos eram dependentes de nicotina na época do seu primeiro encontro com a UDV. Muitos dos examinandos do estudo de Grob e cols. referiram uma variedade de comportamentos disfuncionais anteriores à sua entrada na UDV. Autodescrições incluíram “impulsivo, sem respeito, raivoso, agressivo, opositor, rebelde, irresponsável, alienado, fracassado”.

Entretanto, avaliações de diagnóstico psiquiátrico revelaram que apesar de uma porcentagem apreciável de usuários de longo tempo da ayahuasca terem tido desordens relativas ao álcool, depressivas ou de ansiedade anteriores à sua iniciação com o alucinógeno, todas as desordens tinham remitido sem recaídas depois de sua entrada na UDV. Os examinandos referiram que desde sua entrada na UDV suas vidas passaram por mudanças profundas. Além da total descontinuidade do abuso de psicoativos, os sujeitos enfaticamente afirmaram que sua conduta diária e orientação para o mundo à sua volta tinham tido radical reestruturação (Grob & cols., 2004).

Baseado no estudo de Grob e cols. (2004), Labigalini (1998) desenvolveu uma pesquisa sobre as vivências subjetivas de quatro indivíduos que apresentavam dependência grave ao álcool, dois deles também dependentes de cocaína, e que remitiram poucos meses após começarem a freqüentar os rituais da UDV. A principal conclusão do trabalho foi a de que os indivíduos entrevistados não trocaram a dependência ao álcool por outra dependência. Além disso, ficou evidenciado que o uso de ayahuasca que esses indivíduos passaram a fazer periodicamente durante os rituais não possuía contornos psicopatológicos de uma compulsão. Esta compulsão também não foi encontrada na relação destes indivíduos com a instituição religiosa, por meio de seus valores e práticas rituais, e com o grupo (Labigalini, 1998).

Baseando-se na análise das entrevistas e nas observações participantes neste estudo, Labigalini apontou os seguintes fatores como variáveis importantes na melhora dos sujeitos: a) as características do estado de consciência vivenciados nas experiências com a ayahuasca, b) a inserção social em um novo grupo e c) a estruturação e regulação dos rituais por meio de suas sanções sociais.

Ainda neste contexto, vale citar a existência do Centro Takiwasi, em Tarapoto, Peru, fundado em 1992 (Mabit, 2004). Neste centro, Mabit e colaboradores – curandeiros locais, médicos, psicólogos e terapeutas – exploram os potenciais curativos do racionalismo ocidental juntamente com as práticas espirituais do xamanismo e das terapias tradicionais amazônicas, utilizando plantas eméticas, dietas, isolamento na floresta, vida comunitária, psicoterapia e a ayahuasca, desenvolvendo métodos alternativos para lidar com o uso problemático de psicoativos, principalmente a pasta base de cocaína, cuja área é uma das principais consumidoras do mundo (Mabit, 1996a, 1996b, 2002). Segundo Mabit (2002, p. 28):

Após 15 anos de observação de mais de oito mil casos de ingestão da Ayahuasca sob condições específicas de preparação, prescrição e acompanhamento terapêutico, nós podemos afirmar que a ingestão destas preparações possui uma ampla variedade de indicações, com uma total ausência de dependência. A expansão do espectro perceptual, que simultaneamente envolve o corpo, as sensações e os pensamentos, permite a des-focalização da percepção ordinária da realidade, proporcionando ao sujeito a possibilidade de confrontar seus problemas habituais por conta própria e sob uma nova perspectiva. A intensa aceleração dos processos cognitivos que acompanha esta experiência pode permitir ao sujeito a capacidade de conceber soluções originais que se enquadram à sua personalidade e situação únicas.

A partir destas referências e modelos teóricos pretendemos elaborar e investigar, por meio da análise fenomenológica da entrevista e de observações participantes em rituais de consagração da ayahuasca, o caso de uma jovem que abandonou o uso problemático de álcool, cocaína e nicotina após conhecer o uso ritualizado da ayahuasca. Esta jovem apresentou-se como uma voluntária para a realização de uma pesquisa sobre os aspectos legais, históricos, doutrinários e religiosos do uso da ayahuasca, trabalho este que partiu dos estudos do grupo Arché – Programa de Pesquisas em Psicologia e Fenomenologia da Religião e da Espiritualidade –, que se encontra atualmente vinculado ao Laboratório de Psicopatologia e Psicanálise, do Departamento de Psicologia Clínica, no Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB).

Método

Trata-se de um estudo de caso associado a uma revisão bibliográfica sobre o consumo ritualizado da ayahuasca por pessoas que faziam um uso abusivo ou problemático de outras substâncias – cocaína e pasta base de cocaína, álcool, nicotina, anfetaminas etc – e que posteriormente abandonaram ou controlaram este comportamento. Foram utilizadas técnicas da antropologia, como a observação participante, realizada em diversos grupos ayahuasqueiros nos arredores de Brasília, e referenciais teóricos do grupo Arché, como o texto de Amatuzzi (1998).

No grupo Arché, tivemos contato com Maria (nome fictício), jovem desinibida e espontânea com 20 anos na época e que se apresentou como estudante universitária com pendores artísticos, segundo ela mesma, membro de um grupo que utiliza a ayahuasca em suas cerimônias religiosas e como voluntária para nos auxiliar na pesquisa mais ampla sobre a ayahuasca. Maria começou nos ajudando no levantamento de documentos sobre as principais religiões ayahuasqueiras brasileiras (Santo Daime, Barquinha e União do Vegetal) e nas semanas subseqüentes permitiu que fizéssemos uma entrevista aberta sobre sua experiência pessoal com a ayahuasca. Esta entrevista ocorreu na casa de um dos autores do presente artigo, em um ambiente de tranqüilidade e conforto. A entrevista, aberta, foi norteada por perguntas abertas, tais como: “O que é a ayahuasca para você?”, “Como foi a sua primeira experiência com a ayahuasca?”, “Porque ou com que finalidade você utiliza a ayahuasca?”. Esta entrevista foi gravada, transcrita e posteriormente analisada.

Na conversa com Maria, chamou a atenção o fato de que ela fazia um uso abusivo de álcool, cocaína e nicotina e que este comportamento se remitiu pouco tempo após o início do consumo cerimonial da ayahuasca. Não só o uso problemático de alguns psicoativos foi abandonado, mas Maria passou por uma transformação radical em seus valores e atitudes perante o mundo. Este trajeto foi descrito com detalhes em sua entrevista e enfocou-se a relação entre o abandono do uso de álcool, cocaína e nicotina e o início do uso religioso da ayahuasca.

O rico e complexo material proveniente deste recorte foi re-analisado e comparado com a literatura sobre o assunto, buscando avaliar os elementos significativos da experiência de Maria nos estados alterados de consciência proporcionados pelo uso da ayahuasca em contexto ritualizado.

Resultados e Discussão

Apenas trechos de maior importância serão comentados. As palavras textuais da entrevistada foram assinaladas em itálico.

Maria apresentou-se como uma jovem de vida turbulenta, vida esta caracterizada por uma busca de algo e por um envolvimento com certos psicoativos – álcool, cocaína e nicotina – e com pessoas que não eram muito legais. Ela havia consumido cocaína por dois anos consecutivos quase todo dia, segundo ela, além do álcool e da nicotina. Não gostava de religião. Antes de conhecer a ayahuasca Maria já tinha uma intenção, uma iniciativa pessoal de parar de usar os outros psicoativos, substâncias que ela caracterizou como estimulantes, da vida noturna.

Porque eu fiquei um ano sem ver Sol. Só saia seis horas de casa e voltava sete horas da manhã. Dormia o dia inteiro, saía… Não fazia nada, não estudava… Era maluca.

Foi quando Maria conheceu pessoas que não faziam parte de seu contexto que sua vida começou a mudar. Durante uma crise de abstinência Maria viu a oportunidade de conhecer a ayahuasca que, segundo ela, a salvou:

Aí eu comecei uma crise de abstinência e no dia que eu conversei com o João (nome fictício), que foi a pessoa que me levou para conhecer o vegetal (nome da ayahuasca neste contexto), falei para ele “João, sabe onde vende cocaína?”, “Sei”, “Vamos sair comigo na sexta?”, “Não, eu tenho compromisso”, “Para onde você vai?”, “Vou beber um chá”, “Me leva?”. Aí ele me levou. Aí eu me salvei.

Em seu primeiro contato com a ayahuasca – caracterizado pela entrevistada como sendo a experiência mais forte e poderosa – Maria relatou vivências de caráter místico-religioso, alteração de percepções e de emoções, susto, medo de morrer, reações somáticas intensas como vômito, choro e tosse além de ab-reações e catarses. Estas experiências, realizadas em um local onde ocorrem periodicamente cerimônias com a ayahuasca, estavam culturalmente contextualizadas e sancionadas, permeadas por conceitos próprios e, de certo modo, eram inclusive estimuladas.

