A Segunda Revolução Psicodélica, Parte 3 – Terence Mckenna, o Surgimento do Xamã Vegetal

Esse artigo é a terceira parte de uma série de 6. Para ler a segunda parte, clique aqui.

dmt_pattern

Metaforicamente, o DMT é como um buraco-negro intelectual, pois uma vez que alguém saiba sobre ele, é muito difícil para outros entenderem sobre o que se está falando. Ninguém consegue ser ouvido. Quanto mais o indivíduo consegue articular sobre o que essa experiência é, menos os outros são capazes de entender. É por isso que eu creio que as pessoas que obtém a iluminação são silenciosas. Elas são silenciosas pois nós não podemos compreendê-las. O porquê do fenômeno do êxtase psicodélico não ter sido examinado por cientistas, caçadores de emoções, ou qualquer outra pessoa, eu não tenho certeza, porém recomendo a sua atenção para isso.

Terence Mckenna, O Retorno à Cultura Arcaica

rev_psicodelica_2

A publicação de PIHKAL TIHKAL por Alexander e Ann Shulgin resultou em uma variedade imensa de novos psicodélicos (veja a segunda parte) que estão agora disponíveis em grande escala graças à escassez do LSD após a batida policial no silo de mísseis Y2K em Kansas (veja a primeira parte). Entretanto, ao contrário da primeira revolução psicodélica, que vou iniciada primeiramente pelo psicodélico artificial LSD, e em menor escala, pela mescalina, psilocibina e DMT sintetizados laboratorialmente [1], (como listado na introdução do “A Experiência Psicodélica: Um manual baseado no Livro Tibetano dos Mortos” por Leary, Metzner e Alpert em 1964), a segunda revolução psicodélica não pode ser puramente definida por drogas “sintéticas”. Embora a falta de LSD tenha popularizado o 2C-B, 2-C-T-7, 5-MeO-DIPT, e outros compostos psicodélicos laboratoriais antes desconhecidos, ela também popularizou um renascer no interesse de enteógenos naturais das plantas [2] e a popularização do previamente pouco conhecido conceito de xamanismo vegetal e a ideia que essas plantas não são tanto “drogas psicodélicas”, mas sim, “medicinas espirituais”.

O primeiro volume de Shulgin, “PIHKAL: Uma história de amor química” focou no trabalho de Sasha com a família de compostos da fenetilamina, e enquanto essa inclui muitos outros psicodélicos verdadeiros como a mescalina e os inúmeros compostos 2C-X, foi seu trabalho com os empatógenos famosos como o MDMA e o MDA [3] que trouxeram o trabalho de Sasha para a atenção da cultura “rave” no início dos anos 90. O segundo volume de Shulgin, “TIHKAL: A continuação” [4], entretanto, explorou o trabalho de Sasha com as triptaminas, a classe de compostos que inclui os neurotransmissores importantes como a serotonina e a melatonina, psicodélicos/enteógenos naturais como a psilocibina, LSD e ibogaína, e os psicodélicos endógenos, como o DMT e o 5-metóxi-DMT. 

Considerado por muito tempo como o santo graal dos psicodélicos, o DMT era comparativamente raro no mercado ilícito de drogas até mesmo nos anos 60. Sua escassez era acompanhada de sua reputação assustadora – Grace Slick, o cantora do Jefferson Airplane, uma vez disse que “ácido é como ser sugado por um canudinho, DMT é como ser atirado de um canhão”. Ele tinha praticamente desaparecido da cultura psicodélica geral muito antes do lançamento do TIHKAL. Entretanto, não foi a publicação do TIHKAL, mas um par de livros em 1992 (um anos após o PIHKAL) por um autor pouco conhecido sem nenhum treinamento em química orgânica ou antropologia cultural que iriam ser os responsáveis por popularizar o DMT na cultura psicodélica contemporânea. Mas ao contrário do uso do DMT nos anos 60, que utilizou o DMT de forma intravenosa ou fumada, o interesse primário do autor no DMT foi como um ingrediente ativo em uma bebida amazônica obscura que naquele tempo era ainda conhecida pelo seu nome hispânico yagé, diferentemente de como é conhecida agora: uma aproximação fonética de um de seus inúmeros nomes indígenas – Ayahuasca.

xama_peruviano

Quando o “O Retorno à Cultura Arcaica” (uma coleção de ensaios e palestras de Terence McKenna) e o “Alimento dos Deuses” (sua obra prima em plantas psicodélicas que incluiu a teoria do símio chapado) foram publicados em 1991, haviam se passado pelo menos duas décadas desde que Terence e seu irmão mais novo Dennis McKenna tinham escrito “A Paisagem Invisível” (1975), um estranho volume alquímico descrevendo uma expedição à Amazônia em busca do oo-ko-heé, um rapé xamânico que continha DMT. (Terence estava procurando uma fonte natural para a experiência sintética do DMT, que como um linguista e psiconauta, ele tinha se tornado muito envolvido). Esse primeiro livro não teve grande tiragem e se tornou uma espécie de item de colecionador para psiconautas, devido à extraordinariedade da expedição e as inúmeras ideias radicais contidas em suas páginas. (Essas ideias incluiram uma compilação recente de especulações sobre tempo e casualidade, que Terence McKenna desenvolveu em sua “Teoria da Novidade”, assim como uma previsão da chegada do eschaton: uma singularidade no fim dos tempos, que ele previu que iria acontecer em Dezembro de 2012. [5] Uma vez que a expedição tenha falhado em seu objetivo de encontrar o rapé de DMT que eles estavam procurando, os irmãos Mckenna encontraram no seu lugar exemplares de Psilocybe cubensis muito psicodélicos, e em um parte menos reconhecida do trabalho de Terence Mckenna, trouxeram os esporos desses cogumelos de volta para os Estados Unidos e ficaram os anos seguintes desenvolvendo métodos efetivos de cultivo indoor, cujos resultados foram publicados no livro popular Psilocybin: A magic Mushroom Growers Guide. [6]

banisteriopsis_caapi

Com esse trabalho – a introdução de plantas enteógenas facilmente disponíveis [7] e que qualquer um poderia cultivar em forma de livro de instruções – os irmãos McKenna mereceriam uma menção, mas esse seria apenas o começo de carreiras extraordinárias na arena psicodélica para ambos. Dennis McKenna voltou para a universidade, e se tornou um etnofarmacologista respeitado. Durante a última década de sua vida – e agora na primeira década do século 21 – o filósofo e engenheiro memético Terence McKenna (1946 – 2000) se tornou o mais popular e reconhecido porta-voz para os psicodélicos desde Timothy Leary [8]. Foi Terence o mais responsável por evoluir a cultura psicodélica contemporânea ao seu estado atual, graças a seus escritos e palestras, muitas das quais estão sendo transmitidas em podcasts na internet desde sua morte – um meio de comunicação que ele abraçou entusiasticamente durante sua vida como uma nova forma de comunicação e expressão artística, e que agora acabou imortalizando-o.

A publicação de O Retorno à Cultura Arcaica e O Alimento dos Deuses coincidiu de fato sincronisticamente com os primeiros anos da Internet e da música eletrônica, e enquanto Timothy Leary foi um pioneiro da rede, foi Terence que a cultura “rave” dos anos 90 abraçou enfaticamente. Nos últimos anos de sua vida Terence McKenna foi com frequência o mais o palestrante mais popular e esteve nas principais conferências, assim como uma atração principal nas raves – auto declarando-se “Voz dos Cogumelos” ele tinha a habilidade de fazer uma sala inteira de dança se sentar durante os intervalos dos DJs para escutar sobre a beleza dos psicodélicos, por horas a fio às vezes. Sua capacidade extraordinária para o discurso e a descoberta de uma audiência com frequência muito cativa coincidiu mais uma vez com a revolução da Internet, e muitas conferências de Terence eram tecnologicamente evoluídas para a época (há um relacionamento de longa duração entre a comunidade psicodélica e a do vale do silício [9]), resultando em um número incrível de gravações e podcasts, muitas vezes mixados em músicas eletrônicas.

rev_psicodelica_4

A morte inesperada e fora do tempo aos seus 53 anos também coincidiu com a seca do LSD que se seguiu à batida policial do silo de Kansas em 2000, e o período em que os psiconautas foram forçados a considerar novas opções psicodélicas. Cogumelos mágicos tiveram sua importância aumentada na cultura psicodélica, e o interesse cresceu tanto para a ayahuasca, que começou a aparecer na américa do norte em meados de 1990, e o DMT, que tinha sido escasso por décadas, também começou a se tornar mais disponível a partir de 2000. Esse interesse nas ideias centrais de Terence, juntamente com sua popularidade nas comunidades de música eletrônica e de tecnologia – aumentaram a influência de Terence exponencialmente quando ele morreu. Um processo amplificado por sua previsão da chegada do escathon em 21 de Dezembro de 2012 – a previsão que ironicamente (e infelizmente) ele não viveu para ver.

Agora por mais de uma década desde sua morte, e mais de um ano depois dos eventos da histeria e esperança do ano 2012 que ele ajudou a criar, não há como negar a influência de Terence McKenna na cultura psicodélica contemporânea, ou até mesmo na cultura popular por si mesma. A veneração dos “cogumelos mágicos” e a reintegração da figura da Divindade; o interesse atual no DMT em suas diversas formas; a com frequência debatida suposição que os enteógenos naturais são superiores à compostos artificiais ou sintéticos, mais notavelmente o LSD; nossos conceitos sobre espíritos das plantas, xamanismo, e o aumento do turismo da ayahuasca; a ideia moderna do “renascimento arcaico” dos festivais para revigorar a espiritualidade na sociedade ocidental; a fusão dos psicodélicos e da cultura virtual; abduções e o fenômeno UFO; e claro, o fenômeno do ano de 2012: esses foram todos memes nascidos ou popularizados pelas ideias e interesses de Terence McKenna, mesmo que ironicamente, ele tenha vivido pouco para ver a mudança que ele criou em diversas formas.

Na década que se seguiu à sua morte, os pontos focais do trabalho da vida de Terence Mckenna se tornaram, para o melhor e o pior, algo como uma planta baixa para o surgimento da cultura global neo-tribal e neo-xamânica, evidenciada no Burning Man, no festival Boom!, e em outros eventos intermináveis que as representam. As ideias de Terence influenciaram a moda psicodélica, as músicas que escutamos, os psicodélicos que utilizamos (e o modo como o utilizamos), os países que visitamos, até mesmo a maneira que usamos a internet. Sua previsão de uma singularidade no fim dos tempos de nossas vidas (senão de sua própria) forneceu um códex moderno para a antiga tradução Maia, e ajudou a gerar o interesse mundial no que antes seria uma data arqueológica insignificante. Mas agora que nós estamos no outro lado do Omega Point de 2012 e tudo ainda está de pé, é a popularização da ayahuasca feita por Terence que é digna de nossa atenção.

revi_psicodelica_5

Durante a última década o aumento do interesse na ayahuasca tem sido extraordinário, e desde o advento do LSD nos anos 60, nenhum psicodélico capturou a imaginação artística e espiritual da mesma maneira, e o uso da ayahuasca, mesmo que muito menor que o número de usuários do LSD nos anos 60, se tornou comum o suficiente para penetrar a mídia. (Marie Claire, uma revista feminina popular, é a última publicação incomum, com um artigo sobre os círculos da ayahuasca [10]). Conhecida previamente na cultura psicodélica através do livreto de William S. Burroughs e Allen Ginsberg chamado The Yage Letters publicado em 1963, foi a popularização de Terence McKenna dessa bebida xamânica amazônica incomum  nos anos 1980-1990 que daria origem à uma “cultura da ayahuasca”. Quando os primeiros xamãs sul-americanos começaram a visitar a Europa e os EUA nos anos 90, o uso da ayahuasca se espalhou rapidamente no século 21, um processo que foi acelerado pela escassez do LSD, forçando os psiconautas a procurarem por outros caminhos para experiência psicodélica. (Há também ocorrido um interesse renovado no San Pedro e no Peyote, enquanto formas fumáveis do DMT têm reaparecido nos mercados negros pela primeira vez em décadas, juntamente com receitas para extração de plantas que são comumente disponíveis na internet.)

Proibição, pelo que parece, apenas gera diversificação, e uma diferença notável que separa a Segunda Revolução Psicodélica da Primeira é a imensa variedade de psicodélicos e empatógenos, tanto naturais como sintéticos, que estão agora disponíveis.

A cultura da ayahuasca por si só começou, em muitos sentidos, a se desenvolver fora da comunidade psicodélica tradicional, muitos na comunidade do yoga por exemplo, abraçaram a ayahuasca, com centros independentes de yoga ao redor do mundo hospedando xamãs sul-americanos e suas cerimônias que atraem muitos indivíduos com pouca ou nenhuma conexão com a comunidade psicodélica, uma vez que eles não vêm a ayahuasca como uma droga psicodélica, mas uma medicina sacramental.

revi_psicodelica_6

Enquanto a ayahuasca contém DMT, uma substância da lista 1 (substâncias sem nenhum uso médico e psicológico), juntamente com o LSD, o uso da ayahuasca não tem sido (até agora) perseguido nos Estados Unidos. Leis federais favoráveis em 2000 em relação às igrejas União do Vegetal (UDV) e o Santo Daime, que utilizam ayahuasca em suas cerimônias, foram interpretadas como um furo na lei para muitos, e foi sem dúvida um fator no aumento da popularidade da ayahuasca. Enquanto mais e mais celebridades ressaltam suas experiências de mudança de vida com a bebida amazônica, e mais e mais psiquiatras e psicólogos especulam sobre os benefícios da experiência, o aumento da retórica em torno da ayahuasca lembra a excitação que o LSD inspirou quando foi tornado ilegal em 1966.

É virtualmente impossível quantificar a experiência psicodélica; a ayahuasca ganhou uma reputação especial devido à visões coloridas que induz, enquanto o pináculo do LSD é geralmente representado como uma dissolução na “luz branca” mística. Quando comparados sob uma perspectiva estritamente fenomenológica, ambos possuem reputação por serem capazes de induzir o paraíso ou o inferno, e ambas experiências são longas e fisicamente desgastantes. Ambos são descritos como enteógenos reais, capazes de induzir catarses espirituais de mudança de vida; ambos tem sido bem-sucedidos no combate ao vício; e ambos se originaram como medicinas. (O LSD foi originalmente um medicamento legal). Muitas das propriedades extraordinárias atribuídas a um deles – telepatia, um aumento na sincronicidade diária, inspiração artística, conexões profundas com a natureza, experiências místicas e transpessoais – também foram atribuídas ao outro. Então onde está a diferença entre essas duas “Revoluções Psicodélicas”, ou simplesmente nós trocamos altas dosagens de um potente enteógeno fabricado em um laboratório na Suíça por um equivalente natural colhido nas florestas amazônicas?

A diferença reside não muito na fenomenologia da experiência psicodélica interna, mas no conteúdo externo; a experiência do xamã e seus ícaros, e o ritual contido nas próprias experiências. Quando o uso do LSD explodiu em 1960 após ter se tornado ilegal, o que faltou essencialmente na Primeira Revolução Psicodélica foi um ambiente seguro para a experiência. Muitas pessoas jovens caíram em situações perigosas, e as consequências culminaram na ilegalidade dos psicodélicos. O que nós aprendemos da primeira revolução psicodélica é que no ocidente, faltam as escolas místicas necessárias para integrar com sucesso e benefícios o uso dos psicodélicos em nossa sociedade. Muito da evolução da cultura psicodélica contemporânea tem sido um processo de investigação e integração da sabedoria e técnicas antigas com a experiência psicodélica anedótica que foi gerada nos últimos 50 anos.

revi_psicodelica_7

Primeiramente procurando conhecimento e direção em estados alterados de consciência dos Gurus e Rinpoches da Índia, então os xamãs da bacia Amazônica, e agora de uma variedade ampla do xamanismo tradicional de inúmeras culturas, a cultura psicodélica moderna se adaptou aos enteógenos disponíveis, e moveu-se de bom grado entre o laboratório e o conhecimento ancestral das plantas na procura da experiência enteógena não diluída. O chamado entusiástico de Terence McKenna do xamã como um guia psicodélico espiritual (em oposição ao curador homeopático que pode estar mais próximo à realidade) resultou em milhares de americanos e europeus viajando para o Peru, Ecuador e o Brasil na procura dessa orientação, e uma onda de xamãs sul-americanos migrou para costas estrangeiras – uma inovação psicodélica que inevitavelmente gerou uma série de imitadores locais, e infelizmente tornou a palavra “xamã” uma das mais abusadas no vocabulário atual. Canções guias da ayahuasca, chamadas de ícaros podem agora serem encontradas misturadas em música eletrônica, a palavra icaros impressa em vestimentas de festivais, e o hábito de participar de círculos de ayahuasca começou a se tornar um status “cult” em locais diversos como Asheville, Brooklyn, Los Angeles, Portland, e Santa Fe (somete para citar algumas).

Durante esse mesmo período, universitários estudando a história do ocidente e antropologia tiveram que reconciliar o fato de que muitas das maiores civilizações e religiões mundiais – incluindo os gregos, hindus e budistas – utilizaram plantas psicodélicas. Essa é uma ideia que tem sido extremamente impopular, mas é agora incrivelmente óbvia para as gerações de antropologistas e mitologistas psicodélicos nascidos desde os anos 60, muitos dos quais estão familiarizados com o trabalho de Terence McKenna. É agora amplamente aceito e concluído que a ayahuasca amazônica (e o dmt-rapé) pode ser considerada o último enteógeno sacramental [11] de uma grande era planetária marcada por pelo menos cinco culturas enteogênicas distintas, e que duraram cada uma pelo menos dois mil anos; as outras sendo o Soma nos hindus Vedanta (Índia), os kykeon dos mistérios de Elêusis (Grécia), a cultura do San pedro que teve seu pico em Chavín de Hunatar (Peru), e a variedade impressionante de psicodélicos (cogumelos cubensis, sementes de glória da manhã, cacto peyote, e toxinas de rãs) utilizados pelas culturas Maia, Tolteca e Asteca (México). [12] O xamanismo vegetal é agora reconhecido como sendo o modelo xamânico primário mundialmente, e não um “substituto vulgar do trance puro” para os métodos xamânicos tais quais os tambores e cânticos, como Mircea Eliade [13] supôs em seu texto clássico de 1951 chamado Shamanism: Archaic Techniques of Ecstacy. (Eliade mudou de opinião no final de sua vida, falando para Peter Furst em uma entrevista não muito antes de sua morte que nos anos 60 os antropologistas não tinham uma perspectiva psicodélica suficiente para reconhecer a importância dos variados ritos locais, então a evidência simplesmente não estava lá [14].)

