A conexão entre Budismo e Psicodélicos

Daniel Pinchbeck discute Dharma, karma e iluminação enteogênica com o autor de Zig Zag Zen Allan Badiner

Escrito por DANIEL PINCHBECK

A discussão se o Budismo e psicodélicos se complementam ou se obstruem sempre foi vibrante. Beber Ayahuasca é um atalho para pular a meditação e ir para a Iluminação? Ou, se você é budista praticante, é uma boa ideia ocasionalmente fugir pra floresta com alguns amigos e uma sacola de Psilocybe semilanceata? Bom, agora tem uma nova geração de buscadores espirituais que querem saber a resposta.

Eu quero saber a resposta!

Um clássico instantâneo desde o primeiro momento que apareceu em 2002, Zig Zag Zen: Budismo e Psicodélicos é uma antologia de pensamentos de algumas das mentes mais brilhantes no assunto. Recentemente foi re-publicado em uma nova edição e seu autor, Allan Badiner, é um companheiro escritor e amigo meu (Zig Zag Zen foi lançado praticamente ao mesmo tempo de meu livro, Breaking Open the Head – A Psychedelic Journey into the Heart of Modern Shamanism).

Eu liguei para Allan uma tarde conforme me apressava numa chuva fraca em direção à New York Grand Central station pegar minha filha. Ele atendeu o telefone em Big Sur.

EBB AND FLOW, SUKHI BARBER, 2014
EBB AND FLOW, SUKHI BARBER, 2014

 

Daniel: Allan, qual é a conexão essencial entre Budismo e uso de psicodélicos?
Allan: Ambos compartilham um interesse na primazia da mente, e consciência do momento atual, mas eles são muito diferentes em si, e não tem muita história compartilhada – até recentemente. A Geração Beat, hippies e a revolução cultural dos anos 60 foram todos produtos tanto de sabedorias tradicionais do Oeste – do qual budismo é uma grande parte – quanto dos sacramentos: LSD, cogumelos e peyote. Professores daquela era como Alan Watts, Allen Ginsberg, Jack Kerouac, Ram Dass e outros, todos falavam sobre budismo e psicodélicos e eu acho que o relacionamento entre eles se manifesta no contexto da busca humana por evolução. Muitas pessoas procuram a sabedoria compassiva do Dharma (a comunidade e filosofia Budista), e também uma reconfiguração psíquica que algumas substâncias derivadas de plantas oferecem devido a seu poder transformativo. Um tipo de magia prática resulta quando ‘Zig’ cambaleia (Zag) até Zen, quando um sistema ético testado pelo tempo encontra mudanças assistidas por plantas na consciência.

D: Como se interessou primariamente pela área?
A: Aos 30 eu abandonei meu trabalho como agente de Hollywood e viajei para a Índia e Sri Lanka por um ano. Antes de retornar à América, eu fui aconselhado a fazer um retiro Budista de meditação de 2 semanas em Sri Lanka. Foi horrível. Sujo, insetos por todo lado, doía ficar sentado horas por dia, vegetais cozidos as 6 da manhã de café e os mesmos vegetais para o almoço. Sem jantar. 2 dias antes de acabar, tudo mudou. Eu senti uma maré de êxtase silencioso, cheio de gratidão profunda por estar vivo, simultaneamente vivendo como se cada momento pudesse claramente ser o último – mas agradecido que não era. Tive um sentimento forte de total conexão com todos, árvores, animais, até insetos, e a própria terra.

D: Quando os psicodélicos entraram na sua vida?
A: Depois que retornei da Índia, ainda no brilho meditativo, fui a uma festa onde uma amiga querida me disse para fechar os olhos e colocar a língua pra fora. Sabendo da minha aversão por drogas, ela disse pra não me preocupar e só curtir. Mais tarde, eu estava admirando a visão extensa de Los Angeles e comecei a conversar com alguém que eu conhecia, mas não gostava. Minha voz interna tentava me dizer pra fugir! Mas eu vi qualidades nela que nunca havia notado antes e estava curtindo imensamente sua companhia. Aquele sentimento de conexão poderosa retornou – me senti enraizado na Terra, consciente da minha respiração e troca de gases que isso envolve.