Segundo Mabit (2002, pp. 26-27), “a indução ritualizada de modificações da consciência, com ou sem substâncias, estabelece uma estrutura simbólica universal dentro da qual estas experiências adquirem significado, permitindo que o indivíduo se inscreva dentro de um modelo de integração cultural”.

O ambiente físico e o contexto simbólico-ritual onde se realizou a cerimônia, o setting, era propício para este tipo de experiência. Segundo Strassman (1984), um ambiente controlado e supervisionado, como geralmente ocorre nas religiões ayahuasqueiras, tem uma maior possibilidade de otimizar as experiências com substâncias alucinógenas, como a ayahuasca, diminuindo as chances da ocorrência de reações adversas. Neste caso, o ambiente exerce papel primordial na experiência como um todo.

No contexto em questão, as reações somáticas foram explicadas e encaradas por Maria como sendo um processo de limpeza, no qual, juntamente com as visões e demais experiências sensoriais e cognitivas proporcionadas pela ayahuasca, toda a experiência pode ser reconstruída e contextualizada, permitindo a reavaliação de comportamentos, valores e atitudes anteriores de Maria.

Comecei a sentir minha pressão baixa. Nesse momento eu fiquei assustada porque eu tinha pressão baixa e achei que podia ter um problema. Percebi que quanto mais eu lutava contra aquela sensação pior ela ficava, uma sensação bem forte. Relaxei, deitei, e quando eu deitei comecei a ver cobras, umas coisas bem esquisitas mesmo. Vomitei muito nesse momento, e quando vomitava eu não vomitava coisa do estômago, eu vomitava álcool, eu bebia muito… Eu vomitava e sentia cheiro de álcool. Cheirei muita cocaína… Tive nesse momento de limpeza um dos momentos mais fortes da minha vida, mais incríveis, porque foi uma potência de informações do meu ser e uma limpeza… Senti minha garganta arranhar, minha cabeça doía e adormeceu minha boca e eu não forcei nada pra sair do meu nariz, simplesmente saiu uma placa branca, uma placa assim no chão e eu “Caramba! Isso aqui é cocaína”. Peguei e disse “Me limpou!”. Depois disso eu comecei a chorar muito, mas eu chorava de alegria, eu estava me sentindo tão bem naquele momento, tão bem tão bem tão bem e ao mesmo tempo eu estava triste porque eu sabia que a minha caminhada ia ser longa, que eu tinha muita coisa para resolver. Aí eu pensei na minha família, no meu pai na minha mãe, quanto tempo que eu não tinha uma relação legal com eles sabe? Regressão, lembrei da minha infância… Uma pessoa na fogueira falou “É assim mesmo. A gente limpa, faz a limpeza, têm essa relação mesmo…”. Estava uma noite linda, uma lua cheia maravilhosa, eu nunca tinha percebido o tanto que a natureza é linda… Naquele momento eu percebi que é de lá que eu vim. Senti-me viva naquele momento. Eu acordei, como se eu tivesse acordado para vida, sabe?

Pode-se perceber na fala uma enorme carga emocional depositada em três momentos principais: religação com os valores familiares, integração com a Natureza e, principalmente, durante os processos de limpeza, processos estes comuns nos meios ayahuasqueiros (p. ex., Couto, 1989). Nesta limpeza, o que mais chama a atenção são as percepções do cheiro de álcool e da visão da placa de cocaína que teria saído de seu nariz. Sabe-se que a ayahuasca, bem como demais substâncias desta classe, tem a capacidade de desencadear sinestesias e que estas podem ser manipuladas para os mais diversos fins, inclusive com finalidades terapêuticas (Luna, 1986). Ao estudar as práticas dos vegetalistas e dos xamãs sul-americanos, Luna (1986, p. 106) os caracteriza como mestres de sinestesia:

Suas músicas (do xamã, entre os Shipibo-Conibo) podem, por assim dizer, ser ouvidas de maneira visual e os padrões geométricos podem ser vistos acusticamente. Este fenômeno é freqüentemente relatado nos textos das canções xamânicas. Por exemplo, um remédio pode ser chamado de ‘minha música pintada’, ‘minha voz’, ‘meu pequeno vaso pintado’, ‘minhas palavras com aqueles desenhos’, ou ‘meu padrão vibrante.

No caso das alterações sensoriais, emotivas e cognitivas, e independente de se classificar o que ela passou como sendo sinestesia, alucinação, ilusão, imaginação ou se ela realmente sentiu o cheiro de álcool ou se o que ela viu era realmente cocaína, o que deve ser levado em consideração é o potencial transformativo que esta experiência tem para o indivíduo. Claro, seria de muito interessante saber se a ayahuasca teria esta capacidade de “limpar”, literalmente, o organismo de um ser humano nestes níveis, mas esta é uma pergunta que não poder ser respondida pela presente pesquisa.

Neste processo relatado por Maria, a alta carga emocional e cognitiva presente em suas experiências e falas demonstra um enorme potencial para que uma mudança de seus valores e atitudes possa ocorrer. Tal experiência do transcendente se assemelha às psicoterapias psicodélicas praticadas nos anos 1960 com substâncias como o LSD-25, na qual um dos objetivos buscados e muitas vezes atingidos, era o da mudança radical de valores, filosofia de vida e atitudes perante os outros, o mundo e consigo mesmo (Grof, 2001).

Vale ainda citar a importância e a compreensão do papel da amizade para a análise do processo de Maria. Durante o período turbulento de sua vida, ela disse que estava andando com pessoas não muito legais, mas que ao se afastar destas pessoas, ela pôde conhecer a ayahuasca e outro grupo social. Neste novo contexto Maria descobre amigos mesmo, que a auxiliam:

Só me auxiliam aqui. E a amizade, e as pessoas que eu convivo… nossa, muito, muito, muito bom. São amigos mesmo, porque amigo hoje em dia é difícil né? É difícil, porque agente convive com várias pessoas ao mesmo tempo e acha que um é amigo, outro é amigo. Vou te dizer que desde quando eu comecei a beber o vegetal, eu percebi que daquela galera que eu andava antes, quem são meus amigos daquela galera… Eu tinha assim cerca de uns 40 amigos, que eu achava que eram amigos.

Entretanto, Maria parece atribuir grande responsabilidade por sua “cura” a si mesma, à ayahuasca e a colocar em prática aquilo que aprendeu nos rituais. Mesmo não menosprezando o possível papel do acolhimento em um contexto religioso, da mudança de amizades e da melhora das relações interpessoais como prováveis causas de sua mudança de comportamento, Maria diz que:

Foi o vegetal mesmo. Na verdade não foram as pessoas, foi eu mesma que me encontrei. Não foi o contexto não, isso é conseqüência. Não adianta nada eu ir lá beber o chá, posso beber um litro de vegetal, posso beber todo dia, se eu receber o que é certo e não colocar em prática na minha vida eu vou ficar empacada. (…) É só agente querer mesmo.

No caso do estudo realizado por Grob e cols. (2004) com membros da União do Vegetal, encontramos paralelos entre as experiências relatadas pelos membros da UDV e aquelas descritas por Maria. Todos os examinandos da UDV relataram que suas experiências com o uso ritual da ayahuasca tiveram um profundo impacto no curso de suas vidas. Para muitos deles o ponto crítico foi sua primeira experiência com a bebida, quando relatam como tema comum desta experiência a vivência de se estar num caminho autodestrutivo que os conduziria inevitavelmente à sua própria ruína e mesmo à morte, a menos que embarcassem numa mudança radical de sua conduta pessoal e orientação (Grob & cols., 2004).

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Maria relata que as experiências com a ayahuasca teriam a capacidade de mostrar a verdade, e que este tipo de vivência seria para nos encontrarmos. Além disso, a bebida psicoativa seria como um amigo, idéia que lembra o conceito de planta professora ou espírito planta, presente entre as religiões ayahuasqueiras e também entre os curandeiros da Amazônia (Luna, 1986; MacRae, 1992):

Porque ele fala mesmo, ele coloca agente lá no acocho, ele dá paulada na gente…

Por meio destas falas, nas quais fica evidente o discurso de autoconhecimento e de encontro com a realidade, e não a fuga desta, podemos encontrar semelhanças entre as experiências e valores atribuídos à ayahuasca por Maria e as vivências dos indivíduos pesquisados por Labigalini (1998, pp. 58-59):

Através das entrevistas foi possível perceber que os indivíduos entrevistados relatavam que no período em que estavam usando álcool e outras drogas sentiam muita ansiedade e apresentavam dificuldades emocionais importantes em suas vidas. No entanto, ao começarem a freqüentar os rituais da UDV e beberem a ayahuasca, referiram que passaram por mudanças profundas a partir de um contato direto com aspectos difíceis de suas personalidades. Neste sentido, a experiência com a ayahuasca parece não reproduzir um aspecto presente na experiência e na busca dos farmacodependentes, onde o uso das diferentes substâncias, como o álcool e a cocaína, acontece motivado por uma vontade de obter prazer e se distanciar da realidade.

