Psilocibina: Possibilidades Terapêuticas do Psilocybe

Segue abaixo uma pesquisa sobre a Psilocibina realizada com o apoio do Departamento de Psicologia da Pontifícia Univercidade Católica (PUC) de Minas,  enviada ao micélio por Vinícius Ferraz e com a seguinte justificativa:

“Tendo em vista o complexo e intrigante fenômeno proporcionado pelos psicodélicos, ressalto a importância desta presente pesquisa, que ao investigar as possibilidades terapêuticas de uma destas substâncias, a Psilocibina, da margem a discussão sobre suas aplicações medicinais e propriedades curativas que podem vir a ser de grande préstimo a humanidade.

A pesquisa também contribuirá com o levantamento de material teórico, apresentando ao leitor o que houve de mais importante nos estudos desenvolvidos com psicodélicos na literatura e os modos de investigação e aplicação contemporâneos dessas substâncias, com ênfase na Psilocibina, que disponibilizará a pesquisadores e ao mundo científico informações adicionais para o estudo do tema. A importância deste estudo reside no crescente interesse científico que se apresenta no país com a investigação das mais diversas substâncias psicodélicas nos mais diferentes âmbitos.

Estudo este que é de grande relevância social levando em consideração tão antiga e intrínseca relação entre as substâncias psicodélicas e a humanidade no decorrer de sua história, sustentando a necessidade de elucidar e trazer a tona uma maior compreensão sobre o fenômeno para que a falta de esclarecimento sobre o tema não resulte na falta de critério e discernimento em seu uso e acabe por transformar uma possível ferramenta de pesquisa e terapia em um problema social.”

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Departamento de Psicologia
Psilocibina: Possibilidades terapêuticas do cogumelo psicodélico
Vinícius Ferraz
Caio de Azevedo
Belo Horizonte
2010

Psilocibina: Possibilidades terapêuticas do cogumelo psicodélico
Artigo Cientifico apresentado para o departamento de psicologia, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, unidade Coração Eucarístico.
Belo Horizonte

“Eu vejo a questão dos psicodélicos como uma parte da longa marcha em direção á liberdade humana, que tem certos marcos ao longo do caminho, como a abolição da escravatura, a conquista pelo direito de voto ás mulheres, a inclusão dos negros nos processos da sociedade democrática e agora, a necessidade do estabelecimento do direito universal das pessoas tomarem substâncias alteradoras de consciência.
Tudo se trata da marcha triunfante em direção á uma sociedade onde a dignidade do individuo é sempre o primeiro valor a ser honrado.
Não queremos ser governados pelos medos do fundamentalismo cristão, ou pela superficialidade do cientificismo, ou pelo sombrio vazio espiritual do materialismo.
Nós queremos nos conectar primeiro com nossos corpos, e através dos nossos corpos com o planeta É disso que os alucinógenos, as plantas psicoativas e as substancias psicodélicas se tratam.”
Terence McKenna

Psilocibina: Possibilidades terapêuticas do cogumelo psicodélico

1. Prefácio

As substâncias psicodélicas têm sido estudadas há pouco mais de um século, desde que a ciência ocidental descobriu os seus usos entre as culturas tradicionais. A partir desse período até nossos tempos de ciência contemporânea, diversos estudos foram realizados em campos diferentes de acordo com as décadas e com os interesses envolvidos no estudo dessas substâncias.

A psilocibina (alcalóide pertencente à família das triptaminas) é uma poderosa substância psicodélica encontrada naturalmente em uma diversidade de espécies de cogumelo dos gêneros Psilocybe, Stropharia, Conocybe e Panaeolus, das quais o Psilocybe cubensis e o Psilocybe mexicana são as mais conhecidas. Descoberta em 1953, pelo autor e pesquisador russo Gordon Wasson, a psilocibina é um psicodélico relativamente novo, em termos científicos, já que a sua entrada nos laboratórios foi posterior à descoberta de outras substâncias como a mescalina, 60 anos antes. Logo ganhou grande relevância científica, protagonizando uma série de estudos, principalmente relativos à prática psicoterápica auxiliada por psicodélicos, até cair no silêncio sufocante imposto pela política norte-americana da Guerra às Drogas.

Após um período de quase extinção como linha de pesquisa, o retorno ao interesse envolvido com o intrigante fenômeno proporcionado pelos psicodélicos ocorre no final do século XX (década de 90) e continua seu reflorescimento em pleno século XXI. Apesar dos milhares de estudos desenvolvidos até então, pouco se sabe e menos ainda é desenvolvido no Brasil, país que possui grande biodiversidade dessas substâncias e variabilidades em suas formas de uso social. A cultura de uso de psicodélicos no Brasil e na América em geral atrai os interesses de diversos grupos de pesquisas interessados nesse fenômeno, que têm gerado debates amplos nos campos da neurociência, da ciência cognitiva e das ciências sociais, principalmente da antropologia e etnologia.

A presente dissertação buscou apresentar ao leitor o que houve de mais importante nos estudos desenvolvidos com a psilocibina e o cogumelo psicodélico na literatura, contrastando os dois grandes momentos da psilocibina na ciência, de 1950 a 1960 e de 1990 a 2010, separados por um período marcado pela moratória científica arbitrariamente imposta pela política norte-americana de guerra as drogas. As pesquisas mais relevantes de cada um destes períodos, envolvendo a administração de psilocibina em seres humanos, foram levantadas e analisadas com intuito de investigar a natureza da alteração mental que a psilocibina induz no indivíduo e as possibilidades destas alterações produzirem efeitos terapêuticos. Foi apresentado também um breve histórico, onde se procurou situar historicamente o cogumelo psicodélico e sua relação com a vida e cultura humana.

Tendo em vista o complexo e intrigante fenômeno proporcionado pelos psicodélicos, ressalto a importância desta presente pesquisa, que ao investigar as possibilidades terapêuticas de uma destas substâncias, a Psilocibina, da margem a discussão sobre suas aplicações medicinais e propriedades curativas que podem vir a ser de grande préstimo a humanidade.

A pesquisa também contribuirá com o levantamento de material teórico, apresentando ao leitor o que houve de mais importante nos estudos desenvolvidos com a psilocibina na literatura e os modos de investigação e aplicação contemporâneos dessas substâncias, que disponibilizará a pesquisadores e ao mundo científico informações adicionais para o estudo do tema. A importância deste estudo reside no crescente interesse científico que se apresenta no país com a investigação das mais diversas substâncias psicodélicas nos mais diferentes âmbitos.

