A História humana é um período caótico de transição metamórfica. É um portal no qual entramos macacos e sairemos alguma outra coisa impossível de ser prevista.
O que hoje chamamos de “tecnologia” não é simplesmente uma escolha histórico-evolucionária e nem mesmo uma produção do homem, é simplesmente parte de um processo de transformação pelo qual estamos passando e nem sequer temos controle. Apenas pensamos que temos. Somos primatas numa montanha-russa cujas dimensões e direções estão fora do nosso campo de visão. Mas gostamos de brincar de sermos os maquinistas dessa coisa.
Com a tecnosfera em estado avançado de desenvolvimento, tendemos a pensar na tecnologia em termos de sistemas e máquinas avançadas, mas é importante lembrar que, o que quer que seja “isso”, é parte de nós no mínimo desde que construímos as primeiras ferramentas de pedra lascada para caçar, na pré-história. Dissolvendo por um momento nossas atuais concepções históricas e culturais, vemos que esse é o próprio processo que caracteriza nossa espécie; é o que permite nos vermos com orgulho como diferentes dos demais primatas. Não é algo que estamos “fazendo”, é algo que estamos passando, e que nos modifica em um ritmo cada vez mais acelerado.
Na medida em que avança, esse processo também acelera, pois cada avanço destranca um novo campo de potencialidade que antes não poderia ser vislumbrado. É um processo análogo ao da evolução biológica, já que a vida se desenvolve num regime de complexificação orgânica exponencial, como representado em símbolos mitológicos como a “árvore da vida”.
Num sobrevoo mais distanciado da nossa realidade cotidiana, vemos que não trata apenas de um processo análogo, mas de fato do mesmo processo. Não existe uma separação realmente rígida entre evolução tecnológica e evolução biológica, ambos podem ser vistos como estágios diferentes do mesmo movimento evolutivo. Aquilo que fez organismos unicelulares se agregarem para formar organismos complexos, iniciando a evolução da vida no planeta, agora invade o âmbito da evolução epigenética através da cultura e da tecnologia humanas, anunciando a emergência de uma nova dimensão evolucionária na Terra.
Mas isso é apenas a continuação avançada do que sempre ocorreu. À medida em que esse processo se complexifica em miríades de ramificações, cada novo salto carrega um potencial maior de transformação e acontece em um intervalo de tempo menor que o anterior, rumo a uma concrescência onde o desenvolvimento tecnológico, que é atual fio de navalha do processo, se dará de forma automática e instantânea. Nesse ponto, é como se a tecnologia assumisse as rédeas do seu próprio desenvolvimento – como o nascimento de uma nova criatura completamente imprevisível e fora dos domínios de controle humano. O mito futurista da máquina que adquire vida própria ganha aqui um fundamento lógico. E a explosão das atividades epigenéticas nos últimos 50 mil anos (que representam nada mais que o último segundo da nossa história evolutiva) é um sintoma de estamos nos aproximando disso.
O que geralmente não é levado em conta nesse tipo de história à la ficção científica é a verdadeira implicação disso na natureza da realidade humana. Considerando que a nossa percepção do tempo é um produto da exposição e processamento de informações pelo cérebro, isso significa que, nesse ponto de infinitas transformações instantâneas, em nossa percepção subjetiva, o que se passa no atual microssegundo de existência será, no próximo, tão antigo quanto a idade da pedra é hoje para nós, e o próximo será tão novo e transformador que nem sequer poderíamos imaginá-lo antes, assim como um primata em evolução nunca poderia imaginar a invenção da internet.
O passado não mais nos preparara para o futuro em nenhum nível, pois mesmo nosso futuro mais imediato é inteiramente desconhecido e imprevisível. Não há mais “farol” para iluminar o caminho à frente. Em outras palavras: Nossas faculdades cognitivas normais entram em colapso.
O tempo é a nossa rota de colisão e fusão com essa estranha entidade psicotecnológica que mantivemos contato ao longo da história. Não apenas nós estamos nos tornando máquinas, mas do ponto de vista das máquinas, elas estão se tornando nós. É um processo simbiótico que dará origem a uma criatura transhumana totalmente diferente de qualquer coisa possível de ser imaginada.
Nas profundezas das florestas nos Himalaias, vive a maior abelha do mundo, que passa a maior parte de sua vida produzindo um mel psicodélico que irá alterar a sua mente. Esse mel particular é muito valorizado pelos habitantes locais no Nepal e na China, e os coletores arriscam suas vidas para coletar e vender esse mel para os homens ricos da Ásia e os turistas curiosos que frequentam a área. O que torna esse mel psicodélico tão desejado e especial?
O mel psicodélico, que também é conhecido como mel vermelho, é o produto da abelha de penhascos Himalaia (Apis dorsata laboriosa) Essa abelha é a maior do mundo, tendo cerca de 3 centímetros, e são uma sub-espécie da abelha comum (Apis dorsata). Essa abelha de altitude é a única na região que tem acesso a flores de Rododendro, que produzem o mel psicodélico que depois é vendido na região.
Muitas espécies de Rododendros contém o que é chamado de toxina anon cinza, que as torna muito venenosas para os seres humanos. Porém, nas montanhas do Himalaia, que consistem de Yunnan (China), Butão, Nepal e Índia, essa abelha rara reside logo ao lado dos Rododendros (Rhododendron luteum e Rhododendron ponticum) que são as flores que elas tendem a coletar o néctar.