Terence McKenna foi um dos primeiros escritores que realmente juntou a história psicodélica da humanidade e a ligação da ayahuasca com nosso passado remoto. Foram seus escritos que ajudaram a espalhar a beleza, mito e magia do povo e cultura amazônica para uma audiência maior, e apesar de sua associação com o fenômeno 2012 e a triste mescla dos dois, sua defesa das plantas enteógenas e a reintrodução do processo xamânico no mundo ocidental modeno serão sempre lembradas como sua contribuição fundamental para a cultura psicodélica. Até mesmo sua teoria do símio chapado – a ideia que a linguagem falada evoluiu quando nossos ancestrais primatas desenvolveram uma dieta que incluía cogumelos com psilocibina – pode ser algum dia popular e ser levada a sério. Sua morte com a idade de 53 anos roubou da cena psicodélica seu porta-voz mais carismático, e garantiu a imortalidade de Terence McKenna graças à tecnologia emergente da internet que ele adotou entusiasticamente, e será lembrado como um dos primeiros pod-casters famosos. [15]

[1] DOM ou STP, que também pode ser incluído nessa lista, não apareceu até 1966.

 

[2] Enteógeno (Despertando o Deus Interior); uma planta ou composto que pode induzir uma experiência mística, e é com frequência considerado sagrado.

 

[3] que são psicodélicos somente em altas dosagens (geralmente)

 

[4] Triptaminas que eu conheci e amei na sigla em inglês

 

[5] A data original da previsão de Terence McKenna foi 16 de Dezembro de 2012 (coincidindo com o que seria seu 66o aniversário); Terence mais tarde mudou a data para o dia 21, coincidindo com o calendário Maia.

 

[6] Sob os pseudônimos OT Oss e ON Oeric

 

[7] Enteógeno (Despertando o Deus Interior); uma planta ou composto que pode induzir uma experiência mística.

 

[8] e o mais controverso desde Leary!

 

[9] Veja What the Doormouse Said: How the Sixties Counterculture shaped the Personal Computer Industry (2005) por John Markhoff.

 

[10] http://www.marieclaire.com/world-reports/ayahuasca-new-power-trip

 

[11] Enquanto ambos Soma Kykeon desapareceram há muito tempo juntamente com suas identidades reais desconhecidas, a cultura do San Pedro no Peru ainda sobrevive de certa maneira, porém em uma forma sincrética cristã muito diluída, assim como os remanescentes de cultos do cogumelo no México, mas a cultura e uso amazônicos da ayahuasca representa a maior cultura enteogênica ainda em efeito no planeta, e permaneceram inalteradas até mesmo no mundo pós segunda guerra. Ironicamente, as igrejas da ayahuasca no Brasil (Santo Daime e União do Vegetal) alcançaram níveis de legalidade graças à suprema corte definindo-as também como religiões sincreístas. Essas igrejas atribuem a descoberta da ayahuasca para seus fundadores mestiços, e não para as tribos indígenas amazônicas.

 

[12] Um argumento que pode ser desenvolvido é que com a invenção do LSD, e agora com milhares de research chemicals disponíveis, nós estamos no processo de criação da 6a – e pela primeira vez global – cultura enteogênica.

 

[13] O pai da Fenomenologia de Religião, e o homem que cunhou o termo “xamã” (do sibérico) para designar curandeiros amazônicos.

 

[14] “O que nós sabíamos sobre essas coisas em 1950?” confessou Eliade para Furst.

 

[15] Pesquise por “Terence McKenna” no Google e você terá aproximadamente 1.6 milhões de resultados, muitos deles sendo podcasts e gravações.

Fonte

Conheça o Palácio do LSD em São Francisco

[jwplayer SWngjXG8-Fs1bDREf]

O LSD revolucionou o ocidente, e a proibição acabou impulsionando uma nova forma de arte. Nos encontramos com Mark McCloud, o colecionador de ácidos que encheu sua casa de lisergia na cidade de São Francisco.

 

Era uma vez uma substância que protagonizou a maior revolução cultural do século XX. Vinha de fábrica na forma de um líquido transparente, envasado em ampolas de vidro opaco ou conta-gotas. As imagens dos primeiros viajantes mostram jovens de camisa e cabelo curto ingerindo torrões de açúcar ou copos de água com LSD, em recintos controlados, com um psiquiatra vigiando a sessão e com o auxílio de uma enfermeira.

Com a ilegalidade, acabaram as sessões psicodélicas patrocinadas por universidades. Também acabaram os doutores anotando os resultados e as enfermeiras participando de esquizofrenias experimentais. A lei tentou travar o avanço do consumo de LSD, porém foi como apertar uma granada armada: não importa quanta força você faça, a única coisa que você irá conseguir é ficar sem uma mão.

O primeiro ácido na forma de blotter disponibilizado comercialmente foi em 1968 (depois da ilegalização: eram utilizadas tiras de papel tornassol, que reage com o LSD formando um ponto azul (blue dot acid). O formato atendeu às exigências de quase toda mercadoria ilegal: era fácil de transportar, esconder e disfarçar. Outra das razões que levaram os usuários a trocar a forma de transportar o LSD foi devido à implementação de sentenças mínimas. O princípio é básico: quantidades fixas de uma substância ilegal (em dose ou peso) eram penalizadas com tempo obrigatório de prisão correspondente. O ponto é que, antes do milagre do papel, o meio mais comum para dosar o LSD eram torrões de açúcar ou cápsulas. Assim, uma pessoa com um grama de açúcar embebido em ácido (que continha apenas uma dosagem) poderia receber a mesma pena que uma pessoa que tinha um grama puro, que poderia gerar mais de 10.000 doses. A busca de um suporte para o LSD com o menor peso possível foi vital para que os usuários não acabassem atrás das grades acusados de traficar a granel.

Mas além dos formatos, há algo totalmente indiscutível e que expressa a radicalidade do que foi uma revolução: a maneira na qual os Beatles passaram do Rubber Soul (quando eles começaram a tomar LSD por causa da influência de Bob Dylan) ao Sgt. Pepper´s Lonely Hearts Club Band é algo que só podemos atribuir à magia da Dietilamida do Ácido Lisérgico.

Cartela de LSD contendo fotografia dos integrantes da banda Beatles.
Cartela de LSD contendo fotografia dos integrantes da banda Beatles, presente no catálogo de Mark.

Instituto das Imagens Ilegais

Todo psiconauta gostaria de ir ao aniversário de Mark McCloud. Foi amigo de Albert Hofmann e de Owsley Stanley. Conhece Alex Grey, Howard marks, Alexander Shulgin e o DJ Goa Gil. Era professor de arte, até que uma viagem, uma viagem muito boa, o deixou com vontade de ele mesmo desenhar as cartelas. Foi em dezembro de 1971, quando existia o legendário Orange Sunshine de Owsley. Essa viagem, que ele levou 10 anos para assimilar, deixou de lembrança uma cartela emoldurada e pendurada na parede. Mais tarde, McCloud afirmaria que mostrar ao mundo a arte comestível do LSD era uma forma de pagar a dívida por aquela experiência.

Se os franceses foram os primeiros a integrar uma arte clandestina (o graffiti) ao sistema (fazendo logos para a Nike, Coca-Cola ou Sony), e foi o inglês Banksy quem o reconverteu em uma declaração política esculpida com pintura, Mark McCloud foi o pioneiro em reconhecer o lugar cultural que o blotter art tinha ganhado na cultura psicodélica. O desenho não faz nenhum tipo de efeito sobre a substância, é totalmente inócuo. É uma necessidade humana, tal qual pintar búfalos nas paredes de uma caverna, colorir o rosto para assustar o inimigo ou pixar as paredes de um McDonald’s.

Na iconografia psicodélica do instituto encontramos desde o Mickey e o Gato Félix até mesmo Gorbachov, Obama e personagens do filme Avatar. Encontramos também personagens de Lewis Carroll, Robert Crumb, Charles Schultz e Matt Groening. Existem dragões chineses milenários, deuses indianos, homenagens a estrelas do rock, químicos e escritores. Um artista de blotter art se apropria de uma imagem e atribui a ela um novo significado.

Nas mentes dominadas por níveis básicos de análise, como no caso dos oficiais e empregados da lei, argumentos como que os desenhos servem para identificar diferentes laboratórios, potências ou até mesmo que os desenhos são para chamar atenção das crianças pequenas. E assim, esquecem do básico: a arte não influencia, pelo menos não em um sentido estritamente químico.

A realidade é que a blotter art poderia ser a resposta do rock à pop art. “A boa arte tem sempre a capacidade de transformar sua mente”, refletiu uma vez Mark, “porém a boa arte embebida em LSD com certeza tem essa capacidade”. De certa forma, se pintar uma lata de sopa com cores vibrantes era transgressor, fazer quadros em miniatura que iriam acabar embaixo da língua de alguém ou auto-digeridos pelo ácido lisérgico em que eram embebidos é com certeza um ato desafiador.

Interior do Palácio do LSD, também conhecido como Instituto das Imagens Ilegais.
Interior do Palácio do LSD, também conhecido como Instituto das Imagens Ilegais.

Em uma entrevista, McCloud reforça a importância da blotter art comparando-a com uma missa católica. “Em uma missa, a hóstia funciona de maneira muito semelhante a um blotter. Se imprime de um lado uma lâmina de pão liso a figura do espírito santo, e no outro lado, a marca da paróquia que a produziu. Eu poderia ir de paróquia em paróquia colecionando hóstias, mas como não são populares, me inclinei a colecionar a hóstia ativa, aquela que aproxima novamente o misticismo das pessoas”.

É somente arte, amigo

Em 1987, com uma coleção respeitável e com uma exposição que começava a se mostrar em galerias de arte, começaram os problemas com os agentes do FBI. Ao iniciar sua coleção, McCloud só tinha acesso a cartelas embebidas em ácido, que logo tinha que inativar expondo-as sob luz ultravioleta para que o LSD fosse degradado em formas não psicoativas. Mas, ainda assim, o governo sustentava que a coleção de Mark, e a produção de cartelas desenhadas e perfuradas, era um disfarce para a distribuição de insumos para a fabricação de narcóticos. McCloud se permite fazer algumas ironias a esse respeito: “emoldurar é a melhor maneira de conservá-los, por que você não pode engolir as molduras”.

Os anos 90 foram agitados, e no começo dos anos 2000, sua casa foi invadida e uma coleção de mais de 400 cartelas foi confiscada. A defesa afirmou que o artista ou o produtor das cartelas não era responsável pelo uso que elas tiveram depois de serem vendidas e, por outro lado, se toda a coleção não continha nenhum LSD, não havia nenhum tipo de delito.

“Você não tem ideia do que é levantar-se todas as manhãs e ter quatro agentes lhe seguindo onde quer que você vá, apenas por fazer algo legal, algo melhor”, declarou Mark há um tempo em uma entrevista. “Não têm ideia do que é ser perseguido todos os dias de sua vida pelo trabalho artístico que você realiza”.

Durante o julgamento, em 2001, foi provado que 33 milhões de doses de LSD também podem ser 33 mil cartelas de papel secante que compõem um projeto artístico de mais de 30 anos de trabalho. Como afirmou Carlo McCormick: “A arte de McCloud é uma peça de suma importância para o folk norte-americano”.

blotter_mccloud

Você pode conferir alguns blotters catalogados, além de outras informações sobre o museu, na página Blotter Barn.

Fontes: Wired & Blotter Barn

James Fadiman: Abrindo as Portas da Percepção

Taduzido do original de James Fadiman

fadimanA data é no início de 1966. Quatro de nós estão sentados em torno de uma mesa, chamados para fora da sala de sessão por um momento para responder ao conteúdo de uma carta de entrega especial. De volta ao quarto, quatro homens estão deitados em sofás e almofadas, de óculos escuros para bloquear a luz do dia, ouvindo um quarteto de cordas de Beethoven em fones de ouvido estéreo. Cada homem, um cientista sênior, havia tomado 25 microgramas de LSD-25 – uma dose muito baixa – cerca duas horas antes. Dois desses homens estão trabalhando em projetos diferentes para o Instituto de Pesquisa de Stanford, outro para a Hewlett Packard, e o último é um arquiteto. Eles são altamente qualificados, altamente respeitados e altamente motivados para resolver problemas técnicos. Cada um deles trouxe a esta sessão vários problemas que ele têm encontrado nos seus trabalhos, pelo menos nos últimos três meses e tinham sido incapazes de resolver. Nenhum deles tinha qualquer experiência anterior com psicodélicos. Nas próximas duas horas, o plano é levantar seus óculos de sol, tirar seus fones de ouvido, desligar a música, e oferecer-lhes tira-gostos e salgadinhos, que eles provavelmente nem vão tocar. Vamos ajudá-los a concentrar-se nos problemas que eles vieram para resolver. Eles são o quinto ou sexto grupo que temos realizado. O governo federal aprovou este estudo. É um uso experimental de uma “nova droga”, uma droga ainda em análise e não comercialmente disponível.

Em 1966, havia cerca de 60 projetos em todo o país investigando ativamente LSD-25. Alguns eram estudos terapêuticos: um na UCLA mostrou notável sucesso permitindo que crianças autistas se comunicassem novamente; outros estavam trabalhando com animais de macacos a ratos, de peixes até mesmo insetos.

Teias feitas por aranhas sob efeito do LSD, Mescalina, Haxixe e Cafeína

Sobre as aranhas, descobriu-se que faziam arquiteturas radicalmente diferentes de teia quando dado diferentes psicodélicos. Um ou dois anos antes tinha havido uma experiência desastrosa quando psiquiatra Jolly West deu a um elefante uma dose de LSD suficiente, é justo dizer, para matar um elefante. E matou. A dose foi de centenas de milhares de vezes maior do que qualquer ser humano já tinha tomado nem sequer tomaria. Uma breve repercussão midiática deste caso na mídia não pareceu parar a investigação e as pesquisas em curso em todo o mundo. A Sandoz Farmacêutica em Basel na Suíça, o desenvolvedor do LSD- 25, tinha feito recentemente resumos disponíveis dos primeiros 1000 estudos humanos. LSD-25 foi a droga psicoativa mais estudados no mundo. Era notável em duas maneiras. Uma delas, que era eficaz em doses muito baixas, microgramas (milionésimos de grama). Isso a tornava uma das substâncias conhecidas mais potentes já descobertos. Dois, ele parecia ter o efeito de mudar radicalmente a percepção, a consciência, e a cognição, mas não de qualquer maneira previsível. Estes resultados parecem ser dependente não só dos efeitos da substância, mas igualmente da situação do sujeito – o que lhes havia sido dito sobre a droga que estavam indo experimentar e, ainda mais interessante para a ciência, a mentalidade de pesquisador, se ela comunicou ou não um ponto de vista para os sujeitos em determinado estudo.

first-lucid-dreamEm resumo, tínhamos aqui uma substância cujos efeitos dependiam, em parte, das expectativas mentais de ambos, sujeito e pesquisador. Muitas vezes as pessoas nos estudos tiveram experiências que pareciam ser profundamente terapêuticas, abençoadas, transformadoras, de conteúdo religioso ou místico, mas eles também podiam ter experiências que eram profundamente perturbadoras, confusas ou aterrorizantes. Os efeitos posteriores da experiência pareciam mais com um aprendizado do que simplesmente a passagem de um produto químico através do cérebro e do corpo. O LSD era o gênio da garrafa e havia garrafas do mesmo em todo o país e um número crescente fora laboratórios e instituições de pesquisa também.

Quando a carta especial da FDA (Food and Drug Administration) chegou, nenhum de nós sabia ainda que muitas das primeiras conferências de pesquisadores do LSD tinham sido patrocinadas por fundações que foram secretamente financiadas pela CIA, ou que o Exército dos Estados Unidos vinha dando substâncias psicoativas aos membros corajosos do corpo militar, prisioneiros, até mesmo alguns dos seus próprios funcionários. Também não sabíamos que cada projeto no país, exceto aqueles executados pelas agências militares ou de inteligência, tinham recebido uma carta semelhante, no mesmo dia. Sentado em Menlo Park, nos escritórios da Fundação Internacional de Estudos Avançados, nós quatro, mais uma pequena equipe de apoio estávamos executando o único estudo projetado para testar a hipótese de que esse material pode melhorar o funcionamento do racional e as partes analíticas da mente . Estávamos tentando descobrir se, em vez de ser desviado para a paisagem interior incrível de cores e formas ou nas aventuras de exploração mística ou terror psicopatológico, LSD-25 poderia ser usado para melhorar a criatividade pessoal de uma forma que pudesse ser medida.

Houve uma série de estudos de muito sucesso no Canadá que mostraram que, o LSD administrado em um ambiente seguro e com apoio, levou a uma alta taxa de abandono da bebida em alcoólatras de longo prazo ». Outros estudos realizados no sul da Califórnia, por Oscar Janniger, mostraram que o trabalho dos artistas mudou radicalmente durante uma sessão de LSD e muitas vezes foi alterado de forma permanente. No entanto, havia muita discussão no mundo da arte e o mundo da ciência, se essa arte era de fato “melhor”.

A carta da FDA foi breve. Nos informou que ao momento da recepção da presente carta, a nossa permissão de uso desses materiais, o nosso protocolo de pesquisa, e nossa habilitação para trabalhar com estes materiais de qualquer forma, ou método foi encerrada.

Eu era, de longe, o mais novo membro da equipe de pesquisa, um estudante de pós-graduação na Universidade de Stanford em um departamento de psicologia que não tinha me informado sobre esta pesquisa. Dois dos outros eram professores catedráticos de engenharia na Universidade de Stanford em dois departamentos diferentes, e o quarto foi o fundador e diretor da fundação, um cientista em seu próprio direito de se aposentar cedo e criar um instituto sem fins lucrativos, para entender melhor a interação entre a consciência, as profundas experiências pessoais e espirituais, e estas substâncias.

Human hand with medicine pill. Horizontal.Muito em breve teríamos de voltar para aquela sala onde os quatro homens estavam, literalmente, com suas mentes em expansão. Eu disse: “Eu acho que nós precisamos concordar que recebemos esta carta amanhã.” E Voltamos para os nossos assuntos, que agora eram o último grupo de pessoas que seria permitido o privilégio de trabalhar com estes materiais sob sua livre escolha, com o apoio legal e supervisão do governo legal, pelo menos pelos próximos 40 anos.

Um exemplo dos tipos de resultados que estávamos vendo, veio da última sessão. O arquiteto trabalhava um projeto para construir um pequeno centro comercial. O cliente não tinha gostado de seus projetos anteriores e ele estava de mãos atadas. Na sessão, ele viu o projeto, concluído, e sua mente era capaz não apenas de imaginar isso, mas de andar dentro dele, para ver o tamanho e formas de parafusos, para contar o número de lugares de estacionamento, etc. O design ele elaborou foi aprovado pelo seu cliente e ele passou as próximas semanas fazendo os desenhos que correspondiam ao projeto que ele já tinha visto em seu estado final.