Estudo este que é de grande relevância social levando em consideração tão antiga e intrínseca relação entre as substâncias psicodélicas e a humanidade no decorrer de sua história, sustentando a necessidade de elucidar e trazer a tona uma maior compreensão sobre o fenômeno para que a falta de esclarecimento sobre o tema não resulte na falta de critério e discernimento em seu uso e acabe por transformar uma possível ferramenta de pesquisa e terapia em um problema social.

2. Os Cogumelos Psicodélicos e a Psilocibina

Figura 1. Cogumelo da espécie Psilocybe cubensis

2.1 Introdução

A prática humana de promover estados alterados, incomuns ou ampliados de consciência induzidos por substâncias psicoativas é bastante antiga, pré-data a história escrita e é atualmente empregada em várias culturas em diversos contextos socioculturais e ritualísticos (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001).

Diversas substâncias psicoativas conhecidas como alucinógenas verdadeiras, tais como psilocibina, ergotamina, DMT, mescalina, LSD, entre outras de mesma natureza química podem, de acordo com as diferentes descrições dos seus efeitos serem denominadas de substancias psicotomiméticas (substancias que mimetizam a psicose), de substâncias psicodélicas (substancias que manifestam a mente ou “aquele que manifesta o espírito”) ou enteógenos (substancias que induzem experiências de significado espiritual ou “aquele que desperta o divino interior”) (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001). Para os propósitos deste estudo utilizaremos o termo de substâncias psicodélicas, por ser a denominação mais utilizada nos artigos científicos de psicologia e que mais se enquadra nos objetivos desta investigação.

A psilocibina – alcalóide pertencente à família das triptaminas – é uma poderosa substância psicodélica encontrada naturalmente em uma diversidade de espécies de cogumelo dos gêneros Psilocybe, Stropharia, Conocybe e Panaeolus, das quais o Psilocybe cubensis e o Psilocybe mexicana são as mais conhecidas. Estas espécies são geralmente encontradas na América do Sul e na América Central, sendo endêmicos em países como o México e o Brasil, mas podem também ser verificados em outras regiões do globo, principalmente nas localizações equatoriais e tropicais (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001).

Alguns pesquisadores acreditam que a psilocibina abre uma porta para o subconsciente, permitindo que o mundo consciente seja encarado de uma perspectiva o de percepção sensorial ampliada: as cores se destacam, detalhes minúsculos dos objetos são revelados e estruturas coloridas cruzam o campo de visão. O efeito pode degenerar em desorientação, reações paranóicas, inabilidade para distinguir entre fantasia e realidade, pânico e depressão (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001).

2.2 Histórico

Os cogumelos psicodélicos tem sido parte integrante da história humana há muitos milênios e têm desempenhado papel importante em várias cerimônias religiosas. Os maias que habitavam a Guatemala há 3.500 anos utilizavam um fungo conhecido na língua nahuátl como Teonanácatl – a Carne de Deus. Esse Cogumelo provavelmente pertence ao Gênero Psilocybe, embora também possa ser relacionada a duas outras variedades: Conocybe ou Stropharia. O primeiro registro histórico do consumo do cogumelo Psilocybe data de 1502, durante a coroação do imperador Montezuma (Heim, 1972).

Com o início das grandes navegações e “descoberta” do novo continente surge o primeiro contato dos povos europeus com as culturas pré-colombianas que utilizavam o cogumelo em seus rituais. Despreparados e assustados pelos efeitos da droga, os conquistadores espanhóis tomaram a decisão de proibir a religião nativa e o uso dos fungos psicoativos, considerando estes cultos como “obra do diabo”. (Heim, 1972)

Não existe qualquer evidência do emprego cerimonial dos cogumelos ‘mágicos’ por culturas tradicionais na América do Sul, exceto achados arqueológicos no norte da Colômbia datando de 300-100 anos a.C., conquanto seu uso ritualístico ainda é observado em outras partes do continente americano, principalmente México e países vizinhos. Acredita-se que o ritual com cogumelos por povos indígenas no México exista há pelo menos 2.200 a 3000 anos, como demonstra a datação de achados arqueológicos de esculturas de pedra em forma de cogumelos (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001). Um estudo recente sugere que o uso de cogumelos ‘mágicos’, provavelmente Psilocybe cubensis, também tenha ocorrido na história do Egito antigo, utilizado ritualmente e descrito no Livro Egípcio dos Mortos (Berlant, 2005).

Não há dados na literatura acerca do uso de cogumelos no Brasil. A utilização contemporânea de cogumelos, na América do Sul e em diversas localidades do mundo, ocorre em sua maioria de maneira recreacional ou hedonística, devido à facilidade de comércio pela internet, inexistência de legislação reguladora (no caso do Brasil) e pela facilidade de serem encontrados em condições naturais (no estrume de bovinos).

O interesse dos cogumelos pela ciência aconteceu no início do século XX, quando o geógrafo alemão Carl Sapper descreveu em 1898 esculturas de pedra com formas de cogumelos (Figura 2), por ele interpretadas como representações fálicas, mais tarde evidenciadas por se tratarem dos cogumelos que há muito eram utilizados em rituais mágicos. O único conhecimento acerca do uso ritual de cogumelos consistia nas descrições de um guia de missionários de 1656 contra as idolatrias indígenas, incluindo a ingestão de cogumelos e recomendando sua extirpação (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001).

Figura 2. Deuses cogumelos de pedra. (A) Cogumelo de pedra Maya de El Salvador, período formativo em anos de 300 a.C. – 200 d.C. Altura de 33,5 cm. (Retirada de Schultes et al., 2001). (B) Cogumelos de pedra encontrados na Guatemala, datação em anos de 1000 a.C. – 500 d.C.

Figura 2. Deuses cogumelos de pedra. (A) Cogumelo de pedra Maya de El Salvador, período formativo em anos de 300 a.C. – 200 d.C. Altura de 33,5 cm. (Retirada de Schultes et al., 2001). (B) Cogumelos de pedra encontrados na Guatemala, datação em anos de 1000 a.C. – 500 d.C.

Outros documentos antigos que parecem citar o uso de cogumelos na antiguidade são o Rig Veda(Livro dos Hinos hindu) na Índia e o The Westcar Papyrus no Egito, também havendo possibilidade de os gregos terem utilizado (Berlant, 2005).