O mel que é produzido do néctar que as abelhas obtém das flores de Rododendro tendem a vir com propriedades extremamente potentes. O mel vermelho, ou o que algumas pessoas chamam de mel da loucura, é conhecido por conter um alucinógeno extremamente potente que é utilizado como uma droga recreativa, mas também uma medicinal. Esse mel particular é conhecido por ter um efeito muito eficaz na cura de diabetes e performances sexuais pobres, até mesmo a hipertensão, mas somente se ingerido em pequenas doses. Se consumido em dosagem muito alta, esse mel alucinógeno pode se tornar extremamente tóxico e em alguns casos, até mesmo fatal.
Em doses baixas entretanto, o mel se torna um alucinógeno, dando sensações de tontura agradáveis e um relaxamento juntamente com uma sensação de formigamento. Mesmo tendo a propriedade de ser alucinógeno, não há muita literatura científica tratando dos efeitos do mel no organismo humano.
Quando esse mel é consumido em altas doses, ele tende a causar envenenamento por Rododendro, ou intoxicação pelo mel, que é descrita como fraqueza muscular progressiva, irregularidades cardíacas e crises de vômito.
O exército do rei Mithridates no ano 67aC usava esse mel como uma espécie de arma química natural: deixavam grandes pedaços da colméia onde o exército romano invasor os pudessem encontrar. Não é necessário dizer que enquanto o exército invasor inteiro estava sob os efeitos do mel, eles eram facilmente derrotados.
Embora as propriedades do mel alucinógeno tendam a variar entre agradáveis e perigosas, todas elas são devido à toxina anon cinzas que estão contidas no mel, essas derivadas dos Rododendros locais.
O que são Toxinas Anon Cinzas no Mel Psicodélico?
Elas são um grupo de toxinas que tendem a ser produzidas pelos Rododendros e outras plantas da família da Ericaceae. Uma vez que esse tipo de mel tem efeitos intoxicantes e medicinais, ele tende a alcançar um preço muito alto, que algumas vezes chega a ser cinco ou quatro vezes o preço do mel comum.
O tamanho desses ninhos pode se tornar extremamente grande e pode atingir até 1 metro e meio de diâmetro e conter aproximadamente 60kg de mel, o que aumenta a dificuldade na coleta do mel dos favos. Os locais geralmente coletam duas levas do mel, uma na primavera e outra no outono, entretanto somente o mel coletado na primavera é o que tende realmente a ter efeitos.
Abaixo, um documentário (sem legenda ainda – em tradução) nos ajuda a ter a perspectiva dos desafios que esses habitantes locais passam para obter e colher esse mel raro e altamente alucinógeno.
Uma nova espécie de líquen foi descoberta na floresta amazônica equatoriana, de acordo com um artigo recente publicado no “The Bryologist”. Pesquisadores liderados pela autora Michaela Schmull identificaram triptaminas como, psilocibina, e 5-MeO-DMT no líquen, dentre outras substâncias.
A história é um tanto incomum. Há apenas uma amostra conhecida do líquen em toda a ciência ocidental, e foi coletada em 1981 pelos etnobotânicos Wade Davis e Jim Yost durante a realização de pesquisas no Equador. Em um artigo em 1983 descrevendo sua descoberta deste líquen, Davis e Yost escreveram:
Na primavera de 1981, enquanto estávamos envolvidos em estudos etnobotânicos no leste do Equador, a nossa atenção foi atraída para um uso mais peculiar de alucinógenos pelos índios Waorani, um pequeno grupo isolado de cerca de 600 índios. … Entre a maioria das tribos amazônicas, intoxicação alucinógena é considerada uma viagem coletiva ao subconsciente e, como tal, é um evento essencialmente social. … Os Waorani, no entanto, consideram o uso de alucinógenos como um ato anti-social agressivo; de modo que o xamã, ou “ido”, que desejar lançar uma maldição toma a droga sozinho ou acompanhado apenas de sua mulher durante a noite, no âmago da floresta ou em uma casa bem isolada. …
De particular interesse botânico é o fato de que esta prática cultural peculiar envolve plantas alucinógenas, uma raramente usada e uma, até agora, sequer catalogada. Os Waorani tem dois alucinógenos: Banisteriopsisniun muricata e um basidiolíquen ainda não catalogado do gênero Dictyonema. O primeiro é morfologicamente muito semelhante a outros vulgarmente utilizados … espécies como a Banisieriopsis Caapi da ayahuasca … Por outro lado, nunca até agora um basidiolíquen havia sido relatado com propriedades alucinógenas. [grifo meu]
Nesse artigo, Davis e Yost descrevem a nova espécie de líquen como “extremamente rara.” Tão rara, na verdade, que Yost tinha “ouvido falar dela por mais de sete anos antes de encontrá-la na floresta.” Imagine ser um explorador, dedicando sua vida a estudar as pessoas e plantas de regiões distantes, e, finalmente, a descoberta de um indescritível líquen psicodélico que você tem ouvido falar por sete anos.
Mesmo os índios Waorani não têm à mão espécimes desse líquen, que eles chamam nɇnɇndapɇ. Os nativos disseram aos pesquisadores que seu último conhecido uso xamânico foi “há cerca de quatro gerações atrás – cerca de 80 anos – quando um xamã mau o comeu para enviar uma maldição para que outro xamã Waorani morresse’”, Wade Davis e Jim Yost tornaram-se os primeiros ocidentais conhecidos a encontrar nɇnɇndapɇ, e preservaram a amostra para análise futura.