Levando-se em conta todas estas análises, citações e observações sobre a relação do uso cerimonial da ayahuasca e o abandono do uso problemático de psicoativos, vale citar que, em relação à dependência pelo álcool, estudos realizados com inibidores de recaptação de serotonina com ratos dependentes de álcool demonstraram que havia uma redução importante no consumo de álcool após tratamento com estes agentes (Labigalini, 1998). No caso da ayahuasca, existem relatos de que uma das suas principais substâncias – a -carbolina tetrahidroharmina, ou THH, presente no cipó – teria uma fraca capacidade de inibir a recaptação de serotonina (Frecska, White & Luna, 2004; McKenna, Callaway & Grob, 1998).

Logo, mesmo comentando de maneira breve e simples este aspecto psicofarmacológico da ayahuasca – pois não é o objetivo deste artigo – valeria a pena explorar de maneira metódica e a longo prazo, o possível papel do chá per se como um agente farmacologicamente eficaz no auxílio do tratamento de dependência ou uso problemático de psicoativos.

Conclusões

Segundo alguns pesquisadores (Samorini, 2002), o desejo de alterar periodicamente a consciência seria um impulso inato ao ser humano, análogo à fome ou ao impulso sexual. Além disso, encontramos em McKenna, T. (1995) e em Amatuzzi (1998) sugestões de que a consciência religiosa seria biologicamente natural à espécie humana, tendo se desenvolvido por meio do processo de seleção natural, pois teria valor de adaptação e subsistência para o indivíduo, pois estas experiências místico-religiosas seriam potencialmente adaptativas e ligadas à solução de problemas e à criatividade, porque a partir de uma tensão, proporcionariam uma reestruturação cognitiva.

Ainda referindo-se ao texto de Amatuzi, encontramos a referência de Tamminen sobre a complexidade do fenômeno religioso e de suas complicações: 1) o acesso que se pode ter à experiência religiosa é indireto, ou seja, se faz por meio do que as pessoas lembram e relatam, e em como elas a sentem e interpretam; 2) essa interpretação que os sujeitos fazem, depende de sua filosofia geral; e 3) a lembrança da experiência é determinada pelos valores presentes. Além disso, ele menciona também as cinco dimensões da religiosidade sistematizadas por Glock e Stark (conforme citados por Amatuzzi, 1998), que são dimensões que se interpenetram: dimensão experiencial (= experiência religiosa), dimensão ideológica (= crenças religiosas), dimensão intelectual (= conceitos com os quais é pensada), dimensão ritualística (= práticas religiosas) e dimensão conseqüente (= efeitos na vida diária).

Na análise da entrevista de Maria podem-se vislumbrar vários pontos de conexão com os autores anteriormente citados. Na perspectiva de Hay e de Jackson (conforme citados por Amatuzzi, 1998), contempla-se a experiência de Maria, com todas as suas manifestações somático-psicológicas, como uma capacidade e possibilidade intrínseca do ser humano, na qual, numa situação de aparente caos corporal e mental, o corpo-mente tem a capacidade de se adaptar de maneira criativa, valendo-se de seus mecanismos endógenos para voltar ao equilíbrio. Neste sentido, traçam-se paralelos com as experiências de emergência, perigos, doença, dificuldades, experiências de quase-morte ou de ameaça à existência do indivíduo (Grof, 2001; Lumby, 1998; Tamminen, citado por Amatuzzi, 1998).

Nestas experiências, o indivíduo pode ver sua própria morte com uma nitidez e realismo tão intensos que ele pode acreditar que está realmente morrendo (Grof, 2001; Lumby, 1998). Estas passagens são situadas no modelo de Grof (2001) no nível transpessoal, que são caracterizadas por elementos de criação e destruição do mundo, experiências filogenéticas, seqüências de morte e renascimento, cenas naturais (tempestades, nascer do sol etc), expansão da consciência e do ego, visões de seres celestiais e/ou infernais etc. Segundo Grof, estas experiências possuem um enorme potencial transformativo para o indivíduo, se são realizadas com a devida supervisão, preparação e cuidado, por parte tanto do indivíduo como da pessoa que orienta o processo.

De acordo com a hipótese de Lumby (1998), a eficácia destas experiências de quase-morte no tratamento de pessoas que fazem um uso problemático e abusivo de psicoativos estaria em sua capacidade de desencadear insights sistêmicos e orientações cognitivas explícitas características da consciência humana quando esta se encontra perante uma situação imediatamente ameaçadora à sua existência. Neste estado de consciência, a pessoa teria a oportunidade de vivenciar uma morte-simbólica, na qual seus valores, comportamentos e filosofia seriam questionados e, após a experiência, os insights poderiam ser vislumbrados e direcionados para uma nova prática cotidiana.

…é como entrar numa nave, eu boto fé. Assim, você nunca viajou numa nave espacial, vamos imaginar aí… Aí tu entra numa nave de repente você se vê lá no espaço pff! Você sai de uma… você sai de um contexto assim ó, de coisas que você transformou pra você né, pra sua vida, coisas que você vai adquirindo ao longo dos anos né? Tipo, uma coisa material mesmo né, de tipo “isso é certo, isso é errado”, “você tem que aprender isso porque se não você não vai ser ninguém na vida”. Sabe esses contextos assim e de repente, naquele momento que eu bebi o vegetal, eu percebi que a gente faz tanta coisa que é inútil pra nossa vida, e agente se mata por conta dessas coisas assim, e agente esquece de dar valor pras coisa que realmente são importantes. Eu acredito que é o nosso ser, o que é bom pra gente, que faz bem pra gente.

Aqui podemos dialogar com Tamminen (citado por Amatuzzi, 1998) e com Glock e Stark (citado por Amatuzzi, 1998). O acesso que tivemos da experiência de Maria possui a complicação de ser um relato de um evento passado, permeado por elaborações e interpretações feitas pela entrevistada. Tal complexidade pode ser comparada com as dimensões intelectual (conceitos) e ideológica (crenças), pois Maria teve tempo para lembrar, re-lembrar, conceituar e, inclusive, desenvolver uma linguagem religiosa que não possuía antes da experiência.

Entretanto, no nível das dimensões experiencial (experiência religiosa) e conseqüente (efeitos na vida diária) o que importa é o significado e a compreensão que a experiência desencadeou em Maria. No caso, o sentido parece ter sido o de uma experiência de Deus, do numinoso, do raro, excepcional e extraordinário, a experiência esmagadora do mysterium tremendum et fascinas, de Sentido Radical, segundo Vaz (conforme citado Amatuzzi, 1998).

O vegetal abre tudo. Abre tudo, escancara mesmo. Escancara mesmo.

De maneira geral, podemos concluir que o abandono do uso problemático e abusivo de certos psicoativos por parte de Maria (cocaína e álcool) foi uma experiência radical, com efeitos de longo prazo em sua vida e que não parece possuir nenhuma característica de “troca de um psicoativo por outro” ou de dependência da instituição, embora Maria tenha passado por um processo de conversão religiosa.

Passou. Foi incrível. Incrível. Mudou assim, eu entrei no arco-íris, sabe quando você achou o pote de ouro no final do arco-íris? Foi isso que aconteceu na minha vida. Agora eu fico impressionada assim ó, e outra coisa, e essa história de largar de fumar, de largar essas coisa, eu vejo assim, o pessoal fala dessa história da tal da fisiologia, cara, a nossa cabeça é capaz de tanta coisa. As pessoas não sabem disso. (…) Eu não vejo o vegetal como uma necessidade. Tipo “é necessário pra minha sobrevivência”. Não. Eu vejo ele como um auxiliador pra minha consciência. Ele assim ó, quando eu conheci ele eu percebi que “puts, cara, que legal ele me ajudou a abrir várias coisas”, que tavam aqui cafifadas na minha cabeça e eu não sabia porque que tavam atrapalhando a minha vida, porque que eu tava seguindo determinados caminhos. É que nem aquelas gavetinhas da nossa memória, quando agente tem aula de psicologia, o pessoal fala que agente vai guardando até que agente não consegue mais abrir. (…) Aí, quando você vai bebendo constantemente ele, você vai aprendendo a abrir uma de cada vez. Entendeu?

Maria afirma nunca mais ter sentido vontade de consumir álcool ou cocaína –”Deus me livre, Nossa Senhora! Ninguém merece não” –, embora confessasse ainda sentir vontade de fumar tabaco (na época da pesquisa Maria estava há dois meses sem fumar).

