Albert Hofmann: Uma Carta para Steve Jobs: MAPS e a pesquisa do LSD
O post a seguir é adaptado do livro “This Is Your Country On Drugs: The Secret History of Getting High in America” (ainda sem versão em português). A carta é publicada respeitando os direitos autorais do inventor do LSD, Albert Hofmann. Para maiores informações sobre eventos relacionados ao livro, veja a página no Facebook ou siga Ryan Grim no Twitter.
Steve Jobs nunca se acanhou ao comentar sobre seu uso de psicodélicos e se referir à sua experiência com LSD como “uma das duas ou três coisas mais importantes que já fiz na vida.” Assim, chegando ao fim da sua vida, o inventor do LSD Albert Hofmann decidiu escrever uma carta ao criador do iPhone para ver se este se interessava em dedicar parte de seu patrimônio naquilo que já esteve uma vez na ponta da sua língua.
Hofmann escreveu em 2007 uma carta até então nunca divulgada para Jobs a pedido de seu amigo Rick Doblin, que administra uma organização dedicada ao estudo dos benefícios médicos e psiquiátricos dos psicodélicos. Hofmann, um químico nascido na Suíça, morreu em abril de 2008 com 102 anos.
A carta de Hofmann pra Jobs se encontra transcrita abaixo caso você tenha dificuldade em compreendê-la:
Caro Sr. Steve Jobs,Saudações de Albert Hofmann. Soube pela mídia que você se diz ajudado criativamente pelo LSD no desenvolvimento dos computadores Apple e sua jornada espiritual pessoal. Estou interessado em aprender mais sobre como o LSD lhe foi útil.
Escrevo agora, pouco depois do meu 101º aniversário, para requerer-lhe que apoie a pesquisa proposta pelo psiquiatra suíço Dr. Peter Gasser para o estudo de psicoterapia LSD-assistida em pacientes com ansiedade associada a doenças fatais. Este será o primeiro estudo em psicoterapia LSD-assistida em 35 anos.
Espero que me ajude a transformar minha criança problema em minha criança solução.
Sinceramente,
A. Hofmann
Escrita logo após seu 101º aniversário, a carta apresenta uma caligrafia impressionante para um homem de sua idade. Mostrei-a para minha avó, Ruth Grim, que era oito anos mais nova que Hofmann e que fez uma análise amadora sobre a escrita enquanto Hofmann estava viajando. Sem saber de quem se tratava, ela disse por email que “tempo atrás, algo aconteceu que o fez ter uma visão deturpada sobre as coisas. Talvez ele se sentiu ameaçado. E também… criativo com suas mãos, duro consigo mesmo, pensa demais, teimoso, cuidadoso com o jeito que se expressa, não é influenciado pelo o que os outros pensam.”
Doblin diz que Hofmann frequentemente dizia que ele teve uma infância feliz e que não o caracterizaria como deturpado. Hofmann, por sua vez, geralmente se referia ao LSD como sua própria “criança problema” e em sua carta ele pede a Jobs que o “ajude a transformar a criança problema numa criança solução.”
Ele pede especificamente a Jobs que financie as pesquisas propostas pelo psiquiatra suíço Peter Gasser e direciona Jobs para a Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos de Doblin (MAPS).
Doblin e Hofmann eram próximos; Doblin deu ao doutor seu primeiro ecstasy nos anos 80 quando ainda era legal, e de acordo com ele, Hofmann amou, dizendo que finalmente ele havia encontrado uma droga que poderia usar com sua mulher, que não era fã do LSD.
Doblin me providenciou uma cópia da carta; o filho de Hofmann, Andreas Hofmann, encarregado das propriedades de seu pai, autorizou sua publicação.
De acordo com Doblin, a carta resultou numa conversa de uns 30 minutos entre ele e Jobs mas nenhuma contribuição à causa. “Ele ainda pensava ‘Vamos colocar no abastecimento de água e assim fica todo mundo louco,” se lembra um desapontado Doblin, que diz ainda não ter perdido a esperança de que Jobs viria até ele com sua contribuição.