Trinta anos depois, em 2014, Michaela Schmull e seus colegas analisaram o DNA da amostra e determinaram que era uma espécie nova, que deram o nome deDictyonema Huaorani. (Huaorani é uma grafia alternativa de Waorani, os “descobridores” originais desta espécie.) A equipe de Schmull examinou um extrato do líquen usando técnicas de espectrometria de cromatografia de massa líquida (LC-MS), e identificou triptaminas como psilocibina, e 5-MeO -DMT, bem como 5-metoxitriptamina (5-Meot), 5-MeO-NMT, e 5-metoxitriptamina (5-MT).
Os líquens são organismos incomuns e fascinantes – na verdade, um líquen não é um único organismo, mas uma parceria simbiótica entre um fungo e uma alga. O fungo fornece a estrutura filamentosa, que protege, hidrata, e ancora a alga; a alga fotossintetiza os açúcares que ambos os organismos necessitam para viver. Os líquenes são excepcionalmente adaptáveis e são encontrados em quase todos os climas da Terra, o que não pode ser dito de seus componentes individuais que vivem em isolamento. A parceria beneficia ambas as partes e amplia enormemente os habitats onde eles podem prosperar.
O gênero de Dictyonema é incomum, mesmo entre os líquens. Na maioria dos líquens, o componente fúngico é um ascomiceto, porém cerca de 1% dos líquens são compostos de um fungo basidiomiceto. A parceiria das algas também varia – em cerca de 10% dos líquens, o parceiro fotossintetizante não é uma alga de fato, mas uma cianobactéria. Os membros do Dictyonema são muito estranhos, porque eles combinam ambas as variações, uma cianobactéria e um fungo basidiomiceto, no mesmo líquen.
Adicione a isso às qualidades aparentemente psicodélicas de Dictyonema Huaorani e você tem uma espécie extremamente original!
No que diz respeito à identificação de psilocibina, e 5-MeO-DMT no líquen, os pesquisadores ofereceram uma qualificação:
Devido a nossa incapacidade de utilizar compostos de referência puros e a escassa quantidade de amostras para a identificação dos compostos, nossas análises não foram capazes de determinar de forma conclusiva a presença de substâncias alucinógenas.
Para a escassez de a amostra não há solução. A indisponibilidade de “compostos de referência puros”, no entanto, é um problema inteiramente artificial, resultado da guerra contra as drogas que suspendeu pesquisa psicodélica há mais de 40 anos e continua a impedir o seu progresso. Se estas substâncias não tivessem seu acesso tão arbitrariamente dificultados aos pesquisadores, já poderíamos ter uma identificação conclusiva dos agentes psicodélicos presentes nesta espécie recém-descoberta.
Paul Stamets transformou sua curiosidade adolescente sobre cogumelos em um caminho singular, que o levou não só a se tornar um expoente da micologia, empresário e autor, mas que também o colocou em uma viagem pioneira de descoberta.
Stamets tem sido um dedicado ministro, emissário, e evangelista dos fungos por mais de quatro décadas. Logo no início, ele reconheceu que eles eram muito mais do que frutos proibidos ou ingredientes culinários. Para ele, os fungos e as redes de filamentos subterrâneas do micélio a partir do qual eles brotam (e que Stamets costuma chamar de “Internet natural da Terra“) são poderosos presentes da natureza que detêm os segredos para a cura de uma infinidade de males médicos e ambientais. Ele fez de sua missão, não apenas descobrir esses segredos, mas para por fim a cegueira e preconceitos que os humanos têm para com cogumelos, o que ele chama de “mycophobia”, que impede as pessoas de compreender o quão crucial para a nossa sobrevivência são estes organismos humildes sob nossos pés.
Eu comecei virtualmente sem nenhum dinheiro. eu apenas segui meu coração e minha paixão.”
– Paul Stamets
As descobertas de Stamets no laboratório e no campo asseguraram a sua reputação como um cientista visionário e comprovaram que as tecnologias à base de cogumelos podem ser implantados para resolver uma série de desafios, incluindo a limpeza de toxinas e poluentes (micoremediação , biorremediação), o controle de pragas de insetos (micopesticidas), restauração de habitats (micorestauração), e combatendo problemas de saúde humana (micomedicina).
Ao longo de sua carreira, ele foi premiado com nove patentes (e com várias outras ainda pendentes) por desencadear uma série de propriedades benéficas de cogumelos. Ele descobriu quatro novas espécies, inclusive uma no campus da Evergreen, e escreveu dúzias de artigos científicos e seis livros, incluindo textos definitivos sobre a psilocibina, sobre os “cogumelos mágicos” e sobre o cultivo, identificação e utilização de espécimes para usos medicinais e culinários.
Stamets é tão apaixonado por cogumelos e micélios hoje como ele era quando estudante da Evergreen na década de 1970. Foi quando ele mergulhou no estudo da micologia junto com o membro do corpo docente Michael Beug, identificando diferentes espécies, maravilhando-se com as suas células, trazendo à tona as suas propriedades químicas, e documentando suas formas ampliadas com o microscópio eletrônico da faculdade. Este último, disse ele, “me mostrou o mundo oculto, que era invisível. Ter acesso a esta bela paisagem nas dimensões microscópicas foi incrivelmente tentador para mim. “
As investigações científicas que ele promoveu, desde que deixou a Evergreen foram financiados em grande parte pelos lucros da Fungi Perfecti, a empresa fundada por ele em Kamilche Point, Washington. Logo depois de se formar com o seu título de bacharel. “Comecei virtualmente sem nenhum dinheiro”, disse ele. “Eu apenas segui meu coração e minha paixão.“
Hoje, ele e sua esposa, Dusty Yao, dirigem o próspero negócio, que tem 65 funcionários e produz cogumelos para culinária e suplementos derivados de cogumelos em uma fazenda orgânica de 20 acres, certificada pela USDA com casas de cultura, salas de limpeza e laboratórios de pesquisa. Ele também oferece seminários educacionais para micófilos e vende kits de cultivo de cogumelos e livros relacionados com cogumelos.
