Quando a Psiquiatria vai Abandonar a Guerra às Drogas e Abraçar a Pesquisa Psicodélica?
É evidente que o zeigeist cultural se voltou para o uso terapêutico de drogas psicodélicas. Artigos recentes no New York Times e na CNN estão lentamente informando o público da excitante pesquisa que os contribuidores do MAPS já sabiam por algum tempo – que alguns psicodélicos, mesmo com sua bagagem histórica, seu potencial de uso incorreto, e sua reputação manchada, possuem um dos potenciais terapêuticos mais promissores que já vimos na psicofarmacologia em uma geração.
Entretanto, quais são as atitudes desses médicos que estariam habilitados a prescrever essas substâncias, irá o FDA aprová-las como agentes seguros e efetivos, e irá o DEA reescrevê-las para possibilitar a prescrição legal?
Infelizmente, a discussão em torno das drogas nos Estados Unidos, por pelo menos nos últimos 50 anos, foi amplamente polarizada entre drogas que são terapêuticas e drogas que podem ser abusadas. Mesmo que alguns dos nossos agentes psicoterapêuticos (por exemplo, estimulantes e benzodiazepinas) são também alguns que possuem mais tendência a serem abusados, há um desconforto distinto que surge entre os médicos quando uma substância, que foi abusada historicamente, é sugerida para a terapia.
Talvez seja porque, como médicos, quando se trata de abuso de substâncias, nós vemos com frequência as casualidades, e essa perspectiva criou um viés que uma substância que pode ser abusada não pode nunca ter utilidade terapêutica (como testemunha, o uso de MDMA para o tratamento de Estresse Pós Traumático, ou a resposta dramática à ketamina de pacientes com depressão grave. Raramente nós escutamos sobre como uma droga mudou a vida de uma pessoa para melhor. Em alguns aspectos, quanto mais esotérica a substância, menos resistência reflexiva ela gera.
Foi interessante ver os participantes do Congresso de Psiquiatria e Saúde Mental em San Diego, nos EUA, pararem na subestimada cabine do MAPS no hall da convenção, onde ela compartilhava espaço com diversos painéis muito mais brilhantes dos medicamentos psiquiátricos convencionais. Muitas pessoas perguntavam, “O que é MDMA?” não associando o termo com a bagagem cultural associada ao “Ecstasy”. Cientistas que querem estudar componentes como a ibogaína ou a psilocibina provavelmente vão encontrar mais facilidade passando por cima dos preconceitos negativos que foram acrescidos contra as substâncias mais comumente usadas (e abusadas), tais como a cannabis e o LSD.
Eu proporia que as atitudes que a maioria das pessoas têm em relação aos psicodélicos caem em uma das quatro categorias a seguir:
(1) Eu experimentei eles e eles mudaram minha vida para melhor.
(2) Eu experimentei eles e não ocorreram mudanças, ou foi uma experiência ruim.
(3) Eu nunca experimentei eles mas tenho mente aberta em relação aos mesmos.
(4) Eu nunca experimentei eles e posso imaginá-los somente como mais perigosos do que auxiliadores.
Eu suspeito que existam mais de alguns médicos que encaixam na categoria 1, mas se sentem inconfortáveis compartilhando suas experiências por medo de comprometer suas reputações profissionais. Entretanto, eu acho que a maioria dos psiquiatras tradicionais, vendo os efeitos negativos de pacientes com histórico de abuso de substâncias e influenciados por mais de 45 anos de propaganda anti-drogas, se aliariam perfeitamente na categoria 4. Creio que a maioria das pessoas lendo esse artigo, se identificam com a categoria 1. Elas estão convertidas. Através de qualquer experiência que elas tenham tido, acreditam no poder dessas substâncias para servir de ferramentas para ajudar as pessoas a atingir uma saúde melhor e o equilíbrio emocional. Entretanto, a maioria dos psiquiatras não tiveram as mesmas experiências e são propensos a ver a indefinição com que aqueles na categoria 1 podem partilhar suas experiências com um certo grau de suspeita.
Por isso nós precisamos de dados para suportar as afirmações de que essas substâncias são terapêuticas. Nós precisamos ter a ciência que suporte as teorias de por que esses componentes podem causar os efeitos profundos característicos. Dados são a moeda da mudança de prática, e, sem eles, todos os relatos dos “convertidos” não são levados em conta, “dados anedóticos”-interessantes, mas nada que a maioria das pessoas em um ambiente profissional irá lidar para arriscar a ser submetido a sanções tais como perda da licença ou status profissional, ou a posição clínica/acadêmica. É por isso que o que o MAPS está fazendo é tão importante para mudar as atitudes em torno dessas substâncias e o papel que elas podem exercer na psiquiatria. Focando em condições tais como o Estresse Pós-Traumático, que sofre com a falta de tratamentos eficazes, e gerando descobertas baseadas em pesquisas robustas, seus estudos provêm tanto esperança para condições difíceis de tratar como dados para tratamentos efetivos.
Esperançosamente, serão apenas alguns anos antes que os dados gerados pelos estudos patrocinados pelo MAPS possam ser alavancados para fazer essas substâncias legais como prescrição médica. Quando esse dia chegar, o MAPS deverá tomar como lição das principais indústrias farmacêuticas e usar o marketing como um caminho para mudar as atitudes e encorajar o uso apropriado dessas substâncias.
A indústria farmacêutica gastou 27.7 bilhões de dólares em 2004 (1) em medicações de mercado porque esse investimento foi retornado diversas vezes nas vendas. O MAPS tem uma missão que é muito mais importante do que retornar fundos aos acionistas: fazer medicamentos efetivos disponíveis aos pacientes que necessitam e desenvolver uma atitude mais leve em relação aos psicodélicos. Armados com os dados desses estudos, os meios de propaganda podem mudar as atitudes dos médicos que irão prescrever essas medicações.
A estética dessas mensagens de marketing devem refletir o uso sóbrio e controlado desses componentes para propósitos terapêuticos. Imagens psicodélicas, por exemplo, podem apelar para aqueles que tiveram experiências positivas com esses componentes, mas também podem servir para alienar um estabelecimento médico mais conservador. Importante como o marketing, é o impacto que médicos de respeito têm nos padrões de prática de outros médicos. A indústria farmacêutica conhece isso há um bom tempo, e usa “opiniões chave de líderes” ou “líderes importantes” para distribuir nova propaganda sobre novas drogas. (2)
Médicos confiam em seus colegas mais do que em representante de vendas. Aqueles que são bem versados nos resultados das pesquisas e convencidos sobre os benefícios desses compostos podem engajar colegas em conversas interessantes sobre os benefícios dessas drogas. No final do dia, histórias envolvem, mas dados convencem.
Referências:
1. Gagnon M-A, Lexchin J (2008) The Cost of Pushing Pills: A New Estimate of Pharmaceutical Promotion Expenditures in the United States. PLoS Med 5(1): e1. doi:10.1371/journal.pmed.0050001
2. Carlat (2010) Unhinged: The Trouble with Psychiatry, Free Press, NY
Traduzido de: Alternet