D: Parece ecstasy!
A: Sim, mas enquanto alguns podem argumentar que MDMA não é um psicodélico, certamente senti como se fosse. Eu estava escrevendo uma coluna chamada ‘Mente e Espírito’ para o LA Weekly na época, e o jornalista em mim tinha que saber mais sobre isso. Isso me levou a um encontro com o lendário químico psicodélico Sasha Shulgin. Sasha descobriu 2CB, e milhares de outros químicos, e também foi responsável pela re-descoberta do MDMA nos anos 70. Seu tufo de cabelo branco e sorriso sorridente reservado me lembraram de gurus na Índia. Eu entrevistei outros pensadores visionários, como Terence McKenna, e daí eu experimentei esporadicamente com cogumelos de psilocibina e tive meu primeiro e único encontro com Ayahuasca em 1987.

D: Muitos críticos argumentam que Budismo e psicodélicos são incompatíveis. O escrito budista Ken Wilber fala sobre a distinção entre “estados e traços”. Com psicodélicos, pode ser fácil mudar o primeiro, mas muito mais difícil mudar o segundo. A ideia é que o acesso repentino a estados alterados de consciência por meio de substâncias não leva a mudanças a longo prazo na personalidade.
A: Sim, o estudioso religioso Huston Smith que escreveu o prefácio em Zig Zag Zen, disse que “enquanto o uso de psicodélicos é totalmente sobre estados alterados, Budismo é totalmente sobre traços alterados, e um necessariamente não leva ao outro.” Apesar do fato que Zig Zag Zen também apresenta essas visões contraditórias, eu estava esperando que tivesse uma tempestade de críticas, com demonstrações Budistas nas ruas de Boulder, São Francisco, e Upper West Side – todos ajudando a aumentar as vendas. Mas os Budistas – até aqueles com B maiúsculo – disseram “Budismo, drogas…ok, sim. Próximo?”

“É interessante que até mesmo entre aqueles que criticam o uso de psicodélicos, se você consegue fazer com que falem sobre sua experiência pessoal com drogas expansoras de consciência, é incrível o quão bom suas jornadas parecem.”

Em uma conversa recente, Ken Wilber observou que “pessoas que usam psicodélicos com alguma forma de prática espiritual ou meditação conseguem um enorme benefício com isso – mais do que apenas com um ou outro.”

D: Se ouve muito da proibição das drogas no Budismo. Não existe um preceito Budista que proíbe o uso de substâncias que alteram a consciência?
A: Os preceitos não são regras estritas ou mandamentos mas princípios guias para que facilite o progresso no caminho. Budistas se abstêm de matar, pegar o que não lhe é dado, condutas sexuais impróprias e discurso incorreto. De acordo com Robert Thurman, da cadeira de Budismo da Universidade de Columbia, o quinto preceito se refere especificamente à álcool, que era um problema até na época de Buddha já que geralmente leva à falta de cuidado, e o usuário quebrar os outros quatro preceitos.

D: Você acha que Buddha usava psicodélicos?
A: Pergunta muito interessante. Sabemos que plantas psicoativas, particularmente Cannabis, eram abrangentemente usadas como parte de uma prática espiritual nos tempos de Buddha, e nenhuma atitude pejorativa ou desfavorável sobre o uso de cannabis existia na época. Também sabemos que na tradição Shaivite do Hinduísmo, em particular, tem uma plantação de cannabis crescendo atrás dos templos ao redor da Índia para uso apenas pelos homens sagrados ou sadhus.
Sabemos que Buddha tentou todas as estratégias disponíveis ao longo do caminho para a iluminação, incluindo ascetismo extremo – jejum por longos períodos, se manter no solo nu sem abrigo, ficar ao lado dos ghats em Varanasi onde corpos dos mortos eram cremados. As regras para monges aspirantes e freiras eram incrivelmente específicas e detalhadas sobre o que não fazer, e em nenhum lugar tem referência a plantas psicoativas encontradas entre eles. Então parece improvável que ele selecionou esse elemento para passar à frente durante seus muitos anos de procura.