Como eu cheguei a estar naquela sala da Fundação Internacional de Estudos Avançados, quando apenas alguns anos antes eu tinha sido um escritor, vivendo em Paris no sexto andar (de escadas), vivendo com tão pouco quanto possível, dormindo nas estações de trem e albergues quando viajava e ficando com quem quiser me abrigar e alimentar? Como foi dito de muitas das nossas vidas, foi uma longa e estranha viagem.

O que me enviou de Paris para Stanford e de cabeça para a pesquisa psicodélica não foi apenas uma visita de meu professor da faculdade favorito, Richard Alpert (mais tarde conhecido como Ram Dass) e seu amigo, Timothy Leary, mas também uma nota cordial do Serviço de Alistamento perguntando sobre meu paradeiro. Percebi que havia uma M-1 me esperando para abraçá-la, e meus cotovelos rastejavam na lama e vegetação úmida no Vietnã enquanto projéteis e balas estavam sendo disparados em ambos os sentidos, me dando a chance de morrer por fogo inimigo ou amigo. Na minha mente, nenhuma dessas escolhas fazia sentido, então voltei para os Estados Unidos, para o abrigo do projeto de adiamento da pós-graduação.

Para o bem dos militares e para a nação, eu estava seguro, e ainda estou, de que me manter fora foi a melhor alternativa. Quando você tem um longa histórico no ensino fundamental e do ensino médio de ser escolhido por último para esportes de equipe, não pense que você vai prosperar na infantaria, e muito menos despertará maior aptidão e competência necessária no combate real. Eu vi minha parceria com o governo em estudar a psicologia. Era melhor para os militares manter-me para fora do que lidar com quaisquer riscos potenciais para os outros e para mim.

Por que eu mergulhado em pesquisa psicodélica, no entanto, teve início com a visita de Alpert e a primeira noite que gastamos juntos.

Richard Alpert (Ram Dass)
Richard Alpert (Ram Dass)

Paris, 1961. Estou sentado à noite, em um café no Boulevard St. Michael, observando todas as pessoas que por sua vez, me observam de volta. Tenho vinte e um e acabei de tomar psilocibina, pela primeira vez, e eu não tenho nenhuma idéia o que é ou faz, mas eu sei que o homem sentado ao meu lado é meu professor favorito, Dr. Richard Alpert, que me deu a substância como um presente. As cores estão ficando mais brilhantes, os olhos das pessoas estão piscando em luz quando eles olham para mim, há um ruído dentro de mim como uma transmissão multi-canal. Eu digo, tão regularmente quanto a minha voz trêmula permite, “É um pouco demais para mim.” Richard Alpert sorri para mim do outro lado da pequena mesa de vidro redonda. “Pra mim também, e eu não tomei nada.

Voltamos para o meu apartamento a poucos quarteirões de distância. O hotel exibe uma placa ao lado da porta da frente que diz que Freud se hospedou ali. Eu estou escrevendo um romance e, por vezes imagino que, no futuro, eles vão adicionar uma segunda placa ali. Mas não esta noite.

Deito-me na minha cama, Alpert toma uma cadeira . (Que consome o espaço da sala.) Eu vejo minha mente descobrindo novos aspectos de si mesma. Alpert continua me dizendo que tudo o que minha mente está fazendo é seguro e que tudo está bem. Parte de mim não tem certeza sobre o que ele está falando, outra parte sabe o quão profundamente certo ele está, uma outra parte de mim espera que ele esteja.

LR-DyingToKnowSchiller-photo-Leary-Alpert-1966_000810-300-dpi-964x1024
Richard Alpert e Timothy Leary

Uma semana depois, eu deixei Paris e segui Alpert e Leary para Amsterdã, onde eles se juntaram Aldous Huxley para apresentar em conjunto um artigo para um congresso internacional. Leary e Alpert estavam trabalhando juntos ensinando psicologia em Harvard e já estavam em meio a polêmica sobre dar psicodélicos para estudantes de graduação e de outros membros da comunidade acadêmica. Seis semanas após a sua conferência, eu estava voando para a Califórnia para começar o trabalho de pós-graduação em psicologia.

Quando estava na Universidade de Stanford, eu tinha três vidas. Na primeira vida, eu usava um casaco esporte e gravata, e eu tinha que comparecer todos os dias no departamento de psicologia, visivelmente um estudante fazendo o que podia para aprender com os lábios dos mestres. Na minha segunda vida, dois dias por semana, eu era um assistente de pesquisa na Fundação Internacional de Estudos Avançados (extra campus). Lá eu participei de um dia inteiro, de sessões terapêuticas (legais) de alta dosagem de LSD. Cada participante tinha, pelo menos, duas pessoas que auxiliavam em sua experiência durante o dia. Um homem e uma mulher ficaram com cada participante (energia masculina e feminina parecia útil), além disso, havia um médico que participava da sessão de vez em quando, e estava lá, se necessário. Não me lembro quando nós tivemos quaisquer necessidades médicas, mas isso agregava ao sentimento de total apoio e confiança que fazia as sessões de LSD mais benéficas. Além disso, um psicanalista freudiano se reunia com cada cliente na primeira vez que ele ou ela se oferecesse para o nosso programa, para determinar quais pessoas selecionadas estavam mais susceptíveis a se beneficiar e quais mais prováveis de terem problemas que iriam além da sua capacidade de lidar. Dada postura arisca do governo na época, o analista nos disse que precisávamos de ter perto de uma taxa de cura de 100%, algo que não era alcançado por qualquer outra terapia. Minha terceira vida foi gasta com as pessoas que giravam em torno de Ken Kesey. Eles usavam psicodélicos de todos os tipos, assim como estimulantes, calmantes, maconha, até mesmo álcool e cigarros. Um membro trabalhava para uma cadeia farmacêutica e chegava em qualquer evento com os bolsos recheados de amostras.

Ken Kesey

Era um grupo de foras-da-lei, mas não como criminosos, mais como destruidores de paradigma. O LSD e muitos dos outros medicamentos não eram ilegais no início dos 60, mas a sua utilização, especialmente fora de qualquer contexto de investigação ou médico, não era socialmente aceitável. Esses exploradores do espaço interior estavam fazendo pesquisa de campo, explorando com livre acesso a estes medicamentos fora de qualquer controle ou restrição, exceto a autopreservação. Durante estes tempos, quando essas drogas iam abrindo portas por toda a mente,  Kesey e seu grupo usavam psicodélicos enquanto jogavam, cantavam, desenhavam, viam televisão, cozinhavam, comiam, faziam amor, olhando o giro e a dança das estrelas, e perguntando em voz alta todos os tipos de perguntas que suas experiências traziam:

  • Quem somos nós, realmente?

  • É a alma, mortal ou imortal?

  • O que Blake, Van Gogh ou Platão realmente experimentaram?

  • É a minha identidade dentro do meu corpo ou será que se interpenetram o meu corpo e seu?

  • O que é comum à minha mente e à árvore pau-brasil mais próxima?

  • Tempo e espaço são subjetivos?

  • O que foi corrigido? O que mudou?

  • O que permaneceu constante de sessão para sessão (isto é, o que foi lembrado)?

  • O que aconteceu em um grupo onde todas as mentes se abriram, francamente ligadas, e aparentemente em comunicação telepática com o outro? Quando alguém em tal grupo fica aterrorizado, não é o resto do grupo sugado para essa onda ruim? Ou pode o peso combinado das outras mentes trazer de volta aquele que caiu?

 

quadrinho
Estas e outras questões estiveram no centro da experiência do grupo de Kesey. Não foras da lei, mas fora das linhas. Melhor pensar neles não como os ícones culturais que eventualmente se tornaram, mas como pessoas que tinham transcendido as limitações das leis e desenvolviam furiosamente um conjunto maior de leis para trazer ordem à sua própria esfera maior de comportamento e experiência. Isso soa filosófico e era, mas também tinha todo o imediatismo cru de colocar o seu braço ao redor da garganta de um afogado para que ele ou ela não entre em pânico, e te arraste para debaixo d’água, matando os dois.

Para mim, um momento crítico aconteceu a uma manhã à beira do lixão da cidade Pescadero. Pescadero é uma pequena cidade a duas milhas da costa da Califórnia cerca de 15 quilômetros de Stanford. O lixão é uma encosta, cuja base estava cheia, mas o topo e as laterais foram cobertas com trepadeiras ostentando pequenas manchas de flores silvestres. Numa madrugada Eu fui lá com Ken Kesey e sua namorada na época, Dorothy, uma mulher que se tornaria mais tarde a minha esposa (após 40 anos de casamento, pensamos que provavelmente deve durar). Na noite anterior, ela tinha tomado LSD (“tinha dropado ácido”, para dizer na forma como foi) e estava em um estado de admiração encantado com as descobertas pessoais que ela estava fazendo sobre sua própria consciência e como ela formava e reformulava seu mundo. Ken tinha nos levado para Pescadero, porque era um lugar maravilhoso para assistir ao amanhecer. É correto dizer que ele levou Dorothy lá, mas porque eu vinha guiando-a através de partes da noite, ela me queria por perto.

Eu não estava no círculo interno do mundo de Kesey. Eu era muito certinho e muito indisposto a tomar medicamentos com qualquer um. Nenhuma das mulheres no grupo estava interessada em mim, e eu não tinha muito em comum com qualquer um dos homens. No entanto, como eu trabalhava com LSD durante o dia e legalmente, eu era bem-vindo como um ornamento estranho; como alguém pra se ter por perto que treinava tigres ou mastigava vidro quebrado.

Dorothy lembrou que o momento decisivo quando o amanhecer veio, ela estava prestes a pisar em uma pequena flor. Em vez disso, ela se deitou no caminho e olhou para a flor. Sugeri que ela deixasse a flor fazer a comunicação. Eis que ela viu – não pensou ou contemplou, mas viu, tal era o poder curioso do LSD – a flor se abrir totalmente para cima, ir através do seu ciclo e murchar, mas ela também assistiu a flor reverter esse mesmo fluxo, se recuperando de seu estado seco, reflorescendo e voltando a ser um broto. Ela podia vê-lo ir em ambas as direções, para frente e para trás no tempo, dançando seu próprio nascimento e sua própria morte. Quando ela disse o que estava vendo, eu confirmei que sua experiência foi como os outros tinham compartilhado. Aliviada, ela voltou para sua contemplação da planta.

Ela olhou para o Ken – bonito, robusto, talentoso, um líder natural, possuidor de uma enorme energia e poder. Também casado. Ken tinha dois filhos; ele estava totalmente comprometido com o casamento mas também a tê-lo aberto a outros parceiros. Dorothy olhou para mim. Eu estava comprometido, mas minha noiva estava a 6000 km de distância, na Escócia. O que ela viu foi que eu parecia muito experiente, confortável até, sobre o seu mundo interior recém-descoberto. A partir do momento do encontro com a flor, seu giroscópio começou a girar para longe de Ken e voltar-se para mim. Nosso namoro e casamento não acontecem neste momento do tempo, mas como se pode traçar um rio de volta para uma pequena nascente que vem de uma fenda na rocha em uma montanha, as nossas três vidas mudaram naquele dia através das lições que surgiram a partir do encontro de Dorothy com uma única flor.

E quanto a minha pesquisa legal? Como foi a experiência de fazer investigação legal de drogas? Desde os anos sessenta, na maioria dos campi universitários, não é difícil encontrar uma droga psicodélica, tomá-la, ter um passeio selvagem, e se perguntar sobre tudo. Ministrar às pessoas em um ambiente tão favorável que 80% dos nossos participantes relataram que era o evento mais importante de suas vidas, ah, isso era um tempo diferente. Por mais de dois anos, enquanto os experimentos foram acontecendo, eu escapava das aulas de Stanford quando eu podia e sentava-me com as pessoas que estavam tendo sua introdução aos psicodélicos e, através dos psicodélicos, a outros níveis de consciência, e talvez a outros níveis da realidade.

Uma vez que eu era geralmente apresentado como “um estudante de graduação que estará conosco hoje”, eu não era o principal responsável pela realização da sessão. Eu era um colaborador e podia observar, por vezes, ajudar, e às vezes gravar o que as pessoas relatavam sobre como eles passavam os acontecimentos do dia. Às vezes eu só iria aparecer no final da tarde, e levava uma pessoa para a casa à noite. Descobrimos que, enquanto os efeitos do LSD iam desaparecendo depois de 8 horas, a capacidade recém-descoberta de uma pessoa para entrar e sair de diferentes realidades ia diminuindo, mas não paravam até que o participante estivesse cansado demais para ficar acordado. Eu sempre tive o prazer de estar com as pessoas enquanto elas se intrigavam com os grandes eventos ou insights do dia. Eu também ajudei a lidar com suas famílias, que geralmente ficavam confusas sobre combinação de contos de experiências interiores bizarras e a sensação de estar com alguém, um marido ou uma esposa, que era tão completamente abertx, amável e cuidadosx, que muitas vezes trouxe o cônjuge às lágrimas de alegria.

Por dia, em meus estudos de pós-graduação, eu estava sendo ensinado uma psicologia que me pareceu cobrir apenas um pequeno fragmento da mente. Eu me senti como se eu estivesse estudando física com professores que não tinham idéia de que a eletricidade, a energia atômica e a televisão existiam. Eu ouviria, tomaria notas, faria perguntas apropriadas e tentaria aparecer como se eu não estivesse aturdido pelos pequenos aperitivos que meus instrutores pareciam assumir que eram o conjunto da maçã do conhecimento. À noite, depois de ter concluído os meus trabalhos de escola, eu lia livros que me ajudaram a juntar as peças do mundo maior para o qual eu tinha sido aberto: “O livro tibetano dos mortos”, o “I Ching”, as obras de William Blake, ensinamentos místicos cristãos e budistas, especialmente aqueles dos mestres zen cujo clareza direta e cortante era maravilhosamente refrescante. Eu também lutei com textos tibetanos que eram difíceis de compreender, mas é evidente que tinham sido escritos por pessoas que sabiam sobre o que eu estava descobrindo. Eu sentaria e leria os livros envolvidos em outras capas, como alguém já envolveu quadrinhos sujos na revista Look no colégio, para ocultar as imagens de mulheres de seios grandes da vista dos professores.

dc1824981e1f09116c91e8590d26f6a1_viewQuando eu não conseguia mais acompanhar os textos eu me sentava, de pernas cruzadas, no chão de linóleo do meu “escritório” de estudante da pós-graduação, que estava em um trailer temporariamente transformado em sala de aula. O espaço era ainda menor do que o meu quarto em Paris. Eu olhava pela porta de correr de vidro para um pequeno pinheiro plantado para negar o fato de que estávamos em um trailer temporário no meio de um grande estacionamento. Gostaria de respirar e olhar, respirar e olhar até que a árvore começasse a respirar comigo. Ela não se movia nem balançava, mas começaria a brilhar com uma iluminação invisível o fato de que estava extremamente viva. Ela iria crescer e encolher diante dos meus olhos, um movimento muito pequeno, mas que lembra a flor no lixão de Pescadero. Eu me sintonizava com essa árvore até que sentia equilibrado novamente e, em seguida, ir para casa dormir.

UM MOMENTO DE REFLEXÃO

Poucos meses depois que nós terminamos nosso programa de investigação, a Califórnia aprovou uma lei declarando a posse, ou distribuição de LSD um crime. A política federal a respeito do LSD foi posteriormente consolidada com a promulgação da Prevenção ao Abuso de Drogas e A Lei de Controle (Control Act) de 1970.

Por que a nossa pesquisa com drogas assustou tão profundamente as instituições? Por que ela ainda as assustá? Talvez, porque fomos capazes de descer (ou de sermos atirados para fora) da esteira de coisas cotidianas e ver todo o sistema de morte e vida. Dissemos que tínhamos descoberto que o amor é a energia fundamental do universo e nós não íamos calar a boca sobre isso.

O cristianismo, por exemplo, diz que “vem ao Pai através de mim, e sereis perdoados de os pecados (mesmo aqueles que você não tinha cometido) e será amado sem reservas.” GRÁTIS. GRÁTIS. GRÁTIS (como se isso por si só não fizesse você olhar por baixo para ver onde o preço está escondido).

Depois de ter declarado a si mesmo como um cristão, no entanto, você encontra as autoridades da Igreja dizendo que o preço real de sermos perdoados inclui admitir que você não é apenas indigno, mas você é muito, muito indigno e não há nenhuma forma de você chegar a digno da sua própria maneira.

O que descobrimos foi que o amor está lá, o perdão é lá, e a compreensão e compaixão estão lá. Mas como a água de um peixe ou ar para o pássaro, eles estão lá, em todo lugar e sem nenhum esforço de nossa parte. Não há necessidade do Pai, do Filho, do Buda, dos santos, da Torá, dos livros, dos sinos, das velas, dos sacerdotes, dos rituais, ou mesmo da sabedoria. Apenas está lá – tão difuso e sem fim que é impossível ver, enquanto você estiver no mundo menor de pessoas separadas umas das outras… Não é de se admirar que a iluminação seja sempre um crime.

lucid-dreaming-cheat-sheet

Postado originalmente por Danyel em 7, fevereiro, 2015


James Fadiman Ph.D é psicólogo e escritor. Conhecido pelo seu extenso trabalho no campo da pesquisa psicodélica. É co-fundador junto com Robert Frager, do Instituto de Psicologia Transpssoal que mais tarde se tornaria Universidade de Sofia (California). Fadiman nasceu em Los Angeles e viveu em Westwood. É autor dos livros:

  • jimfadimanThe Psychedelic Explorer’s Guide: Safe, Therapeutic, and Sacred Journeys Paperback (2011)
  • Be Love Now (com Rameshwar Das) (2010)
  • Personality and Personal Growth (7th Edition) (with Robert Frager) (2012)
  • The Other Side of Haight: A Novel (2004)
  • Essential Sufism (1998) Castle Books
  • Unlimit Your Life: Setting and Getting Goals (1989)
  • Motivation and Personality (with Robert Frager and Abraham Harold Maslow) (1987)
  • Transpersonal Education: A Curriculum for Feeling and Being (1976)

Usos Não Terapêuticos do LSD – Stanislav Grof

Traduzido do original de Stanislav Grof, M.D.
Capítulo 8, Psicoterapia do LSD, ©1980, 1994 by Stanislav Grof

Sessões de treinamento de profissionais da saúde mental

O extraordinário valor do LSD para a educação dos psiquiatras e psicólogos se tornou evidente nos primeiros estagios iniciais de sua pesquisa. Em seu trabalho pioneiro, publicado em 1947, Stoll enfatizou que um autoexperimento com estas substâncias oferece aos profissionais uma oportunidade única de experimentar em primeira mão os mundos alienígenas que se deparam no seu trabalho diário com pacientes psiquiátricos. Durante a fase de “modelo de psicose” da pesquisa do LSD, quando o estado psicodélico foi considerado uma esquizofrenia induzida quimicamente, sessões de LSD foram recomendadas como viagens reversíveis para o mundo experiencial de psicóticos que tiveram um significado didático único. A experiência era recomendada para psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e estudantes de medicina como um meio de aquisição de insights sobre a natureza da doença mental. Rinkel (85), Roubicek (90) e outros pesquisadores que conduziram experimentos didáticos deste tipo informaram que uma única sessão de LSD pode mudar radicalmente o entendimento de que os profissionais de saúde mental têm de pacientes psicóticos, e resultar em uma atitude mais humana em relação a eles.