As técnicas que Stamets introduziu, para o cultivo de cogumelos comestíveis e medicinais, e os tornou disponíveis para um grande público, juntamente com seus livros e outras realizações, foram recentemente reconhecidos pela North American Mycological Association, que lhe presenteou com o seu Prêmio de Contribuições para Micologia em 2013.
É nos laboratórios da Fungi perfecti que Stamets, diretor de pesquisa da empresa, está fazendo muito do trabalho que ele fora orientado a fazer. Este é o lugar onde suas idéias inovadoras são gerados, através de experiências destinadas a encontrar soluções fúngicas para vários problemas, realizada com mais de 500 espécies de cogumelos e strainsque ele coletou em todo o mundo.
Em seu trabalho, ele tem por vezes, colaborado com outras organizações, incluindo a Pacific Northwest National Laboratory para reduzir os danos de derramamentos de petróleo com “cogumelos ostra”, e do Centro de Pesquisa Bastyr Integrative Oncologypara estudar um tratamento de câncer com base em fungos. No Bastyr, um ensaio clínico foi realizado para examinar o uso de um derivado do cogumelo “Turkey tail mushroom”, fornecidos por Stamets, para impulsionar o sistema imunológico de pacientes com câncer de mama submetidas à quimioterapia. Em uma palestra do TEDMED que Stamets deu em 2011, ele contou a história da dramática recuperação de sua mãe de 83 anos de idade, em estágio 4 de câncer de mama depois de usar o mesmo cogumelo utilizado no ensaio, em combinação com o Herceptin, uma droga quimioterápica. Agora aos 88, ela está livre do câncer.
Enquanto o mundo enfrenta as mudanças climáticas e sua sexta grande extinção, Stamets acredita que a maior tarefa da humanidade é “compreender a linguagem da natureza” para evitar maior destruição. Ele também acredita que as antigas florestas ameaçadas do noroeste do Pacífico, que abrigam muitas espécies ancestrais de fungos, precisam ser protegidos por uma questão de defesa nacional. E ele já elaborara uma lista de estratégias micologicas para proteger o planeta, que inclui a criação de centros comunitários de cultivo de cogumelos e bibliotecas de cultura genômicas para preservar o patrimônio fúngico da Terra para as gerações futuras, além de usar os cogumelos e os micélios para produzir alimentos e medicamentos, filtros de água para patógenos, e aprimoramento das práticas agrícolas.
Ao olhar mais de perto para uma área do mundo natural que muitas pessoas na história moderna costumavam ignorar ou desprezar, Stamets aprendeu a entender o que ele chama de “a linguagem da natureza das redes de fungos que se comunicam com um ecossistema.” Através da exploração e engenhosidade , ele recrutou o reino dos fungos como aliados para trazer à consciência os diversos usos restauradores dos cogumelos.
Seu trabalho lhe rendeu um doutorado honorário, prêmios, estima, e, mais recentemente, um lugar na aula inaugural do AAAS-Lemelson Invention Ambassadors, um grupo de sete “criadores e descobridores, solucionadores de problemas, e percursores da inovação” selecionado pela maior e mais prestigiada sociedade científica do mundo, a Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS). Durante a nomeação de um ano, por meio de uma série de palestras, ele vai ajudar a promover a compreensão do papel que os cientistas desempenham para ajudar a sociedade através da invenção, criação de produtos, e a construção de negócios. Suas palestras, disse ele, serão uma “ponte para trazer a ciência para o público.”
Para Stamets, promover a compreensão dos poderes curativos dos cogumelos é imensamente importante. “Se eu puder ajudar a avançar esse conhecimento“, disse ele, “eu fiz a minha parte para proteger a vida neste planeta.”
Em uma pequena fazenda de cogumelos aninhada há cerca de uma hora de distância de Seattle, Paul Stamets põe a mão na massa. Abaixo do solo em todo lugar da Terra está a maior rede de comunicação organismo-organismo: A internet natural, como ele a chama. Stamets é um dos principais micologistas (que estudam os cogumelos e sua estrutura raiz conhecida como micélio) do mundo. Há um imenso poder no micélio, ele diz, para coisas tais como aumentar a imunidade humana, limpar vazamentos de óleo, e nos proteger contra surtos de doenças. Mas mais do que qualquer coisa, Paul Stamets adora sentir o cheiro dele.
O fato de que cogumelos possuem poder próprio é uma surpresa-pelo menos para mim. Muitas pessoas imaginam os cogumelos como pragas de jardim, ou como alimento. Em uma TED Talk que Stamets deu em 2011, ele tentou mostrar que cogumelos possuem potencial para fazer mais pelo planeta do que qualquer outra forma de vida, incluindo a humana. É tempo, ele argumentou, de libertar os cogumelos das garras dos gourmets e senhores das guerras psicodélicas.
O que faz os fungos tão únicos é o fato de que suas células são feitas de uma molécula chamada quitina, em vez de celulose, como ocorre com as plantas. A quitina é maleável, mas também resistente. A sua habilidade de defender-se de patógenos externos faz com que ela adquira valor na medicina e como alimento. Talvez o melhor de tudo, ela cresce rápido. Algumas raças se iniciam do tamanho de uma unha e se tornam 90 toneladas de biomassa em apenas alguns meses.