O fato de Jobs ter usado LSD e ter afirmado do quanto isso contribuiu à sua forma de pensar está longe de ser uma exceção no mundo da tecnologia. Os psicodélicos influenciaram alguns dos principais cientistas da computação nos Estados Unidos. A história por trás destas conexões está registrada em vários livros, o melhor deles sendo provavelmente “What the Dormouse Said: How the 60s Counterculture Shaped the Personal Computer”, pelo repórter da área de tecnologia John Markoff.
De acordo com Markoff, os psicodélicos aceleraram as revoluções nos computadores e na internet ao mostrar para as pessoas que a realidade pode ser profundamente alterada por uma forma de pensar inconvencional e altamente intuitiva. Douglas Engelart é um exemplo de um psiconauta que fez isso: ajudou a inventar o mouse. Jobs da Apple disse que Bill Gates da Microsoft seria “um cara mais aberto caso tivesse tomado ácido uma vez.” Numa entrevista em 1994 para a Playboy, no entanto, Gates não negou uso de drogas quando jovem.
O pensamento diferenciado — ou aprender a Pensar Diferente, como já dizia o slogan de Jobs — é a principal característica da experiência com ácido. “Quando estou sob efeito do LSD e ouvindo algo que é puramente ritmo, sou levado para um outro mundo e para um outro estado mental onde eu paro de pensar e passo a saber,” contou Kevin Herbert para a revista Wired num simpósio que comemorava o centésimo aniversário de Hofmann. Hebert, empregado de longa data da Cisco System que com sucesso baniu o teste de drogas de tecnólogos na companhia, comenta que “resolveu seus maiores problemas técnicos enquanto viajava ao ouvir os solos de bateria do Greatful Dead.”
“Isso deve estar mudando alguma coisa na comunicação interna do meu cérebro,” disse Herbert. “O processo dentro de mim que me permite resolver problemas passa a trabalhar de forma diferente, ou talvez partes diferentes do meu cérebro passam a ser usadas.”
O Burning Man, fundado em 1986 pelos entusiastas em tecnologia de São Francisco, sempre teve a intenção de fazer um grande número de pessoas usarem diferentes partes de seus cérebros para um fim não específico, mas aparentemente esclarecedor e que beneficiasse o bem de todos. O evento foi rapidamente realocado para o deserto de Nevada pois passou a ser grande demais para a cidade. Hoje, é mais provável que você encontre por lá um engenheiro de software do que um ex-hippie. Larry Page e Sergey Brin, os fundadores do Google, participam do evento por um bom tempo, e a influência de São Francisco e Seattle na cultura tech está em todos os lugares, nos acampamentos e nas exibições montadas para os oito dias de festival. O site na internet diz lisergicamente que “tentar explicar o que é o Burning Man pra alguém que nunca esteve lá é como tentar explicar como é uma determinada cor para alguém que é cego.”
No evento em 2007, fiquei acampado no Camp Shift — Shift que em inglês significa “mudar”, “mudar sua consciência” — perto de quatro carros alegóricos alugados por Alexander e Ann Shulgin e seus amigos septo e octogenários vindo do norte da Califórnia. Estes respeitáveis senhores, os pais e mães espirituais do Burning Man, passam as noites sentados numa cadeira de plástico e sorrindo até o amanhecer. Perto da gente, um cara que eu conhecia de Eastern Shore — e que ocupava um cargo público — havia montado um mini campo de golfe com nove buracos e meio. Por que nove buracos e meio? “Porque é o Burning Man,” ele explicou. Nosso acampamento contava com palestras sobre psicodélicos e um “passeio” chamado “Dance, Dance, Immolation.” (o que em português seria “Dança, Dança, Sacrifício”). Os participantes vestiam uma roupa antiinflamável e tentavam dançar junto das luzes que piscavam. Cometa um erro, e você é engolido pelas chamas. A primeira pergunta no FAQ era, “É seguro? Resposta: Provavelmente não.”