O fato do conceito de “modelo de psicose” advindo do estado alterado por LSD ter sido finalmente rejeitado pela maioria dos pesquisadores não diminuiu o valor educativo da experiência psicodélica. Embora as mudanças mentais induzidos pelo LSD não são, obviamente, idênticas a esquizofrenia, a ingestão da droga ainda representa uma oportunidade muito especial para os profissionais e estudantes vivenciarem muitos estados mentais que ocorrem naturalmente no contexto de várias perturbações mentais. Estes envolvem distorções perceptivas nas áreas óptica, acústica, tátil, olfativa e gustativa; distúrbios quantitativos e qualitativos dos processos de pensamento; e qualidades emocionais anormais de extraordinária intensidade.

Sob a influência do LSD é possível experimentar ilusões sensoriais e pseudo alucinações, retardo ou aceleração do pensamento, interpretação delirante do mundo, e toda uma gama de intensas emoções patológicas, como depressão maníaca, a agressão, o desejo autodestrutivo, e agonizantes sentimentos de inferioridade e culpa, ou, inversamente, a experiência extática, paz transcendental e serenidade, e um senso de unidade cósmica. A experiência psicodélica também pode se tornar uma fonte de revelação e visões estéticas, científicas, filosóficas ou espirituais.

Autoexperimentação com LSD não esgota o seu potencial didático. Outra experiência de aprendizagem de grande valor é a participação nas sessões de outros assuntos. Isto oferece uma oportunidade para os jovens profissionais de observar toda uma gama de fenômenos anormais e serem expostos e se familiarizar com os estados emocionais extremos e padrões de comportamento incomuns. Isto ocorre sob circunstâncias especialmente estruturadas, em um momento conveniente, e no contexto de uma relação existente com o experimentador. Todos estes fatores tornam esta uma situação mais adequada para o aprendizado do que para a ala de admissão ou unidade de emergência de um hospital psiquiátrico. De uma forma mais específica, o aprofundamento em sessões de LSD tem sido recomendado como um treinamento inigualável para futuros psicoterapeutas. A intensificação do relacionamento com os assistentes, que é característica de sessões de LSD, apresenta uma oportunidade rara para um profissional iniciante observar fenômenos de transferência e aprender a lidar com eles. O uso de LSD no contexto de um programa de formação de psicoterapeutas futuros foi discutido em um artigo especial por Feld, Goodman, e Guido. (26)

Um estudo amplo e sistemático do potencial didático de sessões de LSD foi realizado no Maryland Psychiatric Research Center. Neste programa, até três sessões de altas doses de LSD foram oferecidos a profissionais de saúde mental para fins de treinamento. Mais de cem pessoas participaram neste programa entre 1970, quando começou, e 1977, quando foi encerrado. A maioria destes indivíduos estavam interessados na experiência psicodélica porque era intimamente relacionado com as suas próprias atividades profissionais. Alguns deles realmente trabalharam em unidades de intervenção de crise ou com pacientes que tinham problemas relacionados ao uso de drogas psicodélicas. Outros eram praticantes de várias técnicas psicoterápicas e queriam comparar a psicoterapia do LSD às suas próprias e especiais disciplinas, psicoanálises e psicodramas, terapias de Gestalt, psicossínteses, ou bioenergéticas. Poucos foram os pesquisadores envolvidos no estudo de estados alterados de consciência, a dinâmica do inconsciente, ou a psicologia da religião. Um pequeno grupo era composto por profissionais que estavam especificamente interessados em se tornar terapeutas do LSD. Eles geralmente passaram vários meses conosco, participando de reuniões de equipe, assistindo vídeos de prática terapêutica com LSD, ou orientavam sessões psicodélicas sob supervisão. Eles, então, tiveram a oportunidade de submeter-se a suas próprias sessões de LSD como parte da programação de treinamento. Todos os participantes do programa de LSD para os profissionais concordaram em cooperar em testes psicológicos pré e pós-sessão, e preencher um questionário de acompanhamento seis meses, 12 meses e dois anos após a sessão. As perguntas deste seguimento foram centradas em mudanças observadas após a sessão de LSD em seu trabalho profissional, filosofia de vida, os sentimentos religiosos, a sua condição física e emocional, e ajustamento interpessoal. Embora tenhamos muita evidência anedótica de valor neste programa de treinamento, os dados do teste psicológico pré e pós-sessão e dos questionários de acompanhamento ainda não sessão processados e avaliados sistematicamente.

Como salientei anteriormente, sessões de treinamento com LSD são uma qualificação essencial para qualquer terapeuta do LSD. Devido à natureza única do estado psicodélico é impossível chegar a um entendimento real da sua qualidade e dimensões, a menos que a pessoa possa experimentá-lo diretamente. Além disso, a experiência de enfrentar as diversas áreas no próprio inconsciente é absolutamente necessária para o desenvolvimento da capacidade de ajudar outras pessoas com competência e serenidade no seu processo de autoexploração profunda. Sessões de treinamento de LSD também são altamente recomendadas para enfermeiros e todos os outros membros da equipe em unidades de tratamento psicodélico que entram em contato próximo com os clientes em estados incomuns de consciência.

 

Administração de LSD para indivíduos criativos

Um dos aspectos mais interessantes da pesquisa LSD é a relação entre o estado psicodélico e o processo criativo. A literatura profissional sobre o assunto reflete considerável controvérsia. Robert Mogar (71), que analisou os dados experimentais existentes sobre o desempenho de várias funções relacionadas com o trabalho criativo, considerou os resultados inconclusivos e contraditórios. Assim, alguns estudos com foco no aprendizado instrumental demonstraram uma diminuição durante a experiência com drogas, enquanto outros indicaram uma melhoria definitiva da capacidade de aprendizagem. Resultados conflitantes também foram relatados na percepção das cores, lembranças e reconhecimento, conceitos de discriminação, concentração, pensamento simbólico, e precisão perceptual. Estudos utilizando vários testes psicológicos projetados especificamente para medir a criatividade normalmente não demonstraram melhora significativa como resultado da administração do LSD. No entanto, o quão relevantes estes testes são em relação ao processo criativo e quão sensível e específico que eles são para detectar as alterações induzidas pelo LSD permanecem ainda questões em aberto. Outro fator importante a considerar foi a falta de motivação geral em voluntários para participar e cooperar nos procedimentos formais de teste psicológico, enquanto eles estavam profundamente envolvidos em suas experiências interiores. Em vista da importância do “set & setting”, a relação entre experimentador e seu contexto/ambiente em uma experiência psicodélica, também deve ser mencionado que muitos dos estudos acima descritos foram realizados sob a abordagem do “modelo de esquizofrenia”, e portanto, com o intuito de demonstrar a disfunção psicótica de desempenho .

O resultado geralmente negativo de estudos da criatividade está em nítido contraste com a experiência cotidiana de terapeutas do LSD. O trabalho de muitos artistas-pintores, músicos, escritores e poetas que participaram da experimentação com LSD em vários países do mundo tem sido profundamente influenciados por suas experiências psicodélicas. [1] A maioria deles encontrou o acesso a fontes profundas de inspiração em sua mente inconsciente, experimentaram um aumento marcante e um desencadeamento da fantasia, e chegaram a uma extraordinária vitalidade, originalidade e liberdade de expressão artística. Em muitos casos, a qualidade de suas criações melhorou consideravelmente, não só de acordo com seu próprio julgamento ou a opinião dos pesquisadores de LSD, mas pelos padrões de seus colegas de profissão. Em exposições, que cronologicamente mostram o desenvolvimento do artista, geralmente é fácil de reconhecer quando ele ou ela teve uma experiência psicodélica. Pode-se ver geralmente um salto quântico dramático no conteúdo e estilo das pinturas. Isto é particularmente verdadeiro com pintores que, antes da sua experiência de LSD, eram convencionais e conservadores em sua expressão artística.

No entanto, a maior parte da arte nas coleções dos terapeutas psicodélicos vem de indivíduos que não eram artistas profissionais, mas tiveram sessões de LSD para fins terapêuticos, didáticos, ou outros. Freqüentemente, os indivíduos que não apresentavam quaisquer inclinações artísticas sob nenhum aspecto antes da experiência com LSD puderam criar imagens extraordinárias. Na maioria dos casos, é a intensidade do efeito que está ligada à natureza incomum e ao poder do material que emerge das profundezas do inconsciente, e não as habilidades artísticas. Não é incomum, no entanto, até mesmo para os aspectos técnicos de tais desenhos ou pinturas serem muito superiores às criações anteriores dos mesmos assuntos. Algumas pessoas realmente prosseguiram a sua vida cotidiana com as novas habilidades que eles descobriram em suas sessões psicodélicas. Em casos excepcionais, um verdadeiro talento artístico de extraordinário poder e alcance, pode surgir durante o procedimento de LSD. Um de meus pacientes em Praga, que tinha nojo de desenho e pintura toda a sua vida e teve de ser forçado a participar de aulas de arte na escola, desenvolveu um notável talento artístico dentro de um período de vários meses. Sua arte acabou encontrando aceitação entusiástica entre os pintores profissionais e ela teve exposições públicas bem-sucedidas. Em casos como este, é preciso assumir que o talento já existia nesses indivíduos em uma forma latente, e que sua expressão foi bloqueado por fortes emoções patológicas. A liberação afetiva através de terapia psicodélica tinha permitido sua manifestação livre e plena.

É interessante essa tendência que a experiência de LSD tem de aumentar a apreciação e compreensão da arte em indivíduos previamente insensíveis e indiferentes. A observação característica em uma pesquisa psicodélica é o desenvolvimento súbito de interesse em vários movimentos na arte moderna. Indivíduos que eram indiferentes ou mesmo hostis em relação a formas de arte não-convencionais podem desenvolver uma visão profunda sobre suprematismo, pontilhismo, cubismo, impressionismo, dadaísmo, surrealismo, ou super realismo, após uma única exposição ao LSD. Há certos pintores cuja arte parece ser particular e intimamente relacionada com as experiências visionárias induzidas pelo LSD. Assim muitos participantes de estudos desenvolveram profunda compreensão empática das pinturas de Hieronymus Bosch, Vincent van Gogh, Salvador Dali, Max Ernst, Pablo Picasso, René Magritte, Maurits Escher, ou HR Giger.

 

Outra consequência típica da experiência psicodélica é uma dramática mudança de atitude em relação a música; muitos participantes descobriram em suas sessões novas dimensões da música e novas formas de ouví-la. Um número de nossos pacientes, que eram alcoólatras e viciados em heroína, com má formação educacional, desenvolveram tão profundo interesse em música clássica, como resultado de sua única sessão de LSD que eles decidiram usar seus magros recursos financeiros para a compra de um aparelho de som e iniciaram uma coleção própria. O papel dos psicodélicos no desenvolvimento da música contemporânea e seu impacto sobre os compositores, intérpretes e público é tão óbvio e notório que ele não exige ênfase especial aqui.

Embora a influência do LSD na expressão artística é mais evidente nas áreas de pintura e música, a experiência psicodélica pode ter um efeito fertilizante semelhante em alguns outros ramos da arte. Estados visionários induzidas pela mescalina e LSD tiveram um significado profundo na vida, arte e filosofia de Aldous Huxley. Muitos de seus escritos, incluindo ‘Admirável Mundo Novo’, ‘A Ilha’, ‘Céu e Inferno’ e ‘As Portas da Percepção’ foram diretamente influenciados por suas experiências psicodélicas. Alguns dos mais poderosos poemas de Allen Ginsberg foram inspirados por sua autoexperimentação com substâncias psicodélicas. O papel do haxixe na arte francesa do fin de siècle também poderiam ser mencionados neste contexto. O arquiteto canadense-japonês Kiyo Izumi foi capaz de fazer uso exclusivo de suas experiências com LSD na concepção de instalações psiquiátricas modernas. (40)

Uma vez que o LSD é mediador de um acesso ao conteúdo e a dinâmica do profundo inconsciente, em termos psicanalíticos, para o processo primário, não é particularmente surpreendente que as experiências psicodélicas podem desempenhar um papel importante no desenvolvimento criativo dos artistas. No entanto, muitas observações da pesquisa psicodélica do LSD indicam que também pode ser de valor extraordinário para várias disciplinas científicas que são tradicionalmente consideradas domínios da razão e da lógica. Dois aspectos importantes do efeito LSD parecem ser de particular importância neste contexto.Em primeiro lugar, a droga pode mediar o acesso aos vastos repositórios de informações válidas e concretas do inconsciente coletivo e disponibilizá-los para o experimentador. De acordo com minhas observações, o conhecimento revelado pode ser muito específico, preciso e detalhado; os dados obtidos deste modo podem ser relacionados a muitos campos diferentes. Em nosso programa de treinamento de LSD relativamente limitado para os cientistas, insights relevantes ocorreram em áreas tão diversas como cosmogênese, a natureza do espaço e do tempo, física subatômica, etologia, psicologia animal, história, antropologia, sociologia, política, religião comparada, filosofia, genética, obstetrícia, medicina psicossomática, psicologia, psicopatologia e tanatologia. [2] 

O segundo aspecto dos efeitos do LSD que é de grande relevância para o processo criativo é a facilitação de novas e inesperadas sínteses de dados, resultando em resoluções pouco convencionais de problemas. É um fato bem conhecido que muitas idéias importantes e soluções para os problemas não se originaram no contexto do raciocínio lógico, mas em vários estados mentais incomuns, em sonhos, ao adormecer ou despertar, nos momentos de cansaço físico e mental extremo ou durante uma doença com febre alta. Há muitos exemplos famosos deste. Dessa maneira, o químico Friedrich August von Kekulé chegou à solução final da fórmula química do benzeno em um sonho em que ele viu o anel de benzeno na forma de uma serpente que morde a cauda. Nikola Tesla construiu o gerador elétrico, uma invenção que revolucionou a indústria, depois que o projeto completo apareceu para ele em grande detalhe em uma visão. O projeto para a experiência que conduz ao prêmio Nobel de descoberta da transmissão química dos impulsos nervosos ocorreu o fisiologista Otto Loewi enquanto ele dormia. Albert Einstein descobriu os princípios básicos de sua teoria da relatividade especial em um estado incomum de espírito; de acordo com a sua descrição, a maioria das idéias vieram a ele na forma de sensações cinestésicas.

Poderíamos citar muitos exemplos de um modelo semelhante, onde um indivíduo criativo lutava sem sucesso a um longo tempo com um difícil problema em usar a lógica e a razão, em que a solução real emergiu inesperadamente do inconsciente nos momentos em que a sua racionalidade foi suspensa. [3] Na vida cotidiana, eventos desse tipo acontecem muito raramente, e de uma forma elementar e imprevisível. As drogas psicodélicas parecem facilitar a incidência de tais soluções criativas para o ponto em que elas podem ser deliberadamente programadas. Em um estado de LSD, as velhas estruturas conceituais se quebram, barreiras cognitivas culturais se dissolvem, e o material pode ser visto e sintetizado em uma maneira totalmente nova que não era possível dentro dos antigos sistemas de pensamento. Este mecanismo pode produzir não apenas articulando novas soluções para os vários problemas específicos, mas trazendo novos paradigmas que revolucionam disciplinas científicas inteiras.

Embora a experimentação psicodélica tenha sido drasticamente controlada antes que estes caminhos pudessem ser explorados de forma sistemática, o estudo da resolução criativa de problemas conduzido por Willis Harman e James Fadiman (36) no Instituto de Pesquisa de Stanford trouxe evidências interessantes o suficiente para incentivar a investigação futura.

O medicamento utilizado neste experimento não era LSD mas a mescalina, o ingrediente ativo do cacto mexicano Anhalonium lewinii [Lophophora williamsii], ou peyote. Devido à semelhança geral dos efeitos destes dois medicamentos, resultados comparáveis devem ser esperado com o uso de LSD; várias observações acidentais de nosso programa de treinamento de LSD para os cientistas e para o uso terapêutico da droga parecem confirmar isso. Os sujeitos do estudo Harman-Fadiman eram vinte e sete homens envolvidos em uma variedade de profissões. O grupo foi composto por dezesseis engenheiros, um engenheiro-físico, dois matemáticos, dois arquitetos, um psicólogo, um designer de móveis, um artista comercial, um gerente de vendas, e um gerente de pessoal. O objetivo do estudo foi verificar se sob a influência de 200 miligramas de mescalina estes indivíduos mostrariam aumento da criatividade e na produção de soluções concretas, válidas e viáveis para os problemas, julgado pelos critérios da indústria moderna e da ciência positivista. Os resultados desta pesquisa foram muito encorajadores; muitas soluções foram aceitas para construção ou produção, outras poderiam ser mais desenvolvidas ou levaram a novos caminhos para a investigação. Os voluntários de mescalina consistentemente relataram que a droga gerou neles uma variedade de mudanças que facilitaram o processo criativo. Baixou a inibição e as ansiedades, aumentou a fluência e flexibilidade de ideação, aumentado a capacidade de imaginação visual e de fantasia, e aumentou a capacidade de se concentrar no projeto. A administração de mescalina também facilitou a empatia com pessoas e objectos, gerou informação subconsciente mais acessível, aumentou a motivação para a obtenção de conclusões e, em alguns casos, permitiu a visualização imediata da solução completa.