Corpulento e barbudo, Stamets têm a aparência de um homem que realmente sabe do que está falando. A maneira que ele fala-largando termos como “formação de amilóides” e “extratos pré-esporulantes”- faz com que eu lembre que não sei. Ele dirige uma empresa chamada Fungi Perfecti e divide o tempo entre sua fazenda em Shelton, Washington, e viajar o mundo procurando por novos cogumelos que ele pode trazer de volta para o laboratório para analisar e cultivar.
Quantos micologistas existem atualmente no mundo, eu perguntei para ele quando caminhávamos pela sua floresta-quintal que aparentava estar repleta de micélio. “Cerca de 50.000″, ele disse. “Mas somente 5.000 estão empregados”.
Isso faz dele um dos sortudos. Sua estrutura é uma fazenda em escala completa para o cultivo de micélio. As placas de “Não Ultrapasse” e avisos que você está sendo gravado fazem parte do plano de Stamets para manter a fazenda segura, tanto de futuros ladrões procurando por raças de cogumelos valiosas, e, ocasionalmente, do governo. Alguns anos atrás, Stamets disse que um helicóptero Blackhawk sobrevoou a fazenda suspeitando de atividades ilegais. Isso é algo a que os micologistas estão acostumados. Ele diz que não tem nada a esconder, mas ainda assim ele não confia nos policiais, então ele disse para todos os empregados pegarem amostras de diferentes raças que poderão ser replicadas mais tarde, e então se espalharem. Acabou por ser um grande mal-entendido.
Nós temos acesso ao entendimento do que cogumelos e suas raízes podem fazer. Cogumelos Shiitake são conhecidos por aumentarem a imunidade e abaixarem o colesterol. Cogumelos white button possuem antioxidantes que reduzem o risco de problemas de coração.
Mas são espécies menos conhecidas como turkey tail , oyster e agarikon que Stamets deseja estudar para meios que, nas palavras dele, podem salvar o planeta. Cogumelos oyster em particular estão sendo testados por sua habilidade de limpar vazamentos de óleo. Uma raça que Stamets ajudou a desenvolver é tolerante à água salgada e pode metabolizar hidrocarbonetos. Um teste mostrou que uma raça do cogumelo oyster pode reduzir contaminantes de óleo diesel do solo de 10.000 partes por milhão para somente 200 em apenas alguns meses. O processo não é uma solução instantânea para o desastre, mas mostrou eliminar o óleo completamente organicamente, sem usar os tipos de dispersantes químicos controversos usados no Golfo do México após o vazamento de 2010.
Outros cogumelos como os Mycena alcalina, têm o potencial de quebrar Bifenilpoliclorados, um agente causador de câncer utilizado uma vez na fabricação de latas. Stamets explicou como os cogumelos, se dado a eles tempo de ativarem seus próprios sistemas de defesas, podem ser uma defesa contra armas químicas que podem espalhar doenças infecciosas como Varíola.
“Aqui, cheire isto”, disse Stamets, aproximando um punhado de micélio do meu nariz. Parecia com salada de repolho, mas tinha cheiro de terra rica, viva; Terra ligeiramente picante que eu não pude fazer nada senão cheirar novamente. “Não é incrível, ahh, eu poderia cheirar isso o dia inteiro”.
Apesar de mais de quatro décadas estudando cogumelos, Stamets é um homem que parece genuinamente apreciar falar de suas qualidades. Ele mesmo vai todos os anos para o festival Burning Man, o festival na Nevada do Norte, só para falar deles.
Ser um expert em um campo tão pequeno tem suas vantagens também. Em um quarto Stamets nos mostrou diversos vidros de extratos líquidos de cogumelos, elixires potentes que contêm raças avançadas de alguns micélios. “As empresas farmacêuticas querem muuuuito isso”, ele nos contou. Uma semana antes de nossa visita, de fato, uma empresa que ele não quis identificar ligou e pediu para ele dar o preço que ele quisesse por algumas de suas raças mais raras de se encontrar, que possuem potencial para novas drogas.
Ele prefere descobrir os segredos futuros dos cogumelos por ele mesmo. Ele disse pra eles que não, obrigado.
Inaugurando a categoria “Micélio“, onde iremos postar apenas matérias enviadas por colaboradores voluntários, estamos publicando hoje um artigo que nos foi enviado de Portugal por Fernando Castro, sobre o papel dos fungos na absorção de poluentes pesados como o petróleo
> Et voilá (como diz o outro), depois do óleo derramado, aparecem algumas curiosas soluções.
Em 2007 houve um derrame de petróleo em S. Francisco e tentaram-se arranjar soluções para remediar a situação.
Foi feita uma parceria entre Lisa Gautier e Paul Stamets.
Através da doação de discos de cabelo humano para ensopar o petróleo, restou a pergunta: O que fazer com ele?
É aqui que entram os fungos:
O género Pleurotus, sendo de boa boca, como se costuma dizer, adapta-se e decompõe quase todos os substratos orgânicos imagináveis, não sendo, contudo, o petróleo um problema para este organismo.
Assim, depois de absorvido o petróleo, fez-se uma lasanha de spawn (semente do cogumelo), palha e o cabelo ensopado de óleo que serviram de substrato para o fungo se desenvolver, transformando-o em pura matéria orgânica.
Para iniciar esse ano de 2010, segue traduzido o primeiro capítulo do livro “Mycelium Running (How Mushrooms Can Help Save the World)“, ainda sem nome em português, do Micologista e Escritor Paul Stamets.