John Gilmore foi o quinto empregado da Sun Microsystems e registrou o domínio Toad.com em 1987. O conhecido psiconauta é um dos ricaços, veterano do festival. Hoje um ativista das liberdades civis, e talvez mais conhecido por conta da Lei Gilmore, observa que “a Rede interpreta a censura como um dano e dá um jeito de contorná-la.” Ele me disse que a maioria dos seus colegas dos anos 60 e 70 usavam psicodélicos. “Os psicodélicos me ensinaram que a vida não é racional. A IBM era uma empresa muito racional,” ele disse, explicando porque a gigante do mundo corporativo foi ultrapassada por empresas até então sem grandes investimentos externos como a Apple. Mark Pesce, coinventor da LMRV (Linguagem para Modelagem de Realidade Virtual) e dedicado comparecedor do Burning Man, concordou que há uma certa relação entre expansão da mente através de químicos e avanços na tecnologia: “Os homens e mulheres, as pessoas por trás [da realidade virtual] eram todas chapadas,” ele disse.
Gilmore, no entanto, duvida que um relação direta causa-efeito entre drogas e a Internet possa ser comprovada. O tipo de pessoa que é inspirada pela possibilidade de criar novos modos de armazenar e compartilhar conhecimento, ele disse, geralmente é o mesmo tipo que se interessa pela exploração da consciência. Num nível básico, ambos são uma busca por algo fora da realidade convencional — a mesma abordagem que muitos processos criativos e espirituais têm, sendo que grande parte destes é estritamente livre de drogas. O que não deixa de ser verdade, nota Gilmore, é que muitas pessoas chegam a conclusões e certas revelações durante uma viagem. Talvez uma dessas revelações acabou se tornando um código de programação.
E talvez em outras áreas científicas também. De acordo com Gilmore, o inconformista químico/surfista Kary Mullis, famoso entusiasta do LSD, lhe disse que o ácido o ajudou a desenvolver a reação em cadeira da polimerase (PCR), um avanço crucial para a bioquímica. A descoberta lhe rendeu o Prêmio Nobel em 1993. E de acordo com o repórter Alun Reese, Francis Crick, descobridor da estrutura em dupla hélice da molécula de DNA juntamente de James Watson, disse a seus amigos que a primeira vez que ele visualizou a forma de dupla-hélice foi durante uma viagem de doce.
Não é nenhum segredo que Crick tomava ácido; ele também apoiou publicamente a legalização da maconha. Reese, que divulgou a história para uma agência de notícias depois da morte de Crick, disse que quando ele conversou com Crick sobre o que os amigos do cientista haviam lhe contado, ele “escutou atentamente, mesclando encanto e êxtase” e “não demonstrou nenhum sinal de surpresa. Quando terminei ele disse ‘Imprima uma palavra sobre isso e eu lhe processo.'”
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Caro Ric,
Obrigado por tudo o que faz pela minha criança problema. Estou contente por contribuir com o que puder de minha parte.
Aprendi muito com sua maravilhosa carta, sobre fazer as coisas depois de esperar pelo momento certo, a forma clara e cuidadosa com que organiza e realiza o seu trabalho.
Espero que minha carta a Steve Jobs corresponda à sua expectativa, especialmente no que se refere ao escolher ter usado papel e caneta. [Doblin pediu para que Hofmann timbrasse pessoalmente a carta]. Acredito que segui a sua receita.
Acredito que o Dr. Gasser terá o seu pedido atendido .
Cordialmente –
Albert Hoffman
Fonte: huffingtonpost.com
Agradecemos imensamente a tradução feita pelo colaborador Pedro Reis.
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