É evidente que o potencial do LSD para aumentar a criatividade será directamente proporcional à capacidade intelectual e sofisticação do experimentador. Para a maioria dos insights criativos, é necessário conhecer o estado atual da disciplina envolvida, ser capaz de formular novos problemas relevantes e encontrar os meios técnicos de descrever os resultados. Se este tipo de pesquisa for repetido no futuro, os candidatos lógicos seriam proeminentes cientistas de várias disciplinas:. Físicos nucleares, astrofísicos, geneticistas, fisiologistas do cérebro, antropólogos, psicólogos e psiquiatras [4]

 

Experiências Místico-Religiosas Quimicamente Induzidas


O uso de substâncias psicodélicas para fins rituais, religiosos e mágicos remonta às tradições xamânicas antigas e é provavelmente tão antigo quanto a humanidade. O lendário soma, a poção divina preparada a partir de uma planta ou fungo de mesmo nome, cuja identidade já está perdida, desempenhou um papel crucial na religião védica. Preparações de Cannabis indica e sativa têm sido utilizados na Ásia e África durante muitos séculos sob diferentes nomes: haxixe, charas, bhang, ganja, kif, tanto em cerimônias religiosas como na medicina popular. Eles têm desempenhado um papel importante no Bramanismo, têm sido utilizados no contexto das práticas Sufi, e representam o principal sacramento dos rastafáris. O uso religioso-mágico de plantas psicodélicas foi generalizado nas culturas pré-colombianas, entre os astecas, maias, Olmecas e outros grupos indígenas. O famoso cacto mexicano Lophophora williamsii (peyote), o Psilocybe mexicana cogumelo sagrado (teonanacatl) , e diversas variedades de sementes de morning glory (Ololiuqui) estavam entre as plantas utilizadas. Uso ritual do peiote e do cogumelo sagrado ainda sobrevive entre várias tribos mexicanas; a caça ao peyote e outras cerimônias sagradas dos índios Huichol e rituais de cura Mazatecas usando os cogumelos, podem ser mencionados aqui como exemplos importantes. O Peyote também foi assimilado por muitos grupos indígenas norte-americanas e cerca de cem anos atrás, tornou-se o sacramento da sincretista Igreja Nativa Americana. Curandeiros sul-americanos (ayahuasqueiros), e tribos amazônicas pré-letradas, como o Amahuaca e o Jivaro usam yagé, extratos psicodélicos do “cipó visionário”, Banisteriopsis caapi. A mais conhecida planta alucinógena africana é a Tabernanthe iboga (iboga), em que dosagens menores servem como um estimulante e é usado em grandes quantidades como um fármaco de iniciação. Na Idade Média, poções e pomadas contendo plantas psicoativas e ingredientes de origem animal foram amplamente utilizados no contexto do Sabbath das Bruxas e os rituais de magia negra. Os constituintes mais famosos das poções das bruxas eram a Beladona (Atropa Belladonna), o Mandrake (Mandragora officinarum), a Trombeta (Datura Stramonium), meimendro (Hyoscyamus niger). Da pele do sapo cururu (bufo alvarius) a chamada bufotenina (ou dimethylserotonin) também tem propriedades psicodélicas. As plantas psicodélicas mencionados acima representam apenas uma pequena seleção daqueles que são os mais famosos. De acordo com o etnobotânico Richard Schultes, do Departamento de Botânica da Universidade de Harvard, existem mais de uma centena de plantas com propriedades psicoativas distintas.

A capacidade de substâncias psicodélicas para induzir estados visionários de natureza religiosa e mística está documentado em muitas fontes históricas e antropológicas. A descoberta do LSD, e a ocorrência bem divulgada dessas experiências em muitos temas experimentais dentro de nossa própria cultura, trouxe esta questão à atenção dos cientistas. O fato de que as experiências religiosas poderiam ser desencadeadas pela ingestão de agentes químicos instigou uma discussão interessante e altamente controversa sobre a “química” ou “misticismo instantâneo.” Muitos cientistas comportamentais, filósofos e teólogos se envolveram em polêmicas ferozes sobre a natureza desses fenômenos, o seu significado, validade e autenticidade. As opiniões logo cristalizaram-se em três pontos de vista extremos. Alguns experimentadores viram a possibilidade de induzir experiências religiosas por meios químicos como uma oportunidade para transferir fenômeno religioso do reino do sagrado para o laboratório, e portanto, eventualmente, para explicá-los em termos científicos. Em última análise, não haveria nada de misterioso e santo sobre religião, e as experiências espirituais poderiam ser reduzidas à fisiologia do cérebro e à bioquímica. No entanto, outros pesquisadores tomaram uma postura muito diferente. Segundo eles, o fenômeno místico induzido pelo LSD e outras drogas psicodélicas é genuíno e estas substâncias devem ser consideradas sacramentos, porque eles podem mediar o contato com realidades transcendentes. Esta era essencialmente a posição assumida pelos xamãs e sacerdotes de culturas psicodélicas onde as plantas visionárias, como soma, peyote e teonanacatl eram vistas como materiais divinos ou como divindades em si. Ainda outra abordagem para o problema foi a considerar experiências com LSD como fenômenos “quase-religiosos”, que apenas simulam ou superficialmente se assemelham a espiritualidade autêntica e genuína que vem como “a graça de Deus”, ou como resultado de disciplina, devoção e práticas austeras. Neste quadro, a aparente facilidade com que essas experiências podem ser desencadeadas por uma substância química inteiramente desacreditaria seu valor espiritual.

No entanto, aqueles que argumentam que as experiências espirituais induzidas por LSD não podem ser válidas porque são muito facilmente disponíveis e sua ocorrência e distribuição dependem da decisão do indivíduo, não compreendem a natureza do estado psicodélico. A experiência psicodélica não é nem fácil nem uma forma previsível de chegar a Deus. Muitos indivíduos não têm elementos espirituais em suas sessões, apesar de muitas exposições ao fármaco. Aqueles que têm uma experiência mística com freqüência se submetem a provas psicológicas que são pelo menos tão difíceis e dolorosos como aqueles associados com vários ritos aborígines de passagem ou disciplinas religiosas rigorosas e austeras.

A maioria dos pesquisadores concorda que não é possível diferenciar claramente experiências místicas espontâneas e quimicamente induzidas, com base na análise fenomenológica ou abordagens experimentais. [5] Esta questão é ainda mais complicada pela relativa ausência de efeitos farmacológicos específicos do LSD e pelo fato de que algumas das situações propícias ao misticismo espontâneo estão associados a mudanças fisiológicas e bioquímicas dramáticas no corpo.

O jejum prolongado, a privação do sono, uma estadia no deserto com a exposição à desidratação e extremos de temperatura, manobras respiratórias contundentes, estresse emocional excessivo, o esforço físico e torturas, o canto longo monótono e outras práticas populares de “tecnologias do sagrado” causam alterações de tão longo alcance na química do corpo que é difícil traçar uma linha clara entre o misticismo espontâneo e química.

A decisão se experiências induzidas quimicamente são genuínas e autênticas ou não reside, portanto, no domínio de teólogos e mestres espirituais. Infelizmente, os representantes de diferentes religiões têm manifestado um amplo espectro de opiniões conflitantes; continua a ser uma questão em aberto que deve ser considerada uma autoridade nesta área. Alguns destes especialistas religiosos fizeram seus julgamentos sem nunca ter tido uma experiência psicodélica e dificilmente podem ser considerados autoridades sobre LSD; outros fizeram amplas generalizações com base em uma única sessão. Sérias diferenças de opinião existem entre os principais representantes de mesma religião – padres católicos, ministros protestantes, rabinos e santos-hindus que tiveram experiências psicodélicas. Actualmente, depois de trinta anos de discussão, a questão de saber se LSD e outros psicodélicos podem induzir experiências espirituais genuínas ainda está aberta. As opiniões negativas de pessoas como Meher Baba ou RC Zaehner se mantém firmes contra as de vários mestres do budismo tibetano, uma série de xamãs das culturas psicadélicas, Walter Clark, Huston Smith, e Alan Watts.

Se as experiências produzidas por LSD são revelações místicas genuínos ou simulações apenas muito convincentes do mesmo, elas são certamente fenômenos de grande interesse para os teólogos, pastores e estudantes de religião. Dentro de poucas horas, os indivíduos ganham profundos insights sobre a natureza da religião, e em muitos casos, a sua compreensão formal e uma crença puramente teórica são vitalizadas por uma profunda experiência pessoal dos reinos transcendentais. Esta oportunidade pode ser particularmente importante para os ministros que professam uma religião, mas ao mesmo tempo abriga sérias dúvidas sobre a verdade e relevância do que eles pregam. Vários padres e teólogos que se voluntariaram para o nosso programa de treinamento de LSD no Maryland Psychiatric Research Center eram céticos ou ateus que se envolveram com sua profissão por uma míriade de razões externas. Para eles, as experiências 

espirituais que tiveram em suas sessões de LSD foram uma prova importante de que a espiritualidade é uma força real e profundamente relevante na vida humana. Essa percepção libertou-os a partir do conflito que tiveram sobre a sua profissão, e da carga de hipocrisia. Em vários casos, os parentes e amigos desses indivíduos relataram que seus sermões Após a sessão de LSD mostraram um poder incomum e autoridade natural.

As experiências espirituais em sessões psicodélicas freqüentemente se vestem com o simbolismo do inconsciente coletivo e podem, assim, ocorrer sob aspectos de outras culturas e tradições religiosas que estão além do próprio experimentador. Sessões de treinamento de LSD são, portanto, de interesse especial para aqueles que estudam religião comparada. Ministros filiados a uma igreja específica às vezes são surpreendidos quando eles têm uma profunda experiência religiosa no contexto de um credo totalmente diferente. Devido à natureza basicamente unificadora da experiência psicodélica, isso geralmente não desqualifica sua própria religião, mas a coloca em uma perspectiva cósmica mais ampla.

 

O Papel do LSD no Crescimento Pessoal e na Auto Realização

Durante os anos de pesquisa intensiva sobre o LSD, o principal foco foi a investigação básica psicopatológica, a terapia psiquiátrica, ou alguns usos muito específicos, como o reforço da expressão artística ou a mediação de uma experiência religiosa. Relativamente pouca atenção foi dada ao valor que as experiências psicodélicas poderiam ter para o desenvolvimento pessoal dos indivíduos “normais”. Em meados dos anos sessenta, esta questão surgiu de uma forma elementar e explosiva em uma onda de enorme autoexperimentação não supervisionada.

Na atmosfera de histeria nacional que se seguiu, os prós e contras foram discutidos de forma apaixonada, exageradamente enfáticas, e, finalmente, confusa. Os prosélitos do LSD apresentaram a droga bastante acriticamente como uma panaceia fácil e segura para todos os problemas que afligem a existência humana. Autoexploração psicodélica e transformação da personalidade foram apresentadas como a única alternativa viável para a aniquilação súbita em um holocausto nuclear ou morte lenta entre os resíduos de produtos industriais. Foi recomendado que tantas pessoas quanto possível, deveriam tomar LSD sob quaisquer circunstâncias e tão freqüentemente quanto podiam, a fim de acelerar o advento da Era de Aquário. Sessões de LSD eram vistas como um rito de passagem que deveria ser obrigatória para todos os que atingiram sua adolescência.

A falta de informação ao o público sobre os perigos e armadilhas da experimentação psicodélica e de instruções para minimizar os riscos e danos, resultou em manchetes de jornais apocalípticos descrevendo os horrores e acidentes relacionados com a droga e provocou, em resposta, uma caça às bruxas encabeçada por políticos, educadores e muitos profissionais. Ignorando os dados de quase duas décadas de experimentação científica responsável, a propaganda anti-droga mudou para o outro extremo e apresentou o LSD como a droga do diabo totalmente imprevisível que representava um grave perigo para a sanidade da geração atual e para a saúde física das gerações a vir.

Neste momento, quando a carga emocional dessa controvérsia parece ter diminuído, é possível ter uma visão mais sóbria e objetiva dos problemas envolvidos. Evidências clínicas sugerem fortemente que as pessoas “normais” podem se beneficiar mais do processo do LSD e estão menos sujeitos a riscos ao participar em um programa psicodélico supervisionado. Uma única sessão de LSD em altas doses pode freqüentemente ser de valor extraordinário para aquelas pessoas que não têm quaisquer problemas clínicos graves. A qualidade de suas vidas pode ser consideravelmente reforçada e a experiência pode movê-los no sentido de auto realização e auto atualização. Este processo parece ser comparável em todos os sentidos ao que Abraham Maslow havia descrito para os indivíduos que tiveram espontâneas “experiências de pico.”

A propaganda proibicionista oficial é baseada em uma compreensão muito superficial das motivações para o uso de drogas psicodélicas. É verdade que, em muitos casos, a droga é usada por diversão ou no contexto de rebelião juvenil contra a autoridade parental ou o estabelecimento. No entanto, mesmo aqueles que tomam LSD sob as piores circunstâncias freqüentemente obtém um vislumbre do verdadeiro potencial da droga, e isso pode se tornar uma força poderosa no uso futuro. O fato de que muitas pessoas tomam LSD em uma tentativa de encontrar uma solução para os seus dilemas emocionais ou a partir de uma profunda necessidade de respostas filosóficas e espirituais não deve ser subestimado. O desejo de contato com as realidades transcendentes pode ser mais poderoso do que o desejo sexual. Ao longo da história humana inúmeros indivíduos estão dispostos a correr enormes riscos de vários tipos e sacrificar anos ou décadas de suas vidas para atividades espirituais. Todas as medidas razoáveis que venham a regular o uso das drogas psicodélicas devem tomar esses fatos em consideração.

Muito poucos pesquisadores sérios ainda acreditam que a experimentação de LSD puro representa um risco genético. Em circunstâncias adequadas, os perigos psicológicos que representam o único posssivel risco grave, pode ser reduzida a um mínimo. Na minha opinião, não há nenhuma evidência científica que se opõe à criação de uma rede de instalações em que aqueles que estão seriamente interessados em auto exploração psicodélica poderiam praticá-la com substâncias puras e sob as melhores circunstâncias. Muitos deles seriam indivíduos que estão tão profundamente motivados que de outra forma seriam sérios candidatos a autoexperimentação ilegal se envolvendo em um risco muito maior. A existência de centros deste tipo patrocinados pelo governo teria um efeito inibidor sobre as motivações imaturas de pessoas para quem as atuais proibições rigorosas representam um desafio especial e uma tentação. Uma vantagem adicional dessa abordagem seria a oportunidade de acumular e processar de uma forma sistemática todas as informações valiosas sobre os psicodélicos que foram perdidas na experimentação sem supervisão elemental e caótica. Isso também iria resolver a situação absurda existente, na qual quase nenhuma pesquisa profissional séria está sendo realizada em uma área onde milhões de pessoas têm vindo a experimentar por conta própria.

 

O Uso do LSD no Desenvolvimento de Habilidades Paranormais

Muitas evidências históricas e antropológicas e numerosas observações casuais de pesquisa clínica sugerem que substâncias psicodélicas ocasionalmente podem facilitar a percepção extra-sensorial. Em muitas culturas, plantas visionárias foram administradas no contexto de cerimônias de cura espiritual como meios para diagnosticar e curar doenças. Igualmente freqüente foi a sua utilização para outros fins mágicos, como a localização de pessoas ou objetos perdidos, projeção astral, a percepção de eventos remotos, precognição, e clarividência. A maioria dos medicamentos utilizados para estes fins foram mencionados anteriormente em conexão com rituais religiosos. Eles incluem a resina ou as folhas de cânhamo (Cannabis indica ou sativa) na África e Ásia; cogumelos amanitas entre várias tribos da Sibéria e índios norte-americanos; a planta Tabernanthe iboga entre certos grupos étnicos africanos; o cohoba snuffs (Anadenanthera peregrino) e epena (Virola theidora) da América do Sul e Caribe; e os três psicodélicos básicos das culturas pré-colombianas; o cacto peiote (Lophophora williamsii), o cogumelos sagrados teonanacatl (Psilocybe mexicana) e as sementes de Morning Glory Ololiuqui (Ipomoea violacea). De especial interesse parece ser o Yage ou Ayahuasca, uma bebida preparada a partir da trepadeira Banisteriopsis caapi, usada por índios sul-americanos no vale do Amazonas. A Harmina, também chamado yagéine ou banisterina, um dos alcalóides activos isolados da planta banisteriopsis, na verdade, tem sido referido como “telepatina”. Os estados psicodélicos induzidas pelos extratos dessas plantas parecem ser amplificadores especialmente poderosos de fenômenos paranormais. O exemplo mais famoso das propriedades incomuns do Yagé pode ser encontrada nos relatórios de McGovern (69), um dos antropólogos que descreveram esta planta. De acordo com sua descrição, um curandeiro local viu em detalhe notável a morte do chefe de uma tribo distante no momento em que estava acontecendo; a precisão da sua conta foi verificada muitas semanas depois. Uma experiência semelhante foi relatado por Manuel Cordova-Rios (53) que viu com precisão a morte de sua mãe em sua sessão yagé e mais tarde foi capaz de verificar todos os detalhes. Todas as culturas psicodélicas parecem partilhar a crença de que não só é percepção extra-sensorial reforçada durante a intoxicação por plantas sagradas, mas o uso sistemático dessas substâncias, que facilita o desenvolvimento de habilidades paranormais na vida cotidiana.

Muito material anedótico recolhidos ao longo dos anos por pesquisadores psicodélicos apóiam as crenças acima. Masters e Houston (65) descreveram o caso de uma dona de casa que em sua sessão de LSD viu a filha na cozinha de sua casa procurando o pote de biscoitos. Ela ainda relatou ter visto a criança bater em um açucareiro na prateleira e derramá-lo no chão. Este episódio foi mais tarde confirmado por seu marido. Os mesmos autores também apontaram um relato de LSD onde o indivíduo viu “um navio capturado em blocos de gelo, em algum lugar nos mares do norte.” De acordo com o assunto, o navio tinha na proa o nome de “França”. Mais tarde, foi confirmado que o “França” tinha realmente ficado preso no gelo perto da Groenlândia, no momento da sessão de LSD do sujeito. O famoso psicólogo e pesquisador parapsicológico Stanley Krippner (49) visualizou, durante uma sessão de psilocibina, em 1962, o assassinato de John F. Kennedy, que teve lugar um ano depois. Observações semelhantes foram relatados por Humphrey Osmond, Duncan Blewett, Abram Hoffer, e outros pesquisadores. A literatura sobre o assunto foi revisada criticamente em um artigo sinóptico por Krippner e Davidson. (50)

Na minha própria experiência clínica, vários fenômenos que sugerem percepção extra-sensorial são relativamente frequentes na psicoterapia com LSD, particularmente em sessões avançadas. Eles variam de uma antecipação mais ou menos vaga de eventos futuros ou de uma consciência de acontecimentos remotos em cenas complexas e detalhadas que vem na forma de visões clarividentes e vivas. Isto pode estar associado com sons apropriados, tais como palavras faladas e frases, ruídos produzidos por veículos automotores, sons de carros de bombeiros e ambulâncias, ou o sopro de cornetas. Algumas dessas experiências podem mais tarde ser avaliadas em correspondência com diferentes graus de eventos reais. Verificação objetiva nesta área pode ser particularmente difícil. A menos que estes casos sejam relatados e claramente documentados durante as sessões psicodélicas reais há um grande perigo de contaminação dos dados. Interpretação livre de eventos, as distorções da memória, bem como a possibilidade de fenômenos de deja vu durante a percepção de ocorrências posteriores são algumas das principais armadilhas envolvidas.