O Micélio como a Internet da Natureza
A História das redes de fungos
Animais tem uma relação mais próxima com os fungos do que qualquer outro reino. Mais de 465 milhões de anos atrás nós dividimos um ancestral comum. Os fungos evoluíram meios de digerir externamente a comida secretando ácidos e enzimas em sua área imediata de contato e então absorver nutrientes usando cadeias celulares em forma de redes. Muitos fungos se associaram a plantas, que careciam enormemente desses sucos digestivos. Micologistas acreditam que essa aliança permitiu às plantas habitarem a Terra por volta de 400 milhões de anos atrás.
Muitos milhões de anos mais tarde, um ramo evolucionário dos fungos deu início ao desenvolvimento de animais. Este ramo dos fungos evoluiu para capturar nutrientes cercando sua comida com sacos celulares, em essência estômagos primitivos. Quando as espécies emergiram dos ambientes aquáticos, organismos adaptaram meios de prevenir a perda de umidade. Nas criaturas terrestres, emergiram peles compostas por muitas camadas de células como uma barreira contra a infecção. Tomando um diferente caminho evolucionário, o micélio conservou sua forma de rede de cadeias celulares entrelaçadas e foi para o subsolo formando uma vasta teia de alimentos onde várias vidas floresceram.
Cerca de 250 milhões de anos atrás, na fronteira entre o período Permiano e o Triássico, uma catástrofe erradicou 90% das espécies da Terra quando, de acordo com alguns cientistas o choque de um meteorito aconteceu. Maremotos, rios de lava, gases quentes e ventos de 1000 milhas por hora açoitaram o planeta. A Terra escureceu sob a nuvem de destroços, causando extinção em massa de plantas e animais. Os fungos herdaram a Terra surgindo para reciclar os campos de destroços pós-cataclísmicos. A Era dos Dinossauros começou, e então terminou 185 milhões de anos mais tarde quando outro choque de meteorito causou uma segunda extinção em massa. Mais uma vez os fungos emergiram e muitos se associaram simbioticamente a plantas para a sobrevivência. Os clássicos cogumelos, rígidos e de chapéu, tão comuns hoje, são descendentes de variedades que precedem esse segundo evento catastrófico. (O mais antigo cogumelo conhecido – conservado em âmbar e coletado em Nova York – data do Cretáceo, 92 a 94 milhões de anos atrás. Cogumelos evoluíram suas formas básicas bem antes do mais distante ancestral mamífero dos humanos.) Os micélios guiaram o curso dos ecossistemas favorecendo sucessões de espécies. Fundamentalmente o micélio prepara seu ambiente imediato para eu benefício cultivando ecossistemas que abastecem suas cadeias de alimentos.
Os Eco-teóricos James Lovelock e Lynn Margulis, vieram com a ‘Hipótese de Gaia’, que sugere que a biosfera do planeta pilotou inteligentemente seu curso para sustentar e gerar novas vidas. Eu enxergo o micélio como a teia viva que manifesta a inteligência natural imaginada pelos teóricos de Gaia. O micélio é uma membrana sensitiva exposta, consciente e reativa a mudanças em seu ambiente. Conforme pessoas, cervos ou insetos andam através das redes de filamentos sensitivos, deixam impressões e o micélio percebe e responde a esses movimentos. Uma estrutura complexa e cheia de recursos para compartilhar informação, o micélio pode se adaptar e evoluir através das sempre mutantes forças da natureza. Eu sinto especialmente que isso é verdade ao entrar em uma floresta depois de uma chuva quando, eu acredito, que as membranas entrelaçadas do micélio despertam. Essas membranas sensitivas agem como uma consciência coletiva de fungos. Conforme seu metabolismo avança o micélio emite atrativos, conferindo doces fragrâncias à floresta e conectando ecossistemas e suas espécies por meio de rastros aromáticos. Como uma Matrix, uma super auto-estrada biomolecular, o micélio está em constante diálogo com seu ambiente, reagindo e governando o fluido de nutrientes essenciais de forma cíclica através das cadeias de alimentos.
Eu acredito que o micélio opera em um nível de complexidade que excede os poderes computacionais dos nossos mais avançados computadores. Eu vejo o micélio como a Internet natural da Terra, uma consciência com a qual podemos ser capazes de nos comunicar. Através de ‘cross-species interfacing’, nós podemos um dia trocar informações com essas sensitivas redes celulares. Pelo fato destas redes neurológicas externalizadas perceberem qualquer impressão sobre elas, de pegadas a galhos de árvores caídos, elas podem transmitir enormes quantidades de informação considerando os movimentos de todos os organismos através da paisagem. Uma nova Bio ciência Pioneira pode nascer, dedicada a programar redes microneurológicas para monitorar e responder a ameaças ambientais. Teias de micélios podem ser usadas como plataformas de informação para ecossistemas de mico engenharia.
A idéia de que um organismo celular pode demonstrar inteligência pode parecer radical se não for trabalhada por pequisadores comoToshuyiki Nakagaki (2000). Ele colocou um labirinto sobre uma placa de petri cheia de nutriente agar e introduziu nutritivos flocos de aveia na entrada e na saída. Ele então inoculou a entrada com uma cultura do mofo viscoso Physarum Polycephalum sob condições estéreis. Conforme ele cresceu pelo labirinto, constantemente escolheu o caminho mais curto para os flocos de aveia no final, rejeitando caminhos sem saída e saídas vazias, demonstrando uma forma de inteligência de acordo com Nakagami e seus companheiros pesquisadores. Se isso for verdade, então as redes neurais de micróbios e micélios podem ser profundamente inteligentes.