Tudo isso ocorreu dentro de um processo, numa transformação que dialoga com os acontecimentos ao redor do indivíduo, não podendo ser reduzida nem a um aspecto estritamente farmacológico (possível efeito da ayahuasca per se) nem estritamente místico-religioso, conforme conclusão do estudo realizado por Grob e cols. (2004, p. 664-665):

Tal mudança foi particularmente notada na área de consumo excessivo de álcool, onde além dos cinco examinandos que tiveram diagnósticos anteriores do CIDI relativos a desordens por abuso de álcool, seis examinandos adicionais referiram padrões moderados de consumo de álcool que se aproximavam do status de diagnóstico psiquiátrico real na entrevista formal estruturada. Todos estes onze examinandos com envolvimento anterior com álcool alcançaram a completa abstinência pouco depois de se filiarem à seita da hoasca (nome da ayahuasca neste contexto). Além disto, foram bastante enfáticos quanto a transformações radicais no seu comportamento, atitudes em relação aos outros e visão da vida. Eles estão convictos de que têm sido capazes de eliminar sua raiva crônica, ressentimento, agressão e alienação, assim como em adquirir maior autocontrole, responsabilidade para com a família e comunidade e realização pessoal através da participação nas cerimônias da hoasca na UDV. Embora os efeitos salutares de um forte sistema de suporte em grupo e filiação religiosa não possam ser minimizados, não é inconcebível que o uso por longo tempo da hoasca por si mesmo possa ter tido um efeito terapêutico e positivo direto no status psiquiátrico e funcional dos indivíduos. Análises bioquímicas anteriores de preparados da hoasca indicaram significativa ação inibidora da monoamino-oxidase, o que pode ser relevante para esses achados clínicos.

Para finalizar, com a palavra, Maria:

– Porque hoje em dia eu dou muito mais valor na vida do que pessoas que nunca passaram por situações que eu passei.

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Ayahuasca: Uma história Etnofarmacológica

por Dennis J. McKenna, ph.D.

INTRODUÇÃO

Das inúmeras plantas alucinógenas utilizadas pelas populações indígenas da Bacia Amazônica, talvez nenhuma delas seja tão interessante ou complexa -no sentido botânico, químico ou etnográfico -como a beberagem denominada por muitos ayahuasca, caapi ou yagé. Ela é mais conhecida como ayahuasca, termo da língua quéchua que significa “cipó das almas” e que tanto é aplicado para a beberagem como para uma das plantas básicas utilizadas na sua preparação, ou seja, um cipó malpighiáceo da floresta, cujo nome científico é Banisteriopsis caapi (Schultes, 1957). No Brasil, a transliteração desta palavra quéchua para o português resultou no termo hoasca. A ayahuasca, ou hoasca, ocupa uma posição central na etnomedicina mestiça, de tal maneira que a natureza química dos seus constituintes ativos e  sua forma de uso tornam seu estudo relevante para os temas contemporâneos da neurofarmacologia, da neurofisiologia e da psiquiatria.


O QUE É A AYAHUASCA?

ayahuascaNo contexto tradicional, a ayahuasca é uma beberagem preparada através da fervura ou infusão das cascas e ramos da Banisteriopsis caapi junto à mistura de outras plantas. E, entre estas, o espécime mais comumente empregado é a rubiácea do gênero Psychotria, especialmente a P. Viridis, cujas folhas contêm os alcalóides necessários para o efeito psicoativo. A ayahuasca é o único preparado cuja atividade farmacológica depende de uma interação sinérgica entre os alcalóides ativos de suas plantas. Um dos seus componentes, a casca da Banisteriopsis caapi, contém alcalóides Beta-carbolinas, potentes inibidores MAO. Quanto aos outros componentes, as folhas da Psichotria viridis ou de outros espécimes semelhantes, contêm o potente agente psicoativo N,N-dimetiltriptamina (DMT). Por si só, o DMT não é oralmente ativo quando ingerido; no entanto, poderá se tornar oralmente ativo em presença de um inibidor MAO periférico, e esta interação é justamente a base da ação psicotrópica da ayahuasca (McKenna, Towers, & Abbott, 1984).

Segundo ainda outros relatos (Schultes, 1972), existem alguns espécimes do gênero Psichotria utilizados de maneira similar em outras regiões da Amazônia. No nordeste da Amazônia, por exemplo, particularmente no Putumayo colombiano e no Equador, as folhas da Diplopterys cabrerana, um cipó da selva que pertence à mesma família da Banisteriopsis, são adicionadas à beberagem em lugar das folhas da Psychotria. O alcalóide presente na Diplopterys é idêntico ao dos espécimes da Psychotria, tendo, portanto, efeito farmacológico similar ao destes últimos. No Peru, além da Psychotria e da Diplopterys, diversos outros espécimes são freqüentemente adicionados, e sua escolha depende dos propósitos mágicos, medicinais ou religiosos pelos quais a droga será consumida.

Embora seja utilizada ocasionalmente uma farmacopéia virtual de outros espécimes, as misturas mais comumente empregadas (além da Psychotria componente constante do preparado em questão) encontram-se entre os vários gêneros de solanáceas; incluindo o tabaco (Nicotiana sp.), a Brugmansia sp., e a Brunfelsia sp. (Schultes, 1972; McKenna, 1995). Tais gêneros solanáceos são conhecidos por conter alcalóides como a nicotina, a escopolamina e a atropina, que afetam tanto a adrenérgica central e periférica como a neurotransmissão colinérgica. Mas as interações destes agentes com os combatentes serotoninérgicos e os inibidores MAO ainda são essencialmente desconhecidas na medicina moderna.


UM FOCO NA PERSPECTIVA HISTÓRICA ATUAL

Neste artigo, apresentamos uma breve abordagem sobre a história das investigações etnofarmacológicas da ayahuasca, justamente porque esta beberagem vem sendo um tópico fascinante para etnógrafos, botânicos, químicos e farmacêuticos desde que se tornou conhecida na metade do século XIX. Apenas para efeito expositivo, a história da etnofarmacologia da ayahuasca poderá ser dividida em diversos segmentos, começando pelas suas origens préhistóricas até chegar no presente, pois esta beberagem ainda constitui uma área ativa de pesquisa. A história moderna da ayahuasca pode ser datada a partir da metade do século XIX; embora nosso foco seja lançado sobre seu percurso etnofarmacológico, cumpre observar que sua singularidade vem causando historicamente uma série de impactos, não só na religião, na política e na sociedade em geral como também na ciência (um exemplo: a aceitação, por parte do governo brasileiro, da legitimidade do uso sacramental do chá de ayahuasca pela UDV e outras seitas sincréticas do Brasil). As implicações e conseqüências do uso continuado e crescente desta beberagem podem ser visíveis em vários níveis do presente e também do futuro.


RAÍZES PRÉ-HISTÓRICAS DA AYAHUASCA

As origens do uso da ayahuasca na bacia amazônica estão perdidas por entre as névoas da pré-história. Ninguém pode afirmar com certeza onde se deu o início desta prática, embora se possa dizer com alguma certeza que sua utilização disseminou-se por inúmeras tribos indígenas da bacia amazônica, e que ela acabou chamando a atenção dos etnógrafos ocidentais na metade do século XIX. Este fato atesta a antigüidade, apesar do mínimo conhecimento que se tem a respeito. O etnógrafo equatoriano Plutarco Naranjo sumariou a pouca informação disponível sobre a pré-história da ayahuasca (Naranjo, 1979, 1986). Existem evidências arqueológicas abundantes -vasos de cerâmica, estatuetas antropomórficas, e outros artefatos -de que o uso desta planta alucinógena se estabeleceu na Amazônia Equatoriana por volta de 1.500-2.000 a.C.

Infelizmente, a maior parte das evidências científicas -pós vegetais, bandejas para inalação e cachimbos -está relacionada com o uso de outras plantas psicoativas como a coca, o tabaco, o pó alucinógeno derivado dos espécimes da Anadenanthera conhecido como “vilka”, e várias outras, e não com a ayahuasca. Não existe nada sob a forma de material iconográfico, nem mesmo remanescentes botânicos que tenham sido preservados, que possa estabelecer o uso pré-histórico da ayahuasca; é provável que as culturas pré-colombianas, sofisticadas na utilização de grande variedade de plantas psicotrópicas, tenham tido uma relação familiar com a ayahuasca e seu preparo. A falta de datas nesta matéria é frustrante, particularmente no que diz respeito à questão que tem fascinado os etnofarmacólogos desde os anos 1960, quando sua importância veio à baila, através da obra de Richard Schultes e seus discípulos.
Jagube-e-RainhaComo mencionado acima, a ayahuasca tem uma posição especial entre as plantas alucinógenas, pois é preparada com a combinação de duas plantas: as cascas ou os ramos dos espécimes Banisteriopsis junto às folhas dos espécimes Psychotria, ou com outras misturas contendo DMT. A beberagem depende desta combinação singular para desencadear sua atividade. Existe a probabilidade de ter sido um acidente a descoberta da síntese dessas duas plantas como um preparado ativo. Nenhuma das duas é particularmente ativa quando sozinha; contudo, sabemos que esta unificação fortuita ocorreu em algum ponto da pré-história, ou seja, a ayahuasca foi “inventada” naquela época.
Mesmo que jamais venhamos a saber como ocorreu esta descoberta e quem foi o responsável, existem diversos mitos fascinantes sobre o tema. Os ayahuasqueiros do Peru nos dirão que o conhecimento deles vem diretamente das “plantas mestres” (Luna, 1984), ao passo que os mestres do culto sincrético brasileiro da UDV nos dirão com a mesma convicção que este saber é oriundo do “primeiro cientista”, o rei Salomão, que teria recebido toda a tecnologia de um rei inca por ocasião de uma visita, pouco divulgada, que ele fizera ao Novo Mundo na antigüidade. Na falta de datas, estas são as únicas tentativas de explicação; tudo o que podemos afirmar com segurança é que o conhecimento das técnicas de preparação da ayahuasca, e também das plantas que lhe são apropriadas, já estava difundido na Amazônia quando seu uso chamou a atenção de algum pesquisador moderno.