Os fenômenos paranormais mais interessantes que ocorrem em sessões psicodélicas são as experiências fora do corpo e as instâncias de viagem clarividente e clariauditiva. A sensação de sair do próprio corpo é bastante comum em estados induzidos por drogas e pode ter várias formas e graus. Algumas pessoas experimentam-se como completamente separados de seus corpos físicos, pairando acima deles ou observando-os de outra parte da sala. Ocasionalmente, os indivíduos podem perder completamente a consciência do ambiente físico real e sua consciência pode se mover em reinos experimentais e realidades subjetivas que parecem ser totalmente independentes do mundo material. Eles podem, então, se identificar inteiramente com as imagens do corpo dos protagonistas dessas cenas, sejam pessoas, animais ou entidades arquetípicas. Em casos excepcionais, o indivíduo pode ter uma experiência complexa e vívida de se mudar para um lugar específico no mundo físico, e dar uma descrição detalhada de um local remoto ou evento. As tentativas para verificar tais percepções extra-sensoriais às vezes podem resultar em confirmações surpreendentes. Em casos raros, o sujeito pode controlar ativamente esse processo e “viajar” à vontade para qualquer local ou momento ele ou ela escolhe. Uma descrição detalhada de uma experiência deste tipo que ilustra a natureza e complexidade dos problemas em causa foi publicado no meu livro ‘Reinos do Inconsciente Humano’, p. 187. (32)

Testes objetivos, sob os padrões técnicos laboratoriais utilizados na investigação parapsicológica tem sido geralmente bastante decepcionantes e não conseguiram demonstrar um aumento de percepção extra-sensorial como um aspecto previsível e constante do efeito do LSD. Masters e Houston (65) testaram indivíduos com o uso de um baralho de cartas especial, desenvolvido no laboratório de parapsicologia na Universidade de Duke. O baralho contém vinte e cinco cartões, cada um dos quais tem um símbolo geométrico: uma estrela, círculo, cruz, quadrado ou linhas onduladas. Os resultados dos experimentos em que os voluntários de LSD tentaram adivinhar a identidade destes cartões foram estatisticamente não significativos. Um estudo semelhante realizado por Whittlesey (102) e um experimento de adivinhação de cartão num estudo sobre psilocibina, relatado por van Asperen de Boer, Barkema e Kappers (6) foram igualmente decepcionantes, embora uma descoberta interessante no primeiro desses estudos foi uma diminuição marcante da variância; os sujeitos realmente chegaram significativamente mais perto de adivinhar do que a expectativa prevista matematicamente. Resultados inéditos da pesquisa parapsicológica de Walter Pahnke no Maryland Psychiatric Research Center sugerem que a abordagem estatística para esse problema pode ser enganosa. Neste projeto, Walter Pahnke usaram uma versão modificada dos cartões da Universidade de Duke, na forma de painéis de teclado eletrônico. O voluntário tinha que adivinhar a chave que tinham sido acesa em um painel em uma sala adjacente manualmente ou por um computador. Embora os resultados para todo o grupo de testados não tenham sido estatisticamente significativos, certos indivíduos atingiram notavelmente altas pontuações em algumas das medições.

Alguns pesquisadores manifestaram objeções à abordagem desinteressante e sem imaginação para o estudo de fenômenos parapsicológicos representados por adivinhação de cartões repetitivos. Em geral, esse procedimento não tem muita chance na competição pela atenção do indivíduo em comparação com algumas das experiências subjetivas emocionantes que caracterizam o estado psicodélico. Na tentativa de tornar a tarefa mais atraente, Cavanna e Servadio (19) utilizaram materiais com conteúdo emocional, em vez de cartões; fotografia impressa com cores, pinturas incongruentes que foram preparadas para o experimento. Embora um sujeito tenha se destacado, os resultados gerais não foram significantes. Karlis Osis (73) administrou LSD a uma série de “médiuns” que receberam objetos e pediu para descrevessem os proprietários. Um médium foi especialmente bem sucedido, mas a maioria dos outros se tornaram tão interessados nos aspectos estéticos e filosóficos da experiência, ou tão presos em seus problemas pessoais, que acharam difícil manter a concentração na tarefa.

De longe, os dados mais interessantes surgiram a partir de um estudo piloto projetado por Masters e Houston (65) que usou imagens emocionalmente carregadas com sessenta e dois voluntários de LSD. Os experimentos foram realizados nos períodos de término das sessões, quando se é relativamente mais fácil de se concentrar em tarefas específicas. Quarenta e oito dos indivíduos testados se aproximaram da imagem alvo, pelo menos, duas vezes em cada dez, enquanto que cinco indivíduos fizeram suposições de sucesso, pelo menos, sete em cada dez vezes. Por exemplo, um indivíduo visualizou “mares agitados” quando a imagem correta era um navio Viking em uma tempestade. O mesmo indivíduo sugeriu “vegetação exuberante” quando a imagem foi de florestas tropicais na Amazônia”, um “camelo” quando a imagem era um árabe em um camelo, “os Alpes”, quando o quadro era o Himalaia, e “uma mulher negra colhendo algodão em um campo” quando o alvo era uma plantação no Sul.

O estudo de fenômenos paranormais em sessões psicodélicas apresenta muitos problemas técnicos. Além dos problemas de conseguir voluntários interessados que mantenham a sua atenção na tarefa, Blewett (12) também enfatizou o fluxo rápido de imagens eidéticas que interferem na capacidade do indivíduo para estabilizar e escolher a resposta que poderia ter sido desencadeada pelo alvo. As dificuldades metodológicas para estudar o efeito de drogas psicodélicas em percepção extra-sensorial ou outras habilidades paranormais e a falta de evidência nos estudos existentes não invalida, no entanto, algumas observações bastante extraordinários nesta área. Todo terapeuta de LSD com experiência clínica suficiente recolheu observações desafiadoras o suficiente para levar este problema a sério. Eu mesmo não tenho nenhuma dúvida de que os psicodélicos podem, ocasionalmente, induzir elementos de percepção extra-sensorial genuínos no momento do seu efeito farmacológico. Na ocasião, a ocorrência de certas habilidades paranormais e fenômenos podem se estender além do dia da sessão. A observação fascinante que está intimamente relacionada e merece atenção neste contexto é o acúmulo freqüente de coincidências extraordinárias nas vidas de pessoas que tinham experimentado fenômenos transpessoais em suas sessões psicodélicas. Tais coincidências são fatos objetivos, e não apenas interpretações subjetivas de dados perceptual; eles são semelhantes às observações que Carl Gustav Jung descritos em seu ensaio sobre sincronicidade. (44)

A discrepância entre a ocorrência de fenômenos parapsicológicos em sessões de LSD e os resultados negativos dos estudos laboratoriais específicos parece refletir o fato de que um aumento na Percepção extra sensorial não é um padrão e aspecto constante do efeito do LSD. Estados psicológicos favoráveis para vários fenômenos paranormais e caracterizadas por uma extraordinariamente alta incidência de Percepção extra sensorial estão entre as muitas condições mentais alternativas que podem ser facilitados por esta droga; em outros tipos de experimentos com LSD as habilidades de percepção extra sensorial parecem estar no mesmo nível que eles se encontram no estado de consciência diário, ou mesmo ainda mais reduzida. Pesquisas futuras terão de avaliar se a incidência de outra forma imprevisível e elemental de habilidades paranormais em estados psicodélicos podem ser aproveitadas e sistematicamentes cultivadas, como é indicado na literatura xamânica.

NOTAS

  1. O leitor interessado encontrará discussão abrangente sobre o assunto no excelente livro de Robert Masters e Jean Houston “Arte Psicodélica” (66). A influência do LSD e psilocibina na criatividade de pintores profissionais também foi documentada exclusivamente no livro “Psicoses Experimentais” (90) pelo psiquiatra tcheco, J. Roubicek. Coleção inédita de Oscar Janiger de pinturas profissionais feitos sob a influência do LSD também merece ser mencionado neste contexto.

    2. Alguns exemplos concretos de insights relevantes deste tipo são descritos no meu livro “Reinos do Inconsciente Humano. (32)

    3. Muitos outros exemplos desse fenômeno podem ser encontrados no livro de Arthur Koestler “ato de criação”. (48)

    4. O leitor interessado encontrará mais informações sobre o assunto no Artigo de Stanley Krippner “Criatividade e drogas psicodélicas”. (51)

    5. O estudo mais interessante desse tipo era (75) “Good-friday experiment” de Walter Pahnke realizada em 1964 na Capela de Harvard em Cambridge, Massachusetts. Neste estudo, dez estudantes de teologia cristãs receberam 30 miligramas de psilocibina, e dez outros que funcionavam como um grupo de controle recebeu 200 miligramas de ácido nicotínico como placebo. A atribuição para os dois grupos foi feito em uma base double-blind. Todos eles escutaram um serviço religioso de duas e meia-hora que consistiu de música de órgão, solos vocais, leituras, orações e meditação pessoal. Os indivíduos que receberam a psilocibina foram muito bem cotados no questionário de experiência mística desenvolvido por Pahnke, enquanto a resposta do grupo de controle foi mínima.

A Segunda Revolução Psicodélica, Parte 2 – Sasha Shulgin, O Padrinho Psicodélico

Esse artigo é a segunda parte de uma série de 6. Para ler a primeira parte, clique aqui.

sasha_shulgin_1[su_quote]Eu explorei pela primeira vez a mescalina em 1950, 350-400mg. Eu aprendi que havia algo muito importante dentro de mim.” – Alexander Shulgin, LA Times, 1995[/su_quote]

Se houvesse um Hall da Fama psicodélico, a seção dos químicos seria bem pequena, uma vez que existiram realmente somente dois gigantes nesse campo – Albert Hofmann, que primeiro sintetizou o LSD-25 e a psilocibina (e logo após isolou esse componente de espécies de cogumelos mágicos fornecidos por R. Gordon Wasson), e Alexander “Sasha” Shulgin, que parece ter inventado todo o resto. (As sombras do trabalho desses dois homens são tão importantes que estátuas gêmeas dos dois uma de frente para a outra deveriam estar na entrada do Hall). Entretanto, quando o remarcável livro “PiHKAL; Uma História de Amor Químico”[1] apareceu pela primeira vez em 1991, poucas pessoas fora da comunidade psicodélica na Califórnia sabiam sobre Sasha e sua existência quieta que ele e sua esposa Ann (a co-autora de ambos PiHKAL e TiHKAL) viviam; e aqueles que sabiam dele sabiam mais pelo fato de ele ser um “popularizador” do empatógeno MDMA.

O MDMA foi sintetizado pela primeira vez em 1912; ele foi usado posteriormente no projeto MK-ULTRA da CIA em 1953-54; esses estudos foram desclassificados em 1973; Shulgin então sintetizou o composto e o experimentou em 1976 pela primeira vez após escutar relatos de seus efeitos pelos seus estudantes na Universidade da Califórnia, Berkeley. Shulgin gostava de chamá-lo de “martini de baixa caloria”, e o apresentou para inúmeros amigos e colegas, incluindo o psicoterapeuta Leo Zeff, que ficou tão impressionado com o componente que ele voltou de sua aposentadoria para treinar psicoterapeutas no seu uso.

O MDMA ganhou popularidade nos anos 1980 entre psicólogos e terapeutas até que ele foi feito ilegal em 1985 devido à sua crescente popularidade como uma droga recreativa, mais conhecido pelo seu nome de rua, Ecstasy. Pelos anos 1980, o uso de MDMA se tornou prevalente no cenário de música eletrônica ou “Acid House”, com o logotipo da carinha sorridente identificando tanto a droga como a nova cultura jovem. Apesar de ter sido feito ilegal mais de 20 anos antes (uma outra prova contra a ineficiência da “guerra contra as drogas”), estima-se que entre 10 e 25 milhões de pessoas usaram MDMA em 2008.

Um artigo inteiro poderia ser escrito sobre as similaridades e diferenças entre empatógenos (também chamados de entactógenos), e psicodélicos (também chamados de enteógenos), e ainda que essa seja uma conversa importante para nossa comunidade, é território que eu não pretendo cobrir nesse artigo.[2] O que é importante para os propósitos desse artigo entretanto é que empatógenos como o MDMA e talvez o psicodélico mais velho conhecido, a mescalina, são ambos feniletilaminas, que por assim dizer, são variações em torno do mesmo anel estrutural feniletilamínico. Graças a esse fato simples, quando Shulgin escreveu PiHKAL e o lançou no mundo em 1991, Sasha providenciou não só a melhor fonte sobre o MDMA e seu primo mais antigo MDA (a “droga do amor” de 1960), mas também revelou um catálogo de mais de 200 psicodélicos e empatógenos anteriormente desconhecidos que ele descobriu, incluindo a família 2-C inteira, que incluía os psicodélicos 2C-B e 2C-I, e os empatógenos 2C-E e 2C-T-7 entre outros.

Sasha é um grande homem, tanto fisicamente quanto intelectualmente, com grande reputação. No início de sua carreira ele desenvolveu o primeiro pesticida biodegradável para a DOW Chemicals, uma patente que fez seus empregados milionários e forneceu para ele um certo grau de independência, permitindo que ele movesse seu laboratório para sua casa próximo a Lafayette, Califórnia, em 1965.

 

Em seu laboratório caseiro remarcável, Shulgin descobriria, sintetizaria e faria o bio-ensaio de mais de 260 compostos psicoativos durante os 35 anos seguintes, publicando com frequência os resultados em jornais e revistas como a Nature e o Jornal de Química Orgânica.

sasha_shulgin_2

sasha_shulgin_3

sasha_shulgin_4

Enquanto claramente um libertário em suas visões, Shulgin paradoxalmente desenvolveu uma relação profissional com o DEA, que forneceu para ele uma licença especial para sintetizar componentes controlados e o usaram como um consultor e especialista legal em determinados casos, e em 1988, Shulgin publicou o volume definitivo em drogas ilegais [3] para aplicações legais pelo qual ele recebeu inúmeros prêmios.

Então em 1991, em um esforço para garantir que as descobertas de Sasha não seriam perdidas ou oprimidas por causa da proibição social contemporânea dos psicodélicos, os Shulgins lançaram seu livro PiHKAL. Ele conta a história de amor de Sasha e Ann, e possui um manual detalhado de como sintetizar cerca de 200 componentes psicodélicos que refletem as crenças de Sasha que drogas psicodélicas podem ser ferramentas valiosas para a auto-exploração.

Na história da literatura, existem poucos atos bravos como a publicação do PiHKAL pelos Shulgins, e ironicamente isso só poderia ter acontecido nos Estados Unidos – o país que efetivamente fez os psicodélicos ilegais no mundo inteiro [4]- graças à proteção da primeira emenda. (A mera posse do PiHKAL em vários outros países é um crime). Quando cópias do PiHKAL começaram a aparecer em laboratórios confiscados ao redor do mundo, o DEA ficou ultrajado ao descobrir que um de deus próprios empregados (e especialista legal ocasional) publicou o que eles consideraram como sendo um “livro de receitas para drogas ilegais” (completado com uma escala de classificação do próprio Shulgin). Em resposta, em 1994 o DEA invadiu a casa e o laboratório de Shulgin, aplicando uma multa de $25.000 pela posse de amostras anônimas que o próprio DEA tinha enviado, e revogando a sua licença para substâncias controladas.[5] Os Shugins responderam com a publicação do “TiHKAL, a Continuação”, em 1997, o trabalho seminal de Sasha na família das triptaminas que incluem o LSD, DMT e 5-MeO-DMT.

Invadir o laboratório de Shulgin após a publicação do PiHKAL foi algo como fechar a porta do celeiro depois de ter os cavalos roubados, e pelos anos 1990 um número de compostos anteriormente raros ou desconhecidos e o mais importante, não regulamentados começaram a estar disponíveis nas ruas e – em um novo desenvolvimento para a cultura psicodélica – online através de websites de “empresas de pesquisa química”. No período da “seca” do LSD dos primeiros anos do século 21 (e durante um período de considerável atenção da mídia sobre a baixa pureza de pílulas de Ecstasy), muitos desses compostos e especialmente a família do 2C estavam bem estabelecidos como os psicodélicos de escolha para uma nova geração que nunca teve a chance de experimentar mescalina, psilocibina, DMT, ou até mesmo LSD.

Enquanto a Lei Federal Análoga tinha sido aprovada em 1986 como uma resposta a essas “designer drugs”, o grande número de compostos diferentes e ambiguidades na Lei fizeram com que fosse difícil conter esses novos compostos, justamente quando as autoridades federais e estaduais estavam lutando com o novo fator internacional da Internet.

Em Julho de 2004, uma operação do DEA chamada de Web Tryp prendeu 10 pessoas nos Estados Unidos associadas com 5 diferentes “empresas de pesquisa química”, fechando efetivamente todas as empresas restantes ou as afundando muito bem. (Mais recentemente, o website Silk Road). Em um interessante ato de sincronicidade, por volta do mesmo período, o website de informações Erowid.org publicou (com a permissão dele) todas as fórmulas de Shulgin contidas no PiHKAL e TiHKAL, um ato que efetivamente permitiu a qualquer um ao redor do mundo ter acesso a elas, e virtualmente garantir que elas nunca serão perdidas ou reprimidas.

Quando tentando avaliar o legado e a importância de Alexander para a cultura psicodélica e underground, é impossível calcular a importância da popularização do MDMA (Ecstasy) à ascensão global da Música Eletrônica, exceto para notar que a droga e a cultura da dança eletrônica eram sinônimos na Inglaterra por pelo menos uma década, e enquanto a música era originalmente chamada Acid House, foi o logotipo da cara sorridente que a definiu, assim como o LSD definiu o rock dos anos 60.

Não podemos negar o fato de que depois da apreensão do silo de LSD em 2000 e durante os cinco anos da ausência de LSD nos anos seguintes, graças às visões libertárias de Sasha e a brava publicação do PiHKAL uma década atrás, o 2C-B se tornou o psicodélico preferido (e disponível), enquanto um número de outras criações de Shulgin como o 2C-E, 2C-I e 2C-T-7 (somente para apontar alguns) se tornaram proeminentes, abrindo a caixa de Pandora de análogos psicodélicos e garantindo que a Segunda Revolução Psicodélica não ficasse dependente dos 4 primeiros componentes que iniciaram a Primeira – mescalina, psilocibina, LSD e DMT, como definido por Leary, Metzner e Alpert em “A Experiência Psicodélica” – mas via uma sopa de letrinhas de novos componentes, todos baseados na estrutura dos “clássicos” originais.