3. Estudos e pesquisas

3.1 Estudos e pesquisas de 1950 – 1960.

Os estudos científicos com os cogumelos Psilocybe têm origem na década de 50, através de expedições ao México com intuito de obter um maior conhecimento a cerca das culturas tradicionais da região, onde xamãs, através da ingestão de cogumelos psicodélicos em rituais sagrados extraordinários, induziam poderosas visões para curar e guiar o destino de seus povos.

Em 1953, o autor e pesquisador russo Gordon Wasson e sua esposa Valentina Pavlovna realizaram um estudo de expedição de campo para o México, para estudar o uso de cogumelos alucinógenos em rituais e cerimônias de cura. Esta expedição marca o inicio do estudo do cogumelo psicodélico pela ciência. Em 1955, eles se tornaram os primeiros estrangeiros a participar do ritual com cogumelos sagrados dos índios Mazatecas. Gordon Wasson fez muito para divulgar a sua descoberta, publicando o artigo sobre suas experiências em uma influente revista da época, a Life Magazine, em 1957 (Allen, 1987; Wasson, 1957).

O relato de Wasson sobre sua experiência com cogumelos provoca o interesse da comunidade cientifica sobre o fenômeno, descrevendo com fascinação seus efeitos:

“Tudo o que se vê naquela noite se banha na claridade da origem: a paisagem, as casas, os utensílios de uso diário, os animais, tudo é calmamente irradiado pela luz primordial; dir-se-ia que as coisas apenas acabam de serem produzidas pelo criador! Esta novidade total – a aurora da criação – o submerge e o envolve, o dissolve na sua beleza inexplicável (…) Seu espírito está livre, você vive uma eternidade numa noite, vê o infinito no grão de areia. O que você vê e escuta grava-se na sua memória, é gravado ali para sempre. Enfim, você conhece o inefável, sabe o que é o êxtase! (…) Uma simples planta abre as portas, libera o inefável, traz o êxtase. Não é a primeira vez na história da humanidade que as formas mais humildes de vida dão a luz ao divino. Por mais desconcertante que seja, a maravilha que anuncia merece ser ouvida pelos homens.” (Wasson, 1961, pag.8-12)

Auspiciado por Roger Heim, micologista e diretor do Museu Nacional de História Natural de Paris, Wasson desenvolve uma série de contribuições para os campos da botânica e antropologia realizando a identificação do cogumelo psicodélico através da colheita sistemática, cultura em laboratório e análise detalhada das diferentes espécies de cogumelos do gênero Psilocybe e seu uso ritualístico. Mais tarde Wasson e Heim se associam a Sandoz, uma empresa farmacêutica suíça, fornecendo amostras de cogumelos para uma pesquisa mais abrangente a cerca das propriedades químicas e farmacológicas (Forte, 1997; Heim, 1972).

Em 1958, cinco anos após a identificação por Wasson, o cientista suíço (e mais conhecido como o “pai” do LSD) Albert Hoffmann, investiga as propriedades químicas desse cogumelo e extrai a psilocibina e a psilocina, substância de propriedades psicotrópicas e alucinógenas que depois foram sintetizadas. A psilocibina é um psicodélico relativamente novo, em termos científicos, já que a sua entrada nos laboratórios foi posterior à descoberta de outras substâncias como a mescalina, 60 anos antes, e do LSD, anterior em uma década. Albert Hoffman foi o primeiro cientista a isolar o princípio ativo e a descrever sua estrutura molecular: o alcalóide de coloração azulada, na verdade eram dois deles e extremamente similares, foram batizados de Psilocibina e Psilocina, em alusão ao gênero Psilocybe: palavra de origem grega que significa cabeça (cybe) pelada (psilos). Os resultados, obtidos por Hoffman em colaboração com dois colegas (A. Brack e Dr. H. Kobel) e o professor Roger Heim, foram publicados, em março de 1958, em nota no jornal científico Experientia. Os mecanismos de ação, em fato, devem-se a um princípio único, visto que a psilocibina converte-se em psilocina dentro do próprio corpo através de um processo chamado desfoforilação, mas os dois compostos são naturalmente encontrados nos cogumelos, sendo o primeiro deles verificado em maior porcentagem (Hoffmann, Heim, Brack & Kobbel, 1958).

Posteriormente, em parceria com outros quatro colegas (A. J. Frey, H. Ott, T. Petrzilka e F. Troxler), Hoffman descobriu a síntese da psilocibina, cuja fórmula foi patenteada em 1963. Os resultados da pesquisa foram publicados em dezembro de 1958, também no jornal Experientia. A substância foi identificada como similar a outros químicos com o LSD, cujos intensos efeitos psíquicos denunciavam a urgência de novas frentes de pesquisa. A psilocibina entrou, decisivamente, para a família daqueles estranhos e misteriosos alcalóides que vinham desafiando a percepção sobre a natureza da mente humana. A partir da descoberta da sintetização, os laboratórios Sandoz, para o qual Hoffman trabalhava, passaram a disponibilizar a substância, assim como o LSD e outros psicodélicos, para as novas frentes de pesquisa que se disseminavam no início dos anos 60, principalmente norteados pelas vanguardas investigativas da Psiquiatria e Neurologia (Hoffmann, Frey, Ott, Petrzilka & Troxler, 1958).

Em 1959, a psilocibina já se tornava a protagonista de uma série de estudos científicos, principalmente relativos à prática psicoterápica auxiliada por psicodélicos. Uma pesquisa francesa intitulada Les Effets Psychiques de la Psilocybine et les Perspectives Thérapeutiques (Os Efeitos Psíquicos da Psilocibina e as Perspectivas Terapêuticas) liderada pelo médico Jean Delay, pioneiro da pesquisa sistemática da psilocibina nos domínios psiquiátricos, administrou a psilocibina em 13 pacientes saudáveis e em 30 pacientes diagnosticados com desordens mentais e concluiu que a substância, com efeito alucinógeno mais leve do que a mescalina e efeito despersonalizante menor do que o LSD, possuía um significativo potencial enquanto ferramenta terapêutica por sua capacidade de provocar melhor acessibilidade aos conteúdos do paciente, assim como desencadear efeito psicolítico, ou seja, liberar estes conteúdos na forma de revivências (geralmente da infância), estímulos da memória afetiva e eventos traumáticos (Delay, Pichot, Lempérière, Nicolas-Charles & Quétin, 1959). No mesmo ano, Delay, deu continuidade à investigação, publicando o artigo Premiers Essais de la Psilocybine en Psychiatrie (Primeiros Ensaios da Psilocibina na Psiquiatria) (Delay, Pichot & Nicolas-Charles, 1959).