A DESCOBERTA CIENTÍFICA DA AYAHUASCA NO SÉCULO XIX

Talvez a pré-história arqueológica da ayahuasca permaneça pelo resto do tempo intrinsecamente ligada aos mitos, a menos que seja descoberto algum artefato que nos capacite a estabelecer a época do seu uso.

Por outro lado, a precisão é bem maior quanto à história moderna ou científica da ayahuasca. Sua origem deu-se em 1851, quando célebre botânico inglês Richard Spruce deparou-se com a utilização de uma beberagem intoxicante entre os índios da tribo Tucano do rio Uaupés, no Brasil (Schultes, 1982). Spruce coletou espécimes floridos do grande cipó usado como fonte da beberagem, e esta coleta deu a base para sua classificação de plantas tais como a Banisteria caapi; mais tarde, em 1931, esta planta foi reclassificada como Banisteriopsis caapi pelo taxiólogo Morton, como parte de sua revisão dos conceitos genéricos no interior da família das Malpighiáceas.

Sete anos depois, Spruce encontrou o mesmo cipó sendo usado pelos índios Guahibo no alto Orinoco da Colômbia e da Venezuela; no final daquele mesmo ano, este botânico descobriu que os índios da tribo Záparo dos Andes do Peru tomavam uma beberagem narcótica preparada com a mesma planta, e que eles a chamavam de ayahuasca. Embora o achado de Spruce anteceda qualquer outra narrativa publicada, suas descobertas só vieram a público em 1873, quando foram mencionadas numa narrativa popular que descrevia suas explorações na Amazônia (Spruce, 1873). A exposição completa só pôde aparecer em 1908, quando Spruce publicou seu relato na antologia de A. R. Wallace, Notes of a Botaniston the Amazon and Andes (Spruce, 1908). O crédito pelos primeiros estudos sobre o uso da ayahuasca pertence ao geógrafo equatoriano Manuel Villavicencio que, em 1858, escreveu a respeito de sua utilização na feitiçaria e na divinação do alto do rio Napo (Villavicencio, 1858). Apesar de Villavicencio não ter fornecido detalhes botânicos sobre a planta aí empregada, o relato de sua auto-intoxicação não deixou dúvida em Spruce de que ambos escreviam sobre a mesma coisa.

ayawaska

No decorrer das últimas décadas do século XIX, outros etnógrafos e exploradores continuaram relatando seus encontros com uma beberagem intoxicante, usada por inúmeras tribos indígenas da Amazônia, e que era preparada a partir das “raízes” (Crévaux, 1883), de “diversos arbustos” (Koch-Grünberg, 1909), ou de “cipós” de proveniência botânica incerta (Rivet, 1905). Ao contrário de Spruce, que teve a brilhante idéia de coletar provas dos espécimes botânicos e dos materiais designados para eventuais análises químicas, os investigadores que o seguiram não colheram os espécimes das plantas observadas por eles, e seus relatos são considerados de pouca importância histórica. A publicação de Simson (1886) sobre a utilização da ayahuasca entre os índios equatorianos constitui uma notável exceção.

Nela, o autor nos conta que “os indígenas bebem uma mistura que reúne o yagé, as folhas de sameruja e o pau de guanto, e este amálgama resulta na ayahuasca, um deleite geralmente obtido da fervura destes componentes”. Nenhum destes ingredientes foi identificado, assim como não foram coletadas provas deles, embora este relato tenha estabelecido uma das primeiras indicações de que outros espécimes também eram empregados na preparação da ayahuasca.

Apesar de Richard Spruce e outros exploradores da Amazônia terem se dedicado aos primeiros estudos da ayahuasca desde 1851, a base de sua pesquisa só foi estabelecida com o importante trabalho sobre a sua química, realizado na segunda década do século XX. O século XIX testemunhou o nascimento de vários produtos químicos naturais, começando pelo isolamento da morfina, oriunda do ópio das papoulas, trabalho realizado em 1803 pelo farmacêutico alemão Sertüner.

O grande número de produtos naturais, isolados pela primeira vez naquele período, era de alcalóides, provavelmente porque estes constituem algumas bases relativamente fáceis de serem isoladas, e as plantas que os contêm possuem atributos medicinais importantes, cujas propriedades farmacológicas óbvias são freqüentemente dramatizadas. Foi durante este período efervescente de descobertas dos alcalóides que o químico H. Gõbel isolou a harmalina, a partir das sementes da Arruda Síria, Peganum harmala. Seis anos mais tarde, em 1847, a harmina foi isolada destas sementes pelo seu colega J. Fritsch. Cinqüenta e poucos anos mais tarde, em 1901, Fisher isolou um terceiro alcalóide -o harmalol –das sementes da Arruda Síria.

Tal como as outras Beta-carbolinas, que depois serviram de base para a nomeação do epíteto Peganum harmala, a harmina mostrou-se mais tarde idêntica à maioria das Beta-carbolinas encontradas na Banisteriopsis caapi. A definição mais precisa para a equivalência existente entre a Beta-carbolina da ayahuasca e a harmina da Arruda Síria foi estabelecida nos anos 1920, depois da harmina ter sido isolada de maneira independente por diversos investigadores e recebido uma variedade de nomes. No final do século XIX, em 1895, ocorreu um evento significativo para a história científica da ayahuasca: deram-se as primeiras investigações dos efeitos da harmina sobre o sistema nervoso central, realizadas em animais, por Tappeiner; os resultados iniciais foram seguidos mais sistematicamente por Gunn, em 1909, que demonstrou que seus efeitos mais intensos advinham da estimulação motora do sistema nervoso central com tremores e convulsões, seguida ou acompanhada por paralisia geral e pulsação fraca (Gunn, 1935).


A AYAHUASCA NO INÍCIO DO SÉCULO XX (1900 -1950)

As primeiras décadas do século XX testemunharam a publicação detalhada dos relatos de Spruce a respeito de suas explorações amazônicas e suas observações sobre o uso da beberagem narcótica entre as diversas tribos com as quais estabeleceu contato. Apesar de já terem sido publicados antes alguns breves relatos de Spruce e outros investigadores sobre a ayahuasca, seu conhecimento mais palpável deu-se com a publicação da narrativa das viagens daquele pesquisador, no livro editado em 1908 por A. R. Wallace, naturalista célebre, além de codescobridor da teoria da evolução. Naquela narrativa, a beberagem foi retirada da obscuridade acadêmica, para vir à luz e despertar a atenção de outros pesquisadores mais sensíveis.

Neste período inicial do século XX, o progresso no entendimento da ayahuasca teve lugar em duas frentes principais: na taxionomia e na química. Apesar de algumas exceções notáveis, as investigações farmacológicas sobre as propriedades da ayuahuasca mantiveram-se relativamente aquietadas nesta mesma época.

Durante este período, a história botânica da ayahuasca resume-se à combinação surpreendente do excelente trabalho taxionômico com a atividade detetivesca realizada por alguns, junto a uma seqüência de erros notórios cometidos por outros. Em 1917, Safford afirmou sua certeza de que a ayahuasca e a beberagem conhecida como caapi eram idênticas e derivavam da mesma planta. Em 1921, o antropólogo francês Reinberg aumentou a confusão quando afirmou que a ayahuasca era um termo que se referia à Banisteriopsis caapi, mas que o yagé era preparado com uma planta da família apocinácea Haemadictyon amazonicum, hoje corretamente classificada como Prestonia amazonica. A persistência deste erro, que aparentemente teve origem na leitura equivocada e mal interpretada dos relatos de Spruce, se propagou por toda a literatura dedicada à ayahuasca ao longo dos 40 anos seguintes. Finalmente, a publicação de um estudo de Schultes e Raffauf refinou todo o equívoco desse tipo de identificação (Schultes e Raffauf, 1960), apesar de vez por outra ele ainda aparecer na literatura técnica.