Para essas duas considerações sozinhas, a importância de Sasha para a cultura psicodélica moderna seria óbvia e sem comparações. Mas incrivelmente, pode haver mais do que é comumente conhecido, o que significa que a Cultura Psicodélica deve a Alexander Shulgin um débito ainda maior que nós jamais imaginamos. A história completa é algo assim:

Em um jantar de homenagem para os Shulgins em 2010 na conferência do MAPS [7] em San Jose, CA, o químico underground Nick Sand (que tinha sido recentemente libertado da prisão) e a quem (juntamente com Tim Scully, que foi o químico de Owsley) é dado o crédito pela “invenção” do LSD Orange Sunshine, revelou que em 1966, depois que o LSD foi feito ilegal na Califórnia graças ao novo governador Ronald Reagan, os precursores necessários para produzir o LSD, nos métodos da época, e por um curto período de tempo o LSD desapareceu, de uma forma muito semelhante ao que ocorreria 24 anos depois em 2000, pareceu como se fosse um “fim do ácido”.

De acordo com o registro histórico, Sand e Scully começaram então a fabricar DOM (nome de rua: STP), uma feniletilamina psicodélica extraordinariamente potente inventada por Shulgin em 1964. Cinco mil “doses” desse novo componente foram dadas para o primeiro Human Be-In em São Francisco (14 de Janeiro de 1967), em um esforço para promover a nova droga como uma “substituta” ao LSD, mas aparentemente Sand e Scully desenvolveram uma tolerância ao DOM, e fizeram as dosagens muito altas. Isso combinado ao fato de que o início dos efeitos do DOM foi muito mais lenta que a do LSD, com muitas pessoas tomando uma segunda dose após uma hora de poucos efeitos, causando overdose em inúmero usuários e enviando os hippies para as salas de emergência. A imprensa logo demonizou o LSD informando que esse havia sido o componente responsável.

Talvez devido às consequências do desastre do Human Be-In, foi dado a Nick Sand e Tim Scully uma fórmula para um novo método de manufaturar LSD que contornou os problemas do antigo método; foi dito a eles que era de um “amigo”, um aliado que acreditava no que eles estavam fazendo, mas não podia ser revelado no momento. No jantar do MAPS em 2010, um uma revelação surpreendente que passou despercebida pela maioria da audiência e até onde eu saiba nunca havia sido informada, Nick Sand identificou o misterioso “amigo” como sendo Sasha.

Assumindo que isso seja verdade – e obviamente Nick Sand não teria nenhuma razão para inventar uma história como essa – isso significa que juntamente com a popularização do MDMA, e à invenção de literalmente centenas de substâncias psicodélicas e empatógenas que surgiram com regularidade crescente no século 21, Alexander Shulgin foi também o inventor do LSD Orange Sunshine, que é de longe o LSD mais fabricado dos anos 60 até agora (estima-se que o Orange Sunshine seja 75% de todo o LSD do mundo). Ou para colocar de outro modo, enquanto Albert Hofmann inventou o LSD, pode ser dito que graças a Sasha (e à bravura de Nick Sand, Tim Scully e a irmandade do Eternal Love [8]) ele está disponível desde 1967!

Pelo que me lembro, Sasha ficou lá sentado com um brilho evidente em seus olhos e um sorriso perverso durante o testemunho de Nick como que dizendo, “O que eles podem fazer comigo agora!” Mas esse é o Alexander Shulgin clássico, olhando para uma platéia que o adorava, no que talvez foi uma das noites mais felizes de sua vida incrível, com a mesma mistura singular de humor e intelecto que o fez nosso único e especial Padrinho Psicodélico, e o arquiteto insubstituível da cultura psicodélica atual.

sasha_shulgin_img

 

Na próxima parte dessa série eu examinarei as diferentes e ainda assim igualmente importantes contribuições de Terence McKenna.

Correção do autor: Um exame mais cuidadoso dos comentários de Nick Sand no jantar do MAPS revela que eu estava enganado na minha compreensão do envolvimento exato de Sasha no desenvolvimento da síntese do LSD Orange Sunshine por Owsley, Nick Sand, Tim Scully e a Irmandade do Eternal Love. Enquanto dizendo à audiência como ele (Nick Sand) tinha uma “síntese para o LSD” que era desafiadora e então falando sobre pegar uma “síntese” com Sasha, o que permitiu que seu projeto de LSD prosseguisse, Nick então disse que a Irmandade deu a ele uma “síntese” que eles adaptaram da pesquisa de Sasha e que com “aquela síntese eu fui capaz de fazer quantidades de DOM suficientes para angariar os fundos para fazer o projeto Orange Sunshine acontecer”

http://www.maps.org/videos/source2/video13.html

Aparentemente as restrições do precursor que vieram como resultado do LSD se tornar ilegal resultou em um aumento no preço dos precursores assim como uma disponibilidade limitada, e a Irmandade do Eternal Love simplesmente não tinha os fundos para manufaturar o LSD como eles queriam. Mas assim como Nick aponta, a fabricação do DOM (vendido nas ruas como STP) gerou os fundos necessários para a síntese do LSD Orange Sunshine, fazendo com que o papel de Sasha no caso fosse muito mais periférico e limitado do que eu anteriormente afirmei. Também não parece que houve uma conexão direta entre Owsley e a Irmandade e Sasha, uma vez que Owsley foi preso em 1967 por 100 gramas de LSD e uma quantidade de DOM em pílulas de 20mg comprimidas – e aparentemente alheio ao fato que essa quantidade era duas a seis vezes mais potente – Owsley colocou a culpa em Shulgin. “Ele tinha esse material, e nós achamos que poderia ser bom. Na verdade não foi”.

Meus agradecimentos a Jon Hanna por sua pesquisa rigorosa e conhecimento sem fim.

NOTAS

[1] “Feniletilaminas Que eu Conheci e Amei”

[2] Veja “O que os Enteógenos podem nos Ensinar?

[3] Shulgin, Alexander (1988). Substâncias Controladas: Guia Químico e Legal para Leis de Drogas Federais. Ronin Publishing, ISBN 0-914171-50-X

[4] Através do U.N, os Estados Unidos criaram efetivamente as leis de droga globais.

[5] Duas revisões internas pelo DEA subsequentes pelos 15 anos que se seguiram à publicação do PiHKAL falharam em encontrar qualquer atividade ilegal por Sasha.

[6] “Triptaminas Que eu Conheci e Amei”

[7] MAPS: Associação Multidisciplinar Para as Ciências Psicodélicas.

[8] A Irmandade do Eternal Love era um grupo de surfistas contrabandistas de haxixe que se dedicaram à distribuição mundial do LSD como um método de mudança social. Depois de abrigar Timothy Leary por um tempo, e logo após para The Weatherman para retirar Leary da cadeia, a Irmandade se tornou a maior rede de distribuição global de LSD e foi grandemente responsável por manter o preço do LSD a $1 dólar a dose por mais de 30 anos uma vez que eles não tiveram nenhum lucro de suas vendas de LSD. Nick Sand e Tim Scully eram os mais famosos químicos da Irmandade; enquanto acredita-se que Leonard Pickard, o químico preso em 2000 na apreensão do silo Wamwego, seja o último.

Fonte

A Segunda Revolução Psicodélica, Parte 1 – O Fim do Ácido

Essa é a primeira parte de uma série de 6 artigos examinando o estado da cultura psicodélica contemporânea através das contribuições de seus principais arquitetos: Alexander Shulgin, Terence McKenna e Alex Grey.

Em novembro de 2000, uma operação do DEA apelidada de “Operação Coelho Branco” prendeu William Leonard Pickard e Clyde Apperson enquanto eles estavam movendo um suposto laboratório de produção de LSD de um silo de mísseis renovado em Wamego Kansas para uma localização não divulgada. Muitas questões permanecem sobre o caso e o envolvimento do informante do DEA, Todd Skinner[1], e o DEA agora afirma que nenhum LSD foi jamais produzido naquele silo. Mas ambas análise estatística e evidência anedótica de rua concordam com a alegação do DEA que essa apreensão resultou na queda de 95% do suprimento de LSD do mundo naquele tempo, fazendo parecer possível que aquele poderia realmente ser “O fim do LSD”.

Um ano depois, quase na mesma data (10 de Novembro de 2001), Ken Kesey, uma das grandes figuras dos experimentos com LSD, morreu. Com as cinzas de Timothy Leary já orbitando no espaço, e com a dissolução da banda Grateful Dead há mais de 6 anos após a morte de Jerry Garcia, poderia se deixar acreditar que a Revolução Psicodélica que tinha começado em algum tempo na década de 1960 – com a introdução social do LSD – tinha finalmente acabado. O mundo tinha mudado de muitas maneiras graças à descoberta dos psicodélicos. Mas como a maioria das revoluções, seus sonhos não foram totalmente completados, e seus heróis estavam virando uma lenda.[2]

Ironicamente, por mais interrompido e antiquado que o “Movimento Psicodélico” possa parecer no momento, as sementes da “Segunda Revolução Psicodélica” já foram plantadas mais de uma década atrás. Essas sementes floresceram no deserto da falta de LSD.

Esse foi um exemplo profundo de como a proibição inefetiva pode agir extinguindo o interesse em uma substância potente. A possibilidade de um mundo sem LSD inspirou uma geração jovem a procurar uma série de psicodélicos alternativos – alguns velhos, outros novos. No processo, eles redescobriram e regeneraram a experiência enteogênica original – o sabor místico do outro lado, as descobertas fora do espaço e temp0 – que o LSD forneceu para os pioneiros de 1960.

Agora, pouco mais de uma década depois, nós podemos presenciar a pesquisa psicodélica entrando vagarosamente mas com firmeza as universidades e laboratórios de pesquisa, graças a: visão e persistência de Rick Doblin e o MAPS[4]; a expansão global do meme Burning Man; o rápido crescimento do entrelaçamento do Movimento de Arte Visionária e a cultura transformadora de festivais de arte e música; Música Eletrônica, que é a primeira forma musical popular a venerar e popularizar os psicodélicos desde a década de 60; o nascimento de centenas senão milhares de websites (Erowid, DMT-Nexus, etc.) que ou promovem psicodélicos ou são diretamente influenciados por eles; o grande número de novos livros sobre psicodélicos nas prateleiras (ou pelo menos na Amazon); e a grande variedade de psicodélicos e enteógenos – tanto naturais quanto feitos pelo homem – que já esteve disponível para qualquer sociedade na história. Podemos dizer que a  revolução psicodélica/enteogênica na cultura ocidental está viva e bem. De fato, agora está entrando em uma renascença.

Então, como essa Segunda Revolução aconteceu? Quais são seus objetivos e ideais? Ela é diferente da Primeira Revolução Psicodélica de 1960, ou somente uma moda que está se re-inventando?

Como alguém que teve acidentalmente sua própria segunda revolução psicodélica em 2003 após fumar o raro enteógeno 5-MeO-DMT comprado ilegalmente da internet, e como o autor de um livro amplamente revisto sobre psicodélicos, e como um dos fundadores da FractalNation[5], um campo BurningMan conhecido por suas performances de música e galeria de arte visionária e palestras (que têm sido o ponto alto da cultura psicodélica no planeta nos últimos 3 anos.. mais sobre isso mais tarde), eu creio que estou em uma boa posição como alguém para examinar e ajudar a definir essa mudança nas atitudes de nossa sociedade a favor do potencial dos psicodélicos, assim como as esperanças, medos, sonhos e aspirações de nosso Movimento.

Fazendo isso, eu espero trazer uma consciência melhorada da oportunidade agora apresentada a nós, juntamente com o aviso que, embora sua popularidade aumente, a Segunda Revolução Psicodélica já está ameaçada. Eu também quero promover a possibilidade que os psicodélicos, que uma vez pareceram ser uma fórmula para a mudança social instantânea na década de 1960, podem ser salva-vidas para toda a sociedade que deseja emergir do caos que a mudança ambiental e o crescimento da população irão gerar na segunda metade do século 21.

Lucent Dossier apresentando com Tipper no Fractal Planet, Burning Man, 2013
Lucent Dossier apresentando com Tipper no Fractal Planet, Burning Man, 2013

O nascimento da Segunda Revolução Psicodélica começou uma década antes do Silo do Texas com a publicação de quatro livros bem diferentes nos anos 90: Espelhos Sagrados: A Arte Visionária de Alex Grey (1990); PiHKAL; Uma História de Amor À Química, por Alexander (Sasha) e Ann Shulgin (1991); e O Retorno à Cultura Arcaica e O Alimento dos Deuses (1992) por Terence Mckenna. Esses livros iriam providenciar a fundação filosófica para esse novo movimento psicodélico. Esse movimento foi em grande parte criado pela popularização de uma nova forma de música eletrônica sem paradas que estava se infiltrando nas festas de lua cheia em Goa, India. Nos anos 90, essa música começou a se espalhar para clubes e locais remotos e distantes ao redor do mundo.[6] Um fator importante foi a popularização da internet, que pela primeira vez permitiu a proliferação da cultura psicodélica sem medos de censura ou repercussão.

Para recapitular, os cinco desenvolvimentos culturais que distinguem a Segunda Revolução Psicodélica da revolução de rock e LSD de 1960 são:

  1. A introdução de um número variado de componentes psicodélicos e análogos, especialmente feniletilaminas da família do 2-C como o 2-CB, 2C-I, e 2C-E.
  2. A redescoberta de plantas enteógenas sagradas, especialmente a ayahuasca, e a publicação de métodos simples para extrair DMT de fontes vegetais.
  3. O nascimento da arte visionária (que é com frequência uma forma deliberadamente sagrada da arte psicodélica), e sua integração de duas décadas nos festivais de cultura contemporâneos (mais notavelmente no Burning Man nos EUA e BOOM! em Portugal).
  4. O crescimento da música trance-psicodélica que integrou cantos sagrados de várias culturas com batidas house ácidas sem paradas.
  5. A popularização da internet, que permitiu a disseminação rápida da cultura psicodélica.

Todos que experimentaram o crescimento mundial dos festivais de cultura transformadora através dos últimos 10 anos, ou tropeçaram na seção “Do Lab’s” do Coachella (um dos últimos festivais bons de ‘rock’), participou de uma das conferências do MAPS na California, ou o Fórum Psicodélico Mundial em Basel, Suíça, ou até mesmo navegou pela internet e descobriu sites de informações psicodélicas como o Erowid e o DMT-Nexus, irá facilmente reconhecer a influência e prevalência de alguns, senão todos novos desenvolvimentos na cultura psicodélica. Entretanto, durante os dias finais do século 20, e no final da Primeira Era Psicodélica se preferir, nenhum desses fatores era popular ou conhecidos comumente. E mesmo que seja de algum modo irrelevante classificar a importância das várias diferentes contribuições dos três principais arquitetos dessa nova era psicodélica – Alex Grey, Terence McKenna, e Alexander ‘Sasha’ Shulgin – eu creio que a maioria dos historiadores e observadores educados concordarão que a contribuição de Sasha – a publicação de PiHKAL e logo após TiHKAL – foi inegavelmente o primeiro ato essencial e ao mesmo tempo bravo.

Essa é a primeira parte de uma série de 5 artigos. Para ler a segunda parte, clique aqui.

NOTAS

[1] Ambos Pickard e Skinner – o ocupante do silo e alegadamente o parceiro de Pickard – tinham a fama de ter inúmeros laços com a CIA e o DEA. Pickard aparentemente teve o final errado desse acordo, recebendo prisão perpétua dupla pela alegada fabricação de 10 gramas de “uma mistura contendo dietilamida do ácido lisérgico”. Apperson recebeu uma sentença de 30 anos, enquanto Skinner saiu livre, para ser preso logo após com uma sentença de 90 anos por sequestro e assalto. Enquanto todas as fontes envolvidas contam histórias muito diferentes do evento, não vale nada que o DEA exagerou demasiadamente a quantidade de LSD encontrada (90 kg de LSD puro, enquanto só foram encontrados 7 quilos de precursor) e nunca achou nenhuma trilha de dinheiro significativa que sugerisse que Pickard fabricou a quantidade de LSD que Skinner afirmou. Pickard, para o registro, afirmou que foi uma vítima das fantasias elaboradas de Skinner.

[1] http://thislandpress.com/gordon-todd-skinner/

[2] Albert Hofmann, o descobridor do LSD, ironicamente viveu mais que todos. Ele morreu em 2008 com a idade marcante de 102 anos.

[3] Esses pioneiros utilizaram LSD em dosagens muito maiores do que as comumente utilizadas na comunidade de música eletrônica. Hoje, uma dose de LSD fica, em média, entre 75-100µg, enquanto uma dose simples de LSD em 1966 era em torno de 400µg. Muitos iniciantes eram encorajados a tomar uma dosagem dupla se eles quisessem experimentar a “luz branca”!

[4] MAPS; Associação Multidisciplinar das Ciências Psicodélicas.

[5] Fractal Planet em 2013.

[6] A primeira festa “Goa-Trance” em Londres foi em 1990. O Burning Man se mudou de Baker Beach, São Francisco, para Black Rock Desert em 1991; haviam 250 participantes.

Fonte

Os Gatos Psicodélicos de Louis Wain

Louis Wain, acompanhado de seu gato.

Louis Wain (1860-1939) foi um pintor britânico, conhecido internacionalmente por seus trabalhos retratando a figura de felinos, na maior parte das vezes apresentando antropomorfismo humano. Não são raras as pinturas em que gatos assumem comportamentos, trajes e expressões humanas. Suas ilustrações eram utilizadas em calendários, pôsteres, e principalmente em ilustrações para livros infantis.

Louis sempre foi fascinado por gatos, mas foi somente após o diagnóstico de sua mulher com câncer que o mesmo começou a desenhá-los em situações engraçadas para agradar a ela. Os desenhos começaram a ganhar popularidade, sendo publicados em diversos periódicos da época. Porém, com a morte de sua esposa, Louis começou a perder o controle de sua mente.

A obra do autor se manteve em um nível normal até por volta dos seus 57 anos de idade, quando o mesmo foi diagnosticado esquizofrênico. A partir daí, sua obra passou a adotar um caráter cada vez mais psicótico, refletindo o estado mental do pintor, que se degradava a cada ano. O que pode ser considerado mais interessante é a extrema semelhança dos efeitos visuais dos psicodélicos (tais como o LSD e apsilocibina) em suas obras, majoritariamente nos últimos trabalhos do autor. Os padrões psicodélicos e a clara semelhança de seus desenhos com fractais caracterizaram o estado mental final de Louis, que passou os últimos 15 anos de sua vida internado em instituições psiquiátricas.