Ainda em 1959, o psiquiatra alemão F. Gnirss desenvolveu uma pesquisa intitulada Untersuchungen mit Psilocybin, einem Phantastikum aus dem Mexikanischen Rauschpilz Psilocybe mexicana (Estudos com psilocibina, um psicodélico do cogumelo Psilocybe mexicana), através da qual administra o alcalóide em um grupo de 18 pacientes saudáveis, através deste estudo Gnirss identifica propriedades psicotrópicas na substância , que significa que a Psilocibina age no Sistema Nervoso Central (SNC) produzindo alterações de comportamento, humor e cognição, possuindo grande propriedade reforçadora sendo, portanto, passíveis de auto-administração. Conclui que a substância é de significativa importância teórica e possibilidade de utilização psicoterapêutica. (Gnirss, 1959).

Em 1960, outra pesquisa francesa, desenvolvida pelo psiquiatra A. M. Quétin, resultou em conclusões similares ao administrar o fármaco em um grupo de 32 pacientes saudáveis e 68 pacientes diagnosticados com quadros psicóticos com idades entre 16-66 (21 esquizofrênicos, 6 com delírios crônicos, 6 com psicoses maníaco-depressiva, 6 oligofrênicos, 29 com neuroses, incluindo 3 alcoólicos). Através da análise exaustiva Quétin afirmou que a droga é certamente de grande interesse para o diagnóstico e, provavelmente, também para a psicoterapia (Quétin, 1960).

Inspirado pelo artigo de Wasson na Life Magazine (Wasson, 1957), o psicólogo, neurocientista, escritor, Ph.D. e professor de Harvard, Timothy Leary, viajou para o México com o intuito de experimentar e pesquisar os cogumelos psicodélicos (Higgs, 2006). Em 1960, ao voltar para Harvard, os psicólogos Timothy Leary e Richard Alpert iniciaram o projeto intitulado de “Harvard Psilocybin Project”, do qual fizeram parte também o ensaísta filosófico e autor de Portas da Percepção Aldous Huxley, o Presidente da Associação Psiquiátrica Americana John Spiegel, o superior de Leary em Harvard David McClelland, o psicólogo e professor da Universidade da Califórnia Frank Barron e dois estudantes graduados que já haviam trabalhado em um projeto à cerca da mescalina. Durante o programa, que durou de 60 a 62, uma série de experimentos foi desenvolvida para investigar as implicações da psilocibina sobre a natureza dos distúrbios psicóticos, tratamento de desordens de personalidade e psicoterapia auxiliada pelo uso do químico. Este projeto fazia parte do programa de pesquisa psicodélica em Harvard (Harvard Psychedelic Drug Research Program) inaugurado em 1960 por 35 professores, instrutores e estudantes graduados que deram luz a várias pesquisas importantes com psicodélicos na época (Higgs, 2006; Leary, 1961).

Em 1961, foi conduzido um dos mais significativos estudos feitos pela Harvard Psilocybin Project intitulado de “Um novo programa de mudança de comportamento para infratores adultos usando psilocibina” (A New Behavior change program for adult offenders using psilocybin), mais conhecido como “A experiência da prisão de Concord”. O experimento foi realizado no período de 1961 a 1963 por uma equipe de pesquisadores da Universidade de Harvard, sob a direção de Timothy Leary, dentro dos muros da Prisão Estadual de Concord, uma prisão de segurança máxima para jovens delinqüentes. O estudo envolveu a administração de psilocibina para auxiliar a psicoterapia de grupo para 32 presos, em um esforço para reduzir as taxas de reincidência criminal. Os registros da Prisão Estadual de Concord sugeriam que 64% dos 32 indivíduos voltariam para a prisão no prazo de seis meses após a liberdade condicional. No entanto, após seis meses, apenas 25% das pessoas em liberdade condicional retornaram a prisão, seis por causa de violação da condicional e dois para novos crimes. Estes resultados são ainda mais dramáticos quando a literatura correcional é pesquisada, poucos projetos de curto prazo com prisioneiros têm sido eficazes até mesmo em menor grau. Além disso, testes de personalidade indicaram uma mensurável mudança positiva no comportamento dos presos depois da experiência com a psilocibina, em comparação com os mesmo antes da experiência (Leary, Metzner, Presnell, Weil, Schwitzgebel & S. Kinne, 1965). Esta é apenas uma de várias pesquisas produzidas pelo Harvard Psilocybin Project nesta época.

O desenvolvimento do projeto, no entanto, foi significativamente prejudicado pela desenvoltura um tanto quanto anti-acadêmica de Timothy Leary, que extremamente fascinado pelas experiências de consciência desencadeadas por tais alcalóides, abandonou gradativamente a figura do pesquisador para investir-se da figura quase mística de um profeta do alucinógeno. Em 1963, Timothy Leary foi expulso de Harvard depois de ter promovido uma experiência psicotrópica com uma turma inteira de estudantes de psicologia (com o consentimento destes, naturalmente) sem monitoramento laboratorial ou intuito de pesquisa. Aos poucos foi se desfazendo da característica científica para tornar-se, anos mais tarde, uma espécie de guru da cultura psicodélica que vinha incitando os fluxos intensos da contracultura. (Higgs, 2006; Leary, 1963) A popularização de enteógenos promovida por Robert Wasson, Timothy Leary, Terence McKenna, entre outros autores e pesquisadores, levou a uma explosão no uso de cogumelos contendo Psilocibina por todo o mundo.

Até o momento drástico em que os psicodélicos escaparam dos laboratórios e tornaram-se os protagonistas de uma batalha política e, em função da política norte-americana da Guerra às Drogas, foram terminantemente proibidos, inclusive no universo científico. Até o final dos anos 60 e início dos 70, quando os Estados Unidos responderam violentamente aos questionamentos da Contracultura, movimento do qual fazia parte expressiva a utilização destas drogas, os principais estudos concentravam-se em traçar paralelos entre as três principais substâncias do grupo – LSD, mescalina e psilocibina – e em examinar a potencialidade psicoterapêutica e possível relação entre os estados alterados de consciência provocados pela adição destes alcalóides e os distúrbios mentais. Com a medida que pôs fim às pesquisas, e através da qual o governo norte-americano arbitrariamente revogou toda e qualquer qualidade científica dos psicodélicos, a psilocibina foi, assim como os demais, silenciada, apenas voltando aos laboratórios após quase trinta anos de moratória (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001).