Entre as investigações que ajudaram a clarear o entendimento taxionômico da botânica da ayahuasca devem ser mencionados os trabalhos realizados em 1922 por Rusby e White na Bolívia (White, 1922) e ainda a publicação de Morton, em 1930 das várias anotações feitas pelo botânico Klug no Putumayo colombiano. A partir das coleções de notas realizadas por Klug, Morton descreveu um novo espécime de Banisteriopsis -a B. inebriens -usado como alucinógeno; entretanto, ele também afirmou que pelo menos três espécimes, a B. caapi, a B. inebriens e a B. quitensis eram utilizadas de um modo similar, e que dois outros espécimes -a Banisteria longialata e a Banisteriopsis rusbyana podem ter sido usadas como misturas para a preparação. Curiosamente, os que mais se esforçaram para o esclarecimento da confusão taxionômica na identificação das plantas usadas na ayahuasca foram os dois químicos Chen e Chen (1939). Trabalhando no isolamento dos princípios ativos do yagé e da ayahuasca, eles sustentaram suas investigações com provas autênticas de espécimes botânicos (uma prática rara naquele tempo), e depois de uma profunda revisão em toda a literatura existente, concluíram que a caapi, o yagé e a ayahuasca eram nomes diferentes atribuídos à mesma beberagem, pois a planta que servia de base era a mesma: a Banisteriopsis caapi.

Embora o trabalho subseqüente, realizado nos anos 1950 por Schultes e outros, tenha estabelecido de vez que, além da B. caapi os espécimes malpighiáceos também estavam implicados na preparação da beberagem, não se deve desmerecer a contribuição de Chen e Chen, pois estes investigadores lançaram uma luz preciosa sobre a escuridão e confusão reinantes. O trabalho de campo posterior a eles tornou claro que as duas fontes botânicas da beberagem -conhecida pelos nomes de caapi, ayahuasca, yagé, natema e pinde -são as cascas dos troncos da B. caapi e da B. inebriens.

A primeira metade do século XX foi também o período das investigações químicas mais sérias sobre os princípios ativos da ayahuasca; como muitos dos trabalhos taxionômicos deram-se neste mesmo período, o progresso científico neste campo foi marcado pela confusão nas investigações realizadas simultaneamente por grupos distintos e independentes de investigadores. Mas aos poucos na medida em que estas investigações se ajustavam à literatura científica, a claridade começou a emergir daquele quadro sombrio.

Depois da harmina ter sido isolada das sementes da Peganum harmala pelo químico alemão Fritsch em 1847, um consenso científico posterior pôde finalmente estabelecê-la como o maior alcalóide Beta-carbolina dos espécimes Banisteriopsis. Esta identificação persistiu como inequívoca por muitas décadas até que, em 1905, um alcalóide denominado “telepatina” foi obtido de um material botânico não avalizado e chamado de “yagé” por Zerda e Bayón (citado em Perrot e Hamet, 1927). Em 1923, o químico colombiano Fischer Cardenas (1923) isolou novamente um alcalóide de materiais botânicos não confiáveis e também o chamou de telepatina; na mesma época, outra equipe colombiana, composta pelos químicos Barriga-Villalba e Albarracin (1925), isolou um alcalóide, a iageína. Talvez este tenha sido a harmina na sua forma impura; porém, a fórmula assinalada na época como o ponto de fusão mostrava-se inconsistente para uma estrutura de Beta-carbolina. E, para intensificar a confusão, o cipó com o qual Barriga-Villalba trabalhara tinha sido “identificado” como Prestonia amazonica, embora mais tarde ele mesmo tenha revisado esta identificação para Banisteriopsis caapi. Em todas estas instâncias, a falta de uma referência precisa dos espécimes botânicos deu origem a um trabalho de valor duvidoso.

A partir de 1926, este quadro foi melhorando até os anos 1950. Michaels e Clinquart (1926) isolaram um alcalóide de materiais improváveis, que chamaram de iageína. Logo depois, Perrot e Hamet (1927) isolaram uma substância que denominaram telepatina, sugerindo que esta era idêntica à iageína. Em 1928, Lewin isolou um alcalóide, nomeado por ele como banisterina; esta substância mostrou-se idêntica à harmina, que tinha sido previamente conhecida a partir da Arruda Síria pelos químicos da E. Merck & Cia (EIger, 1928; Wolfes e Rumpf, 1928). EIger trabalhou com materiais botânicos comprovados, identificados em Kew Gardens como Banisteriopsis caapi. Tendo como base seus próprios estudos com animais e ainda o estímulo de Lewin, em 1928 o farmacêutico Kurt Beringer usou as amostras de “banisterina’” doadas por Lewin, em um estudo clínico com 15 pacientes que sofriam de Parkinson pós-encefálico, e relatou efeitos espetacularmente positivos (Beringer, 1928). Esta foi a primeira vez que um inibidor MAO reversível teve o aval para o tratamento do mal de Parkinson, embora a atividade da harmina como um inibidor MAO reversível só tenha sido descoberta 30 anos mais tarde. O ocorrido também representa um dos poucos momentos nos quais uma droga alucinógena foi clinicamente avalizada para o tratamento de alguma doença (Sanches-Ramos, 1991).

Também trabalhando com materiais botânicos comprovados, supridos por Llewellyn Williams, do Chicago Field Museum, Chen e Chen (1939) confirmaram o trabalho de Elger, Wolfes e Rumpf; estes pesquisadores já tinham isolado a harmina dos galhos, raízes e folhas da B. caapi, e haviam também confirmado sua identidade com a banisterina isolada por Lewin. Em 1957, Hochstein e Paradies analisaram um material comprovado da ayahuasca, coletado no Peru, e dele isolaram a harmina, a harmalina, e a tetrahidroharmina. Nenhuma investigação dos elementos constitutivos de outros espécimes de Banisteriopsis foi realizada antes de 1953, data em que O’Connell e Lynn (1953) confirmaram a presença de harmina nos galhos e folhas de espécimes comprovados de B. inebriens, supridos por Schultes. Poisson (1965) confirmou posteriormente estes resultados, isolando a harmina e uma pequena quantidade de harmalina da “natema” peruana, identificada por Cuatrecasas como B. inebriens.


MEADOS DO SÉCULO XX (1950-1980)

A primeira metade do século XX foi o palco dos estudos científicos iniciais sobre a ayahuasca; neste período foram projetadas as primeiras luzes sobre as fontes botânicas deste curioso alucinógeno, com o objetivo de revelar seus constituintes ativos. Durante as três décadas que vão de 1950 a 1980, os estudos botânicos e químicos seguiram a passo acelerado, e as novas descobertas fundaram as bases para uma explanação mais clara das singulares ações farmacológicas da ayahuasca.

No campo da química, as investigações de Hochstein e Paradies (1957) confirmaram e expandiram o trabalho anterior de Chen e Chen (1939), e outros. Os alcalóides ativos da Banisteriopsis caapi e de algumas espécimes semelhantes foram firmemente estabelecidos como sendo a harmina, a tetrahidroharmina e a harmalina. Contudo, só no final dos anos 1960 é que surgiram os primeiros estudos mais detalhados a respeito do uso de tais misturas na constituição do componente, se não invariável, pelo menos regular do preparado da ayahuasca (Pinkley, 1969). Logo tornou-se aparente que pelo menos duas destas misturas -a Banisteriopsis rusbyana (reclassificada por Bronwen Gates como Diplopterys cabrerana) e os espécimes da Psychotria, especialmente a P. viridis (Schultes, 1967) -eram adicionadas no preparado para “fortalecer e expandir” as visões. Ocorreu outra surpresa quando as frações dos alcalóides obtidos desses espécimes provaram ser o potente alucinógeno -embora oralmente inativo -N,N -dimetiltriptamina (DMT) (Der Marderosian e outros, 1968). Este componente foi conhecido por muitas décadas como sendo um resultado sintético, já que seguia-se à síntese inicial de Manske; mas, sua ocorrência no campo da natureza, bem como suas propriedades alucinógenas, já tinham vindo à baila alguns anos antes, quando Fish, Johnson e Horning (1955) isolaram seu reputado princípio ativo na Piptadenia peregrina (reclassificada mais tarde como Anadenanthera peregrina), a fonte do pó alucinógeno utilizado pelos indígenas do Caribe e também na bacia do Orinoco, na América do Sul.

A explicação farmacológica do final dos anos 1960 para a descoberta de Schultes, Pinkley e outros -segundo a qual a atividade da ayahuasca dependia de uma interação sinérgica entre as inibições-MAO das Beta-carbolinas da Banisteriopsis com a psicoativa, porém perifericamente inativa, triptamina DMT -já tinha sido fornecida em 1958 por Udenfriend e seus colaboradores (Udenfriend e outros, 1958).