D: Por que existe hoje um interesse renovado em psicodélicos? Por que as pessoas parecem fascinadas por meditação e outras práticas esotéricas, e combinar essas práticas com psicodélicos?
A: Porque estamos oscilando na beira da destruição total dos sistemas que suportam a vida do planeta. Como o inventor do LSD Albert Hoffman disse, no ano antes de morrer aos 102 anos: “Alienação da natureza e a perda de experimentar ser parte da criação viva é a razão que causa devastação ecológica e mudança climática. Eu atribuo a importância máxima absoluta para a mudança de consciência, e eu considero os psicodélicos como catalisadores para isso.”. O Antropoceno, a era de mudanças feitas por humanos nos sistemas naturais da Terra, inaugurou um novo entusiasmo por ferramentas xamânicas e psicodélicas para a evolução.

“É uma questão legítima a se perguntar: poderiam os psicodélicos ser imperativos para a nossa sobrevivência?”

O que mais pode oferecer o tipo de potencial para evolução mental e mudança com a rapidez pedida pelo agravamento a saúde dos ecossistemas? Simultaneamente, estamos vivendo uma verdadeira revolução psicodélica na medicina. Substâncias antes consideradas sem uso médico e ilegais,agora estão sendo estudadas como terapêuticos potencialmente válidos. Como o psicólogo Ralph Metzner – contribuidor de Zig Zag Zen – observa: “Duas das mais potencialmente benéficas áreas para a aplicação de tecnologias psicodélicas é no tratamento de adições e preparação psico-espiritual para a transição final.”

D: Considerando que alguém queira experimentar psicodélicos de uma forma compatível com as práticas Budistas, tem algumas substâncias mais adequadas que outras?
A: Acho que o teste budista para a adequação de uma substância é esse: é razoavelmente esperado que ele produza mais compaixão, e um grau maior de noção de consciência? Exemplos de alguns materiais assim podem incluir Cannabis, haxixe, cogumelos de psilocibina, LSD, MDMA, ayahuasca ou peyote. Uma aproximação Budista seria empregar estratégias conhecidas de usuários experientes, como prestar uma atenção cuidadosa ao Set & Setting.
Set se refere ao estado da mente que vai entrar na experiência e a intenção do usuário em termos de quais resultados são esperados. Preparar-se espiritualmente para uma experiência psicodélica pode incluir ler as palavras de Buddha, meditar, praticar yoga ou fazer jejum. “Minha intenção é ter uma jornada inspiradora e significativa que me ajude a experienciar o amor de dar, não receber; ajude-me a trazer à tona a coragem e deixar pra trás o medo; e me ajudar a viver com a noção de que todas as coisas são conectadas no vasto organismo que chamamos de vida.”

D: Alguns locais ou situações são mais conducentes que outros?
A: Setting se refere ao local físico em que escolhemos ter a experiência, incluindo outras pessoas. Se a pessoa é inexperiente no uso de psicodélicos, pode ser uma boa ideia ter o que chamam de sitter – alguém que você confia, preocupa-se com você, para atender qualquer necessidade que você possa ter. Algumas pessoas podem apreciar estar em um local de festival com música que gostam e uma infinidade de amigos. Hidratação é sempre criticamente importante. 비트코인 베팅

Bom, isso foi informativo. Obrigada Allan, cheguei à estação. Vejo você em breve.

Zig Zag Zen: Buddhism and Psychedelics por Allan Badiner esta disponível em Synergetic Press.

 

Fonte Amuse

Agradecemos imensamente a tradução feita pela colaboradora Raphaela Lancellotti.
Seja você também um colaborador, entre em contato:

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2 comentários em “A conexão entre Budismo e Psicodélicos”

  1. Estava procurando o livro “Sete Anos no Tibete”. Na busca do Google apontou este site. Vim aqui apenas por isso e me deparei com este tópico. Buda durante 45 anos ensinou o caminho para a cessação, o Nibbana. Somente para reafirmar: Não há nenhum sutra que relate o ensino de Buda para uso de qualquer tipo de alucinógeno ou elemento relacionado, aliás, um dos preceitos para o discipulado é não utilizar nada que afete a mente (nisto está incluído, bebidas, drogas, etc) . NÃO FAZ PARTE DO TREINAMENTO. Para aqueles que quiserem tirar dúvidas consultem o site -removido-. Conversem com qualquer monge das tradições Theravada, Vajrayana ou Mahayana. Na dúvida, consulte a literatura clássica sobre o assunto. Agora, se quer usar qualquer alucinógeno, use por conta e risco, sabendo que não há como misturar drogas que alterem o funcionamento da mente com o dharma budista.

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