3.2 Estudos e pesquisas de 1990 – 2010.

De 1953 ao final dos anos 60 as substâncias psicodélicas, como a psilocibina, foram o centro de diversas pesquisas, já citadas anteriormente, até caírem no silêncio sufocante imposto pela política norte-americana da Guerra às Drogas. Aproximadamente três décadas após o período marcado pela moratória científica arbitrariamente fixada, os psicodélicos iniciaram um expressivo movimento de retorno aos domínios científicos (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001). Somente na década de 90 se reiniciaram seriamente as pesquisas com psicodélicos em humanos, principalmente devido aos esforços do Dr. Rick Strassman, da Universidade do Novo México, nos EUA, e do Dr. Franz Vollenweider, da Universidade Psiquiátrica Hospital Zürich, na Suíça (Schultes, Hofmann & Ratsch, 2001). A partir deste momento e até os dias de hoje, a psilocibina tornou-se novamente o centro de diversos estudos.

Em 2004, o psiquiatra norte-americano Charles Grob, da Universidade da Califórnia, desenvolveu a pesquisa intitulada “Pilot Study of Psilocybin Treatment for Anxiety in Patients With Advanced-Stage Cancer” (Estudo Piloto de Tratamento de psilocibina para ansiedade em pacientes com câncer em estágio avançado) que investigou a substância enquanto fator terapêutico em pacientes com câncer em estado terminal explorando a sua segurança e eficácia. O estudo incluiu a administração de uma pequena dose (0,2 mg/kg) de psilocibina em 12 pacientes adultos – dos quais 11 eram mulheres – com câncer em estágio avançado e ansiedade, que ficaram deitados, com os olhos vendados, e ouvindo música a seu gosto durante seis horas sob supervisão de terapeutas treinados. A freqüência cardíaca, a pressão arterial e a temperatura dos voluntários foram monitoradas ao longo de cada tratamento. Os investigadores também verificaram os níveis de depressão, ansiedade e humor em cada um deles. Duas semanas após a experiência com a psilocibina, os voluntários reportaram que se sentiam menos deprimidos e ansiosos. Seis meses depois, o nível de depressão tinha diminuído 30%, conforme os resultados publicados na Archives of General Psychiatry. Alguns voluntários relataram estados de consciência ligeiramente alterados após receber a psilocibina, mas os pesquisadores não notaram efeitos adversos fisiológicos, ainda não foram identificados possíveis efeitos maléficos na utilização de psilocibina. Ainda assim, outros testes são necessários para examinar a segurança e a eficácia do cogumelo. O estudo, que procurava a redução do estresse e dor, obteve resultados animadores no aumento da qualidade de vida dos pacientes e os dados revelaram um aspecto promissor na utilização terapêutica da substância (Grob, Danforth, Chopra, Hagerty, McKay, Halberstadt & Greer, 2010).

Em 2006, o psiquiatra Francisco Moreno, da Universidade do Arizona, iniciou uma pesquisa sobre o uso terapêutico da substância em pacientes diagnosticados com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) que resistiram a outros tipos de tratamento, assim como para fins de teste de segurança do alcalóide no organismo. Em uma clínica com ambiente controlado, a psilocibina foi usada com segurança em pacientes com TOC e foi associado a reduções agudas no TOC sintomas básicos em vários indivíduos. As conclusões reportaram que todos os pacientes, da amostra de nove, experienciaram melhorias nos quadros obsessivos compulsivos durante o período da experiência. Apesar de ser uma pequena pesquisa, com uma amostra e um alcance não tão significativos, Moreno reportou seu ânimo diante da potencialidade da substância: “O que vimos foi uma drástica diminuição dos sintomas durante um período de tempo. As pessoas diziam que não se sentiam tão bem há anos” (Moreno, Wiegand, Taitano & Delgado, 2006).

Em outro estudo, em 2006, o neurocientista Roland Griffiths, da Universidade Johns Hopkins, administrou psilocibina em 36 voluntários saudáveis, que participavam regularmente de atividades religiosas ou espirituais, com o objetivo de investigar os mecanismos da experiência mística/espiritual induzida pela psilocibina. Foram realizadas três sessões em intervalos de dois meses onde a psilocibina foi administrada via oral aos voluntários em doses altas (30 mg/70 kg). Nas sessões de 8 horas, realizadas individualmente, os voluntários eram encorajados a fechar os olhos e dirigir a sua atenção para seu interior. O comportamento dos voluntários foi monitorado e avaliado durante as sessões e questionários foram preenchidos imediatamente após e dois meses após as sessões, avaliando os efeitos da substancia e as características da experiência. Cerca de dois terços dos voluntários relatou haver vivenciado uma completa experiência mística, caracterizada por uma sensação de unidade com todo o universo. Entre os resultados foram relatados uma série de grandes alterações na percepção, experiência subjetiva e humor lábil – incluindo ansiedade – dos participantes. Em dois meses, os voluntários classificaram a experiência como possuidora de substancial sentido pessoal e significado espiritual, além de atribuírem a psilocibina as mudanças positivas em suas atitudes e comportamentos, coerentes com observações e avaliações cientificas (Griffiths, Richards, McCann & Jesse, 2006). Griffiths continuou monitorando os voluntários de sua pesquisa por quatorze meses após este estudo, através de entrevistas periódicas com intuito de avaliar os efeitos agudos e persistentes da administração das doses de psilocibina. Dentre os resultados obtidos pode se observar que os voluntários ainda atribuíam à experiência a causa de seus altos níveis de satisfação com a vida e a associaram ao crescente bem-estar que sentiam desde então. Foi relatado pela maioria dos participantes que seu humor, suas atitudes e comportamentos mudaram para melhor. Entrevistas estruturadas com familiares, amigos e colegas de trabalho em geral, confirmaram as observações dos sujeitos. Testes psicológicos e relatórios dos próprios sujeitos não mostraram nenhum dano aos participantes do estudo, embora alguns admitiram ansiedade extrema ou outros efeitos desagradáveis nas primeiras horas após a administração da psilocibina. Além disto, não foram observadas dependência física ou intoxicações proporcionadas pela substância. Griffiths conclui que sob condições bem definidas, com uma preparação cuidadosa, se pode gerar de forma segura e bastante confiável uma experiência mística que pode trazer mudanças positivas a uma pessoa. Afirma também que seu estudo é um passo inicial de uma série de trabalhos científicos com a psilocibina que acabará por ajudar pessoas (Griffiths, Richards, Johnson, McCann & Jesse, 2008).