Realizando seus trabalhos no Laboratório de Farmacologia Clínica do NIH, estes pesquisadores foram os primeiros a demonstrar que as Beta-carbolinas eram inibidores MAO potentes e reversíveis. Durante este mesmo período, o trabalho clínico com a DMT recentemente sintetizada e a auto-experimentação do psiquiatra e farmacólogo húngaro Stephen Szara (1957) conduziram à publicação dos primeiros estudos das ações profundas e passageiras dos alucinógenos nos seres humanos. Os experimentos de Szara também levaram ao primeiro reconhecimento de que este composto não era oralmente ativo, embora os mecanismos de sua inativação não fossem totalmente compreendidos. Ironicamente, algumas décadas mais tarde, Szara, o pioneiro da DMT, foi apontado como o cabeça do NIDA (Instituto Nacional do Abuso de Drogas).

Durante o célebre Verão do Amor em Haight-Ashbury, em 1967, realizou-se apenas um simpósio em São Francisco sob a tutela daquilo que na época era o Departamento Americano de Saúde, Educação e Bem-Estar. Sob o título de Busca Etnofarmacológica pelas Drogas Psicoativas -seu conteúdo foi publicado mais tarde pela gráfica oficial do governo com o título de “Publicação do Serviço de Saúde Americano nº 1.645″ (Efron e outros, 1967) -, esta conferência trouxe vários esclarecimentos ao campo emergente da etnofarmacologia psicodélica. Entre os seus participantes, encontravam-se o toxicólogo Bo Holmstedt do Karolinska lnstitute de Estocolmo; o etnobotânico Richard Evans Schultes; o químico Alexander Shulgin, que recebera recentemente seu título de doutorado; e Andrew Weil, pesquisador da maconha; além de muitos outros.

Era a primeira vez que se fazia uma conferência sobre a botânica, a química e a farmacologia dos psicodélicos, e, como era de se esperar, foi também a última, porque tal tipo de reunião não seria mais tutelada pelo governo. Mas, a conferência e a publicação deste foro, que se tornaram um marco da literatura psicodélica, revelaram ao mundo o estado em que se encontravam os estudos sobre a ayahuasca e seus aspectos multidisciplinares. O volume do simpósio incluiu capítulos sobre a química da ayahuasca (Deulofeu, 1967), a etnografia da sua preparação e dos seus usos (Taylor, 1967), e a psicofarmacologia humana das Betacarbolinas da ayahuasca (Naranjo, 1967). Mas, houve um comentário irônico sobre a escassez de conhecimentos daquela época a respeito da ayahuasca, segundo o qual os usos dos conteúdos de triptamina nas misturas, e sua ativação por intermédio dos inibidores-MAO, não vieram à discussão neste simpósio; a assunção que prevaleceu foi que a psicoatividade da ayahuasca era dada, mesmo que não inteiramente, em primeiro lugar pelas Beta-carbolinas.

Nos cinco anos que se seguiram a esta conferência, houve um progresso substancial com relação ao entendimento farmacológico e químico da ayahuasca. Schultes e os seus alunos Pinkley e Der Marderosian publicaram suas descobertas iniciais a respeito da DMT contida nas plantas que compunham o preparado (Der Marderosian e outros, 1968; Pinkley, 1969), estimulando a especulação de que a DMT -ativada oralmente pelas Beta-carbolinas -era a responsável por grande parte da ação da beberagem. Embora plausível, esta noção só pôde ser cientificamente comprovada na década seguinte.

Em 1972, Rivier e Lindgren (1972) publicaram um dos primeiros documentos interdisciplinares sobre a ayahuasca, relatando o perfil dos seus alcalóides e o das plantas que lhe servem de base, coletadas com o povo Shuar do alto rio Purus, no Peru. Na época, este documento era tido como um dos que melhor se dedicavam às investigações sobre a composição da ayahuasca e das plantas que lhe servem de base, porque todas tinham sido devidamente coletadas e comprovadas. Ali também se discutiam as numerosas plantas que poderiam compor este mesmo preparado, além dos espécimes Psichotria e Diplopterys, pois se fornecia pela primeira vez algumas evidências que indicavam a complexidade da tecnologia utilizada na sua mistura; na época, muitos outros espécimes eram usados como seus componentes.

Logo depois da metade dos anos 1970, uma equipe japonesa de fito químicos interessou-se pela química da Banisteriopsis, e relatou o isolamento de novas Beta-carbolinas e dos alcalóides pirrolidina, shihunina, e dihidroshihunina (Hashimoto e Kawanishi, 1975, 1976; Kawanishi e outros, 1982). A maioria das Beta-carbolinas relatadas não foi isolada de forma apurada, surgindo mais tarde a tese de que poderiam ser artefatos resultantes dos procedimentos do isolamento (McKenna e outros, 1984).


FINAL DO SÉCULO XX (1980 -PRESENTE)

Depois da publicação do documento de Rivier e Lindgren, no início dos anos 1970, não houve no resto desta década maiores progressos científicos. O trabalho de Rivier e Lindgren só obteve uma resposta satisfatória quando McKenna e outros (1984) publicaram os resultados das suas investigações químicas, etnobotânicas e farmacológicas sobre a ayahuasca e seus componentes, que se basearam em espécimes botânicos comprovados e nas amostras das beberagens usadas pelos ayahuasqueiros peruanos. Neste documento foi confirmada experimentalmente a teoria da atividade oral desta beberagem. A DMT mostrou-se como seu principal componente ativo, tomando-se oralmente ativa pela Beta carbolina mediada no bloqueio do MAO periférico.

As provas de algumas frações de ayahuasca dos sistemas MAO existentes no fígado dos ratos demonstraram que tais beberagens constituíam inibidores MAO extremamente potentes, inclusive quando diluídas em diferentes ordens de magnitude. Outra descoberta importante foi que os níveis dos alcalóides típicos, localizados na ayahuasca dos mestiços, excediam os níveis encontrados por Rivier e Lindgren na ayahuasca usada no alto do rio Purus, às vezes em uma ou mais ordens de magnitude. Baseados na conhecida farmacologia humana da DMT e das Beta-carbolinas, McKenna e seus colaboradores mostraram que uma dose típica (100 ml) da amostra da ayahuasca continha DMT o bastante para constituir uma dose ativa. Os investigadores sugeriram então que os baixos níveis de alcalóides encontrados nas amostras do povo Shuar, coletados por Rivier e Lindgren (1972), talvez tivessem resultado de diferentes métodos na preparação da bebida. A tribo Shuar tem o hábito de deixar a Banisteriopsis e as outras plantas de molho na água fria; eles não fervem a mistura nem reduzem o volume do extrato final, conforme geralmente se faz entre os mestiços. Tais fatores explicavam as discrepâncias na concentração dos alcalóides em dois estudos distintos, ou pelo menos forneciam uma explicação plausível para as diferenças.

A década de 1980 testemunhou também as primeiras contribuições do antropólogo Luis Eduardo Luna. Trabalhando entre os mestiços ayahuasqueiros nas proximidades das cidades de Iquitos e Pucallpa, no Peru, Luna foi o primeiro a chamar a atenção para a importância da dieta estrita, seguida pelos xamãs aprendizes, bem como para os usos específicos das plantas mais utilizadas na mistura (Luna, 1984a; 1984b; 1986). Ele também foi o primeiro a relatar o conceito de “plantas mestres” (plantas que ensinam), tal como muitas dessas plantas que compõem a mistura são vistas pelos ayahuasqueiros. Em 1986, McKenna, Luna e Towers publicaram a primeira tabulação compreensível dos espécimes utilizados nas misturas, juntamente com os elementos constitutivos de sua biodinâmica, assinalando que tais espécimes, relativamente pouco investigados, faziam parte de uma extensa farmacopéia popular, e que valeria a pena um exame minucioso de todos eles como possíveis fontes de novos agentes terapêuticos (McKenna e outros, 1995).

Em 1985, McKenna e Luna levaram a cabo seu trabalho de campo na Amazônia peruana, e foram os primeiros a discutir a possibilidade de se conduzir uma investigação biomédica da ayahuasca. A sólida saúde dos ayahuasqueiros, inclusive os de idade avançada, mostrou-se fora do comum, parecendo-lhe de extrema importância um estudo científico a respeito. Não eram poucos os desafios para um trabalho de tal ordem no Peru, pela dificuldade para coletar amostras de plasma. Os conceitos locais sobre a feitiçaria tornavam praticamente impossível que os ayahuasqueiros se submetessem a procedimentos médicos da coleta de amostras de sangue e urina. Mesmo tendo elaborado uma proposta preliminar para levar avante tal projeto, estes pesquisadores não conseguiram captar fundos e o estudo não se realizou.