Alguns estudos recentes apóiam este nova perspectiva – que fungos podem ser inteligentes e podem ser nossos aliados em potencial, talvez sendo programados para coletar informação ambiental, como sugerido acima, ou para se comunicar com chips de silício em uma interface de computador. Imaginando fungos como nano condutores em mico computadores, Gorman (2003) e seus companheiros pesquisadores da Universidade North Western, manipularam o micélio da Aspergillus Níger para alojar ouro em seu DNA, em efeito criando micélios condutores de potencias elétricas. A NASA comunicou que microbiólogos da Universidade do Tennesee, guiados por Gary Sayler , desenvolveram um acidentado chip de computador biológico acomodando bactérias que brilham ao sentirem poluentes de metais pesados à PCB’s (Miller 2004). Tais inovações fazem alusão à nova microbiologia em um horizonte próximo. Trabalhando em conjunto, redes de fungos e bactérias ambientalmente reativas poderiam nos prover com informação sobre PH, detectar nutrientes e dejetos tóxicos e até medir populações biológicas.
Fungos no Espaço?
Fungos podem não ser únicos da Terra. Cientistas teorizam que a Vida está espalhada pelo Cosmos a fora, e que é provável de existir em qualquer lugar que exista água em estado líquido. Recentemente cientistas detectaram um distante planeta, a 5600 anos-luz de distância, que se formou há 13 bilhões de anos atrás, velho o bastante para a que a vida tenha se desenvolvido e se tornado extinta várias vezes (Savage ET AL. 2003). (Levou 4 bilhões de anos para a vida evoluir na Terra). Dessa forma, mais de 120 planetas fora do nosso sistema solar foram descobertos e mais estão sendo descobertos de poucos em poucos meses. Astrobiólogos acreditam que os precursores do DNA, ácidos prenucléicos, estão formando Cosmos a fora uma inevitável conseqüência de matéria enquanto se organiza, e eu tenho poucas dúvidas que eventualmente iremos vislumbrar planetas para comunidades micológicas. O fato da NASA ter fundado o Instituto de Astrobiologia e a imprensa da Universidade de Cambridge ter iniciado o International Journal of Astromycologyé é um forte apoio para a teoria que a Vida brota da matéria e é
provavelmente distribuída vastamente pelas galáxias. Eu prognostico que um Interplanetary Journal of AstroMycology surgirá quando fungos forem descobertos em outros planetas. É possível que o protogermplasma possa viajar através da expansão galática em cometas ou carregados por ventos estelares. Esta forma de migração protobiológica interestelar, conhecido como panspermia, não soa tão forçado hoje como soava quando foi incialmente proposta por Sir Fred Doyle e Chandra Wickramasinghe no início dos anos 70. A NASA considerou a possibilidade de usar fungos para colonização interplanetária. Agora que aterrissamos em Marte, a NASA leva a sério as conseqüências desconhecidas que nossos micróbios terão ao colonizar outros planetas. Esporos não tem fronteiras.
O Arquétipo Micelial
A natureza tende a basear-se nos seus sucessos. O arquétipo micelial pode ser visto em toda parte do Universo: padrões de furacões, matéria negra e a Internet. A similaridade de forma com o micélio talvez não seja mera coincidência. Sistemas biológicos são influenciados pelas leis da física, e pode ser que o micélio explore o ímpeto natural da matéria, assim como o salmão tira vantagem das marés. A arquitetura do micélio se assemelha com padrões previstos na teoria das cordas, e astrofísicos teorizam que as formas mais conservadoras de energia no universo seriam organizadas como filamentos de matéria-energia. A combinação desses fios se assemelha a arquitetura do micélio. Quando a Internet foi projetada, sua estrutura de teia maximizou a inundação de dados e o poder computacional, minimizando os pontos críticos sobre os quais o sistema é dependente. Eu acredito que essa estrutura da Internet é simplesmente uma forma arquetípica, uma conseqüência inevitável de um modelo evolucionário previamente provado, que é também visto no cérebro humano; diagramas de redes de computadores carregam semelhanças tanto com matrizes miceliais quanto neurológica nos cérebros dos mamíferos (ver figura 3 e 4). Nossa compreensão das redes de informações em suas muitas formas levará a um salto quântico no poder computacional humano.
Micélio na Rede da Vida
Como uma estratégia evolucionária, a arquitetura micélial é fascinante: uma parede celular espessa, em contato direto com uma miríade de organismos hostis, e ainda assim tão penetrante que um único centímetro cúbico de solo contém células fúngicas suficiente para cobrir mais de 8 milhas se colocado de ponta a ponta. Eu calculo que cada passo que eu dou gera impacto em mais de 300 milhas de micélio. Esses tecidos fúngicos se estendem através dos poucos centímetros de topo de praticamente todas as massas de terra que suportam a vida, compartilhando o solo com legiões de outros organismos. Se você fosse um organismo minúsculo no solo de uma floresta, você estaria enredado em uma atividade carnavalesca, com micélios constantemente se movendo pelas paisagens subterrâneas como ondas celulares, através de bactérias dançantes e protozoários nadadores com nematóides correndo como baleias através de um oceano microcósmico da vida.
Ao longo do ano, fungos decompõe e reciclam restos de plantas, filtram micróbios e sedimentos que escoam, e restauram o solo. No fim, um solo apto para sustentar vida é criado dos detritos, particularmente madeira morta. Estamos agora entrando em um tempo onde “micofiltros” de certas espécies de cogumelos podem ser construídos para destruir resíduos tóxicos e prevenir doenças, como infecções por coliformes ou por bactérias “staph”, e protozoários e pragas causados por organismos que carregam doenças. Em um futuro próximo poderemos orquestrar espécies selecionadas de cogumelos para administrar sucessões de espécies. Enquanto os micélios nutrem as plantas, os cogumelos em si são nutrientes para, vermes, insetos, mamíferos, bactérias e outros fungos parasitas. Eu acredito que a ocorrência e a decomposição de um cogumelo pré-determina a natureza e a composição das populações abaixo de si em seu “nicho habitativo” .