Ainda em 2006, o psiquiatra John Halpern, da Universidade de Harvard, liderou um estudo com intuito de investigar os efeitos terapêuticos da psilocibina em pacientes diagnosticados com uma enxaqueca intensa conhecida como cefaléia em salvas. Considerada como a mais forte dor de cabeça que se conhece, a cefaléia em salvas é extremamente dolorosa e de ocorrência rara. É caracterizada por uma dor unilateral que atinge a zona ocular ou temporal, sua duração varia de 15 minutos a 3 horas podendo apresentar de uma até oito crises por dia, a dor é tão insuportável que muitos pensam em suicídio e alguns de fato o cometem. Com o objetivo de trazer alívio para suas excruciantes dores de cabeça, Bob Wold, depois de ter tomado sem eficácia mais de 75 medicamentos prescritos, em mais de 100 combinações diferentes e tendo como ultimo recurso quatro opções cirúrgicas, algumas de alto risco, e todas sem promessa de resultado definitivo, Wold conheceu dois médicos que sabiam que Albert Hofmann, quando sintetizou o LSD, procurava tratamentos para hemorragias durante o parto e para dores de cabeça. Devido à ilegalidade do LSD em todo o mundo e sua difícil síntese, os médicos e Wold decidiram tentar um tratamento com psilocibina. O resultado foi tão expressivo e marcante que Bob se viu, pela primeira vez em duas décadas, livre de suas dores. Bob Wold fundou uma organização, a Clusterbusters, para ajudar pacientes com a mesma condição e estudar os efeitos da psilocibina como tratamento, através da qual mantêm contato com cerca de 200 vitimas, de onde Wold pode levantar uma série imensa de informações – adquiridas em forma de questionários – que foram apresentadas à Harvard. A organização chamou atenção da universidade, que iniciou um estudo, onde seus autores entrevistaram 53 vítimas de cefaléia em salvas que experimentaram psilocibina ou LSD para tratar de sua condição. Vinte e dois dos 26 pacientes em que a psilocibina foi administrada reportaram diminuição dos ataques e alguns até mesmo a remissão por períodos extensos. A associação cresceu e hoje conta com apoio de pesquisadores em instituições formais de pesquisa, ajudando dezenas de pacientes na mesma condição (Sewell, Halpern & Pope, 2006).

As pesquisas atuais têm apontado, com dados promissores, que psicodélicos possuem uma potencialidade ainda pouco conhecida pelos cientistas e que jamais deveriam ter sido condenados a repressão durante longas décadas. Os novos estudos têm inspirado um honesto retorno de alcalóides como a psilocibina aos domínios da ciência e desmentindo a deturpada imagem pintada pelas políticas antidrogas norte-americanas nos anos 60.

4. Metodologia

O estudo foi realizado através de revisões bibliográficas de artigos científicos que tratam sobre o tema. As revisões estão divididas em duas partes: de 1950-1960 e de 1990-2010.

Coletamos os resultados de 8 pesquisas, 4 de cada época, de diversos pesquisadores que administraram psilocibina em humanos. Os resultados foram analisados e separados por tópicos de acordo com a natureza dos efeitos produzidos pela psilocibina (como humor, cognição e comportamento), buscando nestes efeitos as possibilidades do uso da substância em tratamentos, investigando sua eficácia, segurança e contra-indicações.

5. Resultados

1950-1960
1959 – Os Efeitos Psíquicos da Psilocibina e as Perspectivas Terapêuticas.
Autoria: Delay
Objetivo: Pesquisar sistemáticamente os efeitos psíquicos da psilocibina e suas perspectivas terapêuticas.
Metodologia: Administração de psilocibina em 13 indivíduos normais e 30 portadores de transtornos mentais.
Resultados:

  • Humor: Alteração no humor, com predominio de euforia e váriações para sentimentos de desconforto, apreensão ou ansiedade acentuada.
  • Cognição: Disturbios de atenção, ideação, alteração na noção subjetiva de tempo, afastamento da realidade ou isolamento do individuo, pensamentos delirantes.
  •  Comportamento: Excitação, com movimentos compulsivos e gargalhadas sem motivos aparentes, alternando para desânimo e indiferença.
  • Percepção: Alteração na intensidade das impressões sensoriais (predominantemente visuais, mas também acústicas e gustativas), ilusão, alucinação, distorção da imagem corporal, disturbios de propriocepção, despersonalização e interpretação antagonista do ambiente.
  • Memória: Estimulação da memoria da infância, incluindo experiencias traumáticas, acesso ao material esquecido e liberação de inibições (ab-reação emocional).

Conclusão: Para os autores o acesso ao material esquecido e a liberação de inibições (ab-reação emocional) poderia ter grande valor terapêutico e interesse para a psicologia e psiquiatria.
Referência: Delay, Pichot, Lempérière, Nicolas-Charles & Quétin, 1959

1959 – Estudos com psilocibina, um psicodélico do cogumelo Psilocybe mexicana.
Autoria: Gnirss
Objetivo: Verificar os efeitos da substância em populações humanas.
Metodologia: Administração de psilocibina em 18 pacientes saudáveis.
Resultados:

  • Humor: Alteração no humor, com predomínio de euforia.
  • Comportamento: Possui ação direta no Sistema Nervoso Central, produzindo alterações de comportamento, com efeitos iniciais de atividades reduzidas e variando para uma segunda fase com o aumento da atividade e excitação.
  • Percepção: Alterações da imagem corporal, sentimentos de despersonalização e distúrbios de percepção sensorial.
  • Efeitos somáticos: Foram relatadas alterações no funcionamento do sistema nervoso autônomo como bradicardia, aumento da pressão arterial, diminuição da freqüência respiratória e aumento do volume respiratório, dor de cabeça, vertigem e dessincronização do EEG.

Conclusão: O autor afirma que a psilocibina possui ação direta no Sistema Nervoso Central, produzindo alterações de comportamento, humor e cognição, possuindo grande propriedade reforçadora sendo, passíveis de auto-administração.
Referência: Gnirss,1959

1960 – A Psilocibina na psiquiatria e clínica experimental.
Autoria: Quétin
Objetivo:
Metodologia: Administração de psilocibina em 32 pessoas saudáveis, com idade entre 25-35 anos e 68 pacientes diagnosticados com quadros psicóticos.
Resultados:

  • Humor: Não houve mudança
  • Memória: Liberação de memórias reprimidas.
  • Efeitos somáticos: Produz bradicardia, hipoglicemia e uma pequena alteração na esfera psíquica.