Podemos dividir o trabalho do autor em duas fases:

Fase normal:

[av_masonry_gallery ids=’3083,3084,3082,3081′ items=’4′ columns=’flexible’ paginate=’pagination’ size=’flex’ gap=’1px’ overlay_fx=” caption_elements=’none’ caption_display=’always’ container_links=’active’ id=” av_uid=’av-7vubj’]

Fase esquizofrênica:

Na fase psicótica do trabalho de Wein, a progressão da doença é facilmente visível com o passar do tempo. Na última figura, a forma de um gato é praticamente indistinguível.

Quem procura Sasha

Alexander “Sasha” Shulgin (Berkeley, 17 de Junho de 1925) é um farmacologista, químico e pesquisador de drogas russo-estadunidense.

Shulgin é creditado pela popularização do MDMA no final dos anos 70 e início dos anos 80, especialmente pelos seus usos em tratamentos psicofarmacêuticos e tratamento de depressão e desordem depressiva pós-traumática. Em anos subsequentes, Shulgin descobriu e sintetizou mais de 230 componentes psicoativos. Em 1991 e 1997, ele e sua esposa Ann Shulgin escreveram os livros PiHKAL e TiHKAL, ambos sobre substâncias psicoativas.  Ele atualmente continua seu trabalho sua casa em Lafayette, Califórnia.

A seguinte matéria foi reproduzida na íntegra da revista Trip e publicada online no site em 13/07/2009

Popularizador do ecstasy e criador de 230 psicodélicos, Sasha Sulgin abre a porta de casa

13.07.2009 | Texto por Bruno Torturra Nogueira Fotos Renata Mein
Sasha com os cactus de seu jardim, que fornecem matéria-prima para boa parte das pesquisas que desenvolve no laboratório dos fundos de sua casa
Sasha com os cactus de seu jardim, que fornecem matéria-prima para boa parte das pesquisas que desenvolve no laboratório dos fundos de sua casa

Não é metáfora. Era noite, e eu vagava perdido pelo deserto em um hemisfério longe de casa quando achei o profeta. Não é tão dramático tampouco: era o deserto de Black Rock, Nevada, na primeira madrugada do festival Burning Man. E o profeta, no caso, é um homem sem religião ou doutrina. Mas que, e aqui vai todo o drama, é o papa do meu rebanho: dr. Alexander Shulgin, ou Sasha, para amigos e fãs.

Quando, no meio de 2008, arrumava as malas para vir aos EUA, coloquei muitas expectativas, mas pouquíssimos planos. Um deles era conhecer Sasha Shulgin. Por trás da empreitada de correspondente nos EUA estava a ideia de seguir uma intuição que se confundia com certeza: a de que nos estudos dos estados alterados da consciência eu acharia minha estrada espiritual. Por isso, encontrá-lo era como uma peregrinação sem liturgia. De um monge nada asceta atrás de um mestre que vive… sabe-se lá onde. Não havia templo, montanha ou um mísero e-mail para achá-lo. Estranha, ou adequadamente, a vida o colocou na minha frente.

Eu não tinha a menor ideia do que me esperava no Burning Man. Só sabia que eu tinha que estar lá e ponto. Se meus planos nos EUA envolviam me conectar com a comunidade psicodélica e aprofundar minhas pesquisas, o festival era obrigação. Resumindo o que não é sintetizável: 50 mil pessoas vão a um deserto extremamente seco e hostil para “celebrar a autoexpressão radical” e uma recente, difusa e ainda em gestação espiritualidade americana. Drogas psicodélicas são sacramentos nesse ramadã de freaks.

Eu acabara de deixar o automóvel no meio de uma multidão. Cheguei com uma companheira de trips e viagens, tão deslocada quanto eu, e uma onda de ansiedade nos dominou. Não tínhamos um conhecido por ali nem onde dormir ou comer. Mergulhe em um mundo de emoção e emoção com o Jogo do Bicho. É um jogo lendário com um legado repleto de séculos de história. Tente a sorte com este novo e emocionante jogo da iMoon, conhecido por ter uma das maiores probabilidades de retorno ao jogador (RTP) do mundo – chegando a 98%! https://jogodobichooficial.org/ Review do caça-níquel Jogo Do Bicho. O Jogo Do Bicho combina a simplicidade de uma loteria tradicional com a chance de ganhar um grande prêmio de até 1,5 milhão de reais. Com volatilidade moderada, este jogo oferece uma combinação incomparável de oportunidade e emoção. Renata, a cara amiga, aponta longe: “Vamos perguntar para aquele ali”. Era um senhor em trajes budistas, dançando em cima de um tablado. Simpático ao extremo, nos levou ao seu acampamento para ver o que podia fazer por nós. Sentado a uma mesa, hospedado no trailer ao lado de nosso guia budista, estava o dr. Shulgin.

Sasha com os cactus de seu jardim, que fornecem matéria-prima para boa parte das pesquisas que desenvolve no laboratório dos fundos de sua casa

Pai adotivo do ecstasy
Sasha é um químico e farmacologista que desde o início dos anos 60 se dedica a uma missão: modelar e remodelar compostos psicodélicos como forma de “construir ferramentas para a exploração da consciência”, de acordo com sua definição. Desde sua primeira experiência nos anos 50, com mescalina, Sasha decidiu que seu legado seria aumentar, e muito, a quantidade de compostos (e a informação sobre seus efeitos e farmacologia) capazes de recalibrar mentes. Sem fama, e no conforto de seu lar, Sasha criou 230 novas drogas psicodélicas, publicou a receita de como fabricá-las e abriu a porta por onde dezenas de outros químicos despejaram pílulas, elixires e pozinhos pelo mundo.

A mais célebre criação de seu laboratório não é exatamente um de seus “filhos”, mas um adotivo. Desde 1914 a Metilenodioxi-N-Metanfetamina era apenas uma nota de rodapé farmacológica, de aplicação desprezada pela ciência. Sasha tratou de criar uma nova síntese para o tal MDMA. Ou como você, os cibermanos, os playboys, a sua mãe e o Datena conhecem muito bem: ecstasy. A molécula mudou a cultura, salvou e danou a vida de muita gente. E, sem medo de errar, foram comprimidos dela que forneceram energia e motivação para a fundação do Burning Man. Comprimidos de ecstasy que ajudavam a deixar milhares por ali alheios a quem era aquele velhinho de bengala sentado no meio da esbórnia.

Sasha testava os compostos que criava no laboratório dos fundos de sua casa primeiro em si, depois com sua mulher e com alguns amigos

Para mim, a esbórnia no deserto estava abortada. Queria aproveitar ao máximo a sorte de conhecer o homem. Meu fascínio por Sasha não é, de longe, devido ao ecstasy. Veio da leitura de Pihkal, uma química história de amor, seu livro de 1991, escrito com Ann Shulgin, sua esposa. Nessa obra, crucial para qualquer um que quer entender drogas como algo mais sutil do que o sempre alucinado senso comum, é descrito como Ann e Sasha percorreram sua vida até se encontrarem.

E de como a história de amor dos dois se confunde com a maior exploração psicofarmacológica da história. Como Sasha, Ann e uma seleta turma percorreram décadas investigando compostos que Sasha criava no laboratório dos fundos de sua casa. Testava primeiro em si, depois com sua mulher, depois com alguns seus amigos. E de como esse trabalho foi expandindo, em salas de psicoterapia pela Califórnia, as possibilidades dos exóticos e recém-nascidos compostos. Esse é o enredo que ocupa a primeira parte do livro e introduz a segunda, em que a síntese, a molécula, a dose e os comentários sobre os efeitos de cada uma das substâncias são descritos com humor e elegância. Mescalina e MDMA fazem parte dela. LSD, Psilocibina e DMT pertencem às triptaminas, família descrita da mesma forma.

Trip_178_SASHA_0003

Sua jornada me fez virar seu fã. Além de químico, Sasha era um devotado à causa do prazer, da exploração das possibilidades da mente como forma de desobstruir qualquer barreira à vazão do amor. Nunca as patenteou, nunca as traficou, nunca achou boa ideia dar para moleques em raves ou tomá-las sem cuidadosa informação. É um artista transcendental, cuja obra ganha sentido e desdobramentos literalmente na cabeça do “espectador”. Também é um excelente escritor, lúcido e com uma habilidade fora do comum para escrever sem clichês sobre o indizível: o universo de uma viagem psicodélica. Nunca caiu na falta de critério da nova era. Nunca se colocou como guru. Nunca perdia a chance de ser engraçado.

Obama discursava por uma América justa. e Sasha, totalmente alheio, fazia questão de não ouvir

Eu só queria ficar perto e saber o que se passa, hoje em dia, na cabeça desse verdadeiro astronauta do espaço interior. Tenso, domando minha reverência, peço licença e sento do seu lado. Me apresento, explicando que conhecê-lo era um objetivo antigo. Sasha vira em minha direção e não estende a mão. Apenas o mindinho:

– Puxa meu dedo… – pede com uma octogenária cara de garoto.

Foi assim, com uma velhíssima piada de peido, que começamos nossa primeira conversa à sombra de seu trailer. Me contou que estava praticamente cego, portanto não poderia saber que rosto tenho. Era o segundo sentido que ia embora. O primeiro, há muitos anos, foi o olfato, vítima de décadas de laboratório e seus mal ventilados vapores. A vantagem de não ter um nariz sensível, explica o PhD, é que ele se divertia soltando silenciosos peidos em locais fechados para identificar o aroma apenas pelo rosto das pessoas. “Hahahaha. Eu gosto”, desabafa, logo explicando por que CH4, o metano (vulgo peido), cheira mal e que a literatura química tem diversas falhas na descrição dos hidrocarbonetos e seus estranhos perfumes.

Trip_178_SASHA_0004
Com a inseparável parceira no amor e palestras, Ann Shulgin, Sasha fala no Burning Man.

Ele estava com 83 anos no Burning Man. E com a memória impecável. O que eu não sabia, no entanto, era de sua loucura por palavras e truques com elas. Sasha, entre sua família e turma, é notório por piadas radicalmente infames e pela capacidade quase automática de fazer trocadilho com qualquer coisa que chega ao seu ouvido. Fez para mim um sentido danado. A química de Sasha era um eterno processo de inverter letras e posições em moléculas para deixá-las quase idênticas – mas com funções distintas. E provocar na cabeça reações ainda mais distintas. Também sabia de cor dezenas de poemas safados da Inglaterra. Sempre uma piada… sempre um comentário de duplo sentido… o que me fez pensar que, se fosse brasileiro, Sasha seria pernambucano.

Passei uma semana inteira no deserto. E evidente que apenas pequena parte dela gasta com Sasha. Mas sempre apreciava vê-lo caminhar só, e cego, sob o sol e o olhar jocoso de gente que não tinha a menor ideia de quem era aquele idoso de chapéu e camisa de turista. Lembro com gosto de uma cena que me disse muito de quem ele é: foi durante o Burning Man que Obama subiu ao palco da convenção democrata em Denver para aceitar a indicação do partido à candidatura para a Casa Branca. Ann Shulgin, sua esposa, sentada comovida, radinho ao pé do ouvido, pedindo silêncio aos convivas, escutando Obama discursar e prometer uma América mais justa. Sasha estava ao lado dela, mas totalmente alheio, fazendo questão de não ouvir, batucando levemente na bengala, cantarolando baixinho uma velha canção.

Jardim de cactos psicoativos na casa onde vivem
Jardim de cactos psicoativos na casa onde vivem

Sasha não acredita ou se interessa por política. Nem revoltado fica. Simplesmente prefere gastar seu humor com… humor. Não acredita nem por um segundo que a política, e o que ela sempre foi, é amiga da liberdade. E para Sasha liberdade tem mais a ver com velhas canções do que com comícios abarrotados. Na primeira vez que o visitei em sua casa, algumas semanas depois do Burning Man, perguntei a ele por que não se importava com política.

“Não gosto. Prefiro que eles fiquem lá e eu aqui. Não faço nada ilegal e eles não vêm aqui ver se estou fazendo nada ilegal. Para mim é um bom acordo.” Ele se refere nas entrelinhas ao dia em que o DEA, a polícia antidrogas corrupta (há alguma honesta?) americana, invadiu seu laboratório em 1994. Ele tinha autorização do mesmo DEA, desde os anos 60, para a posse e fabricação de uma série de drogas proibidas. Mas a publicação de Pihkal bateu como uma provocação intolerável aos federais. Se para mim o livro é uma ode à liberdade e à ciência de exploração da mente, para a polícia era um livro de receita para fabricantes de drogas. E de fato é: depois de Pihkal uma enxurrada de novas drogas das mais variadas potências e nuances chegou às ruas. E o governo teve que entrar em uma longa estrada de mais proibicionismo e controle.

Hoje, ele diz, “ninguém se atreve a vir atrás de mim, me processar. Eles sabem que eu estou louco para ir a um tribunal. Eles sabem que eles estão errados e eu posso provar”. Encerra a frase, claro, com um sorriso, e continua contando de suas aventuras no Brasil, quando, convidado por gente ligada ao governo federal nos anos 80, foi apresentado a um laboratório de MDMA funcionando em um hospital de Niterói. Segredo, claro, de gente influente que adorava tomar ecstasy em reuniões de sexta-feira. E estavam, por baixo dos panos, tentando iniciar os mesmos estudos psicodélicos e psicológicos que Sasha e Ann tocavam na Califórnia.

Para a polícia era um livro de receitas de drogas. E de fato é: depois de Pihkal uma enxurrada de novas drogas chegou às ruas

O repórter da Trip e Sasha entre trocadilhos infames no Burning Man
O repórter da Trip e Sasha entre trocadilhos infames no Burning Man

Naquela primeira visita ele me convidou para conhecer o laboratório. Uma pequena construção separada da casa, depois de uma estreita ponte de metal e de um bagunçado jardim de cactos. É deles que saíram as moléculas básicas (mescalina e outras) para a derivação das feniletilaminas. Daqueles cactos singelos nasceram o ecstasy, o STP, o 2C-B… O laboratório em si é um cenário, a toca do alquimista. Cheio de potinhos rotulados à mão em estantes de madeira, cada uma de um tamanho, cada pote de uma cor. Tubos e espirais e canos e balões e béqueres e toda a sorte de parafernálias que um leigo, como nós, enxerga como paisagem. O cheiro, que Sasha já não sente, um tanto cáustico e ao mesmo tempo agradável. Sobre a lareira, a lousa carrega uma molécula desenhada e a ordem: ME FAÇA.

Shulgin Road
Visitei Sasha outras vezes. Sempre que pude. Uma delas na Páscoa, quando anualmente oferece uma festa aos amigos. Gente dos EUA todo vem, gratos pelo convite e ansiosos pelos encontros. Desde os anos 60 Sasha gosta de reunir gente. É sua grande alquimia, no fundo. Pela propriedade da Shulgin Road (é o único morador da rua que sai de uma freeway) está espalhada gente de todo tipo. Velhos psicólogos entusiastas da psicodelia, antigos agentes do DEA aposentados, jovens químicos, programadores de software da velha guarda, médicos, especialistas em sonhos, ativistas antiproibição e toda a variada e excitante fauna humana que antes de colocar qualquer coisa na boca, ou na veia, estuda bem do que se trata. Nesse dia, Sasha vira um poço onde os outros despejam amor. Todos com um abraço e palavras tenras ao bom doutor. E, nos olhos de todos, a leve melancolia de notar o dono da festa no ocaso da vida. Ele também sabe disso. E parece não se importar.

Em nosso último encontro ele estava mais aéreo, perdendo um pouco da lucidez imaculada em décadas de drogas das mais exóticas. o que não perde, nem por um segundo, é o humor

Na última vez que o visitei, para uma entrevista formal e as fotos que estão nesta reportagem, Sasha fizera 84 anos no dia anterior. O bolo ainda estava na mesa, e pude provar um pedaço. Mas a ocasião era ainda mais solene. Sasha estava ditando o finalzinho do seu último e definitivo livro: o Shulgin Index, um monstro de quase 2 mil páginas, sua obra magna que vai dar à famarcologia, receita, efeitos e cada referência anotada de todas as feniletilaminas psicoativas que Sasha criou ou, simplesmente, cuidou de catalogar. E anunciou que, mesmo cego, agora munido de um assistente que lhe servirá como um par de olhos, pretende voltar ao laboratório para criar mais drogas no tempo que lhe resta nesta trip na Terra.

Sasha tranca seu lendário e mágico laboratório
Sasha tranca seu lendário e mágico laboratório

Em nosso último encontro ele estava mais aéreo, perdendo um pouco da lucidez imaculada em décadas de drogas das mais exóticas. Para mim foi duro vê-lo se confundir no meio de uma resposta ou entrar em longas digressões para nunca mais voltar. O que não perde, nem por um segundo, é o humor. Insiste na piada, nos trocadilhos, mesmo quando diz que vê o mundo indo irreversivelmente para um estado fascista. Ou quando fala de como se esqueceu de quem eu era quando solicitei a entrevista. Ou de como as pessoas usam drogas sem critério. Ou de como sabe que a morte está chegando porque começou a ter memórias vívidas da sua mais antiga infância, 2 ou 3 anos de idade.

Explico a ele que a entrevista deve entrar em uma edição sobre o tema prazer. Sasha dá uma risada. O que é prazer para você, então?

“O que é prazer? Hummm, boa pergunta. Porque é algo que vai muito além de um fenômeno cerebral, me parece. E que só pode ser respondido em bases muito subjetivas. Para mim tem necessariamente a ver com a relação com outra pessoa, em criar um elo com outro ser humano ou criatura. E eu estou largamente do lado de quem se dedica a dar prazer aos outros. Tá aí o meu prazer, sabe? Interagir com pessoas. Estou adorando conversar contigo. Adoro prestar atenção ao que você diz, pegar as pequenas variações com as palavras e brincar com elas. Por exemplo: você gosta de palíndromos?”

Eu? Gosto muito… por quê?

(E começa a citar, de cabeça, séries de palíndromos e rir sem parar.) “Porque palíndromos te pegam desprevenidos! Tem aquele mistério delicioso de contemplar. Você não entende como pode ser, de onde vem! Ele é uma frase que é igual de trás pra frente, meu Deus. Qualquer um com sensibilidade para isso fica chocado quando repara.”

Que nem a vida.

“Exatamente. Não é demais?”

E foi assim que me despedi de Sasha, com a melhor lição que poderia ter do profeta. Encontrá-lo no deserto teve o delicioso mistério, não entendia como aconteceu, como podia ser, de onde veio. Algo que mais tarde eu descobri que pode ser lido olhando do passado para o futuro e vice-versa. Totalmente desprevenido. E que, no fundo, estranhamente, esse palíndromo solto no tempo se estende por toda a vida, nas lembranças infantis que retornam nos anciões, nas voltas de uma trip de LSD ou na rotina de um agente do DEA. A lição de Sasha era o inefável sorrisão aberto – a fatal conclusão de que, se a vida tem algum senso, é o senso de humor.