Em 1991 contudo, surgiu no Brasil uma nova oportunidade para iniciar este estudo. McKenna e Luna estavam entre os diversos estrangeiros convidados para participar de uma conferência em São Paulo, organizada pelo setor dos Estudos Médicos da União do Vegetal (UDV), uma religião sincrética brasileira que faz uso da ayahuasca nas suas cerimônias. Embora, até então, as autoridades regimentais brasileiras tivessem dado permissão para a utilização da ayahuasca no contexto ritual de alguns grupos (pouco importando os nomes que lhes eram atribuídos, hoasca, vegetal, ou simplesmente chá), esta liberação estava sujeita a uma revisão. Muitos membros da UDV eram médicos, psiquiatras ou estavam ligados a outros tipos de especialidades médicas, e se mostraram mais receptivos à idéia da condução de um estudo biomédico da ayahuasca quando Luna e McKenna a propuseram. Isto fazia parte dos objetivos deste grupo, sendo uma das razões para o convite aos pesquisadores estrangeiros para a primeira Conferência sobre os Estudos Médicos da Hoasca.

Além da oportunidade de satisfazer a curiosidade científica a respeito da farmacologia humana da hoasca, a UDV precisava demonstrar às autoridades de saúde brasileiras que o uso prolongado do chá de hoasca era seguro e não causava dependência nem outras reações adversas. Os médicos da UDV tinham esperança que os cientistas estrangeiros colaborassem na pesquisa. A questão de como seria estabelecida a fundação de tal estudo estava ainda por ser respondida.

Depois da conferência de 1991, McKenna retomou aos Estados Unidos e iniciou o esboço de um projeto onde seriam descritos os objetivos do estudo que ficou conhecido como Projeto Hoasca. Inicialmente, a intenção era submeter a proposta a uma avaliação do Instituto Nacional do Abuso de Drogas; porém, à medida que o projeto ia tomando forma, tornou-se claro que os fundos para uma tal pesquisa não viriam de nenhuma agência governamental. Não somente por causa dos problemas de ordem legal, logística e política que dificultavam a liberação destas verbas, mas porque este Instituto não via com bons olhos qualquer proposta que não se alinhasse com a sua demonstração das presumidas conseqüências desastrosas do uso das drogas psicodélicas. Felizmente, McKenna mantinha conexões com a Botanical Dimensions, organização sem fins lucrativos que se dedica à investigação da etnomedicina de plantas importantes, e através dela conseguiu os recursos necessários para a pesquisa.

Com uma base financeira assegurada, pelo menos para uma pesquisa modesta, McKenna convocou a colaboração de diferentes talentos entre seus vários colegas das comunidades médicas e acadêmicas. Formou-se uma verdadeira equipe internacional e interdisciplinar de estudo, que contava com cientistas da UCLA, da Universidade de Miami, da Universidade de Kuopio, na Finlândia, da Universidade do Rio de Janeiro, da Universidade de Campinas, e do Hospital Amazônico de Manaus.

No verão de 1993, a equipe retomou a Manaus para iniciar a fase prática da pesquisa, que seria conduzida usando voluntários entre os membros do Núcleo Caupari de Manaus, uma das mais antigas e maiores congregações da UDV brasileira. O grupo permaneceu no Brasil por cinco semanas, administrando doses-testes do chá da hoasca aos voluntários e coletando amostras de plasma e urina para análises posteriores, pondo em prática também inúmeras medidas psicológicas e físicas.

O resultado constituiu uma das investigações mais esclarecedoras e multifacetadas sobre os efeitos químicos e da psicofarmacologia da droga psicodélica, entre as que já tinham sido realizadas neste século. Os efeitos agudos e prolongados, advindos da ingestão regular do chá da ayahuasca, foram criteriosamente medidos e caracterizados; fez-se também extensivas avaliações psicológicas e entrevistas psiquiátricas intensas com todos os voluntários. A natureza da resposta serotoninérgica à ayahuasca foi medida e caracterizada; mediu-se pela primeira vez no plasma humano a farmacocinética da maioria dos alcalóides da ayahuasca. Quando terminou a fase de pesquisa de campo, os resultados foram publicados em brochuras cuidadosamente revisadas (Grob e outros, 1996; Callawaye outros, 1994, 1996, 1998), recentemente sumariadas através de uma apurada revisão (McKenna e outros, 1998). Dentre as suas principais descobertas, destacamos a constatação de que os membros mais antigos da UDV, aqueles que mais passaram por esse tipo de experiência, mudaram sua vida e seu comportamento de um modo profundo e positivo; verificou-se ainda urna persistente elevação de seretonina nas plaquetas, possivelmente indicativa de uma modulação serotoninérgica similar de longa duração, ocorrendo no sistema nervoso central, que a longo prazo poderá refletir mudanças adaptativas nas funções do cérebro. O estudo também estabeleceu que o uso da hoasca é seguro, pelo menos dentro do contexto ritualístico, somado ao apoio existente no ambiente social da UDV, e não apresenta a longo prazo nenhuma toxidade adversa; além disso, sua utilização parece mesmo demonstrar que exerce influências positivas sobre a saúde física e mental.


O FUTURO DA PESQUISA SOBRE A AYAHUASCA

Tanto a fase de trabalho de campo como a de laboratório foram finalizadas há algum tempo; agora o projeto está no estágio final, até porque seus últimos relatos foram aceitos para publicação. Como este estudo da ayahuasca foi concebido como um estudo piloto, seus objetivos foram modestos e tentaram apenas indicar um direcionamento para futuras pesquisas. E por ter partido desse ponto de vista, obteve um enorme êxito. Como toda boa ciência, levantou mais interrogações do que respostas, sugerindo diversas questões para pesquisas posteriores. Uma vez que a ayahuasca teve uma demonstração clara de que é segura, não tóxica e terapeuticamente útil para a medicina, é de se esperar que as pesquisas futuras lhe devotem um interesse que esteja a sua altura, e que possam conseguir recursos financeiros para explorar todo seu potencial de cura.


ALGUNS TEMAS ESPECULATIVOS

Depois que o Projeto Hoasca encerrou seus trabalhos, passou a existir urna base sólida de dados para as investigações científicas futuras, porque este estudo teve como base o campo laboratorial e clínico. Entretanto, se nos colocarmos fora do perímetro da noite fria da razão científica, resta ainda um bom número de temas em torno da ayahuasca, que não podem ser resolvidos apenas pela ciência, pelo menos através dos métodos científicos que conhecemos.

A ayahuasca sempre esteve simbioticamente aliada à espécie humana; sua associação com as demais espécies remonta, pelo menos, à pré-história do Novo Mundo. As lições que dela adquirimos, no curso milenar de nossa coexistência evolutiva, podem ter acarretado implicações profundas naquele que se constituiu em um ser humano inteligente no interior da comunidade biosférica das espécies.

Apesar de não termos certas respostas, a questão da natureza e das significações existentes na relação entre o homem e o cipó visionário e, por extensão, com todo o universo das plantas mestres, nos mantém perplexos. Por que existiriam plantas contendo alcalóides, análogos aos nossos neurotransmissores, que se tornam capazes de “falar” conosco? E que tipo de “mensagem” estão tentando nos transmitir, se é que há de fato alguma? Foi apenas uma coincidência, puro acidente que guiou os primeiros e experientes xamãs para fazer uma combinação do cipó da ayahuasca com as folhas da chacruna, obtendo o chá que pela primeira vez deu ensejo à contemplação das “terras invisíveis”? Por que os ingredientes misturados para fazer um chá não foram utilizados como alimento? Ao ouvirem tais indagações, os ayahuasqueiros nos dirão simplesmente que “o cipó fala”. Outros, tentando ser mais sofisticados e racionais, fornecem melhores explanações, discorrendo sobre os alcalóides das plantas como se estes fossem mensageiros de interespécimes silvestres, ou portadores de pistas sensóriotrópicas, que capacitam os seres humanos a selecionar e utilizar as plantas biodinâmicas do seu ambiente.

Outros, no entanto, como os irmãos McKenna no seu trabalho inicial e o antropólogo Jeremy Narby que fez uma reformulação da questão com uma teoria similar a deles (McKenna e McKenna, 1975; Narby, 1998), argumentam que as experiências visionárias propiciadas por plantas como a ayahuasca nos fornecem um insight -um conhecimento objetivo -a respeito do fundamento molecular do ser biológico, e ainda afirmam que este conhecimento objetivo, que só agora está sendo revelado ao mundo científico pelos métodos crus da biologia molecular, sempre esteve disponível para os xamãs e seus seguidores por meio de uma experiência direta com a sabedoria das plantas aliadas.

Tais noções são seguramente especulativas, não científicas; no entanto, na condição de observador do mundo contemporâneo, que vem se envolvendo com a ayahuasca de maneira pessoal e científica por tantos anos, cheguei à conclusão que estas especulações “libertárias” continuarão vivas, a despeito do quanto tentemos dessacralizar seu chá, tornando-o uma matéria para a química, a botânica e a farmacologia. Embora todas essas perspectivas sejam importantes, acredito que nenhuma delas jamais poderá explicar o mistério profundo e inquestionável que há na ayahuasca.


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