Conclusão: O efeito da psilocibina é comparável à do LSD e mescalina, mas difere em manifestações somáticas e não há nenhuma mudança na contagem de leucócitos. O modo de ação é complexo e ainda não esclarecido. A droga é certamente de grande interesse para o diagnóstico e, provavelmente, também para a psicoterapia. A reação dos indivíduos saudáveis podem às vezes ser previsíveis se o tipo de personalidade é conhecido: estudos psicométricos devem ser feitos.
Referência: Quétin,1960

1965 – Um novo programa de mudança de comportamento para infratores adultos usando psilocibina.
Autoria: Leary
Objetivo: Reduzir as taxas de reincidência criminal.
Metodologia: Administração de psilocibina em 32 presos, para auxiliar a psicoterapia de grupo.
Resultados:

  • Comportamento: Houve uma mudança positiva no comportamento dos presos depois da experiência com a psilocibina, em comparação com os mesmos antes da experiência.

Conclusão: O estudo concluiu que o novo programa de psicoterapia de grupo, auxiliada pela administração de psilocibina, e programas de pós-libertação carcerária, reduziria significativamente os índices de reincidência criminal. Os registros da Prisão Estadual de Concord sugeriam que 64% dos 32 indivíduos voltariam para a prisão no prazo de seis meses após a liberdade condicional. No entanto, após seis meses, apenas 25% das pessoas em liberdade condicional retornaram a prisão, seis por causa de violação da condicional e dois por novos crimes.
Referência: Leary, Metzner, Presnell, Weil, Schwitzgebel & S. Kinne, 1965

1990-2010
2006 – Segurança, tolerância e eficácia da psilocibina em 9 pacientes com Transtorno Obsessivo-Compulsivo.
Autoria: Moreno
Objetivo: Uso terapêutico da psilocibina em pacientes diagnosticados com TOC, que resistiram a outros tipos de tratamentos.
Metodologia: Administração de psilocibina em 9 pacientes portadores de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
Resultados:

  • Comportamento: Foi observada uma diminuição acentuada dos sintomas de TOC em todos os pacientes. A diminuição dos sintomas em pacientes que sofrem de transtorno obsessivo-compulsivo durou após as primeiras 24 horas após a ingestão da psilocibina.
  • Efeitos somáticos: Um indivíduo apresentou hipertensão transitória.

Conclusão: As conclusões reportaram que a psilocibina foi usada com segurança em todos os pacientes, da amostra de nove, que experienciaram reduções agudas nos sintomas básicos do TOC e melhorias nos quadros obsessivos compulsivos durante o período da experiência.
Referência: Moreno, Wiegand, Taitano & Delgado, 2006

2006 – Reação da cefaléia em salvas à psilocibina e ao LSD.
Autoria: Halpern
Objetivo: Investigar os efeitos terapêuticos da psilocibina e do LSD em pacientes diagnosticados com uma enxaqueca intensa, conhecida como cefaléia em salvas.
Metodologia: Administração de psilocibina em 53 pacientes com cefaléia em salvas.
Conclusão: Foi confirmada a eficácia completa (definida como a causa da parada total dos ataques) ou a eficácia parcial (definida como diminuição da intensidade ou freqüência dos ataques, mas não a extinção dos mesmos) da psilocibina neste tratamento em 42% dos 53 indivíduos.
Referência: Sewell, Halpern & Pope, 2006

2006 – A psilocibina pode ocasionar experiências místicas possuindo substancial sentido pessoal e significado espiritual.
Autoria: Griffiths
Objetivo: Investigar os mecanismos da experiência mística/espiritual induzida pela psilocibina e avaliar os efeitos psicológicos, agudos e de longo prazo, proporcionados por uma dose alta de psilocibina.
Metodologia: Administração de psilocibina em 36 voluntarios adultos saudaveis, que participavam regularmente de atividades religiosas ou espirituais.
Resultados:

  • Humor: Humor lábil, com sentimentos de transcendência, tristeza, alegria, e/ou ansiedade. Redução de ansiedade de longo prazo após experiencia.
  • Cognição: Senso de significado e/ou idéias de referência. Sensação de bem estar ou satisfação com a vida.
  • Comportamento: Resultados mais elevados de estimulação/excitação e de atividade motora espontânea, sonolência muito baixa, agitação e maior contato físico com os monitores. Mudanças positivas duradouras nas atitudes e comportamentos dos sujeitos.
  • Percepção: Alteração perceptivas como pseudo-alucinações visual, ilusões, e sinestesias.

Conclusão: O estudo, constata que as modificações sofridas no humor, afeto e cognição dos sujeitos, após a expreriência com a psilocibina, são típicas desta substância e produzem uma série de grandes alterações na percepção, experiência subjetiva e humor lábil, incluindo ansiedade, dos participantes. Maiores elevações, a longo prazo, nos índices de atitudes positivas, bom humor, sociabilidade e comportamentos assertivos. Experiência classificada pelos sujeitos como estando dentre as cinco experiências mais significativas de sua vida, considerando-a como possuidora de substancial sentido pessoal e significado espiritual.
Referência: Griffiths, Richards, McCann & Jesse, 2006

2010 – Estudo Piloto de Tratamento de psilocibina para ansiedade em pacientes com câncer em estágio avançado.
Autoria: Grob
Objetivo: Investigar a segurança e eficácia terapêutica da psilocibina para pacientes com câncer terminal
Metodologia: Administração de psilocibina em 12 indivíduos adultos com câncer em estágio avançado e ansiedade.
Resultados:

  • Humor: Melhora de humor que atingiu significância de seis meses, com redução da ansiedade no tempo de até três meses após o tratamento.

Conclusão: O estudo, que procurava a redução do estresse e dor, obteve resultados animadores no aumento da qualidade de vida e melhora do humor e ansiedade dos pacientes e os dados revelaram um aspecto promissor na utilização terapêutica da substância, estabelecendo a viabilidade e segurança da administração de doses moderadas de psilocibina para pacientes.
Referência: Grob, Danforth, Chopra, Hagerty, McKay, Halberstadt & Greer, 2010.