Em qualquer lugar que uma catástrofe gere um campo de detritos – sejam árvores caídas ou derramamento de óleo, vários fungos responderão com ondas de micélios. Essas habilidades adaptativas refletem a profunda ancestralidade e diversidade dos fungos – resultando na evolução de todo um reino com cerca de 1 a 2 milhões de espécies. Fungos superam as plantas em números em pelo menos 6 para 1. Cerca de 10% dos fungos são chamados de cogumelos (Hawkswoth 2001), e cerca de 10% apenas de espécies de cogumelos foram identificadas, o que mostra que nosso conhecimento taxonômico dos fungos é excedido pela nossa ignorância em pelo menos uma ordem de magnitude. A diversidade surpreendente dos fungos exprime a complexidade necessária para um meio-ambiente saudável. O que vem se tornando incrivelmente claro para os micologistas é que proteger a saúde do ambiente está diretamente relacionado ao nosso entendimento dos papéis complexos das populações de fungos. Nossos corpos e o que nos cerca são habitats com sistemas imunológicos; fungos são a ponte comum entre os dois.
Todos os habitats dependem diretamente desses aliados fungos, sem os quais o sistema de suporte à vida na Terra rapidamente entraria em colapso. As redes de micélios mantêm o solo unido e aerado. Enzimas de fungos, ácidos e antibióticos afetam dramaticamente a estrutura dos solos (Ver pág 16). Dando seguimento às catástrofes, a diversidade de fungos ajuda a restaurar habitats devastados. Tendências evolucionárias geralmente levam ao aumento da biodiversidade. Entretanto, graças às atividades humanas estamos perdendo muitas espécies antes mesmo de conseguirmos identificá-las. De fato, conforme perdemos espécies estamos experimentando a degeneração – voltando atrás no relógio da biodiversidade, o que é um terreno perigoso em direção ao colapso ecológico em massa. A interconectividade da Vida é uma verdade óbvia que ignoramos para nosso próprio risco.
Nos anos 60, o conceito de “viver melhor através da química” se tornou o ideal enquanto, plásticos, fusão de metais, pesticidas, fungicidas e petroquímicos nasceram em laboratório. Quando esses sintéticos eram liberados na natureza, eles freqüentemente tinham um efeito dramático e inicialmente desejável sobre seus alvos. Porém eventos nas últimas décadas têm demonstrado que muitas dessas invenções eram de fato frutos amargos da ciência que cobrariam taxas pesadas à nossa biosfera. Aprendemos agora que precisamos caminhar suavemente pela teia da vida, ou então ela vai de desfiar sob nossos pés.
Fungicidas tóxicos como methyl bromide, uma vez lançados, não só afetam as espécies alvo mas também organismos que nada tem a ver, e suas cadeias alimentares, além de ameaçar a camada de ozônio. Inseticidas tóxicos freqüentemente conferem uma solução temporária até que a tolerância seja atingida. Quando os benefícios naturais dos fungos foram sendo reprimidos, as necessidades por fertilizantes artificiais aumentaram, criando um ciclo de dependência química, em último caso interrompendo a sustentabilidade. No entanto podemos criar ambientes micológicos sustentáveis introduzindo parcerias de plantas e fungos (mycorrhisal e endothytic ) em combinação com matéria vegetal em decomposição com micélios de cogumelos saprofíticos. Os resultados dessas atividades fúngicas incluem um solo saudável, comunidades biodinâmicas e ciclos renováveis sem fim. A cada ciclo, a profundidade do solo aumenta assim como a capacidade para a biodiversidade.
Viver em harmonia com nosso ambiente natural é a chave para nossa saúde, tanto como indivíduos quanto como espécie. Nos somos um reflexo do ambiente que nos deu a luz. Destruir brutalmente os ecossistemas que suportam a vida é a mesma coisa que suicídio. Recrutando fungos como aliados, podemos compensar os danos ambientais gerados pelos humanos, acelerando a decomposição orgânica de campos inteiros de detritos que nós criamos – tudo desde devastar florestas até construir cidades. Nosso crescimento, relativamente súbito, como uma espécie destrutiva está desgastando os sistemas fúngicos de reciclagem da natureza. A cascata de toxinas e detritos gerada pelos humanos, desestabiliza os ciclos de retorno de nutrientes, causando colheitas infrutíferas, aquecimento global, mudanças climáticas, e num cenário mais assustador, acelerando o passo para uma eco catástrofe por nossas próprias mãos. Como ruptores ecológicos, humanos desafiam os sistemas imunológicos dos ambientes até seus limites. A regra da natureza é que quando uma espécie excede a capacidade de seu ambiente hospedeiro, sua cadeia alimentar entra em colapso e a doença surge devastando os organismos mais ameaçados. Eu acredito que podemos nos reequilibrar com o ambiente utilizando micélios para regular o fluxo de nutrientes. A era da medicina micológica está à nossa frente. Agora é a hora de assegurar o futuro de nosso planeta e nossas espécies com a parceria dos micélios.
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Figura 7 – Modelo de computador da matéria escura do universo. Em conjunto com a “teoria das cordas”, mais de 96% da massa do universo é teorizada como composta por estes filamentos moleculares.note que as galáxias se entrelaçam como uma matrix micelial.
Texto traduzido e imagens retiradas do Livro “Mycelium Running” de Paul Stamets