6. Discussão e análise dos dados

A partir da análise dos resultados obtidos nestas 8 pesquisas realizadas através da administração de psilocibina, entre outros conhecimentos sobre o tema, podemos observar alguns aspectos que devem ser levados em consideração:

Em relação aos efeitos somáticos produzidos pela psilocibina, que são divulgados mais amplamente em 3 pesquisas, que consiste nas alterações no funcionamento do sistema nervoso autônomo como bradicardia, aumento da pressão arterial, diminuição da freqüência respiratória e aumento do volume respiratório, dor de cabeça, vertigem e hipoglicemia podem representar riscos para algumas pessoas, necessitando de acompanhamento médico. Outros efeitos somáticos observados como midríase, hipotensão, congestão facial, suor, astenia e sono são aparentemente os mesmos, tanto em pessoas com transtornos mentais quanto em pessoas normais. Andar ébrio e tremores acontecem paralelamente.

Em relação aos efeitos psíquicos, são caracterizados em primeiro lugar por perturbações do humor, como euforia e sensação de bem-estar, é interessante notar uma inversão do humor nos melancólicos. A agitação é freqüente, variando muitas vezes de um estado eufórico para sentimentos de desconforto, mal-estar geral, fadiga com apreensão, perplexidade e até mesmo ansiedade, nos mostrando o quão sensível para emoções a psilocibina deixa o paciente.

O comportamento é alterado, geralmente há uma grande excitação com o uso da substância, podendo ocorrer, por exemplo, movimentos compulsivos que se alternam para desânimo e indiferença. Porém a longo prazo pode ser constatado uma melhora significativa nos comportamentos e atitudes do sujeito.

A cognição é afetada por distúrbios de atenção, alteração na noção subjetiva de tempo, afastamento da realidade, isolamento do indivíduo e ocorre pensamento delirantes. Os fenômenos intelectuais apresentam déficit, como perturbações de concentração, às vezes são de um tipo onírico que pode ser ansioso, e até erótico.

A percepção é alterada, ocorrendo alteração na intensidade das impressões sensoriais, distorção da imagem corporal e podendo ocorrer ilusões e sinestesias. Os contatos com o mundo exterior traduzem modificações que levam, por exemplo, os melancólicos a sorrir, os catatônicos a procurar contato. Às vezes desaparece a timidez e um fenômeno nomeado por um dos autores como reticências, que diz da “omissão voluntária do que se poderia dizer”. Sentimentos de despersonalização não são raros.

A memória é afetada através da estimulação da memória da infância, da liberação de inibições (ab-reação emocional) e liberação de memórias reprimidas. As manifestações mais interessantes aplicam-se as evocações, permitindo aos pacientes reviver suas crises de angústia ou cenas que podem tê-los marcado. A supressão das inibições permanece também como um dos resultados mais dignos de atenção.

Podemos considerar, de um modo geral, que existe grande semelhança entre os efeitos da psilocibina nos sujeitos normais e nos doentes mentais.
A liberação de memórias reprimidas ocorre igualmente a ambos, entretanto, nas pessoas normais são recordações de infância geralmente não penosas, enquanto que nos doentes mentais são, mais freqüentemente, cenas traumatizantes.

Convém separar os efeitos da psilocibina conforme a condição psíquica do sujeito, se ele é psicótico ou neurótico. Nos esquizofrênicos crônicos, nos dementes, toda possibilidade de resposta afetiva parece abolida, os risos discordantes sem nenhum motivo ou razão são freqüentes. Nos paranóicos de evolução recente as reações são violentas, as vezes provocadas por poderosas recordações nas quais as testemunhas presentes podem ser identificadas a personagens ligadas a cenas do passado do doente, que as reencontra, sob o efeito da substância. Assim sendo, a agressividade deste em relação a certas pessoas de seu ambiente renascerá, devido a esta lembrança provocada, necessitando de maio cuidado neste ponto.

Nos casos de neurose, determina-se o interesse da aplicação da psilocibina. Nos psicopatas, a atitude se revelará teatral ou pueril. As lembranças afluem, o sujeito registra-as com todo o cortejo afetivo: reivindicações, frustrações, invejas, culpabilidade (Quétin, 1960). Assim sendo, a supressão das inibições e dos recalques acelera-se, fixa-se. Em alguns casos, essas modificações chegam a uma verdadeira tomada de consciência intelectual do paciente sobre seu estado, o que pode levar a uma espécie de euforia, a qual aguçaria, por exemplo, seu “apetite” renovador, levando o sujeito a novas atitudes.

Nos histéricos, enfim, numa primeira fase ansiosa acentuada pela desconfiança, sucederá um desaparecimento progressivo da hostilidade em relação às testemunhas. Pouco a pouco, as lembranças longínquas se reconstituem, acumulam, as circunstâncias do passado tornam a juntar-se. Também nos portadores de transtorno obsessivo-compulsivo o sentimento de culpa pode exteriorizar-se, fazendo nascer os elementos que permitirão que talvez se desenhem — definidas pelo próprio doente — as etapas sucessivas de sua despersonalização, trazendo uma grande melhora para sua vida e redução, com raros casos de extinção, dos sintomas.

Este efeito sobre a memória humana, provocando o acesso a memórias reprimidas, é de grande interesse para a psicologia, se mostrando um método eficaz no tratamento de algumas desordens mentais e outros transtornos, provocando uma significativa melhora na vida dos pacientes e se mostrando segura para sua aplicação, se mediante a um acompanhamento profissional e um direcionamento terapêutico.

7. Considerações finais

Os efeitos únicos produzidos pela psilocibina fornecem panoramas para o estudo da mente em geral e da consciência humana em particular. Permitem a exploração de diversos parâmetros e mecanismos atrelados ao processo consciente, como a percepção sensorial e a autoconsciência.
Nas mãos do terapeuta, a psilocibina não apenas pode agir francamente sobre o ressurgimento de lembranças reprimidas como também despertar um desejo de aproximação entre o paciente e o terapeuta, formando um vínculo onde seja possível uma colaboração maior de ambas as partes para a revelação da origem das perturbações mentais.

Mostrando-se então uma eficaz ferramenta terapêutica, e comprovando minhas hipóteses de que a proibição desta substância advém antes de uma arbitrariedade preconceituosa de pretextos hediondos do que de um real risco a vida ou bem-estar do ser humano. Porém, para uma aplicação segura e com resultados benéficos da psilocibina, como uma ferramenta auxiliar em processos terapêuticos, mais estudos são necessários.

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